Modelo
DICIONÁRIO
Modelo
Modelo
Modéle
Model
Michelle Alanides
Escuela de arquitectura arte y diseño Universidad Nacional de Río Negro Arroyo
Angostura 113 – Tigre Buenos Aires Argentina
miaslanides@gmail.com
INTRODUÇÃO
Na prática ergonómica (tal como em outras profissões como a de psicólogo ou de
médico), a procura de uma explicação para as patologias, para os comportamentos
e as suas causas recorre a conhecimentos armazenados na memória do analista.
Estes permitem-lhe ter um olhar pré-orientado face a alguma causalidade
"esperada" no momento do diagnóstico, ainda que este mecanismo cognitivo seja
mais ou menos consciente para o analista. Mesmo os mais fenomenológicos (que
tentam não enviesar a análise com base em modelos ou preconceitos) recorrem a
uma concetualização mínima. Esta é certamente mais flexível e aberta à surpresa
oferecida pelo terreno de estudo, mas, em todo o caso, não está ausente. Isto
é, desde logo, o que resulta de um olhar sobre o processo de geração do
conhecimento como o que adotaremos no presente artigo, fundamentalmente
construtivista.
No campo da ergonomia acontece algo semelhante: recorremos a vários modelos,
tanto aos que nos permitem orientar o nosso olhar para compreender o trabalho e
as suas relações com as doenças, acidentes e com o desempenho humanos, como aos
que nos permitem transformar o que determina esse trabalho e as suas condições.
Os modelos são recursos concetuais que nos permitem relacionar os fatores que
afetam esse trabalho a partir do contexto em que o trabalhador se situa, que
nos permitem relacionar determinadas formas de trabalho com as afeções de saúde
observadas ou com certas formas de desempenho, quer estas sejam fracassos ou
sucessos. Esta é a família clássica dos modelos para compreender os famosos
conceitos para depois serem aplicados na ação. Também nos são apresentados
modelos para a ação, para a intervenção, ou seja, formas de abordar os
problemas a resolver, formas recomendadas "pelo ofício", conhecimentos
processuais que orientam a nossa forma de atuar nos contextos a transformar.
Finalmente, existem os modelos epistemológicos, ou seja, a abordagem em que se
inscrevem os objetivos, os objetos de estudo e as metodologias que se
desenvolvem a partir de um papel científico. Começaremos por apresentar este
último tipo de modelo, continuaremos com o modelo da ergonomia da atividade e
terminaremos com um clássico em ergonomia, o modelo de sistema.
MODELOS DE TRANSFORMAÇÃO A PARTIR DO USO DE STANDARDS OU DE CASOS
O primeiro modelo a que nos referimos em qualquer espaço de ensino é aquele que
permite inserir a nossa forma de abordar a ergonomia numa das duas grandes
tendências.
Por um lado, pode tratar-se de um modelo prescritivo, gerador de princípios
gerais para a transformação [1] e cuja finalidade é produzir normas válidas em
contextos de trabalho diferentes, que se possam aplicar na conceção de
artefactos que serão usados nas situações de trabalho, tanto materiais como
imateriais (regras). Deste modo, temos uma "corrente anglófona" (assim chamada
sobretudo a partir da segunda corrente, a "francófona"), que investiga a partir
de uma abordagem de laboratório, em que se reduz a complexidade das situações
para controlar os fatores que importa estudar, para explicar os seus efeitos
sobre uma variável em particular, seja em termos de saúde ou de desempenho.
Neste caso, o trabalho reduz-se a uma operação que se reproduz de forma
repetida ao máximo e em diferentes contextos, mas que é tão controlado que as
condições externas em que o trabalhador tem de atuar não se alteram. Por
exemplo, quando se estuda a fadiga por movimentos repetitivos dos dedos da mão
ao usar um rato com um design específico, o analista fixa a mão do sujeito e
impede-o de fazer movimentos diferentes dos movimentos prescritos, sendo os
seus objetivos (relativamente ao que deve fazer mentalmente) também sempre os
mesmos. A ideia é que não lhe é permitido tomar a iniciativa, alterar a sua
forma de realizar a tarefa para outro modo que não seja o prescrito, para ser
possível observar o efeito do fator repetição na fadiga dos músculos da mão,
objetivada num eletromiograma. Este modelo não pretende representar a realidade
do comportamento humano numa situação de trabalho particular, mas sim conhecer
os limites e as características de algumas das funções fisiológicas e/ou
psicológicas em contextos controlados e simples. O modelo experimental
predomina em termos quantitativos na literatura ergonómica. Esta abordagem
experimental da ergonomia é a maioritária no mundo, como poderemos constatar se
revirmos os manuais, as atas de congressos e revistas científicas da
especialidade (Clark & Corlett, 1984; Bridger, 2009; Grandjean, 1983;
Salvendy, 2012).
O estudo de casos é um modelo de análise e de intervenção que pressupõe uma
orientação diferente, baseada num trabalho de modelização da situação em cada
intervenção, de modo a determinar as características do contexto, das pessoas,
da atividade de trabalho e dos seus efeitos económicos (resultados, qualidade,
fiabilidade, etc.) e humanos (saúde, segurança, bem-estar, etc.). Esta
abordagem surge em contextos de intervenção em que não é suficiente aplicar o
que são conhecimentos standard para alcançar mudanças nas situações existentes
ou futuras. Neste tipo de contexto é necessário criar novos conhecimentos
adaptados aos requisitos e especificidades do caso e assim gerar critérios de
decisão ad hoc para definir as melhorias necessárias. Aqui o modelo é clínico.
Por um lado, observa os casos e a complexidade das inter-relações entre os
elementos do sistema, a forma como essa atividade se desenvolve através de
determinados elementos do contexto ou de certas características do operador
(Ombredane & Faverge, 1955; Leplat, 1985, 1992, 1993, 1997, 2000; Queinnec,
Marquié, & Thon, 1991; Rabardel, 1995). Por outro lado, analisa quais as
relações existentes entre essa atividade e os seus efeitos económicos e humanos
(Rasmussen & Vicente, 1987). O modelo de análise é o do clínico, como o
psicólogo ou o médico que a partir dos "sintomas" tentam encontrar uma
explicaçãocausal para a origem dos mesmos, recorrendo a conhecimentos
armazenados na sua memória. Nesta abordagem clínica existem vários modelos de
ação, consoante o contexto em que a ação de transformação se situe. Existem
muitas publicações sobre o tema que tentam modelizar a ação do ergonomista em
contextos de intervenção mais ou menos centrados em processos de conceção de
produtos, de processos, arquitetónicos, com uma abordagem mais ou menos
preditiva (Daniellou, 1985; Garrigou, 1992; Maline, 1994; Lamonde, 2010) ou de
intervenção corretiva, mais ou menos participativa (Wisner, 1985; Teiger, 1993;
Guérin, Laville, Daniellou, Duraffourg, & Kerguelen, 1991; Weill-Fassina
& Valot, 1998; Aletcheredji & Heddad, 2006; Landry, 2008).
Se nos referíssemos às formas de controlo da atividade de tipo S-R-K
(Rasmussen, 1979), que veremos mais adiante, poderíamos dizer que o primeiro
tipo de ergonomia se baseia em regras, enquanto o segundo se baseia em
conhecimentos. O modelo para a ação em ambos os casos é diferente: um consiste
em aplicar uma solução conhecida ao caso apresentado; o outro consiste em
enfrentar um problema novo e de fazer várias tentativas e erros até encontrar a
solução.
Estes dois modelos apresentam, por sua vez, nuances no que diz respeito aos
objetivos pretendidos. Alguns trabalhos pretendem melhorar simultaneamente a
saúde e a fiabilidade humana (Cuenca & Nusshold, 2012), outros apenas
incidem sobre os esforços na melhoria da saúde ou da fiabilidade do trabalhador
(Amalberti, 2009; Weill-Fassina & Valot, 1998).
MODELOS DE TAREFA E DE ATIVIDADE
O segundo modelo que desperta a atenção em toda a intervenção de ergonomia
(pelo menos, na tradição da ergonomia francófona) é o do objeto de estudo. O
facto de a distinção entre tarefa e atividade ter sido trabalhada durante
décadas - no sentido que lhe foi dado originalmente (Ombredane & Faverge,
1955) mas que foi evoluindo pouco a pouco - leva-nos a considerar ambos os
conceitos como objetos de análise em todo o tipo de intervenção, mas com um
modelo de referência menos rígido no caso da atividade.
A tarefa é definida pelos objetivos e condições nas quais a organização
pretende que eles sejam alcançados (Leplat & Hoc, 1983). A atividade é mais
variável, dependendo do posicionamento epistemológico do analista, da sua
ancoragem disciplinar e dos seus objetivos. Os ergonomistas que analisam a
atividade humana a partir de um olhar fenomenológico, por exemplo, recorrem a
um conceito denominado de "curso de ação" para dar conta desta atividade. Este
conceito não requer (e evita) o uso de um modelo prévio do analista, indicando
que a atividade é o que resulta do relato daquilo que o trabalhador vivenciou
(Pinsky & Theureau, 1987). Esse é o modelo, a atividade é aquilo que o
trabalhador vivencia e esta é objetivada a partir da forma como ele a descreve.
Alguns autores concebem a atividade como uma atualização constante da tarefa
(Leplat, 2000), outros preocupam-se em ajudar-nos, permitindo-nos estruturar as
atividades de acordo com os seus níveis de controlo num modelo "em escada",
também chamado de "S-R-K" (Rasmussen, 1979). Neste último caso, são
identificadas as invariantes da atividade, independentemente do seu contexto,
dividindo as possíveis atividades de controlo entre as que se baseiam em
automatismos, em regras ou na procura e construção de novas soluções para novos
problemas. Este é um modelo que permite observar, analisar e compreender o
trabalhador que não consegue descrever o seu trabalho, especialmente no caso de
atividades automatizadas não conscientes. Neste caso, a distinção entre tarefa
e atividade é muito pertinente, já que em geral o único nível que pode ser
prescrito é o que se baseia em regras, ficando os automatismos e a resolução de
problemas fora do espectro da planificação do sistema de produção. Este modelo
de atividade é tão flexível e genérico que não coloca entraves ao analista,
exceto se quiser descrever atividades de planificação ou de antecipação, como
bem indicaram os trabalhos posteriores dos discípulos de Leplat.
MODELO DE CAUSALIDADE OU DE SISTEMA
Todas as disciplinas que visam prevenir doenças, acidentes e/ou falhas na
fiabilidade humana percecionam o ser humano como um sistema mais ou menos
complexo, com elementos mais ou menos dependentes e interligados. O modelo
causal (que tem implícito um sistema e o seu comportamento no tempo) também é
um recurso para a compreensão e para a ação do ergonomista ou do analista do
trabalho que pretende prevenir acidentes, doenças ou problemas de fiabilidade.
No caso da Ergonomia da Atividade e da Psicologia Ergonómica, o modelo adotado
é o estabelecido como a referência nas intervenções dos especialistas (cf.
Figura_1), o modelo dos cinco quadrados que descreve a situação de trabalho e a
atividade situada no seu contexto (Leplat & Cuny, 1974; Christol &
Samrakandi, 1986).
Este modelo é um modelo-chave para orientar a análise das sequências da
atividade em situação e a sua evolução, tanto antes de um advento adverso como
a posteriori do mesmo. É um modelo para compreender a atividade em situação,
durante o desenvolvimento da mesma, a partir de uma abordagem proativa, como um
modelo que orienta a análise retrospetiva de um acidente ou incidente grave. De
igual modo, ao analisar as causas de uma doença profissional, pode recorrer-se
a este modelo causal (que é em si mesmo sistémico, dinâmico, graças aos seus
feedbacks, e flexível), já que as categorias para descrever os elementos do
sistema permanecem abertas e sujeitas ao livre critério do analista, em função
do que este encontrar no terreno analisado. Por outro lado, tem a enorme
vantagem de colocar a atividade humana no centro do sistema, de a situar
simultaneamente como a consequência de um encontro entre uma tarefa e um ser
humano com determinadas características (ambos os elementos sujeitos à
necessária variabilidade) e como o motor dos efeitos que importa avaliar a
partir do olhar da ergonomia: as consequências na saúde do operador e no seu
desempenho. Este não é caso de outros modelos sistémicos que são mencionados na
literatura clássica e manuais de Ergonomia (Bridger, 2009; Salvendy, 2012).
As setas que fornecem feedback aos elementos permitem compreender as
necessárias adaptações que constituem a atividade como resposta aos efeitos e
às consequências a médio e a longo prazo dessas adaptações em termos de
mudanças na tarefa e no indivíduo. A dinâmica das situações de trabalho é então
anunciada a partir deste modelo tão simples, mas tão rico e útil – qualidades
que caracterizam todos os bons modelos.
Finalmente, a riqueza do modelo de cinco quadrados reside em parte no facto de
a atividade, quer seja a partir de uma lógica física, cognitiva ou social, ser
sempre um elemento da situação dependente das condições externas e internas e
geradora dos efeitos a avaliar. Nesse sentido, podemos aplicar este modelo quer
quando o eixo da análise da atividade se centra nas dimensões físicas da mesma
(deslocações, posturas, gestos de desconforto, etc.), quer quando se centra nas
outras dimensões mentais e sociais.
Para concluir, ainda que contemos com vários modelos operativos para a nossa
ação de transformação, como disciplina ainda nos esperam grandes desafios
concetuais em termos de modelização ao serviço da própria ergonomia. Alguns
destemidos investigadores já se tentaram aventurar neste domínio, tentando
gerar uma teoria da atividade (Rabardel, 1995). Permanece pendente o grande
desafio de modelizar (ou de pelo menos tentar acordar) e de responder à
pergunta "A que ser humano pretendemos adaptar o trabalho para o transformar?",
colocada há bastante tempo por um dos nossos grandes mestres (Wisner, 1972).