A ecrã cultura emergente nas vivências dos jovens portugueses: poderá falar-se
de uma geração de ecrãs?
Introdução
Investigações no domínio da utilização dos novos media pela geração nascida nos
anos 90 e, mais recentemente, na década de 2000, têm sido desenvolvidas
internacionalmente (Carroll, Howard, Vetere, Peck, & Murphy, 2001), sendo-
lhes atribuídas várias designações, como net generations (Jones, Ramanau,
Cross, & Healing, 2010), digital generations (Michael & Zhou, 2011),
urban screenagers, digital natives, e-generation (Cardoso, Espanha, & Lapa,
2007), entre outros, o que transmite a ideia de grande à vontade na utilização
dos novos media. Para além disso, vários estudos debruçam o seu interesse sobre
o fosso digital existente entre os jovens e os restantes membros da família
(Gentile & Walsh, 2002; Pereira & Silva, 2009; Tee, Brush, &
Inkpen, 2009).
Considera-se, por isso, que a disseminação dos novos media foi acompanhada pelo
surgimento de neologismos e conceitos associados aos seus utilizadores, no caso
específico, aos utilizadores jovens. Em 2000, Drotner (2000) apelidava-os de
geração multimédia; Rheingold (2002) designava-os de Generation Txt, pela troca
constante de mensagens em formato de texto e Evers (2004) designa os mesmos
indivíduos de Generation C, pela produção de conteúdo em avalanche, inserindo
novo texto, imagens, áudio, vídeo numa base constante.
Buckhingham (2006) fala da net generation eTwenge (2006), por sua vez,
considera que os jovens americanos fazem parte da Generation Me, um conceito
que define os jovens como procurando uma autossatisfação permanente, o eu é
mais importante que tudo o resto. E noestudo desenvolvido por Radford e
Connaway (2007), os autores propuseram a designação de Urban Screenagerspara se
referirem aos jovens, com idades compreendidas entre os 12 e os 18 anos. Simões
e Gouveia (2008) utilizam o conceito de Geração Net. E esta lista de
designações não para de aumentar, uma vez que esta é uma temática que suscita
forte interesse na comunidade académica nacional e internacional.
Através da aplicação de um inquérito por questionário a 30 jovens
universitários portugueses foi possível concluir que os ecrãs associados aos
novos media são considerados como transparentes. As atividades para as quais é
necessário recorrer aos novos media já se efetuam sem que se apercebam da sua
presença, sendo, aliás, esta uma característica imprescindível para o
desenvolvimento e massificação de qualquer nova tecnologia, como afirmava
Weiser (1991), The most profound technologies are those that disappear. They
weave themselves into the fabric of everyday life until they are
indistinguishable from it. (Weiser, 1991, p. 3).
Os media estão presentes no quotidiano das crianças e jovens, seja nas suas
atividades escolares, nas de lazer ou familiares. Ou seja, aliada à sua
característica de transparência, surge a de transversalidade espacial, seja por
opção, ou imposição, algo que poderá não ser considerado uma desvantagem, mas
apenas se se tiver em consideração as finalidades com que se realizam tais
tarefas e o que se está a descurar com a utilização dos media.
Há uma predisposição para que os membros nascidos na década de 90 e posteriores
tenham uma ligação mais próxima com todos os media, inclusivamente com a
televisão, no entanto, na altura de escolher um preferido o telemóvel e o
computador vêm em primeiro lugar.
Desta forma, os objetivos que se pretendem explorar neste artigo são os
seguintes:
* Analisar a utilização dos novos media/ecrãs pelos indivíduos nascidos nas
gerações de 80/90.
* Conhecer as práticas de utilização dos novos media/ecrãs em contextos
diferenciados ' escolar, de lazer, familiar.
* Analisar a forma como se processam as relações sociais no presente,
considerando a frequente utilização dos novosmedia.
* Compreender os índices de posse dos dispositivos e verificar como isso se
reflete nas práticas/literacias dos indivíduos nascidos nas décadas de 1980/
1990.
O artigo encontra-se organizado em três secções principais. Na primeira far-se-
á uma análise à forma como a sociedade se encontra hoje organizada em torno de
ecrãs, e como essa organização pressupõe um processo de apropriação dos novos
media diferenciada do passado.
Na segunda parte aborda-se a forma como a geração nascida nas décadas de 1990/
2000 tem encontrado, na comunidade académica, variadas designações dependendo
da forma como faz uso dos novosmedia, os incorpora no seu quotidiano e vivencia
o seu dia-a-dia diferentemente das restantes gerações muito devido à forma como
utilizada tecnologia.
Na terceira secção apresenta-se a metodologia utilizada na investigação e os
resultados obtidos através da aplicação de um inquérito por questionário a 30
jovens-adultos a frequentar o ensino superior português, mais especificamente,
a licenciatura em Novas Tecnologias da Comunicação, da Universidade de Aveiro.
1. A ecrãcultura e a utilização de novos media
Atualmente, a forma como se investigam os novos media não pode ser desligada do
estudo da utilização de ecrãs. Estes são o suporte privilegiado de contacto com
os primeiros, e através dos quais o acesso à informação veiculada é feito
(Pinto, 2005, p. 262). Exemplos de novos media acoplados a ecrãs são três dos
mais utilizados (televisão, computador e telemóvel), mas também,tablets, e-book
readers, leitores multimédia (música e/ou áudio), máquinas fotográficas e de
filmar, GPS, telefones fixos, relógios, painéis públicos de publicidade
digital. Aliás, se o objetivo for mesmo perceber o que pode ser considerado
como ecrã, a lista não para de aumentar.
A definição de ecrã pode ser bastante ambígua. Por exemplo, famosos nas
sociedades arcaicas orientais, os teatros de sombras eram uma forma de
narrativas com imagens em movimento a duas dimensões, projetadas continuamente
sobre um ecrã. Foi provavelmente das primeiras vezes que se utilizou uma tela
para visualizar imagens e se viu a utilidade que teria para o teatro.
Datam do século XVIII as caixas óticas que serviam para espreitar vistas,
gravuras de cidades ou de paisagens coloridas à mão. São designadas de
Admirável Mundo Novo, por causa das imagens fantásticas a que davam acesso.
Uma caixa é, por isso, um ecrã.
Mas há ainda outros exemplos, como uma câmara obscura onde era possível ver
imagens; a utilização de um espelho e de luz para projetar imagens para uma
tela, aqui a tela e o próprio espelho são ecrãs; e a parede utilizada para
projeção de imagens é também um ecrã.
Lev Manovich (1995), na lógica da definição do que poderá ser considerado ecrã,
atribui características ecrãnicas ao monitor de um computador, mas a algo mais
inédito como uma pintura ou uma peça de teatro, assim, o ecrã é a moldura que
separa dois espaços diferentes que coexistem de algum modo (Manovich, 1995, p.
1). Esta será a definição de ecrã utilizada, sendo que aqui, ecrã surge sempre
associado a um artefacto tecnológico (televisão, computador ou telemóvel). Para
Manovich (1995), este ecrã não é neutro, antes ocupa uma posição agressiva, It
functions to filter, to screen out, to take over, rendering nonexistent
whatever is outside the frame. (Manovich, 1995, p. 2). Assim, e complementando
esta ideia com a noção de ecrã de Nelson Zagalo (2010), aquele é a fronteira
entre o dispositivo e o indivíduo que recebe o conteúdo transmitido (Zagalo,
2010, p. 35).
Numa análise das diferenças entre os vários ecrãs aqui em estudo, a perspetiva
de Levinson (1998 [1997]) é um ponto de partida. Quando o autor aborda a
questão dos ecrãs do século XX alerta para as diferenças de natureza deles,
nomeadamente, entre o da televisão e do computador e, neste contexto, apresenta
a necessidade de realizar uma taxonomia dos ecrãs (Levinson, 1998 [1997], pp.
199-211):
Apesar da rádio, da fotocópia, da edição electrónica e do fax, o
século XX pode, na verdade, caracterizar-se como o século do ecrã.
Foi assim desde o princípio.[...]Sabemos que a nossa cultura, tanto
produziu coisas para o ecrã, como foi substancialmente moldada por
elas. Também sabemos que os ecrãs não são monolíticos na sua
importância cultural e que diferentes tipos de coisas vão para
diferentes tipos de ecrãs e implicam diferentes tipos de processos
cognitivos e emocionais. A nossa pergunta, então, é que tipos de
coisas aparecem em que tipo de ecrãs ' especialmente ecrãs de
computadores ' e para que efeito. Para encontrar uma resposta, para
começar a construir uma taxonomia dos ecrãs[...] (Levinson, 1998
[1997], p. 199).
Passaram 15 anos da reflexão e análise de Levinson e é pertinente refletir
sobre a natureza dos ecrãs, nomeadamente, ecrã de televisão, de computador e de
telemóvel e da diferença de natureza entre eles. Apesar de ainda se verificarem
diferenças ontológicas entre si, verifica-se um progressivo processo de
diluição das respetivas especificidades, com a convergência das funcionalidades
e dos conteúdos. A televisão torna-se interativa e o seu consumo personalizável
e cada vez mais individual, o computador e os dispositivos móveis permitem o
acesso à televisão. Usa-se o computador para fazer chamadas telefónicas e
videochamadas, etc. O ecrã como característica unificadora acaba por ser o lado
visível de um processo de convergência em curso, que a curto ou médio prazo se
fará sentir de forma mais sistemática nas lógicas de consumo e de sociabilidade
dos utilizadores.
A perspetiva de Murolo (2010) vai neste sentido de unificação dos ecrãs na
convergência dos media. Mas mais do que isso, para o autor, o indivíduo está
perante ecrãs novos, novos porque há uma ligação com a imagem e com linguagens,
que permitem uma construção de sentido. Novas linguagens como a fotografia, a
animação, o desenho, o audiovisual e o multimédia, que convergem nos ecrãs.
Muitas vezes, esta confluência de linguagens com os ecrãs é um pouco
conflituosa, na medida em que se tenta incorporar novos sentidos nos velhos
suportes, quando os novos suportes (ou novos ecrãs) já exigem uma identidade
específica (Murolo, 2010, p. 2).
Para Murolo (2010), as ferramentas virtuais são também um ecrã (por exemplo, o
autor considera que o YouTube é um ecrã), no entanto, no âmbito da presente
investigação, esse é apenas um dos muitos meios disponíveis de passar uma
mensagem, uma plataforma virtual. O ecrã é sim o que permite que essa mensagem
seja transmitida para o indivíduo, ou seja, o monitor do computador, da
televisão ou do telemóvel, é algo mais físico e sensitivo e não tanto virtual.
Diz Murolo (2010) que os novos ecrãs são, por isso, os das tecnologias e os das
plataformas. Os primeiros referindo-se ao hardware, enquanto os segundos se
referem a espaços de conceptualização, de narração do audiovisual para
posterior circulação e descodificação (Murolo, 2010, pp. 3-4).
Estes ecrãs são omnipresentes, incluem-se (às vezes, imiscuem-se) nas práticas
sociais dos indivíduos de modo habitual, confuso y contradictorio. (Murolo,
2011, p. 41) e, talvez por essa razão, criam uma nova perceção sensorial, uma
cosmovisão de ações possibilitadas pelo desenvolvimento tecnológico, como a
proximidade física cada vez mais facultada pelos artefactos (Murolo, 2011, p.
42). Os novos media e os ecrãs a eles associados são invisíveis, e definem a
vida dos indivíduos através dessa invisibilidade, sobretudo, quando deixam de
pensar na sua presença e assumem uma omnipresença, excetuando-se quando surge
algum problema que é necessário resolver e aí voltam a ser visíveis (Deuze,
2012, p. 111).
Adriana de Souza e Silva (2006) debruçou o seu estudo sobre a utilização das
interfaces sociais (designadas de ecrãs no âmbito deste estudo) na
intermediação das relações entre dois ou mais indivíduos, ou seja, no contexto
das relações sociais estabelecidas online. Para a autora, aquelas interfaces
redefinem quer a comunicação, quer o espaço onde essas relações ocorrem (Silva,
2006, pp. 261-262). Nesta perspetiva não estão apenas em causa os ecrãs, mas, e
sobretudo, os espaços, a convergência de espaços, que é algo que surge
associado à utilização que se faz dos ecrãs, esta convergência e o surgimento
de um novo espaço é designado pela autora como um espaço híbrido, onde o físico
e o digital confluem, mas, mais do que isso, são espaços móveis, transportados
pelos utilizadores de dispositivos portáteis, desde que conectados à internet
e, consequentemente, a outros utilizadores (Silva, 2006, p. 262).
Os ecrãs são, por isso, e cada vez mais, um medium, uma forma ou um modo que se
entrosa na realidade, no mundo, sendo este designado por Introna e Ilharco
(2006) como um screened world (Introna & Ilharco, 2006, p. 58). O ecrã,
para estes autores, não é tanto o que representa em si mesmo, mas mais o que
transmite ao indivíduo, a mensagem que passa, o conteúdo que surge representado
no ecrã, seja texto, imagens, cores, gráficos, entre outros (Introna &
Ilharco, 2006, p. 62), assim, a relação do utilizador com os ecrãs está
bastante focada no conteúdo e no contexto e não tanto no artefacto físico. Por
essa razão, as expectativas colocadas nos ecrãs são muito contextuais,
relacionadas com o seu lugar em determinado contexto, por exemplo, quando no
cinema espera-se que transmitam vídeo e imagem; no computador, e com o email
aberto espera-se que transmitam as mensagens em caixa. Os ecrãs capturam a
atenção do indivíduo e seguram-na nos vários contextos sociais (trabalho,
lazer, familiar), mas tornam, igualmente, evidente o lugar do indivíduo no
mundo e mostram-lhe a forma de estar nesse mundo. Olha-se para os ecrãs, mas
encontra-se o modo de estar no mundo (Introna & Ilharco, 2006, pp. 65-66).
Desta forma, é possível debater-se se esta é a sociedade do espetáculo ou da
simulação, no entanto, já se torna mais complicado afastar a ideia de esta ser
uma sociedade de ecrãs (Manovich, 1995, p. 1). Lipovetsky (2010) considera que
esta sociedade é uma ecranosfera, vivendo um estado ecrãnico generalizado, com
ecrãs em qualquer lugar e tempo, seja nas lojas, aeroportos, restaurantes,
bares, metro, carros e aviões, de várias dimensões, texturas (liso, grande,
miniatura, móvel, tátil, gráfico, vídeo) e com diferentes potencialidades
(informativos, de vigilância, lúdicos, de ambiente), impondo-se uma
ecranocracia em que tudo é ecrã (Lipovetsky, 2010, pp. 10 e 21-22), numa nova
ecrãcultura, onde a transparência é uma exigência para essa disseminação,
envolvência e imersão (Zagalo, 2010, p. 51). Mas é também exigida uma
sensualidade que promova uma relação de quase intimidade entre os ecrãs e os
seus utilizadores, verificada com a propagação de cada vez mais ecrãs táteis em
todo o lado e em todos os artefactos tecnológicos.
1.1. O processo de apropriação de novos media-ecrãs
Mas, então, como se incorpora uma nova tecnologia? Que caminho é percorrido até
se chegar ao patamar do uso frequente e naturalizado? Aroldi e Colombo (2007)
propõem o processo de definição social de uma nova tecnologia. Os autores
sugerem uma forma de como é realizada a aproximação das gerações aos media,
considerando de um lado a tecnologia propriamente dita, pertencente a
determinada geração (aqui com o significado, atribuído pelos autores, da época
em que surgiu a tecnologia) e, do outro, a representação e uso dessa tecnologia
por determinadas gerações (Aroldi & Colombo, 2007, p. 40).
Para os autores, a incorporação ocorre em determinadas identidades sociais,
como por exemplo, as geracionais; mas também se reflete nas tecnologias e nos
discursos sociais, o que, de um modo global, se traduz numa nova definição
social, uma vez que tem parte importante do processo de socialização,
modificando até as suas estruturas e o seu valor simbólico (Aroldi &
Colombo, 2007, p. 40). Aliás, um pouco nesta linha da incorporação dos novos
mediano processo de socialização, Sáez Vacas (2011) propõe um modelo da
evolução humana ao longo dos tempos, tendo em consideração o sistema-
inteligência. Para o autor, a evolução faz-se atravessando determinadas
ferramentas: o ambiente, a mão, o cérebro, a inteligência e, por último, a
tecnologia, que, por sua vez, usufrui de todas as ferramentas anteriores.
Passa-se, assim, do estado primata, ao Homo habilis, encontrando-se,
atualmente, o indivíduo no estado Homo digitalis (Sáez Vacas, 2011, p. 8).
Na mesma linha de pensamento de Sáez Vacas (2011), Ilharco (2007), na teoria
que formula, considera que o indivíduo foi aprendendo, naturalmente, a saber-
estar no mundo, o que, consequentemente, o prepara para saber-como utilizar as
tecnologias que vai encontrando, sejam elas telemóveis, computadores,
televisões, automóveis ou outros. Assim, o utilizador vai compreendendo os
media, e ao compreender o telemóvel, por exemplo, sabe também o que significa e
como se fazem telefonemas móveis. Aliás, refere o autor, que todos estes
artefactos são coisas tidas antes de serem coisas cognoscíveis (Ilharco, 2007,
p. 62).
Ainda para Ilharco (2007), e seguindo o pensamento de Heidegger (1977), nesta
natural apreensão e apropriação dos novos media, os indivíduos mostram-se como
fazendo parte de um processo ordeiro eficiente, o designado Ge-stell(ou
Enframing) (Heidegger, 1977, p. 19). Com o número crescente de tecnologia a
integrar-se no quotidiano dos indivíduos, surge o Ge-stell, emuldura-se o
emuldorado, como um quadro dentro de outro quadro (Ilharco, 2007, p. 66). A
moldura mais abrangente da vida dos utilizadores surge re-emoldurada nos
artefactos, com a internet a ocupar uma importância crescente.
A utilização dos novos media pelas gerações, no entanto, não é realizada de
igual forma, apesar de todas as gerações os utilizarem, dando mais relevância
ao telemóvel ou ao computador ou à televisão, mas a tecnologia não se assume
como ausente no quotidiano dos indivíduos. Esta utilização é experienciada,
então, de forma diferenciada, não apenas de acordo com a idade ou década de
nascimento, mas também devido a outras variáveis, como a classe social de
pertença, o sexo e, sobretudo, pelas circunstâncias de acesso ((in)existência
de centros de acesso à internet, bibliotecas, videotecas, entre outros).
Num estudo realizado por Livingstone e Helsper (2007) com crianças e jovens,
com idades compreendidas entre os 9 e os 19 anos, residentes no Reino Unido, o
que as autoras concluíram através de um inquérito nacional, foi que é mais
provável encontrar não-utilizadores no grupo dos mais velhos e no dos mais
novos, ou seja, nos grupos pertencentes a idades limite (9-10 anos ou 18-19
anos), e, para além disso, essa não-utilização é ainda mais frequente em
famílias mais pobres. Finalmente, e a juntar às diferenças de acesso à internet
devido à idade e ao estatuto socioeconómico das famílias, surge o sexo. As
investigadoras descobriram que os rapazes conseguem aceder mais facilmente e em
mais locais à internet do que as raparigas (Livingstone & Helsper, 2007, p.
6) e, eventualmente, esta facilidade de acesso reflete-se também na utilização
do computador e não apenas da internet.
As autoras dividiram os não-utilizadores em três categorias: os desistentes
voluntários, os que escolhem não utilizar e os utilizadores marginais. Os
indivíduos da faixa etária 12-15 anos facilmente se incluem em todas estas
categorias, no entanto, os que têm entre 16-17 anos de idade são mais os que
escolhem deixar de utilizar. Os mais velhos (18-19 anos) a maioria são
desistentes involuntários, muitas vezes porque perderam o acesso em casa
(Livingstone & Helsper, 2007, p. 7).
Apesar da investigação não ter sido realizada com adultos, outros inquéritos de
âmbito nacional foram analisados que privilegiavam este grupo, nomeadamente, o
Ofcom1 e o OxIS2. De acordo com o primeiro, as principais razões enunciadas
pelos adultos para a não utilização da internet está relacionada com a falta de
interesse para o fazer e os custos que lhe estão associados. O segundo
inquérito acrescentou a estes motivos a falta de competências e algum medo para
a utilização de tecnologias (Livingstone & Helsper, 2007, p. 8).
No que diz respeito à utilização de outros media, que não apenas a internet,
Livingstone e Helsper (2007) propõem duas formas de analisar esse uso, uma
considerando a quantidade de utilização (não-utilizadores, utilizadores
ocasionais, semanais e diários) e a outra baseada no alcance da utilização
(gama de oportunidades aproveitadas). As autoras concluíram que estas duas
variáveis estão fortemente relacionadas, o que conduz a que proponham a teoria
da inclusão contínua em oposição ao amplamente discutido fosso ou divisão
digital (Livingstone & Helsper, 2007, p. 9).
Outros motivos para a utilização dos media pelas crianças e jovens entre os 9 e
os 19 anos, são as diferenças de desenvolvimento, por exemplo, os jovens mais
velhos tendem a afastar-se da televisão, bem como do tempo passado online,
talvez porque, sugerem as autoras, dão mais preferência aos contactos
presenciais. No entanto, a utilização do telemóvel, eventualmente para agilizar
a marcação de encontros com os pares, aumenta conforme a idade. Mas há outros
motivos como o aproveitar das oportunidades, as atividades para as quais se
usam os media, o nível de conhecimentos, entre outros (Livingstone &
Helsper, 2007, pp. 10-12). A variável nível de conhecimentos ou à vontade
com a tecnologia é, aliás, analisada por Crumlish e Malone (2009), que se
afastam da perspetiva de continuum que Livingstone & Helsper (2007)
pretendem desenvolver. Para os primeiros autores, o à vontade com as
tecnologias é fortemente geracional, afirmam
These folks have grown up with technology and expect it to help
facilitate and mediate all their interactions with friends,
colleagues, teachers, and coworkers. They move seamlessly from
computer to their mobile device or phone and back, and they want the
tools to move with them. They work with technology, they play in
technology, they breathe this technology, and it is virtually
invisible to them. (Crumlish & Malone, 2009, p. 7).
Em Portugal, a investigação Portugal Móvel (Cardoso, Araújo, Gomes, &
Espanha, 2007) dá conta de informação que vai também no sentido de divisão
digital entre indivíduos de diferentes idades e níveis de instrução. Aliás, a
relação entre idade e posse de telemóvel é, segundo os autores, negativa. Os
escalões etários que mais adquirem e utilizam o telemóvel são os que estão
entre os 25-44 anos e 45-64 anos (66% no total), ficando os indivíduos com
idades iguais ou superiores a 65 anos com a menor percentagem (45% do total),
dados de 2006 (Cardoso, Gomes, et al., 2007, pp. 24-25). Dados de 2010, embora
não contrariem totalmente esta informação, indicam que as faixas etárias que
mais possuem o telemóvel são as que estão entre os 15-24 anos (98,5%) e, a já
referida anteriormente, dos 25-34 anos (97,5%). Porém, os indivíduos que têm 65
ou mais anos continuam a deter a menor percentagem (59%), embora esta tenha
aumentado de 2006 para 2010 (Cardosoet al., 2012, p. 14).
2. Conceito de geração
Geração compreende aqui não apenas fatores quantitativos, como a idade ou a
década de nascimento, mas também qualitativos, como o sentimento de pertença e
a partilha de valores comuns entre membros da mesma geração ou o seu contraste
(Mannheim, 1990 [1952], p. 132-136). Como refere Scott (2010), Geração [ ] é
mais que idade, por suas implicações como relações sociais. Opera
simultaneamente hierarquizando por diferenças de gerações, e solidarizando
vertical e horizontalmente, em torno de relações de imagens de pertencimento
familiar em constante negociação. (Scott, 2010, p. 252). O conceito tem, como
se viu, características multidimensionais, onde coexistem traços biográficos,
históricos e culturais e onde a pertença de idade está, não raras vezes,
relacionada com experiências específicas, hábitos de consumo peculiares e
ocupação de determinadas posições familiares (Aroldi, 2011, p. 53).
Posto isto, será realizada uma breve abordagem aos conceitos geracionais
associados aosmedia (por exemplo, e-generation(Cardoso et al., 2007), geração
digital(Ponte, 2011), geração net(Barnes, Marateo, & Ferris, 2007; Simões
& Gouveia, 2008), entre outros (Moura, 2009; Rivoltella, 2010a; Teixeira-
Botelho, 2011)) e à opção desta investigação pelo conceito de gerações de ecrã.
É importante distinguir na noção de geração aqueles que vivem no mesmo momento
(contemporâneos), dos que têm a mesma idade (coevals'), como defendem Eyerman
e Turner (1998, p. 93). Aliás, para estes autores, o conceito de geração está
ainda em construção, na medida em que incorpora demasiados âmbitos e abarca
muitas variáveis vivenciais. Se, para a análise das gerações, se tomar como
perspetiva aspetos culturais, observa-se que Eyerman e Turner (1998) deram um
importante contributo neste sentido, ao proporem como fundamental a memória
colectiva para compreender os indivíduos pertencentes a determinada geração.
Ou seja, quando estando integradas numa geração ou cohorte, as pessoas agem em
coletividade, têm comportamentos homogéneos e são independentes das restantes
gerações, partilham habitus, disposições e cultura (Eyerman & Turner, 1998,
p. 93).
Corsten (1999) continua na mesma direção dos autores referidos anteriormente:
os indivíduos pertencentes a uma geração partilham signos e linguagens
coletivas, são as designadas semânticas históricas. Os grupos localizam-se
socialmente, sobretudo através das experiências sociais que vão vivendo, e dos
discursos que criam, permitindo estabelecer fronteiras com outras cohortes.
Mais uma vez, a perspetiva do confronto é importante para que se compreendam as
fronteiras existentes entre as diferentes gerações, apenas na interação entre
elas é possível encontrar-se o seu limite, sendo, por isso, um processo
construtivo (Corsten, 1999, pp. 261-262).
Riley (1986) privilegia critérios sociais na explicação das questões etárias e
das transformações dos indivíduos, desde a infância até à terceira idade.
Aliás, o desenvolvimento do indivíduo é, todo ele, uma construção social,
delimitada por estágios etários, culturalmente construídos e definidos, nos
quais os indivíduos vão assumindo posições sociais distintas, de acordo com as
suas capacidades. A autora considera ainda que a mudança social é fundamental
para que ocorram as gerações, não as enquadra no sentido extremo de se
explicarem isoladamente, mas mais como orientadoras do processo (Riley, 1986).
Para Fortes (1984), o conceito de geração encontra-se intimamente relacionado
com os de família, escola e Estado. Propõe uma conceptualização em torno dos
sistemas de linhagem e das genealogias familiares. Segundo o autor, as gerações
existem dentro do núcleo familiar (pais e filhos) e modelam-se na sua sucessão
sendo, por isso, a reprodução uma condição imprescindível para que aconteça a
substituição familiar, social e cultural, e, consequentemente, para que existam
gerações.
Fortes (1984) faz ainda referência aos sistemas educativos, uma vez que também
estes se encontram definidos e delimitados por via de escalões etários, logo
geracionais. E, por último, considera que a noção de Estado da modernidade
modela os grupos etários e, por isso, as gerações. Toda a legislação produzida,
a atribuição de direitos e deveres aos diversos estágios cronológicos modelam a
definição de cidadania, assim como a de geração e dos seus membros (Fortes,
1984, pp. 101 e 109-115).
Nos últimos anos, os estudos geracionais têm focado o seu interesse, sobretudo,
em dois grupos: a infância/juventude e a terceira idade, por razões diversas,
' que aqui não se conseguirá enumerar na totalidade ' as práticas dos primeiros
(tecnológicas, de isolamento, escolares...) e a forma de viver dos segundos
(também o isolamento, mas, neste caso, forçado; a pobreza; o aumento da sua
esperança de vida...), mas fica uma lacuna em relação à geração intermédia, a
designada idade adulta. Domingues (2002) apresenta uma explicação para este
facto,
[ ] são essas exactamente as faixas em que a entrada no mercado de
trabalho ainda não se realizou [infância/juventude] ou então que o
êxito dele já teve lugar [terceira idade]. O cidadão trabalhador
colocado no mercado de trabalho e pai de família bem como a dona de
casa casada e com filhos ' ou seja, adultos jovens ou de meia-idade '
não apresentavam problemas que merecessem ser estudados com foco
particular. (Domingues, 2002, p. 86).
É também este fosso que se pretende diminuir no presente estudo, compreender a
forma como as três gerações se relacionam e interagem entre si e com a
utilização dos media, e como o fazem isoladamente. Neste sentido, são
importantes as teorias de Gadamer (1960, pp. 307-12 cit. inDomingues, 2002, p.
78) e Mannheim (1952, p. 121). O primeiro incorpora a noção de fusão de
horizontes para explicar a relação existente entre os diferentes grupos
etários de indivíduos e a compreensão que fazem das experiências sociais, tendo
como referência experiências passadas e históricas suas e das outras gerações,
não somente coexistem a partir de estágios biológicos distintos mas também a
partir de experiências e identidades diferenciadas (Domingues, 2002, p. 78), o
que Mannheim designa de não simultaneidade do simultâneo (1952).
Assim, para a definição de gerações podem ser utilizadas várias dimensões, como
já referido, dependendo dos autores, das teorias, da área de estudos dominante:
familiar, biológica, social, cultural, legal e normativa, o contraste com
outras gerações, as identidades que se formam. Para a investigação interessou,
sobretudo, a apropriação do âmbito familiar nuclear (e as suas ramificações
descendentes ' avós, pais e filhos); das cohortes, porque se pretendia abordar
a utilização de diferentes media por indivíduos nascidos em momentos próximos;
e a forma como esses indivíduos experienciam e conseguiam descrever a
utilização dosmedia ao longo dos anos.
Já se apresentou a definição do conceito, no entanto, para contextualizar,
considera-se que a sua apropriação é realizada utilizando particularidades
micro e macrossociais, ou seja, o nível familiar, incluindo a posição de cada
uma das pessoas numa linhagem (micro) (Bengtson & Achebaum, 1993 cit.
inWalker & Fong, 2010, p. 425)), e a idade ou os seus anos de nascimento
(macro), ou seja, as especificidades microssociais atribuídas às relações
familiares são cruzadas com as relações intergeracionais macrossociais (Walker
& Fong, 2010, p. 426). O conceito de geração tem sido aplicado com alguma
frequência em investigação como forma de caracterizar um grupo específico e a
sua familiaridade com os media(Baileya & Ngwenyamab, 2010; Cardoso et al.,
2007; Joneset al., 2010).
2.1. Geração de ecrã
O ritmo exponencial da utilização das tecnologias propiciado, sobretudo, pela
internet na década de 90 e a apropriação dos media de forma transversal e
ubíqua permitiram a propagação de vários termos que se generalizaram, uma vez
que também se propagaram os media e as suas potencialidades. Este fenómeno
contemporâneo desafiou a comunidade científica a observar e a refletir no
sentido de compreender os processos sociais e comunicacionais em curso, que
culminou com a proposta de vários conceitos que, por vezes, surgem associados
quer à tecnologia em si, mas também à geração e outras variáveis, como a
geográfica.
Mencionando alguns dos conceitos, José Machado Pais (1997) propõe o conceito de
geração yô-yô, em alusão ao brinquedo popular. Para o autor, a lógica
fundamental desta geração é a experimentação em todos os campos da vida. No
fundo, este conceito tenta caracterizar os trajetos de vida dos jovens,
sobretudo, os mais desfavorecidos (Pais, 1997). Mais tarde, a revista do jornal
Expresso, do dia 6 de fevereiro de 1999 (n.º 1371), apelida os jovens de
geração internet.
Em 2000, Drotner (2000) apelidava os jovens de geração multimédia, devido à sua
inovação na utilização dos media e ao seu uso intenso, não aceitando o conceito
de geração digital, e propondo o de geração multimédia. E, também no início da
década, em 2001, Feixa (2001) introduz o conceito de geração @, que pretendia
expressar tendências no mundo tecnológico, o acesso universal às tecnologias de
informação e comunicação; a eliminação das fronteiras entre os sexos; e, as
novas formas de exclusão social potenciadas pela globalização cultural (Feixa,
2011, p. 212).
Rheingold (2002) apelida os jovens de Generation Txt, pela troca constante de
mensagens em formato de texto (Rheingold, 2002, p. 20) e Manovich (2002) propõe
o conceito de Generation Flash, que caracteriza os jovens que criam o seu
próprio software, que serve para criar o seu próprio sistema cultural,
considerado, pelo autor, um novo tipo de arte, que rompe com os parâmetros da
arte comercial e global (Manovich, 2002). Ainda nesta conceção de produção de
conteúdo, Evers (2004) designa os mesmos indivíduos de Generation C, pela
produção de conteúdo em avalanche, inserindo novo texto, imagens, áudio, vídeo
numa base constante (Evers, 2004), refere o autor que Instead of asking
consumers to watch, to listen, to play, to passively consume, the race is on to
get them to create, to produce, and to participate. (Evers, 2004)3.
Buckhingham (2006) e Tapscott (2009) falam da net generation eTwenge (2006),
por sua vez, considera que os jovens americanos fazem parte da Generation Me,
um conceito apropriado do autor Tom Wolfe, que definia os jovens da década de
70 como procurando uma autossatisfação permanente, o eu é mais importante que
tudo o resto (Twenge, 2006). Giuseppe Granieri (2006) propõe o conceito de
Geração blogue para se referir aos indivíduos que têm participação ativa na
blogosfera, em oposição aos que não têm acesso a ela (Granieri, 2006).
O conceito de e-generation (Cardoso et al., 2007) é ainda outro dos atribuídos
à geração das crianças e jovens, ou seja, nascidos nas décadas de 90 e 2000. E
no estudo desenvolvido por Radford e Connaway (2007), os autores propuseram a
designação de Urban Screenagers para se referirem aos jovens, com idades
compreendidas entre os 12 e os 18 anos (Radford & Connaway, 2007). Simões e
Gouveia (2008) utilizam o conceito de Geração Net. De acordo com os autores,
Os estudantes que pertencem à Geração Nettêm sido expostos às tecnologias
digitais em praticamente todas as facetas das suas vidas, o que influenciou a
forma como estabelecem relações interpessoais (Simões & Gouveia, 2008, p.
4).
Moura (2009) desenvolve uma investigação que designa de projeto Geração Móvel4,
tendo como referência o conceito geração polegar já anteriormente utilizado por
Howard Rheingold (Moura, 2009, p. 59) Cada vez mais esta geração polegar envia
conteúdos e informações utilizando SMS, MMS e Bluetooth de forma instantânea.
Com o Gameboy, a PSP e o telemóvel, a geração, até aos 25 anos, passou a usar
mais o polegar em vez do indicador, motivando novos comportamentos, como passar
a apertar as campainhas com o polegar (Moura, 2009, p. 59). A autora utiliza
ainda os conceitos de geração hippie e geração bit para designar os pais e os
filhos, respetivamente, diferenciando-os em termos de práticas e de utilização
dos novos media. Se os miúdos da geração anterior brincavam na rua, os da
geração actual gostam de brincar em casa em frente a um computador e falam uns
com os outros através de MSN e SMS. (Moura, 2009, p. 60).
À semelhança de Drotner (2000), Cardoso (Cardoso, 2009) considera que a geração
dos indivíduos que nasceram nos anos 80 e posteriormente são a geração
multimédia e informacional, tendo em consideração a sua relação com uma
multiplicidade de ecrãs ' televisão, computador, telemóvel, iPodou consola
portátil ' e a sua articulação no seu modo de vida. Para além disso, a
multitarefa é uma característica desta geração (Cardoso, 2009, pp. 178-179).
Henry Jenkins fala da Geração Transmedia5, afastando-se dos conceitos de
Geração Digital, Generation.com, ou até Nativos Digitais. Para o autor estamos
perante uma geração que relaciona informação de vários canais de comunicação, a
palavra transmedia significa, por isso, através de vários meios. Uma geração
com maior controlo sobre os meios de informação, que cria blogs, que partilha
conteúdos nas redes sociais e que, ainda assim, vai continuar a precisar dos
meios de comunicação tradicionais. Uma geração mais participativa, que comunica
em rede e que se mobiliza politicamente6. Mais próxima deste estudo é a
designação de Rivoltella, que diz que [ ] si parla di una screen generation
contraddistinta dal facto di relazionarsi con una molteplicità di schermi e
segnata dalla presenza importante del telefono cellulare. (Rivoltella, 2010,
p. 6), ou seja, a forma como os jovens vivem em contacto com ecrãs,
nomeadamente, através da presença importante do telemóvel, faz deles uma
geração de ecrã.
Teixeira-Botelho (2011) considera que os nascidos entre a década de 90 e 2000
são a Geração Extreme, devido ao uso extremo do telemóvel, proporcionado pelas
tarifas disponíveis (Tag, Extravaganza, Extreme e Moche), que lhes permitem
enviar mensagens, falar e navegar na internet com uma mensalidade bastante
acessível (Teixeira-Botelho, 2011). Ponte (2011) apresenta a existência de uma
geração digital que, em confronto com os baby boomers, é mais vivaça e está
mais entrosada nas mudanças tecnológicas, enquanto a segunda seria a designada
geração da televisão (Ponte, 2011, p. 34).
E, se para Prensky, deixou de fazer sentido existir uma distinção entre nativos
e imigrantes digitais (Prensky, 2001a, 2001b), para se falar de sabedoria
digital (digital wisdom), através da qual se utiliza a tecnologia de forma
sensata, apropriando-se de conhecimentos adequados para que essa utilização
seja o mais proveitosa possível (Prensky, 2009), para White e Cornu (2011) o
estabelecimento de duas categorias/gerações de utilizadores (visitors e
residents) continua a ser adequado, na medida em que há diferenças na forma
como cada um vê e assimila a internet, os visitantes consideram-na como um
barracão onde guardam as ferramentas para tratar do jardim, quando precisam de
fazer alguma ação, vão ao barracão e procuram a melhor ferramenta para o
efeito, enquanto os residentes a percecionam como um prédio ou parque onde
podem facilmente encontrar os seus amigos ou colegas de trabalho (White &
Cornu, 2011). É a visão utilitarista oposta à visão social da utilização da
internet e, consequentemente, dos media.
Lipovetsky (2011) defende, no seu livro Os Tempos Hipermodernos, a existência
de uma Geração sem Idade, onde tudo é efémero (a moda, a beleza, a juventude),
e nesta categoria de efemeridade pode incluir-se também a tecnologia, tudo
muda, assume novos contornos, deixa de estar vincado a uma idade pré-
determinada. Mas há ainda designações como Generation Y (Dagnaud, 2011; Rollot,
2012), assim nomeada por ser considerada como a geração dos avanços
tecnológicos e da internet.
Também utilizada para designar uma conferência, surge o conceito de Connected
Generation7. A conferência decorreu em Bruxelas, organizada pelo European
Institute for Industrial Leadership, em 2012, e tinha como objetivo explorar os
impactos laborais que as gerações atuais e futuras irão vivenciar, tendo em
consideração a utilização dos novos media.
Finalmente, Deuze (2012) menciona a Martini generation, fazendo referência a um
anúncio publicitário da televisão dos anos 70 da bebida Martini, cujo slogan
eracapture a moment ' that Martini moment ' anytime, anyplace, anywhere [ ]
(Deuze, 2012, p. 79) e que o autor considerava que se aplicava à geração mais
jovem.
Investigações no domínio das gerações e da sua relação com os media, têm sido
desenvolvidas internacionalmente, de forma bastante diversificada, ou dando
ênfase a faixas etárias mais velhas, como os seniores, ou mais novas, como as
crianças e jovens (Carroll et al., 2001), sendo atribuídas a estes várias
designações: net generations (Jones et al., 2010), digital generations (Michael
& Zhou, 2011), urban screenagers, digital natives, e-generation (Cardoso et
al., 2007), entre outros, o que transmite a ideia de grande à vontade na
utilização dos novos media, e isso ocorre quer nos estejamos a referir a
indivíduos residentes no meio rural ou urbano. Para além disso, vários estudos
debruçam o seu interesse sobre o fosso digital existente entre os jovens e os
restantes membros da família (Gentile & Walsh, 2002; Pereira & Silva,
2009; Tee et al., 2009).
Para Pinto (2005), Lipovetsky (2010), Rivoltella (2010b) e Frau-Meigs (2011)
vivemos numa sociedade de ecrã(s), somos indivíduos de ecrã(s). Outros autores
(Ponte, 2011; Rivoltella, 2010a; Simões & Gouveia, 2008) defendem ainda que
a utilização massiva dos diferentesmediaé característica de determinada
geração. Mas esse uso de ecrãs não ocorre apenas quando os indivíduos se
encontram em determinado contexto, por exemplo, o computador no trabalho, ou a
televisão no espaço familiar, apresenta-se antes transversal a todos os
contextos, como nos indicam Agger (2011) no seu estudo sobre o uso
dosmartphonee a forma como se transporta o trabalho para todo o lado através do
dispositivo móvel; Thompson (1998) relativamente às interações sociais que
estabelecemos em contexto informal, de lazer; e Frau-Meigs (2011) no que diz
respeito ao papel dos diferentes media no espaço familiar.
Considera-se a proposta de uma outra designação que supere os diferentes
conceitos (geração móvel, hippie, bit ) que foram apresentados, de modo a
uniformizar as atividades dos indivíduos pertencentes às gerações tendo como
ponto de convergência o ecrã ' gerações de ecrã. A forma como se utilizam os
media, tendo como intermediário ecrã(s), obriga a que este(s) assuma(m) um
caráter epidérmico, mas sistémico, construindo-se com ele(s) uma relação de
intimidade, de sedução e de segunda pele, ainda que a utilização se configure
de forma dissemelhante entre as diferentes gerações e os media em questão
(computador, telemóvel e televisão), está transversalmente presente.
3. Metodologia
Numa fase inicial da aplicação do inquérito por questionário da tese de
doutoramento Gerações de ecrã em meio rural, desenvolvida na Universidade de
Aveiro, foi solicitado, no ano letivo de 2011/2012, aos alunos das duas turmas
da Unidade Curricular (UC) Cibercultura, do 3º ano da licenciatura em Novas
Tecnologias da Comunicação, daquela Universidade, o preenchimento do inquérito
(num total de 30 respostas). Os objetivos deste instrumento eram, nesta altura,
o teste do inquérito para a sua aplicação ao território nacional mas, e mais
pertinente para o presente artigo, compreender de que forma utilizavam os
alunos do ensino universitário os novos media, dando especial destaque à
televisão, ao computador, internet e ao telemóvel.
O inquérito foi aplicado durante o período letivo, no decorrer da UC, em duas
turmas, em dois turnos diferentes. Foi explicado aos alunos qual o objetivo
geral da investigação, o qual promoveu uma séria reflexão em torno do
instrumento de recolha de dados e do seu preenchimento com a maior seriedade e
sinceridade.
Nas tabelas apresentadas no subcapítulo seguinte, e de modo a facilitar a sua
leitura, a cor laranja encontram-se os valores mais relevantes.
3.1. Resultados
Como referido, foram inquiridas duas turmas do 3º ano de licenciatura, cada
turma tinha 15 alunos. Dos 30 alunos, 56,7% eram do sexo masculino e 43,3% do
feminino. Relativamente aos escalões etários, a maioria dos respondentes
(83,3%) concentra-se na faixa dos 21 aos 25 anos, seguido dos indivíduos com 41
a 45 anos (6,7%) e dos 26 aos 30 anos, 31 aos 35 anos e 36 aos 40 anos todos os
intervalos com 3,3%. A média das idades é de 24,73, com desvio padrão de 6,496,
sendo a idade mínima 21 anos e a máxima 45.
Relativamente à posse de media e ao local de utilização, na tabela_1 é possível
verificar-se que há dispositivos portáteis que a maior parte dos inquiridos
referem trazer sempre consigo, como sejam o telemóvel, smartphone, o computador
portátil, a internet (através de pen específica para o efeito), a máquina
fotográfica e o leitor de mp3/mp4.
Para além disso, em casa, o local onde mais se usufrui de quase todos os outros
media é na sala (televisão, TV cabo/satélite, leitor de DVD e telefone fixo),
talvez por se tratar de dispositivos que habitualmente se utilizam em conjunto
com outros membros da família.
O quarto é o terceiro local mais mencionado como de utilização mais frequente
dos media.
Em relação à frequência de utilização dos media, através do gráfico_1 verifica-
se que todos os que aqui se encontram em estudo mais aprofundado ' televisão,
computador, internet e telemóvel ' são mencionados como sendo feito um uso
diário, algo que não apresenta diferenças significativas entre sexos, ambos com
percentagens muito próximas de 100%.
Não obstante essa utilização diária bastante acentuada, há diferenças
significativas no número de horas de uso, dependendo domedia. Por exemplo, a
televisão é indicada como a menos utilizada durante o dia, enquanto o
computador e a internet, para além de apresentarem percentagens semelhantes,
algo justificado pela complementaridade entre os dois dispositivos, é
maioritariamente utilizado entre 6 e 9 horas diárias. No que diz respeito ao
telemóvel, as respostas estão bastante equilibradas, no entanto, é o mediamais
vezes mencionado como sendo utilizado mais de 12 horas por dia.
Importa, então refletir sobre a forma como as relações sociais se vão
processando devido a esta elevada utilização de novos media. Na tabela_2
apresentam-se os resultados obtidos a questões nas quais os inquiridos podiam
escolher várias opções. Para os respondentes, as relações sociais atualmente
são mais virtuais (56,8%), e uma pequena percentagem considera que são iguais
ao passado (antes da existência dos novos media) (43,2%). A opção Mais
presenciais não foi selecionada por nenhum dos inquiridos.
Através da tabela_3 é possível verificar que a maior parte dos inquiridos
considera que o contacto estabelecido com amigos e familiares que vivem longe e
amigos que vivem perto aumentou devido à utilização mais frequente de novos
media. No entanto, para 63,3% esse contacto manteve-se igual no que diz
respeito a familiares que vivem perto.
E os dados das relações sociais remetem para outro também bastante importante
que é a forma como as fronteiras entre espaços e tempos (não) ocorrem. Da
tabela_4 percebe-se que, à exceção da televisão, para todos os outros
dispositivos a opinião vai no sentido de existir um esbatimento de fronteiras
entre o espaço escolar, familiar e de lazer.
Conclusões e discussão de resultados
Neste artigo apresentaram-se os resultados da realização de um estudo de
caráter exploratório, considerando a dimensão da amostra (30 alunos) e os
critérios intencionais da sua seleção (disponibilidade e conveniência das duas
turmas para participarem no estudo). Desta forma, os resultados discutidos
neste capítulo dão pistas sobre o que se poderá inquirir no futuro, não
pretendendo apresentar conclusões mais gerais e de aplicabilidade à população.
Utilizam-se cada vez mais media, em todos os contextos e a todas as horas, algo
que teve um impacto profundo na sociedade em geral, mas, mais concretamente, na
forma como os indivíduos gerem o seu dia-a-dia e como comunicam, estabelecem
relações interpessoais. Para Pereira e Silva (2009), o impacto deveu-se a três
motivos essenciais, ou porque houve necessidade de acompanhar os programas
governamentais, como por exemplo, os da educação, como o e-escolas; devido ao
discurso generalizado da influência positiva e da criação de uma necessidade
falaciosa para a utilização das TIC; ou, e um pouco relacionada com esta, a
descida dos preços dos media potenciou a sua compra em massa (Pereira &
Silva, 2009, p. 561).
Houve três décadas fundamentais para a integração dos media em Portugal, a
primeira foi a de 50, sobretudo nos anos finais, para a televisão;
posteriormente, nos anos 70/80 já se podia aceder a computadores; e, o
telemóvel, na década de 90. E a sua aceitação foi tal pelos indivíduos que as
estatísticas demonstram o quanto aumentou a sua existência. No entanto,
percebe-se também a presença de um fosso digital entre rural e urbano, com o
primeiro a ser notícia de cada vez que alguma inovação tecnológica ocorre ou
quando há lugar a uma distribuição de media fora do comum. Mas este fosso ou
divisão digital existe, sobretudo, no que diz respeito à qualidade do acesso
aos novos media, como a melhor ligação à internet, ou o acesso a artefactos
mais recentes e avançados, porque a distribuição tecnológica foi de tal ordem
que até os residentes do meio rural conseguem hoje aceder às mesmas tecnologias
que os do meio urbano.
Deuze (2012) sugere que o impacto é de tal forma profundo e avassalador que já
não se pode considerar os mediacomo extensões do Homem (como fazia McLuhan
(2008 [1964])), porque já não são externos a ele, assim, não é possível uma
comparação entre media e a vida, porque we are media. (Deuze, 2012, pp. 65-
66). Para tal, contribuiu a sua crescente invisibilidade e ubiquidade, assim, o
foco agora é na tarefa (e, eventualmente, nas competências necessárias ao seu
desempenho) e não na ferramenta (Weiser, 1994, p. 7). Weiser compara mesmo as
tecnologias aos filhos, dizendo que as primeiras devem estar sempre presentes,
no entanto, são as criações invisíveis, tidas como garantidas, transportadas
sem grande esforço ao longo da vida (Weiser, 1994, p. 8). E esta apropriação é
realizada também com os ecrãs, instrumentos de ligação ao conteúdo, como
referem Coelho e Neves (2010) Em muito do que fazemos e do que é feito
connosco, do que percepcionamos e do que pensamos, dificilmente conseguimos
estar separados dos ecrãs e da sua experiência perceptiva. (Coelho &
Neves, 2010, p. 102).
Assim, à medida que osmedia se iam entrosando na vida dos indivíduos, até as
práticas mais rotineiras se foram alterando, falar com pessoas distantes já não
se faz da mesma maneira que no passado, para além de se ter quebrado a barreira
dos horários, agora é mais fácil incluírem-se em conversas com pessoas
presentes, outras que estão a quilómetros de distância, podendo mesmo ser
vistas. Este e outros acontecimentos terão aumentado as necessidades e a
procura tecnológicas dos indivíduos, no entanto, McLuhan (2008 [1964])
considera que é preciso que alguma tecnologia surja para que os indivíduos dela
sintam falta, bem como de outras que a complementem e, consequentemente, daí
derivem outros dispositivos.
Os novos media e os ecrãs são, então, os mediadores por excelência entre a vida
presencial e a vida virtual, numa lógica de reprodução social nos dois mundos.
São eles que medeiam os conhecimentos sociais e as atividades de consumo,
facilitando, consequentemente, a sua apropriação e domesticação (Silverstone,
Hirsch, & Morley, 1992, p. 44). Algo que poderá ser percecionado como
negativo, aliás, considera-se que esta questão deverá sofrer um estudo mais
aprofundado, talvez um estudo longitudinal ao longo dos anos que permita
compreender os verdadeiros efeitos da tecnologia da vida dos indivíduos. Há
autores que consideram que os efeitos não são perniciosos, defendendo até o
contrário, Salovaara (2010) admite que a inclusão dos media no espaço casa
poderá não significar um maior isolamento dos seus utilizadores, algumas ajudam
até à criação de redes sociais que antes não existiam (Salovaara et al., 2010,
p. 816). E Rivoltella (2010a) vai ainda mais longe, ao afirmar que, graças aos
mediadigitais, as crianças estão juntas, partilham conhecimentos, gostos e
mensagens, contornando, desta forma, as proibições dos adultos (Rivoltella,
2010a, pp. 6-7).
Nas palavras de Sáez Vacas (2011) o Homem passou do seu estado de Homo
habilispara o de Homo digitalis, num processo decorrido como consequência das
novas dietas mediáticas e das dinâmicas de socialização primária e secundária.
Neste novo paradigma são importantes o capital social detido, pela facilidade
que promovem as relações intergeracionais quando na socialização secundária
ocorrem situações de resistências aos desafios proporcionados pelos media; mas
também o habitus, porque permitem que esses desafios se ultrapassem com
utilizações mais frequentes e se adquiram competências infocomunicacionais,
competências que já não passam, somente, pelas que eram anteriormente
requeridas (leitura, escrita e cálculo), mas que terão que ser mais
diversificadas e aprofundadas se se quiser utilizar a tecnologia de modo eficaz
e eficiente (como conhecimentos de inglês, competências sociais para usar na
rede, formas corretas de fazer pesquisas, entre outras).
Assim, ganham especial importância as relações intergeracionais, pela forma
como poderão aproximar dos media algumas gerações que se encontram mais
afastadas. Talvez o foco deva abandonar um pouco os usos que se fazem dos
media, mas entender de que forma as gerações podem interagir para que esses
usos sejam realizados de forma equilibrada e cooperante, no sentido de melhorar
as competências infocomunicacionais de quem utiliza e de quem está ainda no
patamar anterior (os que gostariam de utilizar) ou ainda até um pouco mais
atrás (os que resistem à sua utilização). Para além disso, como se referiu,
será ainda interessante perceber os efeitos desses usos ao longo dos anos,
perceber que hábitos mudaram e como ocorreu essa mudança e, entre outras
coisas, que partilhas geracionais é possível incrementar e impulsionar.