Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

EuPTHUAp1646-59542014000200009

EuPTHUAp1646-59542014000200009

National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolHumanities
Great areaApplied Social Sciences
ISSN1646-5954
Year2014
Issue0002
Article number00009

Javascript seems to be turned off, or there was a communication error. Turn on Javascript for more display options.

O Novo Paradigma da Vigilância na Sociedade Contemporânea - "Who Watches the Watchers"

Introdução

"Se o sistema de vigilância e controle da Internet se desenvolver completamente, não iremos ser capazes de fazer o que quisermos.

Poderemos não ter liberdade, e não haverá lugar para nos escondermos "(Castells, 2001: 181)1.

Este artigo procura realizar uma breve descrição dos estudos efetuados relativamente às Novas Teorias da Vigilância que compõem e caracterizam o Novo Paradigma da Vigilância. Realiza-se um retrato, tão completo quanto possível, do panorama complexo que envolve a vigilância na atualidade, dos seus intervenientes, dos seus efeitos e das suas causas. Serão evidenciadas as principais aplicabilidades da vigilância no espaço físico e no espaço virtual (Internet), nomeadamente ao nível da monitorização pelas entidades patronais, segurança e policiamento e com fins comerciais e marketing.

Como exemplo mais relevante do Novo paradigma da Vigilância, será analisado o contexto da Sociedade em Rede e da Web 2.0.

Na abordagem teórica da vigilância, e contextualizando a sua aplicação, relacionam-se conceitos como o "Poder" e "Panótico" de Foucault, o "Pânico Moral" de Cohen e a "Sociedade de Risco" de Beck.

O Novo Paradigma da Vigilância na Sociedade Contemporânea Antes de abordar o fenómeno complexo da vigilância, na sociedade atual, torna- se essencial definir vigilância e compreendê-la no contexto das Teorias Moderna e Pós-Moderna. Segundo Anthony Giddens, a vigilância é a atenção rotineira, focada e sistemática com vista à recolha de dados com o fim de influenciar, gerir, proteger ou dirigir indivíduos. Não é aleatória, nem ocasional, nem espontânea. é deliberada e depende de protocolos e técnicas (Giddens, 1985).

Por sua vez as Teorias da Vigilância podem ser classificadas em Modernas e Pós- Modernas.

"A teoria de vigilância moderna relaciona-se com os tratamentos clássicos que entendem a vigilância como uma consequência de empresas capitalistas, a organização burocrática, o Estado-Nação, a tecnologia maquinal e o desenvolvimento de novos tipos de solidariedade, envolvendo menos confiança ou pelo menos diferentes tipos de confiança" (Lyon, 2001: 109)2.

Michel Foucault, na sua visão de Panótico, associa a vigilância a espaços fechados onde as pessoas estão confinadas, como por exemplo as prisões, os asilos, os hospitais, as escolas ou os locais de trabalho (Foucault, 1977).

"A teoria de vigilância pós-moderna lida com novas formas de vigilância e visibilidade, é caracteriza por ter um elevado componente de base tecnológica, por ser realizada diariamente e disseminada espacialmente" (Staples, 2000: 11)3.

Autores como Mark Andrejevic (Andrejevic, 2007) ou Anders Albrechtslund (Albrechtslund, 2008) desenvolvem as suas teorias expressando que esses espaços fechados de confinamento não são os únicos ou os principais locais de vigilância, existindo inúmeros instrumentos e modelos de vigilância agora em prática (videovigilância, sistemas biométricos, monitorização por hábitos de "consumo" online, entre outros).

Não é possível aprofundar esta temática sem abordar, de forma sintética mas enquadradora, o contexto da Sociedade em Rede. Assim, Sociedade em Rede:

em termos simples, é uma estrutura social baseada em redes operadas por tecnologias de comunicação e informação fundamentadas na microeletrónica e em redes digitais de computadores que geram, processam e distribuem informação a partir de conhecimento acumulado nos nós dessas redes. é um sistema de nós interligados" (Castells, Cardoso, 2005: 20).

David Lyon na sua obra The World Wide Web of Surveillance(Lyon, 1998) distingue três formas principais de vigilância na Internet: (1) "Vigilância pela Entidade Patronal"; (2) "Vigilância de Segurança e Policiamento" e (3) "Vigilância com Fins Comerciais e Marketing". As duas últimas formas de vigilância referenciadas encontram-se nos dias de hoje, como veremos mais à frente, em plena expansão.

Mark Andrejevic acrescentou a estas três formas principais de vigilância na Internet, avançadas por David Lyon, uma nova forma de vigilância que designou como (4) "Vigilância Lateral" e que decorre essencialmente na Web 2.0 (Andrejevic, 2007). A aplicabilidade desta vigilância é essencialmente de controlo e monitorização dos pares. Este ponto será desenvolvido mais à frente neste artigo.

Na (1) "Vigilância pela Entidade Patronal", constata-se que a supervisão e monitorização dos trabalhadores são práticas correntes em muitas organizações empresariais ou estatais. As metodologias de vigilância podem passar por cartões e códigos de entrada, até sistemas biométricos (reconhecimento digital ou da íris), a tecnologias de localização (georreferenciação), sistemas de videovigilância, entre outras.

A par destas metodologias de monitorização, está hoje vulgarizada a prática de escrutínio, por parte das entidades patronais, dos hábitos onlinedos trabalhadores.

Atualmente, o registo de atividade online é uma política de supervisão comum, utilizada pelas entidades empregadoras e pouco contestada pelos empregados (Lyon, 2007).

Para além do rastreio de hábitos de consumo (e produção) online dos empregados, as entidades patronais fazem uso de software específico para bloquear o visionamento de sites que não estejam relacionados com a atividade laboral, tais como redes sociais, sites pornográficos, de jogos, de entretenimento, de compras ou desportivos. Estas práticas de controlo têm como finalidade última o aumento da produtividade de tipo Taylorista (Fuchs, Boersma, Albrechtslund and Sandoval, 2011).

Na (2) "Vigilância de Segurança e Policiamento", perpetrada pelos Estados- Governo, que proliferou após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, prosperam políticas de controlo e supervisão, com vista a reinstalar o sentimento de segurança (Lyon, 2007, Frois, 2011).

Nos EUA, o Patriot Act: "Lei de 2001 para unir e fortalecer a América, fornecendo instrumentos apropriados requeridos para intercetar e obstruir o terrorismo"4 torna-se lei pela mão do presidente George W. Bush em 26 de outubro de 2001.

Apenas quarenta e seis dias foram suficientes para validar pelo congresso norte-americano uma lei considerada por muitos controversa, entre outros fatores pela viabilização e incentivo da vigilância, sob várias formas, de indivíduos suspeitos de conspiração terrorista. A referida lei promulgada adota um conjunto de medidas, assentes na vigilância e monitorização, com a finalidade de manterem a segurança nacional (Andrejevic, 2007; Fuchs, Boersma, Albrechtslund and Sandoval, 2011).

Neste contexto, é possível afirmar que "a segurança está a ser implementada de duas formas: numa, a tecnologia é um instrumento colocado ao dispor de uma maior visibilidade do que se faz e quem faz; noutra são abolidos os direitos individuais em prol de um bem comum" (Frois, 2008: 130).

Com o surgimento da Web 2.0 e das redes sociais surgem novas dinâmicas sociais na Internet, que são alvo de interesse por parte de entidades governamentais.

Anders Albrechtslund refere-se deste modo à vigilância realizada na Web 2.0:

"O interesse do governo em redes sociais online é fácil de entender.

Para a identificação do perfil de potenciais criminosos e terroristas, é necessário combinar uma ampla gama de informações sobre as pessoas. Esta informação inclui as relações sociais, tais como atividades compartilhadas e círculos de amigos, bem como dados pessoais sobre opiniões políticas, crenças religiosas, orientação sexual e preferências sobre as atividades da vida diária" (Albrechtslund, 2008:4)5.

Para Christian Fuchs existem dinâmicas sociais na Internet que são sujeitas a um maior escrutínio por parte dos observadores, aqueles que vigiam. A Internet em geral e a Web 2.0 em particular são propícias a ações de movimentos de ativismo social e a dinâmicas da sociedade civil que atuam ao nível do Cyber- Protest (Fuchs, 2008).

Também a preocupação com a vigilância é comum a todas as sociedades e Estados- Governo. Os investimentos em monitorização e a proliferação de novas e melhores tecnologias de vigilância são uma realidade no mundo em que vivemos.

Atualmente, os Estados Unidos da América e a Europa elaboram projetos de investigação com vista à implementação de sofisticados sistemas de vigilância para detetar ameaças terroristas e atividades criminosas. Nos EUA, o programa de vigilância compreende a parceria com entidades empresariais como a Trapwire6 que desenvolve software informático de deteção de ameaças terroristas. Na Europa, mais precisamente na União Europeia, um programa de vigilância intitulado de Indect7, formalmente existente desde 2009, desenvolve pesquisa com os mesmos fins, que são antecipar e evitar atentados terroristas.

O interesse dos Estados-Governos na vigilância das práticas e consumos online, evidenciado por Albrechtslund (2008), é atualmente referido enquanto argumento de acusação, perpetrado por Edward Snowden, às agências de segurança nacional norte americana (NSA) e britânica (GCHQ) (Harding, 2014).

Outras situações surgem, um pouco por todo o mundo, relativamente a violação de privacidade e políticas de vigilância concertadas, realizadas por Estados- Governo.

Alguns dos casos de vigilância governamental adquirem dimensões colossais, como é exemplo o caso particular da República Popular da China, onde as companhias de telecomunicações móveis estão nas mãos do Estado e onde as comunicações por SMS (Short Message Service) são um sucesso gigantesco e um case study.

Um número não revelado, mas seguramente entre muitos biliões de mensagens, são guardados anualmente em equipamentos governamentais, onde empresas como a Cybervision SMS Filtering System, através de sistemas de algoritmos avançados, definem perfis de vigilância (Qiu, 2007).

Este é um exemplo do panótico de Foucault levado ao extremo, no universo das comunicações móveis na República Popular da China.

No decorrer dos primeiros dias do mês de junho de 2013, surge a controversa revelação difundida pelo jornal britânico The Guardian e o norte-americano The Washington Post, envolvendo alegadamente um programa de vigilância intitulado - Prism. O referido programa governamental, desenvolvido nos EUA, envolve a troca de informações entre entidades como a National Security Agency (NSA) e empresas como a Google, o Facebook ou a Apple. As informações partilhadas entre as empresas multinacionais referidas e a agência de segurança nacional norte americana (NSA) envolvem dados de milhões de utilizadores, nomeadamente correio eletrónico, fotos e vídeos. Também referenciado pelo mesmo jornal britânico e referente à mesma agência, a National Security Agency (NSA), está a acusação de alegado envolvimento com a empresa de telecomunicações norte americana Verizon, na gravação de milhões de conversas em chamadas telefónicas (Harding, 2014).

A forma de recolha de dados é, segundo a fonte dos jornais The Guardian e Washington Post - Edward Snowden (antigo assistente técnico da NSA e a principal face no processo de acusações), realizada de forma sistemática, massiva e indiscriminada. A razão apontada é a maior eficácia de escrutínio que a recolha massiva representa, face à recolha seletiva, devido ao desenvolvimento de algoritmos avançados que identificam perfis de risco (Harding, 2014).

Os desenvolvimentos, ao momento, referentes às declarações de Edward Snowden apontam para uma crescente instabilidade na política internacional, resultante das revelações de vigilância massiva realizadas pela agência de segurança norte americana NSA à Europa, nomeadamente à Alemanha e ao Reino Unido.

O apelidado Whistleblower, Snowden, inflama a opinião pública expondo periodicamente pormenores reveladores de vigilância em massa, perpetrada pela agência de segurança norte americana NSA e pela sua congénere britânica Government Communications Headquarters (GCHQ).

Na (3) "Vigilância com Fins Comerciais e de Marketing", David Lyon verifica que:

"A Internet tornou-se uma indústria multibilionária, onde principalmente empresas estão interessadas em recolher, analisar e avaliar uma grande quantidade de dados pessoais do consumidor, a fim de direcionar publicidade personalizada" (Lyon, 2003: 162)8.

Por outro lado, também a nível comercial, a Internet assume crucial importância na medida em que todos os seus usos e capacidades, das redes sociais (Web 2.0) às simples pesquisas online, são, atualmente, alvo de rastreio e análise (Lyon, 1998, 2001). Estes dados, depois de analisados, classificam e definem tipologias de consumidor, avaliando os seus interesses e associando-os a determinados consumos e a campanhas de marketing pré-definidas (Fuchs, 2011).

Estas bases de dados são frequentemente vendidas a outras empresas, disponibilizando dados pessoais como morada, contato telefónico, interesses, entre outros (Marx, 2002).

Aplicações de Web 2.0 como o Facebook ou o Foursquare utilizam a vigilância de forma massificada junto aos seus utilizadores. Desta forma, armazenam, comparam, avaliam e vendem dados pessoais e de comportamentos (dietas digitais). A vigilância é no entanto personalizada e individual, na medida que compara interesses e comportamentos com outros utilizadores, definindo e classificando tipologias de potenciais consumidores. Esta classificação é realizada com base em mecanismo de comparação e algoritmos de seleção que estipulam perfis e direcionam consumos (Fuchs, Boersma, Albrechtslund and Sandoval, 2011).

Ferramentas de Web 2.0 como o Facebook, fazem uso de configurações de privacidade, onde o fornecimento de dados é exigido ao utilizador a fim de ser capaz de usufruir da aplicação. Aplicações digitais em plataformas móveis (como por exemplo smartphones) estão hoje capacitadas de identificar e recolher hábitosonline dos utilizadores, nomeadamente contatos, ficheiros, localização, e muito mais. Perfis elaborados de utilizadores estão pois a ser recolhidos por empresas multinacionais com base na coleta de dados de plataformas móveis (Cottrill, 2011).

Também as tecnologias de reconhecimento facial, ficcionadas em filmes como Minority Report9 , estão atualmente em pleno desenvolvimento. Empresas como a Google e a Apple estão no atual momento a desenvolver bases de dados com impressões faciais, fazendo uso de fotografias e perfis de utilizadores de redes sociais como o Facebook. Nos EUA, a legislação em vigor tem limitações restritas à utilização de impressões faciais para usos de controlo laboral e de segurança nacional.

Contudo estas limitações legislativas, referentes à utilização das impressões faciais, não contemplam a utilização para fins comerciais e de marketing realizadas por empresas multinacionais. O controlo e supervisão empresarial desta ferramenta, ao serviço das multinacionais, são pois salvaguardados pela constituição norte americana (Papacharissi, Gibson, 2011). Na Europa, nomeadamente na União Europeia, a legislação em vigor é mais rigorosa e penalizadora dos usos das impressões faciais para fins comerciais (The Guardian, 2011; Welinder, 2012).

Segundo dados recentemente revelados pelo próprio Facebook e divulgados pela imprensa mundial, esta empresa líder no seu mercado, detinha em junho de 2013, cerca de 1.26 bilião de utilizadores (1/7 da população mundial).

Na (4) "Vigilância Lateral" (peer-to-peer) que decorre na Internet, nomeadamente na Web 2.0 (Andrejevic, 2007), todos somos controladores e assumimos o papel de Little Brothers10 . Desta forma consensual, modelo a que Reginald Whitaker designa de "Panótico Participativo" (Whitaker, 1999), todos vigiam e todos são alvo de vigilância. O caso dos atentados da Maratona de Boston11 e da introdução das redes sociais nos métodos de policiamento governamental são exemplo evidente da complexidade atual de envolvimento dos cidadãos nos processos de vigilância.

Este procedimento, inovador, digno de referência é identificado pela primeira vez com esta dimensão após os designados Tumultos de Vancouver12, e caracteriza-se pela utilização massiva das redes sociais, nomeadamente do Facebook na "caça a suspeitos" de um crime.

A introdução das redes sociais no processo da procura dos suspeitos dos atentados da Maratona de Boston foi amplamente difundida pelas autoridades norte americanas, mobilizando a comunidade civil a agir em prol da segurança nacional. é de evidenciar neste processo o papel de comunidades online como o 4Chan13 que recolheram e divulgaram dezenas de fotografias dos dois suspeitos.

O Panótico e a Sociedade de Risco Neste ponto iremos fundamentar a disseminação da vigilância na sociedade contemporânea e conjugá-la com os conceitos de "Poder", "Pânico Moral" e "Sociedade de Risco".

Foucault, na sua análise de Poder (Foucault, 1977), considera três mecanismos: os Suplícios, as Disciplinas e a Biopolítica. O primeiro mecanismo de poder - os Suplícios - decorreu até ao final do século XVIII e refere-se a punições físicas contra o indivíduo (torturas, humilhações, entre outras). Os outros mecanismos de poder - as Disciplinas e a Biopolítica - surgem no início do século XIX e vão até à atualidade. As Disciplinas aplicam-se aos indivíduos, definindo modelos de comportamento padronizados. As Disciplinas são efetivadas através de uma vigilância exaustiva, ilimitada, permanente e indiscreta - O Panótico (Motta, Alcadipani, 2004); por sua vez o mecanismo da Biopolítica aplica-se não a um indivíduo singular, mas a um grupo de indivíduos (comunidade, população), não tem um fundamento disciplinador mas sim de definição de conduta, definindo ferramentas de regulamentação e ferramentas de segurança. Este mecanismo é característico dos Estados-Governo (Motta, Alcadipani, 2004). é possível afirmar que ambos os mecanismos de poder são verificáveis na sociedade contemporânea.

As Disciplinas e o Novo-Panótico, como é sustentado nas Teorias Pós-Modernas da Vigilância (vigilância disseminada e sem estar confinada a espaços fechados).

A Biopolítica, por sua vez, é verificável através da definição do que é aceitável e "normal", imposto por quem governa à sua comunidade, robustecendo o poder, por exemplo através de regulamentação.

As sociedades ocidentais contemporâneas vivem, após os atentados de 11 de setembro de 2001 nos EUA, num contexto regido pelo medo e pela insegurança (Beck, 2002). Ulrich Beck em The Terrorist Threat - World Risk Society Revisited (Beck, 2002) defende que os atentados levaram a um completo colapso na linguagem, como a conhecíamos até então. O autor sustenta que desde aquele momento, desde a implosão das torres gémeas que o entendimento de conceitos como - Segurança, Terrorismo ou Guerra - mudaram radicalmente. Os atentados de 11 de setembro expressam simbolicamente, e são o ponto fundamental no século XXI, na definição da nossa sociedade como uma "Sociedade de Risco" (Beck, 2002) .

Como o próprio autor refere:

" uma perspetiva sinistra para o mundo após o 11 de setembro. é que o risco incontrolável é agora irremediável e profundamente estruturante de todos os processos que sustentam a vida em sociedades avançadas. O pessimismo parece ser a única atitude racional" (Beck, 2002: 46)14.

O autor faz ainda referência a um conjunto de seis lições que se podem retirar dos acontecimentos do 11 de setembro de 2001. Destacamos, assim, duas das seis lições evidenciadas por Ulrich Beck (Beck, 2002). A primeira lição é que, segurança nacional não é segurança nacional. As novas alianças globais dos Estados-Nação modernos têm como finalidade a preservação da segurança interna e não da externa. Existe atualmente uma política de cooperação transnacional relativamente à segurança interna e externa. A segunda lição é que acontecimentos como os atentados de 11 de setembro de 2001, alimentados e fundamentados pelo "Pânico Moral" (conceito que desenvolverei de seguida), levam ao desenvolvimento de "Estados-Nação Fortaleza" onde a anteriormente referida cooperação transnacional de segurança leva a construir "Estados-Nação de Vigilância", a dinamizar políticas de supervisão e controlo e a pôr em causa liberdades democráticas (Beck, 2002).

O conceito de "Pânico Moral" é defendido por Stanley Cohen, na sua obra Folk Devils and Moral Panics (Cohen, 1972). O "Pânico Moral" é definido pelo autor como um sentimento intenso, expresso numa população sobre um qualquer assunto que pareça ameaçar a ordem social. Outros autores, como Dawn Rothe e Stephen Muzzatti, tecem considerações concretas acerca do conceito de "Pânico Moral", resultante do terrorismo, na sociedade norte americana (Rothe, Muzzatti, 2004).

Os dois autores defendem que a sociedade atual tem sido inundada de informações, imagens e depoimentos distorcidos e exagerados, difundidos pelos media e pela classe política, capazes de criar o "Pânico Moral" e um sentimento de insegurança e medo generalizado.

No seu trabalho acerca das implicações do "Pânico Moral" nos EUA, após os atentados terroristas de 2001, consideram que surgiram informações distorcidas referentes à gravidade da situação (número de pessoas que participaram, número de vítimas, danos e efeitos dos atentados) (Rothe, Muzzatti, 2004).

A "Sociedade de Risco" em que vivemos, alimentada por um "Pânico Moral" dirigido à população pela classe política e pelos media, leva à proliferação e legitima a supervisão e o controlo.

Os atentados perpetrados pela Al-Qaeda, organização terrorista fundamentalista islâmica, introduziram um sentimento generalizado de insegurança mundial e levaram à reformulação, em alguns países por completo, dos sistemas de segurança e defesa nacional (Lyon, 2007).

A segurança é hoje tida como uma prioridade em países como os Estados Unidos da América, Reino Unido ou Espanha que tendo sido alvo da"Jihad"15 através de atentados terroristas, elaboram sofisticados sistemas de vigilância.

Após os atentados legitimaram-se por parte de muitos governos, e sem grande oposição, medidas e procedimentos de vigilância e controlo à escala mundial (Beck, 2002; Andrejevic, 2007; Salter, 2008).

No decorrer dos atos terroristas em Nova Iorque (2001), Madrid (2004) e Londres (2005) e outros acontecimentos de foro criminal como os massacres que se verificaram em Columbine (E.U.A., 1999), na Ilha de Utoya (Noruega, 2011) e em Newtown (E.U.A., 2012), e sob o pretexto de proteger os cidadãos de ameaças de criminalidade e terrorismo, surgem incentivos fortes à criação de legislação governamental favorável de controlo e supervisão de populações (por exemplo o USA Patriot Act nos Estados Unidos da América ou a legislação por detrás do projeto de investigação Indect na União Europeia). Hoje, o novo paradigma da vigilância conta com tecnologia de ponta identificativa de ameaças em ambiente urbano (Andrejevic, 2007; Lyon, 2007; Fuchs, Boersma, Albrechtslund and Sandoval, 2011).

Acontecimentos mediáticos, como os referidos atentados terroristas e assassinatos em massa, tem justificado igualmente que os Estados-Governo viabilizem legislação favorável e avultadas verbas monetárias para investigação e desenvolvimento (I&D) de ferramentas tecnológicas capazes de identificar ameaças. O panótico definido por Michel Foucault na sua obra "Discipline and Punish, The Birth of the Prison" (Foucault, 1977) rege-se hoje por distintas e elaboradas regras, é atualmente um fenómeno global, difundido no espaço físico e no espaço virtual. Esta é a teorização da "Vigilância Pós-Moderna", defendida por David Lyon (Lyon, 2007) e Christian Fuchs (Fuchs, 2011), entre outros autores.

A vigilância e o constrangimento que provoca no sentimento de privacidade dos cidadãos é hoje um tema em discussão, muito mediatizado pelos meios de comunicação social. Em 1890, nos Estados Unidos da América, Samuel Warren e Louis Brandeis definiam Privacidade no texto "The Right to Privacy" como "the right to be let alone" (Warren, Brandeis, 1890: 193).

Anos mais tarde, um outro estudioso da privacidade Alan Westin, define-a do seguinte modo:

"Privacidade é a alegação de indivíduos, grupos ou instituições de determinar por si mesmos, quando, como, e em que medida, a informação sobre eles é comunicada aos outros" (Westin, 1967: 7)16.

Vulgarizam-se, por ação dos media, expressões como Drones, Stingray ou Passenger Name Record (PNR). Em discussão na opinião pública estão os limites da privacidade e a utilização dos referidos e polémicos sistemas de vigilância como os Drones para fins civis (aparelhos voadores não tripulados com câmaras de vigilância), ou os dispositivos StingRay (simuladores de antenas de receção móvel, alegadamente usados pelo governo dos Estados Unidos da América, para monitorizar conversações em telefones móveis de suspeitos de crimes. A polémica surge quando no decorrer do processo de monitorização são extraídos dados de telemóveis, mesmo não estando em uso, de cidadãos que não estão sob investigação) (Qiu, 2007; Trottier, 2013; Harding, 2014).

Igualmente polémica é a aplicabilidade do Passenger Name Record (PNR), em vigor nos Estados Unidos da América após o 11 de setembro de 2001 e proposto no Tratado de Lisboa em 2007 para o espaço europeu. O procedimento para fins comerciais era efetivado pelas companhias aéreas antes de 2001, onde eram recolhidos, guardados e analisados os dados dos passageiros. Após os atentados de 2001 os dados PNR, no contexto norte-americano, passaram a ser fonte fundamental para reconhecer e elaborar perfis de eventuais terroristas (Lyon, 2007; Salter, 2008).

Conclusão A sociedade ocidental atravessa atualmente momentos de transformação significativa. A crise nos mercados financeiros europeus e americanos, a "Primavera árabe" no Médio Oriente (Egipto, Líbia e Iémen), e na ásia Ocidental (Síria), a insegurança em território palestino, os conflitos separatistas no Cáucaso (Chechênia), a recente "anexação" da Crimeia ou a sempre premente ameaça nuclear proveniente de países como a Coreia do Norte, são exemplos da atual conjuntura internacional e do instável panorama geopolítico mundial. Este panorama é difundido massivamente pelos media, à escala mundial. A juntar a este panorama geopolítico de instabilidade, surgem acontecimentos como atentados terroristas ou massacres perpetrados por civis a civis com elevada cobertura mediática. Toda esta conjuntura é difusora de um sentimento generalizado de insegurança e de medo. Stanley Cohen define este sentimento intenso, expresso a uma população, como "Pânico Moral" (Cohen, 1972).

Para Ulrich Beck (Beck, 2002) a sociedade contemporânea e a forma como vivemos depois do atentado do 11 de setembro de 2001, transformou-se numa "Sociedade de Risco". O autor argumenta, que o sentimento intenso de insegurança e ameaça à ordem social ("Pânico Moral") leva a construir "Estados-Nação de Vigilância", a dinamizar políticas de supervisão e controlo e a pôr em causa liberdades democráticas (Beck, 2002).

A Vigilância pode-se considerar, assim o resultado do "Pânico Moral" que caracteriza a "Sociedade de Risco" em que vivemos atualmente. é assim uma forma de assegurar o Poder no sentido "foucaultniano" do conceito17.

A visão de confinamento no espaço, apresentada pelo Panótico de Foucault, levou a uma redefinição do conceito de vigilância, que caracteriza as Teorias Pós- Modernas da Vigilância. Estas teorias defendem que a vigilância não está confinada a um espaço fechado, que a sua propagação está disseminada no espaço físico (por exemplo através da videovigilância) e no espaço virtual (por exemplo através da Web 2.0).

A "Sociedade de Risco", defendida por Ulrich Beck viabiliza e promove uma Sociedade Vigilante.

Por outro lado, especula-se sobre eventuais sinais de desagregação dos modelos sociais vigentes ao longo do século XX e que levam ao colapso dos pilares tradicionais da sociedade, como a família e os modelos de democracia representativa (Castells, Cardoso, 2005).

Ainda segundo os mesmos autores, talvez não esteja esta sociedade condenada à desintegração, mas sim se esteja perante um processo de rutura com um anterior paradigma de sociedade, levando ao surgimento de outro modelo, baseado numa estrutura social redefinida (Castells, Cardoso, 2005). Enquanto modelo de sociedade em transformação pode ter na Internet e nos media as suas ferramentas de socialização. Este novo paradigma de reconstrução social pressupõe um cada vez maior número de indivíduos, unidos em rede.

O Novo Paradigma da Vigilância tem o seu ponto máximo de atuação na Sociedade em Rede, nomeadamente nas redes sociais que envolvem a interação de biliões de pessoas à escala mundial. O surgimento da Web 2.0 na Internet originou uma multiplicidade de dinâmicas sociais, que encaram a fluidez na comunicação e a acessibilidade à informação como pontos-chave. O impacto da Web 2.0 na Sociedade em Rede é notório igualmente pela sua capacidade de tornar o individuo mutuamente consumidor e produtor de conteúdos (prosumer). Estas características inerentes à Web 2.0 são alvo de enorme atenção por parte de entidades governamentais e empresariais.

Perante um panorama de disseminação de políticas, métodos e instrumentos de vigilância na Sociedade em Rede, torna-se premente o desenvolvimento de Literacias de Vigilância. Fazendo uso do conceito desenvolvido por Thomas Levin (Levin, 2010) parece claro que é necessário desenvolver uma Literacia de Vigilância crítica e analítica, capaz de perceber a vigilância, as suas vantagens, as suas limitações e os seus riscos, nas suas mais variadas manifestações.


Download text