De que falamos quando falamos de infoexclusão e literacia digital? Perspetivas
dos nativos digitais
Introdução
A sociedade da informação tem provocado alterações profundas no mundo em que
vivemos gerando novas dinâmicas económicas, sociais e culturais. O fascínio
pela evolução tecnológica decorrente das suas potencialidades tem a capacidade
de cativar um público diversificado e cada vez mais exigente (Cimadevilla,
2009). A utilização exponencial das novas tecnologias reflete-se, por exemplo,
através das crescentes taxas de adesão à Internet que pela sua versatilidade
afeta, direta ou indiretamente, a sociedade em geral. Na última década,
estimava-se a existência de mil milhões de utilizadores de Internet no mundo, o
correspondente a uma taxa de penetração global de 15.4% (Obercom, 2009).
Portugal também não tem sido alheio à contínua adesão à Internet que no ano de
2003 era de 29%, passando para 35.7% em 2006, posteriormente para 38.9% em 2009
e estabelecendo-se nos 49.1% em 2011 (Obercom, 2009; 2011).
A necessidade de ajustamento à sociedade da informação tem levado à construção
de diversas políticas promotoras do potencial das tecnologias de informação e
comunicação (TIC) e a tentativas de reformulação dos programas de aprendizagem.
Em Portugal, o primeiro diploma legal a surgir na área das TIC decorreu da
Resolução do Conselho de Ministros nº 16/96 de 21/03/96 que criou a Missão para
a Sociedade da Informação com o propósito de elaborar o Livro Verde para a
Sociedade da Informação para servir de guia de referência em políticas públicas
a desenvolver nesta área (Santos, Mendes e Amaral, 2006).
No entanto, o caso das TIC não deixa de ser alheio ao seu reverso, também ele
documentado nas estatísticas que ilustram as dificuldades em promover um acesso
universal aos meios tecnológicos que permita reduzir a infoexclusão. A
desigualdade de acesso às TIC deve-se, entre outros fatores, às diferenças nos
usos que as pessoas dão à informação, aos tipos de ferramentas que utilizam e
ao nível de intensidade de acesso às TIC (Cebrián-Herreros, 2009) sendo que
fatores como o estatuto socio-económico, a idade, o género e a educação podem
também ter um peso relevante no agravamento da população infoexcluída (e.g.
Castells, 2001).
Entre aqueles que usufruem dos benefícios das TIC na sua plenitude, encontram-
se outros que permanecem apartados dos avanços que tanto caracterizam os modos
de viver da sociedade atual. Sendo que as TIC devem garantir oportunidades
equitativas no seu uso e acesso, permitindo que o conhecimento e a informação
sejam fontes universais de bem estar e progresso (Declaração de Bavaro, 2003),
torna-se fundamental apostar em estratégias de literacia e de inclusão digital
que garantam a possibilidade de gerir a aquisição de novas competências ao
longo da vida (Rodríguez, 2008) ao mesmo tempo que se fomenta uma sociedade
coesa e participativa (Pérez Tornero, 2003).
Partindo da problemática da infoexclusão, este trabalho qualitativo procura
clarificar em que medida são percebidas e valorizadas as questões da
desigualdade digital, e da relação entre educação e tecnologia, tendo como
ponto de partida as perceções da população designada de "nativa
digital", ou seja aquela que cresce ao mesmo tempo que uma determinada
tecnologia internalizando os seus usos e competências (Prensky, 2001; 2005).
Deste modo, espera-se que os mais jovens que cada vez mais aprendem pela
prática (Livingstone, 2002) possam refletir sobre esta temática contribuindo,
por exemplo, para a clarificação da importância da literacia digital no âmbito
da infoexclusão.
A problemática da infoexclusão
No ano de 1999 a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico
(OCDE) apontava as diferenças no crescimento entre países como uma realidade
inerente à evolução tecnológica "Visions of a global knowledge-based
economy and universal electronic commerce, characterised by the 'death of
distance' must be tempered by the reality that half the world's
population has never made a telephone call, much less accessed the
Internet." (OCDE, 1999, p.5). A perceção desta desigualdade no acesso às
novas tecnologias acaba por retratar um problema antigo da realidade
internacional que passa pelos diferentes pontos de partida de desenvolvimento
que cada país apresenta e que a difusão da tecnologia veio exarcebar (Nações
Unidas [NU], 2001). Apesar do progresso contínuo das últimas décadas, com
ganhos globais em termos de desenvolvimento humano, ainda existe um longo
caminho a percorrer no sentido de colmatar as dissemelhanças entre o eixo
mundial Norte-Sul que evolui a ritmos e níveis diferentes (NU, 2001).
Desta forma, começamos por partir da referência à infoexclusão em contexto
internacional que acaba por ir de encontro ao debate clássico do progresso
lento e irregular que assiste o crescimento dos países (Prebisch, 1951).
Partindo desta visão subjacente a um nível de análise macro, depreende-se uma
segunda dimensão de cariz micro associada ao acesso individual/ doméstico que
tende a representar o cerne do debate científico sobre a infoexclusão (Comissão
Económica para a América Latina e Caribe [CEPAL], 2003). Neste caso, o que se
observa são padrões distintos de difusão da tecnologia entre a população de um
país focando os que têm ou não acesso às TIC (Hargittai, 2003), mas também em
que medida os seus utilizadores têm as competências necessárias para fazerem um
uso adequado dos meios disponíveis (DiMaggio, Hargittai, Celeste e Shafer,
2004). Isto significa que a infoexclusão reflete muito mais do que o acesso à
Internet, nomeadamente as consequências que esse acesso comporta e a forma como
o acesso, ao existir, é executado (Castells, 2004).
Entre as variáveis explicativas que procuram avaliar a infoexclusão nos seus
diferentes quadrantes, seja ao nível do acesso às TIC, das competências dos
seus utilizadores ou da frequência de acesso (e.g. Van Dijk, 2005) percebe-se
que a dimensão socio-económica e a escolaridade têm um papel explicativo
importante na literatura da especialidade (Guillén e Suarez, 2005).
A relação entre estatuto socio-económico e escolaridade parece recuperar a
tradição da investigação feita na área de estudos dos media que recorre à
hipótese da lacuna do conhecimento (e.g. Tichenor, Donohue e Olien, 1970) para
explicar a existência de desnivelamentos de conhecimento decorrentes de
desigualdades da estrutura social, onde os média contribuem para reforçar as
diferenças existentes entre os diversos segmentos sociais (Riccitelli, 2007).
Assim, as pessoas de estatuto socio-económico mais elevado utilizam as TIC com
maior frequência, diversidade e qualidade reforçando o desnivelamento de
conhecimento existente (e.g. Viswanath e Finnegan 1996).
Pensar na infoexclusão e na sua proximidade com a desigualdade social implica,
também, considerar a forma como o grupo dos nativos digitais pode ser atingido
por esta problemática. Estas crianças e jovens que crescem ao mesmo ritmo que a
tecnologia, podem ter menos oportunidades e maior dificuldade de aproveitamento
de recursos quando incluídas em famílias de classes sociais baixas por
comparação a crianças e jovens de famílias de classes altas (e.g. Livingstone e
Helsper, 2007).
Contudo, considerar que a infoexclusão se explica, na sua generalidade, por
fatores socio-económicos e de escolaridade assume um cariz redutor. Da idade ao
género, passando por outras dimensões que são já explicativas de várias
realidades de exclusão social (e.g. idadismo), os grupos de maior
vulnerabilidade são o foco desta desigualdade que reflete barreiras
motivacionais e de conhecimento ilustrando um problema complexo, dinâmico e que
vai para além de diferenças entre quem acede, ou não, à Internet (Medina, 2005)
expondo uma multiplicidade de fatores potencialmente explicativos da sua
existência.
"(…) é necessário ter em conta que cada grupo é heterogéneo,
sendo constituído por uma grande diversidade de indivíduos, com
diferentes percursos e experiências de vida e pertencendo a grupos
com diferentes posicionamentos na estrutura social."
(Cabecinhas, Lima e Chaves, 2006, p.7).
Ao representar uma realidade que tanto se situa ao nível individual, como ao
nível social ou até mesmo ao nível geográfico, a infoexclusão pressupõe quer o
limitar do acesso e das interações ao espaço digital constrangendo a difusão
homogénea das suas potencialidades (Keniston e Kumar, 2004); quer a
possibilidade do exercício da cidadania ativa que cada vez mais tem na Internet
um espaço de debate público (Norris, 2001).
A importância da literacia digital
A vivência neste novo mundo de informação global vai requerer uma estreita
relação com a educação de cariz digital, no sentido de permitir a aquisição e o
desenvolvimento de competências que possibilitem acompanhar o progresso
tecnológico. Em certa medida, esta educação deverá assumir-se enquanto um novo
direito à educação (Rodríguez, 2008), a partir do momento em que o acesso à
Internet é inclusivamente percebido enquanto direito humano, reafirmando o
direito à liberdade de expressão e de acesso à informação através de qualquer
meio (Nações Unidas, 2012):
"El derecho a la alfabetización digital es un aspecto nuevo del
derecho a la educación, teniendo en cuenta, sin embargo, que la
educación digital ha de extenderse a todas las edades para no dejar
fuera a nadie: ancianos, adultos y niños." (Pérez Tornero,
2003, p.47).
A educação ou literacia digital deve implicar não só a utilização do
computador, e respetivas aplicações, como também a aprendizagem de capacidades
que permitam compreender e dominar a linguagem codificada e subjacente à
cibercultura (Levy, 1999). Este traço da literacia digital assume-se como
determinante, inclusivamente na sua definição que deixa de estar centrada na
utilização instrumental da tecnologia para passar a refletir a literacia
digital enquanto prática social (Freitas, 2010).
Selber (2004) no seu livro Multiliteracies for a Digital Age propõe uma
perspetiva assente na ideia de que a aquisição de competências tecnológicas
reflete a forma mais básica e rudimentar de literacia digital, designada de
literacia digital funcional onde as pessoas aprendem a utilizar as TIC enquanto
ferramentas. Para além deste tipo de literacia, o autor refere ainda a
existência da literacia digital crítica que apela à visão das TIC enquanto
artefactos culturais levando os utilizadores a questionarem a sua existência,
propósito e funcionalidade; para finalmente se alcançar a literacia digital
retórica onde o autor espera que os utilizadores possam tornar-se conscientes
do contexto sócio-cultural que envolve as TIC levando a que estejam plenamente
informados sobre os processos que lhes subjazem (Selber, 2004).
Neste sentido, é cada vez mais pertinente perceber a literacia digital de forma
ampla, enquadrando-a num espaço sócio-cultural que envolve valores, práticas e
competências que operam em contexto tecnológico (Selfe, 1999). De acordo com
Stone (2007) qualquer forma de literacia tem como ponto de partida as dimensões
social, cultural e histórica aumentado o valor da comunicação e da linguagem
enquanto ferramenta essencial que permite pensar e agir sobre o mundo
(Vygotsky, 1988), incluindo o digital.
"(…) a tela, como novo espaço de escrita, traz significativas
mudanças nas formas de interação entre escritor e leitor, entre
escritor e texto, entre leitor e texto e até mesmo, mais amplamente,
entre o ser humano e o conhecimento. (…) a hipótese é de que essas
mudanças tenham consequências sociais, cognitivas e discursivas, e
estejam, assim, configurando um letramento digital,isto é, um certo
estadoou condiçãoque adquirem os que se apropriam da nova tecnologia
digital e exercem práticas de leitura e de escrita na tela, diferente
do estadoou condição- do letramento - dos que exercem
práticas de leitura e de escrita no papel." (Soares, 2002,
p.151).
As dimensões social, cultural e histórica, que assim subjazem à literacia
digital, são essenciais para a sua relação próxima com a educação, para os que
aprendem e os que ensinam: se por um lado a formação continua a ser necessária,
por outro esta não é, e não poderá reduzir-se, ao princípio da acumulação de
competências centradas na literacia digital funcional, de cariz rudimentar
(Cesarini, 2004).
As TIC alteram drasticamente a forma como vivemos, aprendemos e trabalhamos.
Torna-se fundamental incluir novos instrumentos de aprendizagem, ao mesmo tempo
que se elaboram conteúdos diversificados, que permitam balancear o formal e o
informal referente à formação digital (Vilella e Salvat, 2005). A promoção da
literacia digital é um contributo forte para o decréscimo da infoexclusão,
promovendo uma sociedade participativa que inclui pessoas e grupos numa cultura
marcada pelas TIC (Medina, 2005). Todavia, a aposta neste tipo de literacia é,
na verdade, muito mais do que incluir pessoas infoexcluídas porque pretende
construir uma formação que vai para além do uso da tecnologia dirigindo-se a
todos, desde a infância até à idade maior, possibilitando refletir sobre a
informação e agir sobre a construção da autonomia individual (e.g. Perez
Tornero, 2003).
Objetivos do estudo e metodologia
Objetivos
Com base na revisão de literatura apresentada, o presente artigo tem como
objetivo compreender os significados de conceitos como infoexclusão e literacia
digital partindo da perspetiva de nativos digitais que ao viverem rodeados do
progresso tecnológico têm vindo a alterar a sua forma de pensar e processar a
informação "Our students today are all "native speakers" of
the digital language of computers, video games and the Internet."
(Prensky, 2001, p.1). Com esta recolha de dados procura-se explorar questões
subjacentes aos conceitos já referidos, utilizando os mesmos enquanto estímulos
para despertar a reflexão dos participantes face à importância de medidas
educacionais promotoras da literacia digital.
Participantes
A amostra foi selecionada por conveniência, sendo composta por 135 estudantes
universitários oriundos de programas de licenciatura (74.1%) ou mestrado
(25.9%) de uma instituição de ensino superior pública portuguesa localizada na
área Metropolitana de Lisboa. Entre os participantes encontravam-se 89
estudantes do sexo feminimo e 46 do sexo masculino, com idades compreendidas
entre os 18 e os 55 anos. Os estudantes representavam várias áreas de ensino,
sendo Serviço Social (26.7%), Sociologia (23%) e Informática e Gestão de
Empresas (9.6%) os cursos com maior representação.
Instrumento
Os dados foram recolhidos através de questionário que ao juntar questões
fechadas e abertas permitiu obter dados quantitativos e qualitativos para
análise posterior. O recurso às questões abertas em questionário permite a um
maior número de participantes fornecerem as suas respostas, exprimindo os seus
pensamentos e perceções. Este tipo de questão tende a produzir uma maior
diversidade nas respostas entre os participantes, gerando maior riqueza de
conteúdo para análise (Berg, 2001).
As questões fechadas permitiram recolher dados sociodemográficos sobre os
participantes, enquanto as questões abertas foram de encontro aos objetivos do
trabalho apresentados previamente e focando os seguintes tópicos: 1)
significado do conceito de infoexclusão; 2) perceção de grupos sociais/ pessoas
que diariamente têm maior dificuldade em aceder às novas tecnologias; 3)
fatores geradores das dificuldades em aceder às novas tecnologias; 4)
significado do conceito de literacia digital; 5) perceção da necessidade de
programas de literacia digital; 6) perfis dos grupos/ pessoas aos quais devem
ser dirigidos os programas de literacia digital.
Procedimento
Os participantes preencheram o questionário disponibilizado em sala de aula.
Antes do seu preenchimento foi feita uma breve introdução ao tema em análise,
onde também se esclareceu o conteúdo do instrumento. O tempo médio de
preenchimento foi de 20 minutos.
Após recolha dos questionários procurou obter-se feedback dos participantes
sobre o tema e respetivas questões em análise.
Análise dos Dados
Para analisar os dados recolhidos recorreu-se aos princípios da Grounded Theory
(Glaser e Strauss, 1967) onde se parte dos dados obtidos, isto é da realidade
observada, para a construção posterior dos conceitos através da análise
contínua dos dados qualitativos e comparação dos mesmos. Após esta fase inicial
é possível elaborar um sistema de categorias e subcategorias decorrente das
informações avaliadas que, no final, representará uma codificação compreensiva
e estruturada do processo de análise de conteúdo. Esta análise concetual
permite, assim, uma evolução gradual da informação até à constituição de um
sistema de codificação representativo de categorias inclusivas que se baseiam
na comparação, extensão e reformulação da informação (Glaser e Strauss, 1967).
O sistema de codificação final decorrente das respostas dos participantes às
questões abertas colocadas no questionário permitiu obter 4 categorias
principais com as suas respetivas subcategorias.
Análise e discussão dos resultados
Em termos de resultados, a primeira categoria Significados Atribuídos ao
Conceito de Infoexclusão, incorpora ideias e perceções sobre a temática da
desigualdade digital identificadas pelos estudantes universitários. Na sua
maioria, os participantes consideram que a infoexclusão implica, e partindo da
própria palavra, o estar excluído de algo que é determinante na sociedade
atual, seja a exclusão do acesso à informação generalizada (N = 47), do uso
pleno das TIC (N = 34) ou de competências adequadas para realizar um uso eficaz
das novas tecnologias (N = 24). Alguns participantes referiram não conhecer o
conceito (N = 29).
O facto de a maioria dos estudantes universitários ter recorrido a ideias para
definir a infoexclusão que vão de encontro aos diferentes níveis da mesma já
identificados na literatura é um bom indicador da sua compreensão deste
conceito. Assim, tal qual refere Hargittai (2002) a infoexclusão é uma
problemática que vai para além da compreensão das desigualdades de acesso às
TIC e, por consequência, de acesso à sociedade da informação, mas também
reflete uma dimensão centrada nos diferentes níveis de competências online que
os utilizadores possuem.
A segunda categoria, Grupos Sociais com Dificuldades de Acesso às TIC, incide
sobre os grupos de pessoas que os estudantes universitários percebem como sendo
aqueles que têm mais dificuldade em manter-se em contacto com as TIC,
refletindo as variáveis que potenciam a ocorrência da infoexclusão. Neste caso,
formaram-se duas subcategorias em função da perceção que os estudantes
universitários têm do acesso às TIC: Grupos Sociais com Acesso Elevado às TIC e
Grupos Sociais com Acesso Reduzido às TIC. Entre os grupos sociais percebidos
como tendo acesso elevado às TIC encontram-se os jovens, em particular os
estudantes (N = 72) assim como as pessoas oriundas de classes sociais
económicas elevadas (N = 58). Com relação aos grupos sociais com acesso
reduzido às TIC são representados pelos idosos (N = 77) e pelas pessoas de
classes sociais económicas mais baixas (N = 64).
A terceira subcategoria constituída, Variáveis Geradoras de Infoexclusão,
procura ilustrar alguns fatores tidos como responsáveis pelas dificuldades de
acesso por parte dos grupos previamente referidos pelos estudantes
universitários. Uma das variáveis utilizada para explicar a infoexclusão é de
cariz socio-económico, na medida em quer o acesso à Internet, quer os
equipamentos continuam a ser dispendiosos levando a que os que têm rendimentos
mais elevados tenham um maior número de oportunidades para aceder às TIC (N =
55). A segunda variável decorre da idade onde as gerações mais velhas são
percebidas como tendo dificuldades de aprendizagem e de adaptação às TIC (N =
55), tendo menos motivação e interesse para introduzir as TIC nas suas rotinas
diárias (N = 14). Inversamente, as gerações mais jovens cresceram num mundo
onde a tecnologia é uma ferramenta de trabalho fundamental que faz parte das
suas vidas pessoais e profissionais (N = 39). Finalmente, a terceira variável
apresentada foca a escolaridade onde os grupos em que esta seja mais elevada
terão maior facilidade e oportunidades de acesso do que aqueles em que a
escolaridade é baixa (N = 9).
As perceções dos estudantes universitários refletem por um lado a compreensão
dos custos que ainda estão associados à tecnologia e por outro o valor da
escolaridade apontando, também eles, para duas das variáveis mais debatidas na
literatura subjacentes à infoexclusão (Castells, 2001). É importante salientar
a forma como as razões apontadas pelos estudantes universitários para a
variável idade vão de encontro a construções sociais ancoradas em estereótipos
que norteiam a forma de se pensar sobre o idoso e que só por si reforçam a sua
exclusão no acesso às TIC. A visão redutora e idadista que retrata os idosos
como tendo dificuldades de aprendizagem nas fases mais avançadas do seu ciclo
vital é um dos mitos existentes face ao envelhecimento que muitas vezes
contribui para que os próprios idosos ajam em consonância com as expetativas
sociais que percebem existir na sociedade (Stuart-Hamilton, 2000).
Ao nível da categoria, Significados Atribuídos ao Conceito de Literacia
Digital,aborda os aspetos percebidos pelos estudantes universitários face ao
conceito de literacia digital. Em termos de caracterização deste conceito,
verificou-se uma grande diversidade de respostas por parte dos estudantes
universitários. Por um lado, encontram-se posições que apelam à literacia
digital enquanto conhecimento e competências sobre as TIC (N = 42), por outro
encontram-se descrições que apelam à literatura digital (N = 25), à
incapacidade de utilizar as TIC (N = 23) e à literacia digital enquanto
ferramenta de busca de informação na Internet (N = 4). Cerca de 39 estudantes
universitários referiram não conhecer o conceito.
Estes dados demonstram uma maior dificuldade na compreensão do conceito de
literacia digital. Se por um lado, os estudantes universitários consideram na
sua definição uma visão mais fechada do que se pressupõe que que o próprio
conceito seja, dirigindo-o para o conhecimento e competências sobre as TIC,
esta perspetiva tecnicista permanece incompleta por não clarificar em que
medida pressupõe também gerir e agir sobre a informação (Souza, 2007). Por
outro lado, as definições repartem-se em ferramentas disponíveis no meio
digital, sem considerar o seu todo e consequentes relações.
Finalmente, a categoria Estratégias que Fomentem a Literacia Digital,vai de
encontro a medidas que os estudantes universitários consideram que seriam
importantes para incrementar a formação na àrea das TIC. A formação em contexto
escolar desde a infância é percebida como medida fundamental (N = 39). Alguns
estudantes universitários também referem a importância de implementar programas
de literacia digital dirigidos a idosos (N = 15). A criação de espaços de
acesso livre são vistos como estratégias relevantes (N = 28) em particular
quando aliadas à redução de preços dos equipamentos (N = 12). Cerca de 32
participantes não apresentaram quaisquer estratégias.
Conclusão
Este artigo procurou analisar os significados construídos que os nativos
digitais têm sobre o tema da infoexclusão e literacia digital, com o objetivo
de esclarecer quais as suas perceções sobre a necessidade de desenvolver
estratégias educacionais nesta área.
Os resultados do estudo indicam que os estudandes universitários têm
essencialmente uma posição instrumental face às TIC e redutora no plano
reflexivo face aos significados construídos que apresentam para os conceitos,
nomeadamente de infoexclusão e literacia digital. Os participantes consideram,
de forma segmentada, que a infoexclusão implica uma desigualdade no acesso às
novas tecnologias, expressando ainda um desiquilíbrio ao nível das competências
dos utilizadores; por outro, a literacia digital é percebida como o reflexo do
conhecimento e das competências dos utilizadores, apesar da grande
variabilidade de respostas fornecidas. Estas posições não deixam, assim, de ter
como ponto de partida uma visão ancorada na aquisição de competências e na
utilização de ferramentas tecnológicas que ilustram uma literacia digital de
cariz funcional e rudimentar (Selber, 2004).
Recentemente, o relatório fundamentado no International Computer and
Information Literacy Study (ICILS) apresentou resultados que vão de encontro a
esta postura funcional e rudimentar dos mais jovens face à utilização das TIC,
uma vez que cerca de 83% dos inquiridos tem um nível de competências digitais
básico, que não envolve (nem promove) o pensamento crítico. Ainda de acordo com
este relatório, apenas 2% dos jovens inquiridos apresentam um elevado nível de
proficiência digital, traduzido num uso refletido (Fraillon, Ainley, Schulz,
Friedman, e Gebhardt, 2014). Este elemento, juntamente com os resultados do
trabalho aqui apresentado, são complementares e indicam que para além de
existir elevada variação nos níveis de proficiência digital entre o grupo
designado de nativos digitais, a visão que estes têm das TIC não vai de
encontro às suas potencialidades e necessidades atuais.
No que concerne aos grupos sociais mais afetados pela infoexclusão, os nativos
digitais evidenciam, em geral, facilidade em identificar os jovens e os idosos
como sendo os que têm maior e menor acesso, respetivamente. Referem, ainda, a
importância do estatuto sócio-económico e da escolaridade enquanto fatores
determinantes para garantir a facilidade de acesso às TIC. Considerando a
identificação destes grupos e os fatores potenciadores da infoexclusão, os
nativos digitais evidenciam uma visão estereótipada e redutora do idoso que
sustenta a desvalorização social da velhice. Esta posição consonante com os
valores da sociedade atual - que dão força à discriminação em função da
idade - têm reflexo nas medidas que posteriormente apresentam para
promover a literacia digital essencialmente centradas na formação escolar,
dedicada aos mais jovens. Poucos foram os nativos digitais que referiram como
sendo importante desenvolver programas de formação que envolvem-se a população
idosa.
Não se pode deixar de considerar que o grupo dos idosos foi referido pelos
nativos digitais como sendo um dos mais afetados pela infoexclusão, contudo não
é a este grupo que se dirigem quando apresentam estratégias educacionais. Este
fator merece ser considerado, compreendido e debatido não só pelo impacto
social que o envelhecimento demográfico tem na sociedade atual, mas também por
expressar a necessidade de apostar em processos de sensibilização de mudanças
de atitudes que procurem desconstruir mitos sobre o envelhecimento.
A título de conclusão, os dados recolhidos e analisados permitem ilustrar a
relevância da literacia digital na sociedade contemporânea, independentemente
de se dirigir, ou não, a grupos infoexcluídos. "Não existe nada mais
prático do que uma boa teoria" foi uma das frases emblemáticas do
trabalho de Kurt Lewin (1952, p.169). Partindo deste princípio podemos
considerar que se por um lado a teoria deve fornecer-nos informações
suficientes que nos permitam agir sobre a prática, por outro essa mesma prática
deve ser capaz de nos dar dados que sejam incorporados na teoria. A visão
instrumental aqui descrita pelos jovens estudantes, participantes neste estudo,
decorre essencialmente de uma aprendizagem prática, típica desta geração que
cresceu ao ritmo das TIC e aprendeu por tentativa e erro a manipular as
tecnologias e a desenvolver as suas competências (Livingstone, 2002).
Contrariamente, em termos teóricos foi possível identificar limitações nos
significados construídos que apresentam, e que são reveladores da dissociação
entre teoria e prática. Deste modo, podemos considerar que entre os mais
jovens, vão existir aqueles que fazem um uso refletido das TIC, beneficiando do
seu caráter empoderador e dando passos para o exercício de uma cidadania ativa
e participada; e outros que estão reféns de uma utilização rudimentar, cada vez
mais distanciada das necessidades tecnológicas da sociedade atual.
O alerta para a variabilidade de conhecimentos sobre as TIC que existe entre os
nativos digitais, que acaba por ir de encontro à variabilidade nas suas
competências, pode sugerir que a designação homogénea dos mais jovens enquanto
nativos digitais é inadequada na medida em que neste grupo, tal qual sucede no
grupo dos imigrantes digitais, existem diferenças profundas no acesso e uso das
TIC. Para além disso, o facto de as gerações mais jovens estarem a crescer
acompanhadas pelo desenvolvimento tecnológico não é garantia do uso refletido e
crítico das TIC que é fundamental para que as informações processadas pelos
média digitais sejam analisadas, transformadas e aplicadas de forma adequada.
Podemos estar, assim, perante uma infoexclusão intra e intergeracional que pode
requerer não só uma reformulação dos conceitos utilizados até à data de
"nativos e imigrantes digitais", mas também o desenvolvimento de
novas estratégias educacionais.
Cada vez mais surge uma nova linha de investigação que questiona até que ponto
os nativos digitais detêm efetivamente o conhecimento e as competências que
lhes são atribuídas por partilharem um crescimento marcado pelas TIC ao longo
das suas vidas. Por exemplo, Lyons, Buxbury e Higgins (2007) referem que a
literatura de especialidade é ainda escassa para permitir avaliar em que medida
estamos perante a possibilidade de aceitar ou refutar estereótipos geracionais
no âmbito deste tema, ou seja até que ponto se pode argumentar que os nativos
digitais efetivamente existem (Giancola, 2006). Se por um lado não se pode
negar o valor das suas aprendizagens práticas, nomeadamente em contexto
informal (Livingstone, 2002), por outro também não se pode assegurar que sejam
guardiões do conhecimento sobre as TIC, particularmente quando a diversidade de
experiências e percursos entre os mais jovens podem ter um papel relevante no
seu saber fazer.
Este trabalho posiciona-se nesta linha de investigação que procura reforçar o
questionamento sobre as especificidades da geração de nativos digitais,
nomeadamente ao nível dos seus conhecimentos e necessidades de aprendizagem,
demonstrando a importância de se desenvolverem estratégias educacionais
promotoras da literacia digital para todas as audiências. A formação teórico-
prática é fundamental para garantir o avanço na literacia digital através do
desenvolvimento de programas de intervenção que se dirijam a todas as pessoas,
onde os conteúdos dos currículos são ajustados em função das suas necessidades
de aprendizagem. As TIC são hoje meios de desenvolvimento económico, social,
cultural e tecnológico, e como tal a literacia digital deve ser universal,
conciliando conteúdos teóricos e práticos que permitam avanços no exercício
ativo e crítico da cidadania, uma vez que para combater a exclusão, qualquer
que ela seja, é fundamental conhecer, refletir e participar e estas parecem ser
necessidades transversais às diferentes gerações digitais.