Clima e olivicultura: Potencialidades locais na região de Alvega
1. Introdução
O clima influencia a fisiologia da oliveira (Olea europaea L.) com reflexo na
quantidade e qualidade da azeitona e do azeite (García, 2005; Barranco et al.,
2008). Assim, a oliveira apresenta exigências climáticas capazes de serem
satisfeitas por determinados climas, os quais determinam a sua localização. Por
seu lado, os elementos do clima que condicionam a olivicultura dependem de
diferentes fatores geográficos. No seio de um território caracterizado por
determinado clima regional ou mesoclima (influenciado pela latitude, distância
ao litoral, altitude, relevo e exposição às massas de ar), as características
da topografia e da superfície terrestre originam um mosaico complexo de climas
locais (Alcoforado et al., 1993; Barry, 1994; Geiger et al., 2003, Mora, 2006).
A escala local faz a transição entre a mesoescala e a microescala na
organização dos estudos do clima (Oke, 1996). Deste modo, a escala climática
local adequa-se ao estudo de fenómenos com expressão espacial variável entre
100 m e os 50 km (Oke, 1996) e espessura entre 1 e 2 km (Garratt, 1994). Em
termos temporais, os fenómenos meteorológicos a esta escala desenvolvem-se em
algumas horas ou alguns meses (Oke, 1996). No entanto, este autor adverte para
o facto dos fenómenos meteorológicos estarem interligados constituindo um
continuum. Assim, a escala local afigura-se mais adequada aos estudos
agroclimáticos uma vez que oferece a possibilidade de "reconhecer e
estudar as influências dos fatores geográficos locais, que geram por vezes
grandes diferenças nas características climáticas em pequenas áreas"
(Mora, 1998) com reflexo nas potencialidades agrícolas. A tipologia de
informação contida nos estudos de agroclimatologia local é aquela que se
manifesta passível de utilização por agricultores e técnicos no ordenamento,
planeamento e gestão agrícola do território. Curiosamente, os estudos do clima
à escala local nasceram da necessidade na agricultura de conhecer as
características climáticas da camada de ar junto ao solo e sua variabilidade
espácio-temporal (Mora, 1998).
Porém, a maioria das metodologias de avaliação das potencialidades agrícolas de
origem climática empregues nos estudos agroclimáticos, utilizam os registos das
observações meteorológicas das estações das redes de mesoescala como
representativos dos locais de instalação das culturas agrícolas e/ou, recorrem
a índices bioclimáticos, a maioria dos quais, concebidos para refletir apenas a
influência dos fatores geográficos regionais.
O objetivo da presente investigação é ensaiar uma metodologia de avaliação das
potencialidades agroclimáticas locais à olivicultura na região de Alvega (Fig.
1), passível de extrapolação para outras culturas agrícolas e regiões.
Desde tempos imemoriais que a olivicultura tem importante peso social e
económico na região de Alvega (Patrão, 2003). Atualmente, a área em estudo
insere-se no contexto da região olivícola Ribatejo e Oeste (Azeites Ribatejo
DOP), a qual integra a ´zona com grande vocação olivícola`, nomeadamente
regiões que reúnem as condições mais favoráveis ao desenvolvimento e à
produtividade do olival a nível nacional (Böhm, 2013). Entre essas condições,
destaca-se a influência do mesoclima mediterrâneo. No entanto, as
características da topografia e da superfície terrestre na região de Alvega
originam um mosaico de climas locais (Correia, 2011), os quais revelam
diferentes potencialidades agroclimáticas à olivicultura. Deste modo, o
controlo exercido sobre o clima pelos fatores geográficos locais combinado com
os requisitos climáticos da oliveira conduz à definição de um padrão
territorial de potencialidades agroclimáticas.
2. Metodologia
A avaliação das potencialidades olivícolas na região de Alvega assenta na
caracterização e distribuição da aptidão e dos constrangimentos agroclimáticos
locais, os quais refletem o grau de satisfação dos requisitos climáticos da
oliveira por parte dos climas locais. Estes dependem, essencialmente, das
condições topográficas pelo que a Carta das Unidades de Relevo da Região de
Alvega (Fig._2), constituída por cinco classes representativas das formas de
relevo dominantes, traduz as diferenças climáticas à escala local.
A aptidão e os constrangimentos agroclimáticos locais à olivicultura são
definidos com base nas condições favoráveis ou limitantes e na suscetibilidade
aos acidentes agroclimáticos. As condições agroclimáticas locais favoráveis ou
limitantes à olivicultura são analisadas a partir da a) modelação da radiação
solar (potencial) e da duração da insolação, no período da floração; b)
avaliação das condições térmicas ao longo do ciclo biológico anual; c) cálculo
das datas médias de início da floração; d) síntese cartográfica da perigosidade
de geadas de irradiação; e) análise dos contrastes da precipitação média anual;
f) interpretação da potencial geração de sistemas de ventos locais de origem
térmica e de distorções no rumo e na velocidade do vento dos sistemas de
circulação regionais originadas pela morfologia do terreno. A suscetibilidade
local aos acidentes agroclimáticos da olivicultura é avaliada com base na a)
frequência e intensidade dos elementos ou fenómenos climáticos desencadeantes;
b) na cartografia efetuada no âmbito da análise das condições agroclimáticas
locais favoráveis ou limitantes à olivicultura.
2.1 Informação Climática Utilizada
No âmbito da análise das condições agroclimáticas locais favoráveis ou
limitantes à olivicultura na região de Alvega foram a) avaliadas as condições
térmicas ao longo do ciclo biológico anual da oliveira com base em registos da
temperatura média diária do ar das estações (CTP, Gavião, Pego, S. Facundo) da
rede meteorológica da PEGOP, SA (Fig._3 e Quadro_1) consideradas
representativas do relevo; b) calculadas as datas médias de início da floração
da oliveira com base em registos da temperatura média diária do ar das estações
(CTP, Gavião, Pego, S. Facundo) da rede meteorológica da PEGOP, SA (Fig._3 e
Quadro_1) consideradas representativas do relevo; c) sintetizada
cartograficamente a perigosidade local às geadas de irradiação a partir do
estudo dos padrões das temperaturas mínimas diárias do ar em diferentes
condições de estabilidade atmosférica (Correia, 2011) realizado com base nos
valores registados às 8h (hora de maior frequência de ocorrência da temperatura
mínima diária do ar) nos postos termométricos (Alto do Termo, Coalhos, Entrudo,
Montes Cimeiros, Pedregulho, Represa) instalados em dois perfis topográficos
transversais aos vales selecionados considerados representativos do relevo
(Fig._3 e Quadro_1); d) analisados os contrastes locais da precipitação média
anual com base nos registos das precipitações da estação (Abrantes -
Concavada) e dos postos (Bemposta, Gavião, Margem) da rede meteorológica do
INAG, IP considerados representativos do relevo (Fig._3 e Quadro_1); e)
interpretada a potencial geração de sistemas de ventos locais de origem térmica
e de distorções locais no rumo e na velocidade do vento dos sistemas de
circulação regionais originadas pela morfologia do terreno com base nos
registos do rumo e da velocidade do vento diários nas diversas estações (CTP,
Gavião, Pego, S. Facundo) da rede meteorológica da PEGOP, SA existentes na
região (Fig._3 e Quadro_1). Os registos do vento apenas são representativos dos
locais de instalação das estações meteorológicas.
No âmbito da avaliação da suscetibilidade local da região de Alvega aos
acidentes agroclimáticos da olivicultura analisaram-se a) as frequências e
intensidade dos elementos ou fenómenos climáticos desencadeantes com base, nos
registos do número de dias/ano da temperatura mínima do ar < 0°C, temperatura
máxima do ar > 35°C, geada, neve, granizo e insolação publicados no Anuário
Climatológico de Portugal (IPMA, IP) referentes à estação de Alvega (Fig._3 e
Quadro_1 - em Anexo) e, na análise estatística dos valores máximos no ano
da quantidade diária de precipitação em Portugal Continental para a estação
meteorológica de Alvega e posto udométrico de Gavião (Rocha Faria et al., 1979)
publicada no fascículo O Clima de Portugal; b) a cartografia efetuada no âmbito
da análise das condições agroclimáticas locais favoráveis ou limitantes à
olivicultura (radiação solar potencial; duração da insolação; perigo de geada
de irradiação).
2.2 Condições Agroclimáticas Locais Favoráveis ou Limitantes à Olivicultura
2.2.1 Radiação Solar e Insolação
A radiação solar e a insolação constituem os elementos mais importantes do
clima olivícola. O local de implantação de um olival deve oferecer boas
condições de exposição aos raios solares e de luminosidade, como condições
indispensáveis a uma eficaz realização da fotossíntese. Estas variáveis
dependem da latitude, da época do ano e da ocultação do horizonte pelos
obstáculos. A Carta da Radiação Solar Potencial na Região de Alvega (Fig._4) e
a Carta da Duração da Insolação na Região de Alvega (Fig._5), para o período de
Maio a Junho (período em que decorre floração, uma das mais importantes fases
fenológicas do ciclo biológico anual da oliveira), foram construídas em
ambiente SIG através do software SagaGis 2.0.4 (Open Source) que contém o
módulo de cálculo de modelos de sombra. No período de Maio a Junho, a região de
Alvega apresenta um potencial de radiação solar variável entre 199.192 e
514.072 KJ/m2 (Fig._4) e um potencial de insolação variável entre 76.5 e 193
horas (Fig._5). À exceção da área ocupada pelas vertentes, as restantes áreas
da região de Alvega manifestam médios a elevados valores de radiação solar e de
insolação (Fig._4e Fig._5).
2.2.2 Temperatura do Ar
a) Temperatura do Ar e Ciclo Biológico da Oliveira
Para se compreender alguns aspetos relativos à fenologia da oliveira na região
de Alvega, procedeu-se ao cálculo das datas médias de início das fases
fenológicas do seu ciclo biológico anual nos diversos climas locais através do
método das temperaturas acumuladas (Quadro_2). De acordo com Francolini (In
Jaraquemada, 1977) considera-se, para a oliveira, a temperatura-base de 10 °C.
Deste modo, o número de graus de crescimento em cada dia resulta da subtração
da temperatura-base à temperatura média do dia, quando o valor é igual ou
superior a 10 °C (temperatura à qual se interrompe o repouso vegetativo da
oliveira) durante dez dias consecutivos. Os aspetos inerentes ao escaldão foram
tidos em consideração no cálculo das datas, uma vez que temperaturas demasiado
elevadas prejudicam a planta (Feio, 1991). De acordo com Francolini (In
Jaraquemada, 1977), para a oliveira, o limite acima do qual não se contabilizam
as temperaturas é de 35 °C. Os limiares (a partir do início da atividade
vegetativa) das temperaturas acumuladas nas distintas fases fenológicas do
ciclo biológico anual da oliveira empregues são os propostos por Francolini (In
Jaraquemada, 1977). Refira-se que as datas apresentadas no Quadro_2 se reportam
à oliveira em geral e não a uma variedade em particular. Adverte-se ainda para
o facto de que as temperaturas no abrigo (à sombra e a determinada altura do
solo) e não na planta são uma aproximação grosseira uma vez que o aumento da
temperatura resultante da incidência direta do Sol é muito importante.
A adequação das condições térmicas diárias dos climas locais da região de
Alvega à olivicultura (Fig._6) é aferida com recurso à metodologia proposta por
Jaraquemada (1977). Salienta-se ainda que o gráfico proposto e empregue neste
estudo representa a temperatura correspondente ao mês seguinte à maturação do
fruto pela influência que esta tem no rendimento em azeite (Fig._6). A região
de Alvega oferece condições térmicas diárias favoráveis à olivicultura
apresentando os climas locais temperaturas médias, essencialmente, carácter sem
prejuízo a ótimo ao longo do ciclo biológico anual da oliveira (Fig._6). Não
obstante o disposto, as plantas cultivadas vivem a realidade meteorológica
diária e não a abstração representada pelos valores médios da climatologia
(Jaraquemada, 1977).
Os requisitos de frio da oliveira explicam a abstinência de floração em áreas
com Invernos amenos tornando-as inaptas para a olivicultura (Melo-Abreu et al.,
2004). Adverte-se que uma incompleta acumulação de frio atrasa o fim da
vernalização e o início da floração além de dilatar o período de floração
(Barranco et al., 1994,In Melo-Abreu et al., 2004). O desenvolvimento
morfológico dos botões florais segue o tratamento das baixas temperaturas, que
os habilita a crescerem sob temperaturas altas (Hackett e Hartmann, 1964, In
Melo-Abreu et al., 2004). Avalia-se a adaptabilidade local da olivicultura na
região de Alvega através da modelação das datas médias de início da floração da
oliveira com base na 'acumulação de frio' e no 'tempo
térmico'. Para o efeito, recorre-se a um modelo frio-calor resultante da
generalização e simplificação do modelo Utah (Melo-Abreu et al., 2004). Este
modelo pressupõe a existência de dois processos encadeados: um relacionado com
o terminus da vernalização, o qual depende da 'acumulação de frio'
e, outro, na fase subsequente de desenvolvimento que depende da acumulação de
'tempo térmico' acima da temperatura-base. O erro médio quadrático
(RMSE) das datas médias de início da floração previstas é neste modelo
calculado pelo algoritmo através do método Downhill Simplex (Nelder e Mead,
1965, In Melo- Abreu et al., 2004). Nesta modelação, as temperaturas máximas e
mínimas diárias do ar são introduzidas no modelo, enquanto temperaturas
horárias são geradas a partir daquele, usando o modelo de De Witt et al. (1978,
In Melo-Abreu et al., 2004) que se tem mostrado adequado às condições
mediterrâneas (Melo-Abreu e Campbell, 1996, In Melo-Abreu et al., 2004). A
acumulação de frio começa a 1 de Outubro e todos os valores negativos desta
acumulação são descartados. Após suficiente acumulação de frio, inicia-se a
acumulação de 'tempo térmico'. O modelo foi calibrado com recurso
aos valores dos parâmetros definidos (Quadro_3).
A forte adaptabilidade local da oliveira na região de Alvega é atestada pelos
resultados da modelação das datas médias de início da floração, pois esta fase
fenológica ocorre em todos os locais da região de Alvega e, na Primavera
(Quadro_4), tal como na maioria das áreas olivícolas (Melo-Abreu et al., 2004).
b) Temperatura Mínima e Perigo de Geada
Distinguem-se três tipos de geadas em função das origens da sua formação
nomeadamente de irradiação (em sentido restrito), de advecção-radiação e de
advecção-evaporação (Melo-Abreu et al., 2000). Debruçamo-nos, em particular,
sobre as geadas de irradiação em sentido restrito, por serem aquelas que
dependem fortemente de fatores geográficos locais e, por serem as mais
frequentes em Portugal Continental (Raposo, 1998). As geadas mais graves para
as culturas são as geadas tardias de Primavera e as precoces de Outono.
As geadas de irradiação têm origem no balanço energético negativo da superfície
terrestre resultante da radiação terrestre efetiva[1] associada a condições
atmosféricas particulares caracterizadas por céu limpo, fraca turbulência
(vento fraco ou nulo) e baixa humidade relativa (Oke, 1996). O ar em contacto
com as superfícies radiantes arrefece formando uma massa de ar estável e fria
junto à superfície terrestre, desenvolvendo-se uma inversão térmica vertical
(Oke, 1996). A presença de topografia contrastada favorece a drenagem e
acumulação de ar frio em áreas deprimidas em noites de arrefecimento radiativo
(Oke, 1996). Assim, em noites anticiclónicas, calmas e sem nebulosidade, as
áreas de relevo acidentado apresentam uma divisão térmica vertical estruturada
em três zonas: uma zona muito fria no fundo de vale (lago de ar frio), uma zona
fria no topo de interflúvio e uma zona menos fria do que as anteriores na
vertente designada por cintura térmica (Geiger et al., 2003). Deste modo, a
severidade das geadas de irradiação varia consideravelmente com as condições
gerais da atmosfera e com os contrastes locais da topografia e uso do solo.
Culturas agrícolas situadas em depressões do terreno e áreas próximas dos
fundos de vales são afetadas com maior severidade por este fenómeno
meteorológico (Melo-Abreu et al., 2000). A ocorrência de temperaturas mínimas
baixas e o consequente perigo de formação de geada de irradiação condicionam
consideravelmente a prática da olivicultura sendo importante a modelação da sua
perigosidade na região de Alvega. Assim, a Carta do Perigo de Geada de
Irradiação na Região de Alvega (Fig._7) foi construída em ambiente SIG através
do software ArcGis 9.3 (ESRI). A classificação em áreas de Baixo, Médio e Alto
perigo de formação de geada de irradiação (Fig._7) resulta do conhecimento dos
padrões espaciais das temperaturas mínimas diárias do ar (rede meteorológica do
Próprio) em diferentes condições atmosféricas, tendo-se verificado a presença
de fenómenos de drenagem e acumulação de ar frio em noites de arrefecimento
radiativo nos vales da região de Alvega (Correia, 2011). Embora o limiar
convencionado para a formação de geada ao nível do solo seja de 4 °C no abrigo
(em situações anticiclónicas) devido a fortes inversões térmicas que se
desenvolvem entre o nível do solo e o nível dos instrumentos de medição no
abrigo (1.5 m), considerou-se neste estudo os 0 °C em abrigo uma vez que, no
caso da olivicultura, são mais relevantes as temperaturas ao nível das copas
(1.5 m ou mais do solo) do que as temperaturas no espaço dos fustes.
2.2.3 Precipitação
A prática da olivicultura em condições de sequeiro apresenta, salvo casos muito
particulares, um requisito mínimo de precipitação média anual de 400 a 500 mm,
ou seja, 4000 a 5000 m3 de água por ha (García, 2005). Em termos de
necessidades de água na oliveira, o período crítico decorre entre a floração e
a maturação do fruto coincidindo quase na totalidade com o período de maior
escassez de precipitações (García, 2005); esta coincidência cumpre-se em toda a
área de estudo (Correia, 2011). Além do referido, existe uma relação entre a
precipitação e a produção olivícola sendo referido, por vários autores da
especialidade, diferentes limiares inferiores de precipitação para a obtenção
de boas colheitas: 725 mm, segundo Ortega Nieto; acima dos 750 mm, segundo
Faustino de Andrés e E. Roman; entre 600 e 800 mm, segundo Anagostopoulos (In
García, 2005). O clima da região de Alvega apresenta uma precipitação média
anual de 637.2 mm (Alvega) que proporciona condições favoráveis à olivicultura.
Não obstante o disposto, esta região manifesta contrastes pluviométricos locais
que poderão explicar parcialmente diferenças nas colheitas. Deste modo, a
precipitação média anual nas áreas de interflúvio varia entre 746.1 mm no
planalto (Margem) e 749.0 mm nos topos de interflúvio (Gavião), ao passo que a
precipitação média anual das áreas deprimidas oscila entre 628.6 mm nos
terraços fluviais (Abrantes - Concavada) e 637.6 mm nos fundos de vale
(Bemposta). Os locais de vertente fazem a transição com valores intermédios de
precipitação. Estes valores de precipitação média anual em função da altitude
são corroborados pelo Mapa da Precipitação de Portugal para o período de 1931-
1960 à escala 1: 500 000 (Daveau et al., 1977).
2.2.4 Vento
O vento poderá condicionar a prática da olivicultura, por um lado, através de
danos provocados por ação mecânica (quebra de ramos e derrube de árvores) e,
por outro, através de desidratação da vegetação resultante do efeito combinado
com a baixa humidade relativa reforçado pela presença de temperaturas altas.
A morfologia do terreno (vales abertos) não deverá imprimir, à escala local,
distorções consideráveis no rumo e na velocidade dos sistemas de ventos da
circulação regional. Assim, os efeitos mecânicos do vento, prejudiciais à
olivicultura, não deverão ser consideráveis na região de Alvega. Os efeitos do
vento, prejudiciais à olivicultura, resultantes da sua combinação com a baixa
humidade relativa reforçada pela presença de temperaturas altas deverão
apresentar fraca expressão em toda a região, inclusivamente nas áreas
deprimidas (fundos de vale e terraços fluviais) uma vez que a morfologia (vales
abertos) não propicia, nem a canalização de ventos nem a permanência de
temperaturas altas por efeito de abrigo.
Os sistemas de ventos locais de origem térmica, relacionados com os regimes
radiativos das vertentes que se possam desenvolver no seio da região de Alvega,
nomeadamente brisas de vale (ventos anabáticos, 2 a 4 m.s-1) e brisas de
montanha (ventos catabáticos, 2 a 3 m.s-1) não apresentam velocidades capazes
de imprimir danos por ação mecânica à oliveira pelo que não condicionam a
prática da olivicultura.
2.3 Suscetibilidade Local aos Acidentes Agroclimáticos da Olivicultura
2.3.1 Excesso de Humidade no Solo e Chuvas Torrenciais
Na região de Alvega, as áreas que apresentam maior suscetibilidade de
inundação, sendo por isso, passíveis de excesso de humidade, são os fundos de
vale. Esta circunstância deve-se à convergência das águas de escoamento
provenientes da drenagem das áreas sobranceiras adjacentes (planalto e topos de
interflúvio) canalizada através da densa rede de barrancos e valeiros
desenvolvida ao longo das vertentes. O potencial excesso de humidade dos fundos
de vale é ainda reforçado pelos seus fracos declives e pela impermeabilidade
dos seus solos (aluviões e coluviões).
Na região de Alvega, as áreas de vertente apresentam maior suscetibilidade a
fenómenos de erosão hídrica relativamente às restantes devido aos declives
acentuados. Em termos de chuvas abundantes, causa indispensável à ocorrência
deste tipo de fenómenos, refere-se que a frequência média de trovoadas em
Alvega é de 22 dias/ano ocorrendo principalmente nos meses de Abril, Maio,
Junho, Setembro e Outubro. Embora estes valores não sejam elevados, são
inadequados para permitirem conclusões rigorosas, pois nada referem sobre os
quantitativos. Os resultados da análise estatística dos valores máximos no ano
da quantidade diária de precipitação em Portugal Continental para a estação
meteorológica de Alvega e posto udométrico de Gavião referem valores elevados
quer para curtos (M5) quer para longos (M100) períodos de retorno atestando a
existência de precipitações intensas nesta região (Quadro_5).
Refira-se ainda que as áreas topograficamente mais elevadas registam valores
superiores às áreas deprimidas quer para curtos (M5) quer para longos (M100)
períodos de retorno (Quadro_5) atestando uma subida de intensidade das
precipitações diárias com a altitude nesta região.
2.3.2 Geadas, Neve e Granizo
Em Alvega, a frequência média de geadas, potenciadoras de prejuízos à oliveira,
é de 34 dias/ano ocorrendo nos meses de Outubro a Maio. No que concerne à
suscetibilidade de ocorrência de geadas e dos prejuízos à olivicultura a estas
inerentes na região de Alvega remete-se para o ponto 2.2.2 b).
No intuito de compreender a suscetibilidade à queda de neve, potenciadora de
prejuízos à oliveira, refere-se que em Alvega, a frequência média de queda de
neve e de solo coberto de neve é de 0.16 dias por ano e de 0.06 dias por ano,
respetivamente. Deste modo, Alvega apresenta uma fraca suscetibilidade à
ocorrência de neve embora a frequência de ocorrência de temperaturas inferiores
a 0 °C seja considerável de Novembro a Março e, inclusive elevada, de Dezembro
a Fevereiro. (…)
Para se compreender a suscetibilidade à queda de granizo, potenciadora de
prejuízos à oliveira, refere-se que a frequência média de queda de granizo e
saraiva é de 1.75 dias por ano em Alvega. Embora esta região apresente uma
fraca suscetibilidade à queda de granizo e saraiva refere-se que, a ter lugar,
deverá ser nos meses de Janeiro a Maio, sobretudo de Fevereiro a Abril.
2.3.3 Vento
A região de Alvega manifesta uma reduzida suscetibilidade a danos provocados
por ação mecânica do vento sobre a oliveira. Isto porque, a velocidade média do
vento manifesta valores reduzidos nas áreas deprimidas (terraços fluviais: 3.3
a 3.9 m.s-1 - rede meteorológica da PEGOP, SA) e inclusive nas áreas
sobranceiras de interflúvio (planalto: 4.2 m.s-1 e topos de interflúvio: 3.8
m.s-1 - rede meteorológica da PEGOP, SA) onde o efeito de atrito é menor.
Embora a velocidade média do vento não seja elevada na região de Alvega,
ocorrem, por vezes rajadas fortes que chegam a atingir 11.2 a 13.4 m.s-1 (rede
meteorológica da PEGOP, SA) nas áreas sobranceiras (planaltos e topos de
interflúvio) e 25.2 m.s-1 (rede meteorológica da PEGOP, SA) nas áreas
deprimidas (terraços fluviais). Os valores das rajadas máximas mais elevados
nas áreas deprimidas (terraços fluviais) comparativamente às áreas sobranceiras
(planalto e topos de interflúvio) sugerem a presença de ventos canalizados
(Efeito de Venturi) nos vales da região de Alvega. Assim, as áreas deprimidas
(fundos de vale e terraços fluviais) apresentam maior suscetibilidade a este
tipo de acidente agroclimatológico em situações de ventos canalizados com
particular enfâse nos casos em que o rumo do vento coincide com a orientação
dos vales.
Também a suscetibilidade a danos inerentes à desidratação da vegetação
resultante do efeito combinado do vento com a baixa humidade relativa reforçado
pelas temperaturas elevadas deverá ser reduzida na região de Alvega. Porém,
situações de canalização de vento (Efeito de Venturi) e de efeito de abrigo
poderão aumentar pontualmente a suscetibilidade das áreas deprimidas (fundos de
vale e terraços fluviais) a este tipo de acidente agroclimatológico.
2.3.4 Insolação
Para se compreender a suscetibilidade à forte insolação, potenciadora de
prejuízos à oliveira na região de Alvega, refere-se que o planalto, topos de
interflúvio e terraços fluviais manifestam uma elevada insolação, os fundos de
vale apresentam uma insolação média e as vertentes (com destaque para as áreas
de barrancos e valeiros) uma baixa insolação (Fig._5). Os meses de maior
insolação são Julho e Agosto, assim sendo, será este o período de maior
suscetibilidade de ocorrência de danos à oliveira.
2.3.5 Temperaturas Altas
As áreas da região de Alvega com maior suscetibilidade ao efeito das altas
temperaturas, passíveis de prejuízos oriundos da intensa desidratação da
vegetação, são os fundos de vale e terraços fluviais. Esta circunstância deve-
se às temperaturas elevadas resultantes do efeito de abrigo. No intuito de
compreender a suscetibilidade às temperaturas altas, potenciadoras de prejuízos
à olivicultura, refere-se que a frequência média de temperaturas máximas
superiores a 35 °C em Alvega é de 17 dias por ano ocorrendo principalmente nos
meses de Junho, Julho, Agosto e Setembro.
3. Resultados
3.1 Aptidão e Constrangimentos Agroclimáticos Locais à Olivicultura
3.1.1 Com Aptidão: Planalto e Topos de Interflúvio
O ambiente agroclimático do planalto e dos topos de interflúvio proporciona uma
elevada aptidão olivícola (Fig._8). A forte insolação favorece a produção de
assimilados nas axilas das folhas contribuindo diretamente para a formação de
flores e consequentemente para a produção de azeitona, além de beneficiar o
processo fotossintético; os elevados valores de radiação solar favorecem o
aumento da concentração do fruto em óleo na fase de maturação; as temperaturas
proporcionam o desenvolvimento das diversas fases fenológicas do ciclo
biológico anual da oliveira em condições não prejudiciais a ótimas; os
quantitativos anuais de precipitação satisfazem as necessidades hídricas da
oliveira proporcionando inclusive a obtenção de boas produções. A fraca
suscetibilidade destas áreas aos acidentes agroclimáticos também justifica a
elevada aptidão olivícola.
3.1.2 Sem Aptidão: Fundos de Vale e Vertentes
Embora algumas condições agroclimáticas se afigurem favoráveis à olivicultura
nos fundos de vale (elevados valores de radiação solar, as temperaturas
favoráveis ao desenvolvimento das diversas fases fenológicas do ciclo biológico
anual da oliveira em condições não prejudiciais a ótimas, a moderada insolação
e os valores de precipitação capazes de satisfazer as necessidades hídricas da
oliveira e de obter boas produções), estes apresentam-se desprovidos de aptidão
olivícola. Tal facto deve-se a características como o elevado perigo de
formação de geada de irradiação, ainda que de fraca severidade na época de
abrolhamento (geadas tardias) e na época de maturação do fruto (geadas
precoces), são potenciadoras de importantes reduções na quantidade e qualidade
da produção oleica; por outro lado, a existência de áreas planas em posição
deprimida com um elevado nível freático, compostas, essencialmente, por
aluviões e coluviões capazes de proporcionar situações de excesso de humidade a
que a oliveira é muito sensível.
A ambiência agroclimática que caracteriza as vertentes da região de Alvega
também revela falta de aptidão olivícola (Fig._8). Embora os moderados a
elevados valores de radiação solar, as temperaturas favoráveis ao
desenvolvimento das diversas fases fenológicas do ciclo biológico anual da
oliveira em condições não prejudiciais a ótimas, os quantitativos anuais de
precipitação acrescidos de uma fraca suscetibilidade a acidentes agroclimáticos
possam indiciar aptidão olivícola, a fraca insolação inviabiliza a olivicultura
nestas áreas (Fig._8).
3.1.3 Com Aptidão Condicionada: Terraços Fluviais
Os terraços fluviais da região de Alvega revelam aptidão olivícola, ainda que
de forma condicionada (Fig._8). As suas potencialidades agroclimáticas baseiam-
se nos elevados valores de radiação solar, nas temperaturas favoráveis ao
desenvolvimento das diversas fases fenológicas do ciclo biológico anual da
oliveira em condições não prejudiciais a ótimas, na forte insolação, nos
quantitativos de precipitação aptos à satisfação das necessidades hídricas da
oliveira e inclusive à obtenção de boas produções. Porém, o elevado perigo de
formação de geada de irradiação, ainda que de fraca severidade na época de
abrolhamento (geadas tardias) e na época da maturação do fruto (geadas
precoces), constitui um constrangimento agroclimático à olivicultura nos
terraços fluviais. Tendo em conta a intensidade das baixas temperaturas
(Correia, 2011), esta condicionante poderá ser ultrapassada através da seleção
de variedades pouco sensíveis ao frio.
3.2 Carta das Potencialidades Agroclimáticas Locais à Olivicultura
As potencialidades olivícolas são caracterizadas com base na aptidão e nos
constrangimentos agroclimáticos locais existentes na região de Alvega. A Carta
das Potencialidades Agroclimáticas Locais à Olivicultura na Região de Alvega
elaborada em ambiente SIG (software ArcGis 9.3, ESRI) ilustra o modo como os
climas locais desta região satisfazem os requisitos climáticos da olivicultura
(Fig._8). O modo como tal se processa encontra-se explicado na legenda do mapa
da Figura_8. Além disso, observações de campo permitiram validar algumas destas
potencialidades agroclimáticas locais à olivicultura. De modo a facilitar a
compreensão das potencialidades agroclimáticas locais da olivicultura utiliza-
se uma classificação simples com dois níveis de informação. Assim, a aptidão
agroclimática local à olivicultura é classificada em Com Aptidão, Sem Aptidão e
Com Aptidão Condicionada com recurso à cor. A esta, sobrepõe-se a tipologia de
constrangimentos agroclimáticos indicada com recurso a tramas. Assim, a Carta
das Potencialidades Agroclimáticas Locais à Olivicultura na Região de
Alvegainclui, além da aptidão, informação relativa ao tipo de constrangimento.
A diversidade de climas locais presente na região de Alvega em confronto com os
requisitos climáticos da oliveira revela um complexo mosaico de potencialidades
agroclimáticas locais à olivicultura (Fig._8).
4. Discussão e Conclusões
O cultivo da oliveira para fins comerciais apresenta como principal objetivo a
rentabilidade económica. Uma vez que a implantação de olival constituí um
investimento a longo prazo torna-se pertinente "(…) realizar los estúdios
previos necesarios para conocer aspectos de la variedad a emplear, el solo y el
clima que pueden condicionar la rentabilidad de la plantación" (Barranco
et al., 2008). Neste sentido, estudos de climatologia à escala local podem dar
resposta às necessidades da agricultura de conhecer as características
climáticas da camada de ar junto ao solo assim como a sua variabilidade
espacial. Refira-se que historicamente a climatologia local foi desenvolvida
"(…) in response to increasing demand for agricultural production through
agroclimatological knowledge" (Yoshino, 1997).
O ensaio aqui desenvolvido pretendeu testar uma metodologia de avaliação do
potencial agroclimático local para a instalação de culturas agrícolas. Para o
efeito, selecionou-se a olivicultura como cultura agrícola a instalar e a
região de Alvega como área de estudo.
As potencialidades olivícolas na região de Alvega foram definidas com base nas
características e distribuição da aptidão e dos constrangimentos
agroclimáticos. Deste modo, construiu-se uma carta a partir do tratamento de
informação resultante do estudo das condições agroclimáticas favoráveis ou
limitantes e da suscetibilidade aos acidentes agroclimáticos da olivicultura na
região de Alvega em ambiente SIG, que permitiu a definição de unidades com
potenciais agroclimáticos locais homogéneos. Os elementos climáticos
condicionantes da olivicultura constituem elementos-chave na definição da
aptidão e dos constrangimentos com tradução no potencial agroclimático local.
Foram assim delimitados três tipos de aptidão agroclimática, caracterizados com
base no grau de satisfação dos requisitos climáticos da oliveira por parte dos
climas locais. As áreas desprovidas de aptidão agroclimática ou com aptidão
agroclimática condicionada foram ainda caracterizadas com base na tipologia de
constrangimentos agroclimáticos presentes.
A carta das potencialidades agroclimáticas locais à olivicultura na região de
Alvega revela o complexo mosaico de aptidões e constrangimentos agroclimáticos
e a sua importância espacial. Além do excesso de humidade nos fundos de vale,
da presença de lagos de ar frio nos fundos de vale e nos terraços fluviais,
nota-se uma clara assimetria espacial ao nível da insolação com as vertentes a
apresentarem valores particularmente baixos em consequência da presença de
inúmeros valeiros e barrancos oriundos da intensa erosão fluvial. Os referidos
contrastes climáticos são muito interessantes e têm reflexos na distribuição do
potencial agroclimático da olivicultura na região de Alvega.
A carta das potencialidades agroclimáticas locais, neste caso, da olivicultura
na região de Alvega, demonstra a pertinência e exequibilidade da metodologia de
avaliação do potencial agroclimático para a instalação de culturas agrícolas
testada no presente ensaio a aplicar noutras culturas e regiões. Adverte-se
para o facto de esta metodologia constituir uma proposta inicial que
naturalmente poderá ser aperfeiçoada no futuro. Cartas das potencialidades
agroclimáticas locais para a instalação de culturas agrícolas acompanhadas de
breves caracterizações constituem aplicações dos conhecimentos climáticos
locais à agricultura. Assim, orientações climáticas para a agricultura como as
que aqui se propõem dirigidas aos agentes de planeamento e/ou ordenamento do
território mas também ao público em geral demonstram a aplicabilidade desta
metodologia e divulgam a potencial contribuição da climatologia local para o
ordenamento, planeamento e gestão agrícola do território.