Apresentação do número e agradecimento a Peter Hall
EDITORIAL
Apresentação do número e agradecimento a Peter Hall
Rio Fernandes, José1
1CEGOT | Universidade do Porto, Faculdade de Letras, Departamento de Geografia;
jariofernandes@gmail.com
A disponibilização, universal e gratuita, do sexto número da GOT (Revista de
Geografia e Ordenamento do Território) a 30 de Dezembro de 2014, garante a
regularidade semestral e constitui prova, espera-se, do continuado reforço da
qualidade de uma publicação que celebra hoje o seu 3º aniversário. Os leitores,
na sua diversidade de opiniões, serão disso os melhores juízes, pela leitura
que farão do que a revista oferece e pela divulgação que ajudarão a garantir
dos resultados do esforço de autores, revisores, editor e adjunto ao editor.
Este número é o primeiro que surge depois da GOT passar a revista indexada,
cumprindo todos os critérios do LATINDEX, o que premeia o trabalho feito e
incentiva a conseguir responder a exigências maiores.
Este número 6 é também um número especial por uma outra razão, menos agradável,
mas a que com prazer nos associamos, que é a de prestar homenagem a três
geógrafos que nos deixaram este ano.
A pensar neles, há dois pequenos textos que abrem esta edição, antecedendo os
artigos aceites pela revisão científica. Num primeiro, Lúcio Cunha, coordenador
do CEGOT (Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento do Território) e membro
do grupo de investigação a que os colegas António Pedrosa e Fernando Rebelo
pertenceram, deixa-nos sobre eles um breve apontamento, em jeito de homenagem;
num outro, Márcio Moraes Valença, conselheiro científico do CEGOT, faz-nos
chegar impressões de uma entrevista que realizou a Sir Peter Hall, semanas
antes do seu falecimento.
Se Lúcio Cunha pode bem melhor que eu deixar algumas palavras sobre os nossos
colegas do CEGOT e ainda que Márcio Valença se associe a tal no seu texto e
pudesse por si só fazê-lo melhor que eu, é meu dever - e motivo de
orgulho - homenagear aqui Sir Peter Hall, figura marcante da Geografia da
segunda metade do século XX, que nos concedeu o privilégio de fazer chegar um
texto que foi publicado no nº 3 da GOT e que, além disso, abriu na Casa da
Música o 1º Encontro Internacional do CEGOT que teve lugar no Porto entre 3 e 5
de Março de 2013.
Num tempo em que fazem falta as convicções e se faz apelo ao reforço das
relações entre ciência fundamental e aplicada, num tempo em que se reconhece a
necessidade dos especialistas conviverem com aqueles cuja sabedoria os faz mais
capazes de produzir leituras gerais de síntese, é gratificante recordar Sir
Peter Hall.
Geógrafo e urbanista, académico distinto, homem informado e culto, cavaleiro
britânico, Hall era um teórico capaz de propostas práticas, assim como de se
relacionar com conservadores e socialistas. Talvez por isso tenha sido central
na reconversão das docas de Londres - modelo para tantos outros casos de
intervenção urbana - apostando aqui não apenas na convergência de
vontades, públicas e privadas desde logo, como na valorização do lado oriental
da cidade, mais operário e desqualificado, assim como na articulação de
escalas, fosse entre cidade e região, como na consideração da inserção mundial
e das particularidades locais. Além de muitos artigos e conferências - e
tanto mais - encontrou sempre (espantosamente!) o tempo para escrever
dezenas de livros, onde não apenas deslumbra pela informação acumulada, pela
facilidade de ligar o teórico com o empírico, como pela forma refrescante e
inovadora como coloca os seus argumentos e ainda pela facilidade e gosto com
que se lê o que escreve, talvez porque se perceba uma paixão que se transmite e
contagia.
Será por certo injusto que, entre tantas, se destaquem obras suas relativamente
a outras, e até mesmo temas entre os que abordou. Por isso, refugio-me numa
caso particular, o meu, para, ao mesmo tempo que lamento o que não conheço,
realçar, no que pude ler, a importância dada à história das cidades e do
urbanismo como contributo central na compreensão das cidades que temos. Esta
ligação entre espaço e tempo foi uma constante, numa valorização de pensadores
e agentes da transformação do espaço urbano que o levaram a ver a história como
essencial enquanto suporte para a ação na construção das cidades que desejamos,
face aos seus problemas, os novos e os recorrentes.
Para o compreendermos, é essencial ter lido o tão marcante "Urban and
Regional Planning", cuja 1ª edição remonta a 1975, ou o interessantíssimo
"Sociable Cities" que escreveu com Colin Ward, em 1998. Mas, entre
todos, destacar-se-á por certo, para mim como para muitos, o mítico
"Cities of Tomorrow" (que vai na 5ª edição), mesmo que hoje pareça
mais importante ainda a leitura do monumental "Cities in
Civilization", onde a inovação é tratada com uma marcante profundidade e
facilidade, de "Polycentric Metropolis" (de 2006, realizado com
Kathy Pain), ou ainda de "Urban Futures 2000" (em coautoria com
Ulrich Pfeiffer), numa brilhante antevisão aos problemas das cidades de
crescimento rápido de boa parte do Hemisfério Sul.
Nestas e noutras obras e em tantas conferências por todo o mundo, assim como na
supervisão de projetos e trabalhos académicos, transparece, da reflexão e ação
de Peter Hall, uma grande preocupação com a justiça social, a inovação
tecnológica e cultural e, de um modo particularmente especial nos últimos anos,
com o papel dos transportes, da eficiência energética e sustentabilidade
ambiental na construção de uma cidade boa, para vivermos melhor, como fica
muito claro no seu último livro "Good Cities, Better Lifes",
editado pela Routledge em 2013, ou ainda no texto "Creating transport
corridors: refreshing the places other transport hasn't reached"
incluído no último "Regional Outlook" editado este ano pelo OCDE
sob o título "Regions and cities: where policies and people meet".
Nestes e noutros temas e obras, sabia identificar e difundir as boas práticas
como poucos, insistindo na vantagem nas cidades de pequena e média dimensão e
em áreas urbanas das grandes espaços urbanos relativamente densos, estarem bem
servidas por transporte coletivo, serem dotados de sistemas energética e
ambientalmente eficientes e conseguirem promover a inovação e a inclusão.
Alguns tiveram o prazer de o ouvir em Lisboa, em Aveiro e no Porto. Muitos
leram e manterão o prazer de o ler, em tanto do que escreveu, seja no que nunca
lemos ou no que precisamos de revisitar, o que inclui algumas das obras mais
marcantes da Geografia e do Urbanismo das últimas décadas. Mas, se para muitos
fica isso, e para bastantes a felicidade da sua companhia, apenas para mim e
para muito poucos fica a memória do prazer de com ele termos percorrido a pé
parte da área antiga do Porto. Tencionava voltar. Infelizmente, tal deixou de
ser possível a partir de 30 de Julho de 2014.
Mas, perdido Peter Hall, fica o geógrafo e urbanista, nas suas obras e nas
intervenções que inspirou, as quais o prolongam, especialmente através dos
muitos milhares que, em todo o mundo, têm a consciência do muito que aprenderam
e poderão transmitir.
Se, pelas razões expostas, este pode ser visto como um número especial da GOT,
ele é todavia muito idêntico aos demais em quase tudo o resto. Desde logo,
reúne pouco mais de uma dezena de textos, 13 para se ser exato; depois porque
mais uma vez não é todo ele publicado em português, já que há textos em
espanhol, francês e inglês; além disso, entre os autores há várias
nacionalidades, com destaque para Portugal e Brasil, e, além disso, geógrafos e
não geógrafos; por fim, há jovens investigadores e cientistas de nomeada,
devendo destacar-se entre estes Augusto Perez Alberti, catedrático da
Universidade de Santiago de Compostela e consultor científico do CEGOT, que
assina um texto sobre metodologia e classificação de tipos de paisagem com
Manuel Borobio Sanchiz, Francisco Rodríguez e Melania Pérez.
Como é habitual, os textos estão ordenados pela ordem alfabética do apelido do
primeiro autor. Sobre eles, não terei capacidade para, em poucas palavras,
acrescentar algo de relevante ao que pode resultar da sua leitura, muito menos
posso substituir-me aos autores na síntese que fizeram chegar. Opto por isso
por convidar todos à sua leitura - e porque não há submissão de um texto?
- e por dar conta da diversidade dos temas, escalas e espaços
territoriais.
Relativamente aos anteriores números, é de notar a existência de dois textos
onde se abordam preocupações associadas ao ensino da Geografia, com o
pensamento geográfico e as tecnologias de informação a serem o objeto dos
contributos que nos chegam de geógrafos das universidades de Minho e Porto (Rui
Freitas e Marisa Freire), e de Coimbra e Lisboa a que soma docente de ensino
secundário (Olga Maciel, Adélia Nunes e Sérgio Claudino), respetivamente.
Destaca-se também o facto de 5 dos 13 artigos nos chegarem desde o Brasil, numa
demonstração da sua importância acrescida, desde logo na produção científica em
Geografia e Ordenamento do Território em língua portuguesa. Os autores
brasileiros, geógrafos praticamente todos, tratam temas muito diversos, ligados
à climatologia, no caso de Hiago Barbosa e Flaviane Santos; à formação na
nação, vista por Cleyde Esteves desde uma perspetiva da geografia histórica e
cultural; à chamada economia solidária, tema de Sílvia Ortigoza; à avaliação
dos municípios vista a partir da sua dimensão por Ralfo Matos e Rodrigo
Ferreira, e ao património urbano, no caso de Francine Ribeiro e Sidney Vieira.
Tanto no caso de autores brasileiros como de portugueses, outro destaque é o da
pluralidade de instituições de sede. No primeiro caso estão representadas as
universidades Estadual de São Paulo (Pelotas e Rio Claro), Federal do Rio de
Janeiro, Federal de Minas Gerais e Estadual de Pelotas; no segundo, boa parte
das universidades públicas: Coimbra, Évora, Lisboa, Minho e Porto.
Assinala-se com especial gosto a entrada de um geógrafo francês de renome,
René-Paul Desse, titular da Universidade de Rennes, que aborda o tema muito
atual da resiliência, na sua adaptação a questões urbanas, em especial às que
se associam ao comércio das cidades francesas.
Hélder Diogo trata também uma realidade francófona, trazendo-nos uma reflexão a
propósito da sócio-demografia dos emigrantes portugueses no Luxemburgo.
Há ainda um texto de geografia rural, que nos chega desde as Ciências Agrárias
da Universidade de Évora, o qual trata a agricultura em espaço urbano.
Eduardo Medeiros é o autor de uma interessante reflexão a propósito de uma
muito falada europeização das políticas territoriais, tratando especialmente o
caso das políticas orientadas para a coesão e a sua adaptação a Portugal no
período 1989-2013.
Por fim, temos de agradecer a Ana Melo, Fernando Lagos Costa, Ana Cabral e
Maria Nunes a abordagem da fronteira de Guiné-Bissau, lembrando-nos um de
muitos espaços mundiais de "periferia esquecida", num interessante
ensaio metodológico às condições de acessibilidade e uso do solo em área de
fronteira.