Art of the Deal: Contemporary Art in a Global Financial Market
RECENSÃO
Horowitz, Noah (2011), Art of the Deal. Contemporary Art in a Global Financial
Market
Luísa Veloso*
Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, Instituto Universitário de
Lisboa, Portugal. Departamento de Sociologia, Escola de Sociologia e Políticas
Públicas, Instituto Universitário de Lisboa, Portugal luisa.veloso@iscte.pt
Horowitz, Noah (2011), Art of the Deal. Contemporary Art in a Global Financial
Market. Princeton: Princeton University Press, 384 pp.
O livro de Noah Horowitz, conceituado historiador especialista na análise do
mercado da arte, constitui uma obra extremamente interessante e profícua para
os investigadores e demais profissionais e apreciadores que estudam ou
acompanham o mundo da arte. Resulta da sua dissertação de doutoramento, em
articulação também com a sua presença no mercado da arte. O autor foi diretor
da VIP Art Fair, uma feira de arte de venda online e é atualmente o diretor
executivo do Armory Show, uma das mais destacadas feiras de arte que tem
lugar anualmente em Nova Iorque. A sua dupla pertença à academia e ao mundo da
arte é, desde logo, um dado interessante e permite perceber o seu olhar sobre o
mercado da arte como alguém que o conhece, mas que também domina a sua
complexidade e as suas contradições.
Focalizando-se especificamente nos mecanismos que presidem ao funcionamento do
mercado da arte, o autor desenvolve uma análise detalhada e sistemática. O
estudo realizado vai sendo apresentado ao longo do livro com a discussão
permanente dos factos, condensando uma análise sobre a construção social do
mercado da arte, reflectindo sobre a sua complexidade e chamando a atenção para
a necessidade de atender às permanentes relações entre fenómenos económicos,
sociais e culturais e que explicam, não apenas os mecanismos de comercialização
da arte, mas também de que forma é que estes ditam regras do trabalho dos
artistas e das respetivas obras.
Estruturado em três densos capítulos, o livro centra-se em formas
contemporâneas de expressão artística que, pelos seus suportes e a conquista da
etiqueta obra de arte, vieram colocar desafios analíticos acrescidos. Por sua
vez, e à semelhança de obras de arte vulgarmente aceites enquanto tais, também
os criadores dessas obras capitalizam em seu benefício a possibilidade de as
legitimarem. O livro pretende apresentar uma abordagem crítica do Mercado da
arte e como é que o seu valor (crítico, museológico, financeiro) é gerado
(xvii).
Antecedendo os três capítulos, o autor na introdução apresenta algumas
proposições importantes acerca da distinção entre mundo da arte e mercado da
arte, ainda que se sobreponham e seja complexo estabelecer as fronteiras entre
ambos. É sobre este último que o livro se vai debruçar, analisando a sua
estrutura e discutindo os processos sociais de determinação do valor de uma
obra de arte, o que, por sua vez, exige refletir sobre o conceito de valor e a
respetiva medida. É este intrincado e complexo discurso que prevalece ao longo
do texto, permitindo ao leitor ficar com um conhecimento acerca dos processos
históricos (nada lineares) de estruturação e desenvolvimento do mercado da
arte.
Os capítulos 1 e 2 são dedicados a duas práticas artísticas ' a videoarte e a
arte experimental ' que se encontravam na periferia do circuito comercial, mas
que agora estão no seu centro (3).
A nossa viagem, como o autor apelida (24), começa com a emergência da
videoarte nos anos 60, no capítulo 1. É desenvolvido o processo de integração
da videoarte no mercado que, como argumenta o autor, é emblemático da
profissionalização da economia da arte contemporânea (24). É traçado um
percurso histórico bastante completo e detalhado em que se referem obras
inaugurais de artistas como Nam June Paik ou Bruce Nauman, nas décadas de 1960
e 1970, e se prossegue, na década de 1980, com a sua institucionalização
marcada pela integração e mostra dos trabalhos dos artistas em museus como o
Whitney Museum ou o Museu Stedelijk em Amesterdão. A década de 1990,
caracterizada pela emergência de artistas como Matthew Barney ou Douglas
Gordon, acompanha o crescimento da aquisição das obras de videoarte. Este
crescimento das aquisições, exibições e o acréscimo dos preços (do valor da
obra) é também extensível ao domínio da fotografia, com artistas como Thomas
Struth. De uma enorme relevância é o trabalho do autor acerca da integração
destas obras nas coleções dos museus, um dos eixos fundamentais do seu
reconhecimento como artee a consequente atribuição de valor. Citando Pierre
Bourdieu, o autor refere como à videoarte se aplica a premissa: os jogadores
procuram no mercado da arte uma combinação de capital simbólico e económico
(56). A entrada destas obras no mercado da arte, com o seu reconhecimento e a
sua valorização económica, comporta igualmente a produção de todo o conjunto de
artefactos que o comprovem. É o caso dos certificados de autenticidade (ver um
exemplo na página 59) e as embalagens das obras (ver página 67). Constitui, do
meu ponto de vista, o capítulo mais consistente e no qual a discussão sobre a
relação entre arte e a avaliação do seu valor financeiro é mais clara e
surpreendente.
Da videoarte o autor passa, no capítulo 2, para a arte experimental e para a
análise do processo de criação deste mercado. Esta remonta ao advento da arte
concetual dos anos 60, incluindo instalações, performances e todo o tipo de
eventos que são, como o autor refere, concluídas pela audiência (24). Se a
videoarte já coloca questões acerca da sua materialização (quando comparada
com as obras clássicas como uma pintura, uma escultura ou um desenho), no
caso da arte experimental a questão coloca-se de forma ainda mais saliente,
acompanhando a avaliação do seu valor económico. Uma das obras referidas é de
Yves Klein, Transfer of a Zone of Imaterial Pictorial Sensibility (1959-1962),
em que o autor oferecia aos compradores a possibilidade de adquirirem uma zona
imaterial em troca de um pagamento em ouro, metade do qual o artista atira
para o rio Sena na presença do curador, duas testemunhas e o comprador. A
fotografia que registava o acontecimento era o certificado de autenticidade
(ver página 95). Mas a obra não fica completa sem o comprador queimar o
certificado, discutindo assim o sentimento de posse. Esta obra, entre muitas
outras, tem na sua base a desmaterialização do objecto artístico, e, por via
desta abordagem, a integração dos artistas (como Rirkrit Tiravanija ou Tino
Sehgal) no mercado da arte. O capítulo termina com uma referência aos contextos
de institucionalização do mercado da arte, como os museus, as bienais ou as
feiras de arte, que se multiplicaram significativamente após 1990, em
particular na década de 2000. Trata-se de uma análise extensível às várias
formas de arte (não apenas à experimental) e que tem uma expressão mundial.
No capítulo 3 o autor desenvolve uma análise detalhada (de complexa leitura e
compreensão) dos processos de constituição de fundos de investimento em arte,
nos anos 1970, e da articulação com os mercados financeiros e os mecanismos de
integração das obras de arte como um produto comercializável, à semelhança de
um conjunto de ações. Destacando as especificidades do mercado da arte, é neste
capítulo que são apresentados os argumentos mais fortes acerca dos processos de
comercialização de obras de arte e das suas raízes históricas. Horowitz refere
que o investidor em arte emergiu no final do século xix no mercado da arte
moderna, sendo ao longo do século xx que se assiste à consolidação da art-as-
investment (152).
O livro termina com uma análise do impacto da crise financeira no mercado da
arte contemporânea. Os dados mais recentes apresentados são de 2009, refletindo
o eclodir da crise em 2007 e 2008. Horowitz chama a atenção para o crescimento
de mercados especializados, como o segmento das obras de artistas chineses, mas
também da afirmação de países neste domínio como a China, a Índia ou a Rússia.
Trata-se de um livro de um detalhe analítico destacável e desafiante do ponto
de vista da linguagem e das regras explicativas das realidades da arte, dos
artistas e do mercado. A permanente problematização e o questionamento das
hipóteses explicativas levantadas permite encarar esta obra como um ponto de
partida para, no presente e no futuro, confirmar ou refutar e rever em
permanência os argumentos apresentados.
Uma última palavra final ainda para a extensa bibliografia, patente, não apenas
na listagem final, mas também, de forma mais orientada, nas notas, bem como nos
quadros inseridos nos anexos ao livro. Contemplam a listagem dos preços mais
elevados atingidos em 2009 por obras de videoarte em leilão, a coleção de
filmes e vídeos da galeria de arte Tate (de 1972 a 2009) e do Whitney Museum of
American Art (de 1982 a 2009) e os fundos de investimento em arte em 2009. A
leitura dos quadros permite, desde logo, ficar com uma visão de algumas das
dimensões constitutivas do mercado da arte, nomeadamente em termos do lugar
ocupado por objetos artísticos no passado tidas como menos nobres e da
dinâmica económica gerada por via da comercialização de obras de arte. É
notável a preocupação do autor em expor os dados analisados, já que, como
refere no início da obra A permanente ausência de transparência no mercado da
arte internacional torna particularmente urgente ser tão claro quanto possível
sobre a informação analisada (xxi).
NOTAS
* Socióloga e investigadora do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia
do Instituto Universitário de Lisboa (CIES-IUL) e professora convidada do
ISCTE-IUL. É também investigadora associada do Instituto de Sociologia da
Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Tem desenvolvido vários estudos
nas áreas das profissões, da educação, do trabalho e do emprego. Tem várias
publicações de livros e artigos nacionais e internacionais. Desenvolve várias
atividades de articulação entre a investigação e atividades culturais
nomeadamente com a Fundação de Serralves e a Cinemateca Portuguesa.