Music, Style, and Aging: Growing Old Disgracefully?
RECENSÕES
Andy Bennett (2013), Music, Style, and Aging: Growing Old Disgracefully?
Paula Guerra
Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Instituto de Sociologia, Via
Panorâmica, s/n, 4150-564 Porto, Portugal pguerra@letras.up.pt
Music, Style, and Aging: Growing Old Disgracefully?
Andy Bennett (2013), Music, Style, and Aging: Growing Old Disgracefully?
Philadelphia, Pennsylvania: Philadelphia Temple University Press, 210 pp.
Andy Bennett tem passado as últimas duas décadas a reinterpretar a popular
music sob um prisma pós-subculturalista e do cultural turn, adensando uma linha
de investigação determinante à escala mundial com lastro nos Estados Unidos, no
Canadá, na Austrália e nos diferentes países europeus, incluindo Portugal. A
reinterpretação da Escola de Birmingham e dos cultural studies tem ocupado um
lugar central na sua obra, sendo de destacar o estudo seminal que fez em
conjunto com Richard A. Peterson - Music Scenes: Local, Translocal and
Virtual (2004).1 A obra Music, Style, and Aging: Growing Old Disgracefully?,
recentemente editada, surge como corolário do intenso percurso académico do
autor e pretende lançar os pilares para o desenvolvimento de um debate muito
importante que se prende com a permanência de vinculações (sub)culturais ao
longo do ciclo de vida dos indivíduos. Isto é, trata-se de perceber, com
detalhe, como os hábitos, práticas e atitudes dos entusiastas do rock, do punk
e da eletronic dance music moldam os seus estilos de vida à medida que
envelhecem. Esta questão, já aflorada por Bennett em "Punk's Not
Dead: The Continuing Significance of Punk Rock for an Older Generation of
Fans" (2006),2 assume total relevância num contexto de envelhecimento das
sociedades de capitalismo avançado plenas de recursos (técnicos e estilísticos)
para o acompanhamento dos gostos num processo de (re)afirmação e
(re)apropriação incessante de estilos de vida e de práticas de musical fandom
(marcas corporais, estilos de vestuário e penteados, frequência de concertos,
participação em grupos de discussão e de fãs, compra de discos e outros
registos fonográficos, coleção de objetos e memorabilia, acompanhamento
mediático, entre outros). De forma emblemática, Bennett propõe aqui a
introdução de uma quarta cena musical para além da local, da translocal e da
virtual - a afetiva. As cenas afetivas decorrem do envelhecimento e
radicam nas memórias/readaptações geracionais partilhadas e experiência
cultural de determinadas músicas ao longo do tempo. Ora, esse
"conhecimento e sentimento partilhados" reúnem participantes numa
cena afetiva (p. 61) cujo principal trunfo se centraliza no ensejo de uma
abordagem diacrónica dos gostos, pertenças e identidades musicais muito para
além de uma hegemonia etária, apanágio das teses subculturalistas iniciais.
Neste seu mais recente trabalho, Bennett recupera a expressão de Simon Frith em
que este defende que 'a sociologia do rocké inseparável da sociologia da
juventude' e afirma que essa expressão deveria ir mais além, englobando a
pertinência de uma análise do envelhecimento e das suas modalidades de relação/
incorporação com/na música popular, não o cingindo a uma mera questão de
nostalgia e 'retromania' (Reynolds, 2011)3 como tem vindo a ser
feito em muitas das análises.
Do ponto de vista da abordagem empírica, Bennett realizou entrevistas a fãs
entre os 35 e os 61 anos através da amostragem em bola de neve em três regiões/
países: East Kent (Reino Unido), Adelaide (Austrália) e Lille (França). A obra
encontra-se estruturada em duas partes fundamentais, uma primeira de teor
essencialmente teórico e uma segunda que se dedica à análise de um conjunto de
casos. Assim, a primeira parte do livro, "Contextualizing Popular Music
and Aging", é composta pelos capítulos "Popular Music and the Aging
Audience" e "Individual and Collective Lifestyles of Aging Popular
Music Audiences". Esta parte I dedica-se, como referido, à abordagem
teórica dos principais contributos de Bennett acerca da popular music
demarcando-se da tradição dos cultural studies, dando ênfase a questões
sociológicas relativas às identidades, ao lifestyle, à importância da música no
quotidiano e ao aging numa aproximação a David Chaney ou Richard A. Peterson. A
segunda parte do livro dedica-se à apresentação de Case Studies, desenvolvidos
ao longo de quatro capítulos: "Toning down the Mohawk. Music, Style, and
Aging"; "Career Opportunities: Work, Leisure, and the Aging Popular
Music Fan"; "This is 'Dad House': Continuity and
Conflict among Multigenerational Music Audiences"; e "Still
'Changing the World'?: Music, Aging, and Politics". Cada um
destes quatro capítulos aborda domínios específicos do estilo de vida sob
influência da música tendo como pano de fundo o envelhecimento. Assim, o
capítulo 3 documenta as representações que os entrevistados têm acerca da
passagem dos estilos espetaculares da sua juventude e sua vinculação à
autenticidade (sub)cultural para um estilo de vestir atenuado, modificado ou
inteiramente desvinculado estilística e (sub)culturalmente. O capítulo 4
explora as formas como o fandom influenciou as vidas laborais destes fãs. O
capítulo 5 foca-se na relação entre fãs mais velhos e fãs mais novos do mesmo
estilo musical, numa abordagem inter- e multigeracional. Finalmente, o capítulo
6 analisa a forma como as ideologias de resistência ou de provocação da
participação musical juvenil estão associadas às identidades políticas dos fãs
mais velhos. Bennett confronta-nos, neste livro, com uma sociedade em mudança
que exige uma readaptação crítica da teoria social a novas categorias etárias e
geracionais - sendo este um desafio inelutável para a sociologia pois, de
acordo com as suas palavras, "a popular music e as práticas culturais a
ela associadas continuam a ter um papel-chave nas vidas de muitas pessoas de
idade" (p. 189).
Importa realçar a pertinência e atualidade de algumas asserções e
desenvolvimentos teórico-empíricos presentes neste livro. A primeira prende-se
com a relevância da variedade e complexidade de discursos acerca das relações
entre música, envelhecimento e preferências estilísticas. Assim, e
exemplificadamente, o decréscimo na tónica estilística corresponde a um
processo de reflexão e reavaliação crítica dos valores políticos associadas ao
vestir e às pertenças musicais, fazendo emergir readaptações estilísticas
diversas consentâneas com os desempenhos quotidianos também diversificados dos
atores sociais e uma reflexibilidade adaptativa ao mundo contemporâneo e ao
ecletismo de gostos que subjazem a muitas das práticas e escolhas lúdicas,
culturais, musicais, pessoais e familiares. Ora, existe o desenvolvimento de
novos meios "pós-juventude" que perpetuam as narrativas
sociopolíticas e musicais através das roupas. Decorre também da leitura do
Music, Style, and Aginguma correlação entre a música, especialmente o punk, e a
opção por carreiras do-it-yourself (DIY). Esta é uma ocasião importante para
Bennett assegurar que o DIY é transversal a várias práticas culturais e
políticas e está na base de inúmeros projetos de vida, não estando confinado ao
facto de se ser jovem. O DIY persiste na trajetória de alguns atores sociais e
é refundado e reajustado face aos acontecimentos pessoais e sociais que marcam
o trajeto das pessoas ao longo das suas vidas. Mais, a música - e
sobretudo o punk - não é o único fator determinante na adoção de um ethos
DIY, mas acaba por ser um fator da máxima relevância, nomeadamente quando
acontece na música em ato - na pertença a bandas ou na organização de
concertos. Outro desenvolvimento desta obra, que nos parece importante aqui
realçar, centra-se nas possibilidades de intervenção sociopolítica e na adoção
de uma ideologia de ação. Ilustrativamente, Bennett apura que os punks mais
velhos tendem a ver uma pertença anarquista na juventude como algo ingénua,
pois o seu envelhecimento ditou uma reflexibilidade em torno de uma
reapropriação mais soft destes ideais políticos, reapropriados hoje através do
apoio aos movimentos anticapitalistas, de defesa dos animais, de ocupação
urbana ou de tolerância e respeito pelos outros. O punk foi determinante como
eixo de sentido crítico em relação ao establishment político e às normas
culturais, mas é vivido hoje com maior relativismo.
Em suma, este livro mostra-nos a crucialidade da música na estruturação do
lifestylede um conjunto de atores mais velhos, retirando a exclusiva
importância da música na orientação e condicionamento da transição da juventude
para a vida adulta, obrigando-nos a pensar nas consequências dessa dilatação
etária no lazer e no estilo de vida dos indivíduos. Com efeito, Bennett mostra-
nos como a geração baby boomer "está a tomar outra direção no
desconhecido cultural, como a primeira geração plenamente mediatizada e
consumista que atingiu a meia idade e agora contempla a 'terceira
idade'" (p. 25). Também é fundamental reter a perspetiva do autor,
quando este argumenta "que os exemplos musicais e os associados ao estilo
e à cultura, escolhidos para o estudo no livro, marcam uma viragem
significativa na história da música popular ocidental" (p. 3). A
sociologia da cultura e a sociologia das artes encontram-se numa encruzilhada
existencial, pois necessitam de explicar e compreender com urgência a
importância do impacto da idade e da noção de geração na apropriação musical e
lúdica, sobretudo quando estas são feitas dentro de espectros estilísticos
relativamente desconfortáveis para os cânones clássicos e que se prendem com a
geração rock 'n' roll - hoje já a viver a 'terceira
idade'. Music, Style, and Agingconstitui um contributo relevante para o
aprofundamento desta discussão.
NOTAS
1
Bennett, Andy; Peterson, Richard A. (2004), Music Scenes: Local, Translocal
and Virtual. Nashville: Vanderbilt University Press
2
Bennett, Andy (2006), "Punk's Not Dead: The Continuing
Significance of Punk Rock for an Older Generation of Fans", Sociology, 40
(2), 219-235.
3
Reynolds, Simon (2011), Retromania: Pop Culture's Addiction to its Own
Past. London: Faber and Faber.