Bioética en plural
RECENSÕES
López de la Vieja, Maria Teresa (org.) (2014), Bioética en plural
Maria do Céu Pires
Instituto de Investigação e Formação Avançada (IIFA), Universidade de
Évora.Palácio do Vimioso, Largo Marquês de Marialva, Apartado 94, 7002-554
Évora, Portugal ceupires@gmail.com
López de la Vieja, Maria Teresa (org.) (2014), Bioética en plural. Madrid:
Plaza y Valdés Editores, 350 pp.
Bioética en plural é uma obra coletiva organizada por Maria Teresa López de la
Vieja e inclui diversos estudos, abordando diferentes aspetos daquela que é a
"mais radicalmente contemporânea das disciplinas" (p.7), a
bioética. Professora catedrática de Filosofia Moral na Universidade de
Salamanca, Maria Teresa López de la Vieja é autora de várias obras sobre estas
temáticas, das quais se destacam: Princípios morales y casos prácticos (2000),
Ética y literatura (2003), La mitad del mundo.Ética y crítica feminista (2004),
Bioética y ciudadania (2008), La pendiente resbaladiza (2010) e Bioética y
literatura (2013).
Bioética en plural é constituída por uma apresentação seguida de três partes:
"I - Bioética. Figuras, instituciones"; "II - La
salud y la vida" e "III - Bibliografía".
A Parte I é constituída por um conjunto de quatro estudos. O primeiro, de
Stuart J. Youngner, analisa os diferentes papéis que um especialista em
bioética pode desempenhar e os vários conflitos daí decorrentes. Depois de
clarificar a definição de cada um desses papéis - erudito, ativista e
político - o autor faz o inventário de alguns dos possíveis
"choques", pois há normas específicas inerentes a cada um deles que
podem, por vezes, colidir.
No segundo e no quarto estudo, o tema em debate incide na questão dos Conselhos
de Ética a partir das reflexões de Maria Teresa López de la Vieja e de Maria
Fernanda Henriques.
A partir do relato da experiência pessoal do ator britânico Dirk Bogarde,
relacionada com os seus problemas de saúde e com as suas convicções sobre a
eutanásia, Maria Teresa López de la Vieja sugere um conjunto de indicações
sobre como deverá ser a constituição de um Conselho de Ética. Recorre à
tipologia de Max Weber para a atividade política e, aplicando-a à área da
bioética, distingue os participantes em vários tipos: profissionais,
semiprofissionais e ocasionais. A autora defende que um comité de ética não
pode ser entendido como mera agregação de várias contribuições individuais, mas
antes como um espaço intersubjetivo de deliberação prática, incluindo
especialistas e não especialistas. Neste sentido, sublinha a relevância da
presença de especialistas em filosofia pela sua familiaridade com a prática da
argumentação. Competências como análise crítica, confronto de diferentes
teorias e argumentos, interpretação e mediação são decisivas nos processos de
deliberação inerentes aos comités de ética.
No seu trabalho "La Bioética en Portugal: perspectivas", realizado
com a colaboração de Paula Martinho da Silva, Maria Fernanda Henriques situa o
início da reflexão bioética em Portugal na década de 1980, um começo que,
embora tardio, esteve ligado ao Centro de Estudos de Bioética em Coimbra, cuja
atividade se desenvolve a partir de 1988. O artigo dá conta, de uma forma
pormenorizada, desses desenvolvimentos nos vários planos, e destaca a
constituição em 1990 do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida
(CNECV), considerando que este representa uma viragem significativa na reflexão
bioética em Portugal. Na análise que realiza, Maria Fernanda Henriques observa
que a reflexão sobre a ética e a bioética é escassa na sociedade portuguesa, o
que também se refletiu no funcionamento interno do CNECV. Entre as várias
razões explicativas é apontada a fragilidade do espaço público em Portugal, o
que suscita alguns receios relativamente ao futuro da bioética no nosso país.
Ainda na Parte I da obra é incluído o estudo de Ion Arrieta Valadero sobre o
funcionamento do princípio de autonomia em bioética. Reportando-se à polémica
entre Gerald Dowrkin e Onora O'Neill sobre a autonomia na sua relação com
a confiança, o autor analisa algumas das diferentes perspetivas em confronto:
autonomia pessoal, autonomia moral (de princípios), autonomia relacional e
autonomia naturalizada (corporizada) e a sua incidência na ética assistencial e
na ética da investigação biomédica.
A Parte II da obra "La salud y la vida" é constituída por um
conjunto de cinco estudos dedicados a questões mais específicas no domínio da
bioética, como sejam a doação de órgãos, as políticas de transplante ou o
aborto.
David Rodriguez-Arias analisa as políticas de transplante, os meios e as
carências existentes, assim como a perceção social acerca dos mesmos. Constata-
se que a escassez de órgãos é, hoje, uma dificuldade, e que as várias
estratégias para a enfrentar devem ser sujeitas a discussão, pois embora a sua
finalidade seja salvar vidas, não deixam de colocar inúmeros problemas éticos.
Na verdade, os maiores obstáculos que se colocam relativamente à
disponibilidade de órgãos são mais de carácter ético e social do que
propriamente técnico. Rodriguez-Arias analisa essa problemática nas suas
diferentes dimensões e sugere algumas estratégias que podem ser: incentivos
económicos, tomadas de posição relativas à determinação do final da vida,
processo de consentimento para a extração, sistema de distribuição de órgãos
extraídos, critérios para determinar quem pode ser dador.
Rosana Triviño Caballero dedica o seu artigo à análise de legislação,
concretamente o Real Decreto-lei 16/2012. A aplicação desta lei tem, entre os
seus efeitos, um que conduz à segregação da população, pois nega a assistência
médica a um grupo (imigrantes ilegais) com base na sua situação administrativa.
Na perspetiva da autora, esta disposição põe em causa o direito básico à
assistência na saúde, sendo, por isso, expressão de um retrocesso social em
Espanha.
Lizbeth Sagols parte da análise da perspetiva da ecofeminista Val Plumwood
sobre a opressão de género e da natureza, no seu confronto com a teoria crítica
do patriarcado, para tentar mostrar como as questões de género e a destruição
da natureza se enraízam numa visão dualista que caracterizou a cultura
patriarcal. Na perspetiva desta teoria, o patriarcado não é exclusivamente
ocidental e é anterior ao colonialismo. Nas considerações finais do seu artigo,
Lizbeth Sagols chama a atenção para o facto de que, não ignorando o peso do
colonialismo, será importante sublinhar que o extermínio da natureza resulta de
uma conceção hierárquica/inferiorizante que separa o ser humano dos outros
seres, considerados mais débeis. Neste sentido, propõe a aprendizagem de uma
outra forma de relacionamento entre os seres humanos e destes com a natureza. O
que passará por nos compreendermos como seres de relação, seres que, em
liberdade, constroem uma igualdade básica. Significa isto que deveria emergir
uma nova identidade ética, sustentando-se no cuidado e na responsabilidade face
a todos os seres vivos, entendidos todos como portadores de interesses e
necessidades e dignos de atenção e de respeito.
No último estudo da parte II, "Los grados del vivir", da autoria de
Lorenzo Peña y Txetxu Ausín, é apresentada uma perspetiva sobre a vida (e o seu
surgir) considerando-a como um continuum, algo que se desenvolve por estádios.
Assim, e tendo em consideração o valor da vida humana que é hoje
consensualmente admitido, a questão debatida refere-se à licitude do aborto. O
que está em causa é a determinação de um momento que possa ser considerado como
"fronteira", ou seja, estabelecer um momento em que não existiria
ainda vida humana e o momento em que esta já existisse. Na sequência da
exposição de diferentes respostas, os autores do artigo sugerem uma proposta
gradualista,baseada no seguinte princípio: "Em cada novo passo, é maior o
seu grau de existência e menor o da não existência" (p. 254). A partir
desta perspetiva, analisam a interrupção da gravidez segundo graus de
legitimidade e ilegitimidade e dos diferentes direitos que podem estar em
conflito.
Por último, na Parte III, Alberto Molina Perez faculta uma extensa bibliografia
sobre temas de bioética, editadas em língua castelhana entre 2005 e 2013. Este
conjunto de referências bibliográficas constitui um bom instrumento de trabalho
para todos/as os/as investigadores/as nesta área, sendo um dos aspetos mais
significativos da obra.
Pelo exposto parece-me ser possível concluir que estamos perante uma obra de
grande utilidade para quem trabalha em bioética, mas também para os/as
investigadores/as das diferentes áreas disciplinares que se entrecruzam nesta
reflexão. De igual modo, o seu interesse deve estender-se ao público em geral,
dado que os temas tratados nos vários artigos dizem respeito a qualquer pessoa
que já se encontre ou potencialmente possa vir a encontrar-se afetada por este
tipo de decisões. Na verdade, as questões da saúde e da doença, da vida e da
morte são questões a que nenhum ser humano pode ficar indiferente. As inúmeras
possibilidades técnicas que hoje se colocam e, em simultâneo, os inúmeros
riscos, exigem de cada um de nós informação, reflexão e participação.
O pluralismo e a diversidade, características da sociedade contemporânea, são
também características da bioética, e constituem-se, igualmente, como o
distintivo desta obra e como justificativo do título Bioética en
plural.Contudo, Maria Teresa López de la Vieja não deixa de lembrar que, a
partir do diálogo entre as diferentes perspetivas a que a obra dá voz, se podem
estabelecer pontes. A diversidade não é para separar, para atomizar, mas para
articular. A racionalidade é um espaço de conflitualidade e de controvérsia,
sendo na vivacidade do debate que podemos encontrar novas possibilidades. Penso
ser esta a grande lição que fica para quem lê Bioética en plural.