Fatores moderadores da dependência do investimento relativamente à liquidez
interna
1. Introdução
De acordo com Stiglitz (1993), os principais determinantes do investimento das
empresas são o custo e disponibilidade de fundos, a rendibilidade esperada para
os projetos de investimento e a vontade e capacidade da empresa em assumir
riscos. Lippit, Miesing e Oliver (1988) referem que as decisões de investimento
dependem da obsolescência dos ativos, das alterações na procura da indústria,
da disponibilidade de recursos financeiros, humanos e materiais, da existência
de novas tecnologias e dos níveis de concentração da indústria.
Hoje em dia, existe consenso entre os investigadores relativamente à
importância das variáveis financeiras nas decisões de investimento, mas nem
sempre assim aconteceu. A insatisfação dos economistas com os modelos baseados
na teoria neoclássica do investimento e o fornecimento, por parte da teoria
financeira, das bases teóricas do papel das restrições financeiras, através da
pesquisa na área da informação assimétrica, monitorização e custos de
transação, permitiram que, a partir do final da década de 80, surgissem de
forma continuada diversos estudos com modelos de investimento contendo proxys
para a liquidez das empresas.
Os estudos mais recentes sobre o tema justificam o sinal e a intensidade da
relação da liquidez interna com o investimento com a existência de restrições
ao financiamento externo resultantes dos custos de informação assimétrica. A
extensa pesquisa na área da estrutura de capital tem permitido identificar
alguns fatores, na maioria de natureza financeira, que afetam os custos de
informação assimétrica, no entanto o tema continua a carecer de pesquisas
adicionais. Os fatores de natureza ambiental e estratégica constituem uma das
linhas de investigação que deve ser explorada, uma vez que podem influenciar os
custos de informação assimétrica e as opções de financiamento das empresas.
Constitui objetivo deste estudo investigar se a sensibilidade da decisão de
investimento relativamente à liquidez interna é moderada por fatores ambientais
e estratégicos.
2. Revisão de literatura
O desenvolvimento das teorias da informação assimétrica, baseadas na derrogação
de alguns pressupostos do modelo de Modigliani e Miller (1958), nomeadamente a
ausência de custos de transação, de insolvência, de sinalização e de agência,
forneceu a base teórica para o estudo dos fatores que determinam as opções de
financiamento das empresas e para a inclusão de variáveis tradutoras da
capacidade financeira das empresas nos modelos de investimento.
De entre os diferentes problemas associados à assimetria da informação assumem
particular importância no estudo deste tema os custos de agência, resultantes
do risco moral (Jensen e Meckling, 1976) e da aplicação dos fluxos de caixa
livres (Jensen, 1986; Stulz, 1990), e os custos com a seleção adversa,
explicados pelas teorias da hierarquia do financiamento (Myers, 1984) e dos
sinais (Bernanke e Gertler, 1990; Myers e Majluf, 1984; Stiglitz e Weiss,
1981). O risco moral encontra-se associado ao conflito de interesses entre
credores e dirigentes, podendo dificultar o recurso ao endividamento e conduzir
ao subinvestimento. Os custos dos fluxos de caixa livres decorrem do não-
alinhamento dos incentivos dos dirigentes e dos acionistas, resultando na
redução da riqueza dos acionistas e/ou no sobreinvestimento.
O estudo da dependência do investimento relativamente à liquidez registou um
forte impulso após o trabalho empírico de Fazzari, Hubbard e Petersen (1988),
no qual foi desenvolvido um modelo de investimento sujeito a restrições
financeiras. Neste modelo, o grau dos constrangimentos financeiros, explicados
pelos custos de informação assimétrica, é avaliado através da taxa de
distribuição dos resultados, as proxies da liquidez são os fluxos de caixa, as
disponibilidades e o fundo de maneio deduzido das existências e as
oportunidades de investimento são controlados pelo q de Tobin. Em estudos
posteriores têm sido utilizadas outras proxies para as restrições financeiras e
para os custos de informação assimétrica, tais como a dimensão (e.g. Carpenter
e Guariglia, 2008), as ligações com a banca (e.g. Houston e James, 2001;
Riddiough e Wu, 2009), o nível de endividamento (e.g. Gérard e Verschueren,
2003), o rating das obrigações e o acesso ao mercado da dívida (e.g. Agca e
Mozumdar, 2008), ou proxies construídas a partir de um conjunto de variáveis
(e.g. Hovakimian e Titman, 2006).
A literatura na área da estrutura de capital demonstra que o nível dos custos
de agência e de seleção adversa depende de fatores de natureza financeira (e.g.
valor colateral do ativo; valor dos fluxos de caixa livres; rendibilidade;
participação dos dirigentes no capital). Mas a literatura também sugere, embora
de forma ainda não tão sustentada, que os custos de informação assimétrica são
influenciados por variáveis ambientais e estratégicas. Devereux e Schiantarelli
(1990) referem que é expectável que o ambiente da indústria condicione a
relação do investimento com os fundos gerados internamente, na medida em que
afeta o risco de falência e a capacidade de endividamento das empresas. Bowman
e Helfat (2001), entre outros, demonstram que existe relação entre a gestão
estratégica e a rendibilidade da empresa, o que se reflete nas decisões de
financiamento.
De acordo com Dess e Beard (1984), o ambiente da indústria pode ser analisado
através das dimensões munificência, dinamismo e complexidade. Relativamente à
estratégia prosseguida destaca-se o efeito das estratégias de inovação e de
diversificação/concentração nos custos de informação assimétrica.
A munificência da indústria, associada ao crescimento das vendas da indústria e
à capacidade do ambiente em suportar esse crescimento, conduz com frequência a
mais investimento para a manutenção da posição competitiva e para
aproveitamento das oportunidades de investimento, tal como o demonstram os
estudos de Lippitt et al. (1988) e Bobillo, Alonso e Gaite (2002). A teoria da
hierarquia do financiamento sugere que aumentos das necessidades de
investimento tornam o investimento mais dependente do endividamento porque os
fundos gerados internamente poderão ser insuficientes. Devereux e Schiantarelli
(1990) acrescentam que as empresas que desenvolvem a sua atividade em setores
em crescimento possuem, geralmente menor risco de falência e maior capacidade
de endividamento.
O dinamismo da indústria, associado à instabilidade dos fatores que compõem o
meio envolvente das empresas, pode exercer um efeito positivo sobre os custos
de agência e de transação dificultando o acesso a fundos no exterior (Simerly e
Li, 2000). Por outro lado, observa-se que nas empresas que atuam em ambientes
muito dinâmicos, a relação do endividamento com o desempenho é negativa
(Simerly e Li, 2000).
A adoção de uma estratégia de inovação, em produtos e/ou processos, pode
conduzir a elevados custos de informação assimétrica, restringindo o recurso a
capitais alheios, devido à dificuldade que o mercado tem em observar as
oportunidades de investimento dessas empresas, isto é, em prever com exatidão
os outputs a partir dos inputs (Himmelberg e Petersen, 1994; Opler e Titman,
1994).
A estratégia de diversificação não relacionada também parece influenciar as
opções de financiamento das empresas. Por um lado, as empresas que diversificam
as suas atividades possuem um valor conjunto inferior ao somatório dos negócios
individuais devido à ineficiência dos mercados de capitais internos e à
dificuldade dos dirigentes em gerirem de forma efetiva todos os negócios. A
ineficiência dos mercados de capitais internos resulta de uma capacidade de
financiamento excessiva e dos fluxos de caixa livres conduzindo ao
sobreinvestimento (Jensen, 1986). Nestas empresas, por vezes, os recursos são
canalizados para os negócios com pior desempenho, verificando-se uma espécie de
socialismo com as divisões mais fortes a subsidiarem as mais fracas
(Scharfstein e Stein, 2000). Lamont e Polk (2002) referem que os dirigentes
podem ter conhecimentos limitados que os impedem de gerir da melhor forma todos
os negócios ou que os diferentes negócios podem ser fonte de conflitos internos
ao nível operacional ou da cultura empresarial. Bae, Kwon e Lee (2008)
apresentam resultados que documentam a erosão do valor da empresa provocada da
pela diversificação não relacionada. Pode ainda acontecer que o reduzido valor
associado à diversificação resulte da endogeneidade da mesma uma vez que a
opção pela diversificação tende a ser exercida pelas empresas com pior
desempenho (Campa e Kedia, 2002; Villalonga, 2004). Por outro lado, a
diversificação de atividades pode ser positiva, surgindo associada a custos de
transação, custos de agência e risco operacional inferiores o que permite o
recurso a maior endividamento (Menéndez-Alonso, 2003). Estas empresas possuem
recursos materiais e humanos com uma especificidade menor do que as empresas
com concentração de atividades o que resulta em custos de transação pouco
significativos que favorecem o financiamento através de dívida (Williamson,
1988). Dado que as empresas que prosseguem uma estratégica de diversificação
não relacionada conseguem financiar-se em maior grau com dívida, os custos de
agência do conflito de interesses entre acionistas e dirigentes são mínimos.
Nesta situação, os dirigentes não têm à sua disposição fluxos de caixa para
aplicar em decisões que não acrescentem valor à empresa. A redução do risco
operacional deve-se ao decréscimo da volatilidade dos proveitos e dos
resultados.
3. Metodologia
3.1. Hipóteses de pesquisa
As hipóteses formuladas têm por objetivo determinar se a relação do
investimento com os fundos gerados internamente é moderada por fatores
ambientais e estratégico:
1. A munificência da indústria reduz a intensidade da relação da liquidez
interna com o investimento no ativo, ceteris paribus.
2. O dinamismo da indústria reforça a intensidade da relação da liquidez
interna com o investimento no ativo, ceteris paribus.
3. A estratégia de inovação reforça a intensidade da relação da liquidez
interna com o investimento no ativo, ceteris paribus.
4. A estratégia de diversificação reforça a intensidade da relação da
liquidez interna com o investimento no ativo, ceteris paribus.
O investimento no ativo das empresas cuja indústria oferece mais e melhores
oportunidades de investimento deve depender menos dos fundos gerados
internamente do que acontece com as empresas em tudo similares mas pertencentes
a indústrias que oferecem menos oportunidades de investimento. Considerando que
o dinamismo da indústria exerce um efeito negativo sobre o financiamento das
empresas através de capitais alheios e que o autofinanciamento constitui a
principal fonte de financiamento do investimento das empresas portuguesas, tal
como se pode constatar nos Inquéritos de Conjuntura ao Investimento do
Instituto Nacional de Estatística do período a que se refere o estudo, o
investimento das empresas pertencentes a indústrias com maior dinamismo deve
depender mais dos fundos gerados internamente do que acontece com empresas em
tudo similares mas pertencentes a indústrias com menor dinamismo.
É expectável que o investimento no ativo das empresas que prosseguem uma
estratégia de inovação esteja mais dependente da existência de fundos internos
do que acontece nas outras empresas devido ao facto desta estratégia se
encontrar associada a custos de informação assimétrica superiores. Apesar de a
literatura conseguir justificar, em simultâneo, uma relação positiva e uma
relação negativa, acreditamos que o investimento das empresas que optam pela
estratégia de diversificação de atividades não relacionadas esteja mais
dependente dos fundos internos do que acontece nas empresas que preferem a
concentração (especialização), devido aos custos de agência do
sobreinvestimento destas empresas.
3.2. Dados e variáveis
A amostra, obtida através da base de dados SABI (Sistema de Análises de
Balanços Ibéricos), é não probabilística, sendo composta por dados
contabilísticos e extracontabilísticos de empresas da indústria transformadora
portuguesa, no período 1998-2005. Trata-se de uma amostra composta por dados
não balanceados.
Do conjunto de empresas da indústria transformadora disponíveis na base de
dados foram excluídas, ao longo de todo o período, as empresas que: se
encontravam em início de atividade; tinham uma situação económica e/ou
financeira muito difícil; possuíam participações no capital por parte de
entidades públicas; registaram alterações ao nível das dummies capital na posse
dos dirigentes e diversificação e do Código da Atividade Económica (CAE)
principal a três dígitos; ou não dispunham de informação que permitisse a
construção das diferentes variáveis do modelo para pelo menos um ano do período
em análise. Adicionalmente, adotando um procedimento semelhante ao de Li e
Simerly (1998), para garantir que as secções da indústria analisadas apresentem
níveis de dinamismo consideravelmente diferentes, não foram consideradas as
observações das empresas pertencentes a secções da indústria (CAE a três
dígitos) com um indicador de dinamismo intermédio (entre 0,01 e 0,02). A média
do indicador de dinamismo da totalidade das secções da indústria
transformadora, no período de 1998 a 2005, é de 0,015. Assim, o painel obtido é
composto por 7893 observações.
Em conformidade com o problema e com as hipóteses de pesquisa formuladas foram
definidas as variáveis a explicar (investimento no ativo total líquido: INVATL)
e as variáveis explicativas (tabela_1). Da variação do ativo total líquido
excluiu-se a rubrica de disponibilidades para que variações positivas das
disponibilidades não resultem numa relação positiva entre as variações do ativo
e os fluxos de caixa em situações em que a empresa não possui constrangimentos
financeiros (Carpenter e Petersen, 2002). As variáveis explicativas foram
classificadas em variáveis de liquidez (fluxos de caixa: FC; disponibilidades:
DISP), oportunidades de investimento (volume de negócios: VN; variação da
rendibilidade operacional: VRO; existências: EXIST), controlo (valor colateral
do ativo: VCAT; dimensão: DIM; capital na posse dos dirigentes: CPD; efeito do
tempo: ANO), ambientais (munificência da indústria: MUNIND; dinamismo da
indústria: DININD), estratégicas (inovação: INOV; diversificação: DIVER), e
interativas (efeito conjunto da liquidez com o ambiente da indústria: FC×MUNIND
e FC×DININD; efeito conjunto da liquidez com a estratégia: FC×INOV e FC×DIVER).
A proxy do investimento utilizada inclui, não só, as aplicações de fundos no
ativo fixo, tal como é usual neste tipo de estudos, mas também as aplicações de
fundos no ativo circulante. Carpenter e Petersen (2002) realizaram idêntica
correção. Uma vez que a maior parte das empresas da amostra não se encontra
cotada na bolsa, as oportunidades de investimento são medidas através de
proxies que não se baseiam no valor de mercado das empresas mas que já foram
utilizadas noutros estudos. A variável volume de negócios foi utilizada, por
exemplo, por Hoshi, Kashyap e Scharfstein (1991), Van Ees e Garretsen (1994) e
Mills, Morling e Tease (1995), a variável variação da rendibilidade foi
utilizada por Kim e Sorensen (1986) e a variável stock de existências por
Carpenter, Fazzari e Petersen (1994).
A variável de controlo da estrutura de propriedade da empresa (CPD) assume a
natureza qualitativa devido a limitações da base de dados. A base de dados a
que se recorreu não possui um histórico anual dos detentores do capital das
empresas, tendo sido necessário instalar uma atualização de cada um dos anos
para obter a lista dos sócios/acionistas e dos dirigentes nos diferentes anos.
Uma vez que a participação dos sócios/acionistas e, consequentemente, dos
dirigentes tem grande variabilidade temporal e que a informação disponível dos
detentores do capital em cada um dos anos não se refere sempre ao mesmo período
do ano, optou-se pela construção de uma variável artificial mais estável
(dummy) que representa apenas dois estados.
As variáveis ambientais foram construídas com dados recolhidos das Estatísticas
da Produção Industrial do INE. A classificação da estratégia quanto à opção
pela inovação baseia-se na intensidade dos gastos em investigação e
desenvolvimento (I&D) relativamente ao volume de negócios (Despesas em
I&D/VN), tal como efetuado, por exemplo, por Francis e Smith (1995) e
O´Brien (2003). Considerou-se que uma empresa adota a estratégia de inovação,
no período em análise, quando a média dos gastos anuais em I&D é igual ou
superior a 1% do volume de negócios. A classificação da estratégia quanto à
diversificação/concentração tem por base os produtos comercializados, à
semelhança do método adotado por Berger e Ofek (1995) e Servaes (1996).
Considera-se que uma empresa diversificada é aquela que desenvolve atividades
em mais de dois CAE a dois dígitos.
Algumas variáveis do modelo não variam ao longo do tempo (capital na posse dos
dirigentes, inovação, dinamismo da indústria e diversificação) para facilitar o
controlo do efeito da estrutura de propriedade, do ambiente e da estratégia e
no investimento e no financiamento das empresas, devido às limitações da base
de dados e/ou devido à forma de cálculo das variáveis.
3.3. Especificação do modelo
O método analítico proposto para a identificação dos fatores moderadores da
dependência do investimento relativamente à liquidez interna das empresas da
indústria transformadora portuguesa é a regressão linear múltipla de dados em
painel, através de um modelo descrito genericamente através da seguinte
fórmula:
Onde Xit é 1´K e pode conter variáveis observáveis que se alteram ao longo de t
mas não de i, variáveis que se alteram ao longo de i mas não de t e variáveis
que se alteram ao longo de i e de t. D representa o impacto do tempo. αi mede o
efeito não observado (varia entre casos, mas é constante no tempo). μit
designa-se por erro ou distúrbio idiossincrático porque varia ao longo de ie de
t.
A escolha entre a estimação através do método dos mínimos quadrados ordinários
(OLS - ordinary least squares), método dos efeitos fixos e método dos efeitos
aleatórios depende de αi se encontrar, ou não correlacionado com as variáveis
explicativas observadas (Xit) (Wooldridge, 2002). No caso de existirem efeitos
individuais ou temporais significativos é aconselhável a utilização do método
dos efeitos fixos ou dos efeitos aleatórios em vez do estimador OLS.
No presente estudo, o modelo proposto é o seguinte, atribuindo-se os efeitos
não observáveis das empresas/grupos à indústria em que cada empresa desenvolve
a sua atividade principal (CAE a dois dígitos):
Sendo,
· Y ' Variável dependente;
· i' CAE 15, 16 , 37;
· t ' 1999, 2000, , 2005;
· βj' Parâmetros a estimar;
· X ' Variáveis independentes quantitativas;
· D ' Variáveis independentes qualitativas;
· XD e XX ' Variáveis interativas;
· αi ' Efeitos não observáveis;
· µit' Variável aleatória residual (erro).
3.4. Validação do método de estimação
O método de estimação escolhido para o teste das hipóteses formuladas ' modelo
de regressão de dados em painel de efeitos fixos para a indústria e ano '
encontra-se validado através dos testes de Breusch-Pagan/Cook-Wisberg e Wald
Modificado (testes à heterocedasticidade), Multiplicador de Lagrange (teste aos
efeitos aleatórios da indústria), Robusto de Hausman (teste aos efeitos fixos
versus efeitos aleatórios da indústria), Likelihood-ratio (teste ao efeito
conjunto da indústria e do tempo), VIF (teste à multicolinearidade) e Ramsey
(teste geral à má especificação). Os testes revelam a presença de
heterocedasticidade, sendo a mesma corrigida através do estimador da variância
de Huber/White/Sandwich e do estimador within (os efeitos fixos são atribuídos
à indústria a dois dígitos e ao ano).
A escolha do modelo de efeitos fixos está associada aos resultados dos testes
anteriores, ao facto do número de observações seccionais ser muito superior ao
número de períodos (Gujarati, 2003) e ao facto de se considerar que os efeitos
não observados das empresas/indústrias se encontram correlacionados com as
variáveis explicativas, devido, por exemplo, às características do ambiente da
indústria em que as empresas desenvolvem a sua atividade.
4. Principais resultados
As hipóteses são testadas através do modelo de regressão robusta de efeitos
fixos, para a indústria e para o ano, com termos interativos.
Para remover o efeito da multicolinearidade e para facilitar a interpretação
dos coeficientes, os termos interativos FC´MUNIND, FC´DININD, FC´INOV e
FC´DIVER, são calculados com as variáveis FC, MUNIND e DININD centradas (ao
valor de cada observação é subtraída a média na amostra da respetiva variável).
Na interpretação dos coeficientes das variáveis das regressões seguintes é
preciso ter em atenção que estes refletem relações condicionais e, por isso,
são diferentes dos obtidos numa regressão sem termos interativos. Assim, por
exemplo, o coeficiente 0,2944 da variável FC traduz o impacto no investimento
de um aumento dos fluxos de caixa quando as variáveis munificência da
indústria, dinamismo da indústria, inovação e diversificação são iguais a zero,
isto é, quando o ambiente se caracteriza por ter crescimento e dinamismo nulos
e as empresas não apostam na inovação e concentram a sua atividade em poucos
segmentos.
A hipótese 1 a munificência da indústria reduz a intensidade da relação da
liquidez interna com o investimento no ativo é testada observando a
significância estatística do coeficiente estimado da variável FC×MUNIND. Na
presente amostra não foi encontrada uma relação estatisticamente significativa.
A hipótese 2 o dinamismo da indústria reforça a intensidade da relação da
liquidez interna com o investimento no ativo, analisada através da observação
da significância estatística da variável FC×DININD, não é rejeitada, com um
nível de significância de 5% (β= 16,0262 , α = 0,05).
Observa-se, ainda, que o dinamismo da indústria (DININD) exerce um efeito
negativo sobre o investimento porque aumenta a incerteza/risco das empresas (β=
1,6677, α = 0,01). Esta incerteza reflete-se na tomada das decisões de
investimento, porque reduz a capacidade dos gestores em selecionar alternativas
viáveis devido à dificuldade em avaliar o impacto das decisões.
A hipótese 3 a estratégia de inovação reforça a intensidade da relação da
liquidez interna com o investimento no ativo, testada através da significância
estatística do coeficiente da variável FC×INOV, não é rejeitada (β= 0,3643 , α
= 0,01).
O sinal positivo da variável INOV demonstra que as empresas que apostam nesta
estratégia investem mais no ativo do que as empresas que optam por uma postura
mais conservadora (β= 0,0407 , α = 0,01). Com efeito, a estratégia de inovação
implica a realização de investimentos que tornem possível a inovação ao nível
do produto, da tecnologia ou da área administrativa.
A hipótese 4 a estratégia de diversificação reforça a intensidade da relação
da liquidez interna com o investimento no ativo, testada através da
significância estatística do coeficiente da variável FC×DIVER, não é rejeitada
(β= 0,2453 , α = 0,05).
A estratégia de diversificação (DIVER) exerce um efeito positivo sobre o
investimento das empresas (β= 0,0236 , α = 0,10). A relação positiva entre a
estratégia de diversificação e o investimento justifica-se pela necessidade
destas empresas investirem mais devido a uma menor especialização. Com efeito,
no período em análise, as empresas que adotaram a estratégia de diversificação
investiram no ativo, em média, mais 2,4 pontos percentuais do que as empresas
que não adotaram esta estratégia, sendo esta diferença estatisticamente
significativa para um nível de 1%.
5. Discussão dos resultados
Os resultados obtidos suportam o pressuposto de que a liquidez (medida através
das proxies fluxos de caixa e disponibilidades) influencia o investimento,
confirmando a natureza dinâmica deste último. As variáveis fluxos de caixa (FC)
e disponibilidades (DISP) apresentam coeficientes positivos para um nível de
significância de 1% (tabela_2). Os coeficientes das variáveis indicam, também,
que os fluxos de caixa têm um efeito maior no investimento do que as
disponibilidades. A importância da liquidez interna no investimento das
empresas encontra-se associada ao seu baixo custo e ao efeito positivo que tem
sobre o valor colateral da empresa.
No teste da hipótese 2, o sinal positivo observado na variável FC´DININD revela
que o dinamismo da indústria acentua a dependência do investimento
relativamente aos fundos internos (tabela_2). O coeficiente da variável FC nas
empresas que atuam em indústrias sem dinamismo é de 0,2944, enquanto nas
empresas que atuam numa indústria com um nível de dinamismo médio é superior em
16,0262. Esta relação pode ser explicada pela teoria da agência, na medida em
que o aumento da instabilidade do ambiente conduz a um acréscimo do risco dos
projetos o que dificulta e onera o financiamento no exterior e conduz à
preferência por fundos internos.
O sinal positivo observado na variável FC´INOVdemonstra, tal como previsto na
hipótese 3, que as empresas que optam pela estratégia de inovação recorrem num
grau superior aos fundos internos do que as empresas que não o fazem (tabela
2). A estratégia de inovação aumenta a dependência do investimento
relativamente aos fluxos de caixa em 0,3643. Esta situação pode dever-se ao
facto de investirem mais (variável INOV apresenta coeficiente positivo
estatisticamente significativo) e de escolherem um mix de financiamento que
privilegia o autofinanciamento com vista à minimização dos custos de informação
assimétrica (risco moral e seleção adversa), devido à elevada imprevisibilidade
dos resultados e à consequente dificuldade do mercado em reconhecer as
oportunidades de investimento das empresas que prosseguem esta estratégia.
Acresce que a estratégia de inovação se encontra, com frequência, associada a
um valor colateral reduzido porque o recurso estratégico chave é, muitas vezes,
o conhecimento detido pelos empregados.
No que respeita à hipótese 4, a relação positiva verificada entre a variável
FC´DIVER e o investimento revela que as empresas que optam pela diversificação,
geralmente, têm o investimento mais condicionado à disponibilidade de fundos
internos do que as empresas que não optam por esta estratégia (tabela_2). O
coeficiente da variável FC no subgrupo de empresas que não diversificam as suas
atividades é de 0,2944, enquanto nas empresas que diversificam é de 0,5397
(0,2944+0,2453).
O resultado anterior pode ser explicado pelo problema do sobreinvestimento
descrito pela teoria da agência, na medida em que o investimento das diferentes
divisões (negócios) de uma empresa com diversificação de atividades depende
mais dos fundos que a empresa consegue gerar do que da existência de
oportunidades de investimento na sua divisão em particular, conduzindo a uma
situação de ineficiência. Pode ainda dever-se ao facto das empresas que
concentram atividades possuírem maior capacidade de financiamento devido a um
desempenho financeiro superior, tal como sugerido pela literatura que tem
procurado relacionar o desempenho com a estratégia. Neste estudo, é provável
que ocorra o problema do sobreinvestimento, dado que o testetàs médias da
rendibilidade operacional e do volume de negócios dos dois subgrupos de
empresas (com diversificação e com concentração de atividades) não revela
diferenças estatisticamente significativas.
Para garantir a robustez dos resultados anteriores foi realizada uma outra
regressão, alterando os pressupostos iniciais. Admitindo que os resultados
possam ter sido condicionados pelo facto da estratégia de diversificação
dificultar o controlo do efeito do ambiente, porque as empresas que prosseguem
esta estratégia atuam em diferentes mercados, procedeu-se à realização de uma
nova regressão apenas com as observações das empresas que concentram a sua
atividade (produzem apenas produtos de um CAE a três dígitos). Pelo mesmo
motivo, também o controlo do efeito da estratégia de inovação pode ter sido
afetado dado que, habitualmente, esta estratégia encontra-se associada a um
produto/negócio e não à empresa no seu todo.
Na nova regressão, constata-se que as variáveis DININD e INOV mantêm-se como
moderadoras da relação do investimento com a liquidez. De salientar que nestas
novas regressões os coeficientes das variáveis FC×DININDe FC×INOV registam uma
subida do seu coeficiente, reforçando o papel moderador do dinamismo da
indústria e da estratégia de inovação.
6. Conclusões
As principais conclusões do estudo são as seguintes:
§ A liquidez interna influencia positivamente o investimento das empresas.
§ Os fatores ambientais e estratégicos moderam a intensidade da dependência
do investimento relativamente à liquidez interna.
§ Ao nível das dimensões ambientais, o dinamismo acentua a dependência do
investimento relativamente à liquidez interna.
§ Ao nível das estratégias empresariais, a inovação e a diversificação
acentuam a dependência do investimento relativamente à liquidez interna.
As justificações teóricas para os resultados anteriores residem nos custos de
agência, resultantes do risco moral e/ou dos custos dos fluxos de caixa livres,
e de seleção adversa que afetam de forma desigual as empresas, colocando mais
restrições ao financiamento e, consequentemente, ao investimento de umas do que
de outras.
O presente estudo permite um conhecimento mais profundo das implicações de
determinadas decisões estratégicas das empresas. Assim, verifica-se que a
instabilidade do ambiente da indústria reduz a capacidade de financiamento no
exterior, pelo que as empresas que atuam em indústrias com elevada incerteza
devem tomar precauções no sentido de evitar que os projetos futuros não se
concretizem por falta de fundos. A opção pela estratégia de inovação tem mais
hipóteses de ser bem-sucedida se for prosseguida por empresas com um bom
desempenho financeiro, porque requer investimentos contínuos e de valor elevado
e conduz ao aumento dos custos com o risco moral e com a seleção adversa. A
opção pela estratégia de diversificação conduz à criação de um mercado de
capitais interno, possibilitando que o financiamento dos negócios com défice de
recursos se faça através dos fluxos de caixa livres de outros negócios, embora
também conduza à ineficiência na aplicação dos recursos quando o valor
acrescentado pelos negócios financiados é baixo.