Contabilidade de gestão no terceiro setor: estudo empírico em instituições
particulares de solidariedade social
1. Introdução
A organização económico-social de um país poder-se-á considerar como resultado
da atividade de três setores: setor público, setor privado empresarial e setor
cooperativo e social (Constituição da República Portuguesa,1976).
Este último, também designado Terceiro Setor, engloba as atividades das
Organizações Sem Fins Lucrativos (OSFL), e é composto por organizações cujo
funcionamento tem como base apoios financeiros prestados por agentes externos,
não visando a obtenção ou distribuição de lucro, mas sim atingir os objetivos
sociais que levaram à sua criação.
A gestão eficaz e eficiente dos recursos colocados à disposição das
organizações implica o conhecimento das diversas vertentes – financeira,
material e humana (Fowler, Goold & James, 1995) – por parte dos
responsáveis da gestão. A tomada de decisão é, por isso, sempre mais consciente
e sustentada quando as organizações disponibilizam informação de suporte, cuja
disponibilização implica a implementação de sistemas de informação mais ou
menos sofisticados nas organizações (Kaplan, 1990).
O objetivo deste trabalho de investigação é analisar em que medida as OSFL,
atendendo ao contexto das IPSS, têm aos seu dispor ferramentas adequadas de
apoio à tomada de decisão que permitam a utilização fundamentada dos recursos
colocados à sua disposição. Os objetivos específicos subjacentes a este
trabalho são as seguintes: avaliar se os sistemas de contabilidade de gestão
(SCG) utilizados são considerados teoricamente adequados; analisar a adequação
das competências humanas às necessidades de gestão das organizações; verificar
qual a origem dos recursos financeiros disponíveis e a sua influência enquanto
limitação do desenvolvimento; e avaliar se são desenvolvidas práticas que
fomentem as relações com os stakeholders internos e externos.
Numa época em que a dependência de subsídios estatais e de apoios da União
Europeia é considerável – a estrutura de financiamento do Terceiro Setor em
Portugal é representada em 40% por fundos públicos (Franco, Sokolowski, Hairel
& Salamon, 2005) –, e tendo em conta a realidade atual portuguesa marcada
diariamente por medidas de forte restrição orçamental, exige-se que as
organizações da sociedade civil em Portugal estejam cada vez mais conscientes
da necessidade de gerir com eficiência e eficácia os recursos que lhes são
disponibilizados de forma a garantirem o melhor serviço possível e assegurarem
a sua viabilidade económica. Nesse sentido, torna-se relevante perceber em que
medida as OSFL têm profissionalizado a sua gestão e desenvolvido ferramentas
que suportem a tomada de decisão. Este estudo vai ao encontro da colmatação
dessa necessidade de conhecimento da realidade dos graus de desenvolvimento das
práticas de contabilidade de gestão apresentadas pelas OSFL a operar em
Portugal.
Essa análise implica o estudo da existência e aplicação de ferramentas de
contabilidade de gestão, pelo que incidiu-se sobre os elementos e ferramentas
apontados por Fowler et al. (1995) como sendo determinantes da capacidade
organizacional das instituições, e no modelo de Kaplan (1990), o qual
caracteriza os vários estádios evolutivos dos SCG implementados nas
organizações.
A justificação da opção pelo estudo destes elementos organizacionais, além
destes serem apontados como determinantes da capacidade organizacional (Fowler
et al., 1995), passa também pela importância atribuída às ferramentas de gestão
que permitem a caracterização do grau de desenvolvimento desses elementos
organizacionais pois essas ferramentas são indicadas em várias investigações
como mecanismos para um planeamento e controlo efetivo nas organizações que,
quando implementados e integrados, as atividades desenvolvidas pela organização
são mais eficazes e eficientes (Flamholtz, 1983; Piche, 2009).
Para atingir os objetivos deste estudo realizou-se um questionário online a
IPSS sediadas em dois distritos (Lisboa e Setúbal) de Portugal, dirigido ao
responsável pela área financeira, o qual à partida será a pessoa mais bem
posicionada para dar conhecimento dos sistemas de contabilidade implementados
pela instituição. Das entidades contactadas, apurou-se uma amostra por
conveniência de 61 entidades, grupo que respondeu ao questionário.
Esta investigação, cuja estrutura passa por revisão de literatura, metodologia
utilizada e posterior descrição dos resultados e conclusões obtidas, contribui
para o conhecimento geral, e por parte das IPSS, sobre a contabilidade de
gestão no Terceiro Setor, o qual revela que os SCG são percecionados pelas
instituições como adequados evidenciando a necessidade de formação de modo a
transmitir a importância do desenvolvimento de SCG mais avançados para a
melhoraria de desempenho.
2. Revisão de literatura
Kaplan (1990) dedicou-se ao estudo da integração dos sistemas de custeio pelas
empresas e a sua relação com o desempenho destas na utilização dos recursos
organizacionais, demonstrando uma relação diretamente proporcional entre estas
duas características justificada pela disponibilização de informação mais
rigorosa e tempestiva para a tomada de decisão em tempo útil. No final do
século XX, no âmbito do estudo das diferentes fases de desenvolvimento dos
sistemas de custeio, este investigador apresentou um modelo que descreve quatro
diferentes estádios caracterizados por diferentes graus de desenvolvimento de
práticas de contabilidade de gestão utilizadas pelas empresas (Kaplan, 1990):
Estádio I–utilização de métodos inadequados para o relato financeiro e custeio
dos produtos; Estádio II–utilização de métodos orientados para o relato
financeiro garantindo a sua fiabilidade, apresentando, no entanto, limitações
ao nível do controlo operacional, custeio dos produtos e análise de
rendibilidade; Estádio III–implementação de sistemas de informação avançados
mas não integrados; e Estádio IV–implementação de sistemas de informação
avançados e informaticamente integrados.
As empresas enquadradas nos dois estádios iniciais focam-se nas ferramentas que
permitem o relato financeiro segundo as normas de contabilidade. No primeiro
estádio, são recorrentes ajustamentos ao relato financeiro devido à
apresentação de erros. No segundo, já existe garantia de fiabilidade das
demonstrações financeiras, havendo o desenvolvimento de ferramentas, apesar de
apresentarem sérias limitações, para o controlo operacional e determinação dos
custos e rentabilidade, através dos orçamentos e de sistemas de contabilidade
de custos (Kaplan, 1990).
Os sistemas associados aos estádios avançados (III e IV), que contemplam
métodos de custeio como o ABC (Kaplan, 1990), mesmo sendo caracterizados por
fornecer informação mais rigorosa dos custos dos produtos, não têm sido
intensamente implementados (Innes & Mitchell, 1995; Tomás, Major &
Pinto, 2008), ou são-no relativamente tarde (Innes & Mitchell, 1997). Como
fatores que conduzem à opção pelo ABC, os investigadores apontam o facto da
organização ter uma dimensão elevada (Innes et al., 1997; Alsaeed, 2005), o
ritmo elevado de mudança e competitividade (Azevedo, Santos & Pamplona,
2004; Al-Omiri & Drury, 2007); e as potencialidades ao nível da gestão e
redução de custos (Tomás et al., 2008). Por outro lado, o facto da organização
estar satisfeita com o atual sistema (Duron, 2001), ou os custos avultados
envolvidos no processo que tornam desfavorável o rácio custo/benefício (Al-
omiri & Drury, 2007; Azevedo et al., 2004), podem impedir a implementação
do ABC.
Salamon e Anheier (1992) definem as OSFL como sendo formalmente constituídas,
privadas, autogovernadas, não distribuidoras de lucros e de carater voluntário.
As OSFL são normalmente prestadoras de serviços, pelo que a Direção depara-se
com os desafios associados à gestão e à complexidade dos problemas provenientes
do ambiente onde a organização atua. A superação das problemáticas vai depender
da capacidade organizacional, a qual é determinada pelas competências humanas e
o modo como estas são organizadas, pelos recursos materiais disponíveis, pelas
relações externas e por uma postura de aprendizagem com os resultados (Fowler
et al.,1995).
As competências organizacionais avaliam-se pela qualidade dos funcionários e
pelo modo como estes são geridos (Fowler et al., 1995). Assim, há a necessidade
de perceber se existe correspondência entre as suas competências e
conhecimentos em relação ao cargo que desempenham, analisando a qualificação
dos recursos humanos, a par do profissionalismo e experiência (Greenberg,
1982). Nestas competências Fowler et al.(1995) apontam ainda os sistemas de
informação implementados como influenciadores desta capacidade de organização,
cujo desenvolvimento em instituições públicas, que à semelhança das OSFL não
prosseguem fins lucrativos, tem sido considerado muito útil no auxílio à tomada
de decisões que implicam a gestão de dinheiro público (Carvalho, Costa &
Azevedo, 2008).
Ao nível dos recursos, que não os humanos, a sua influência na capacidade
organizacional vai depender da qualidade, fiabilidade e utilização desses meios
(Fowler et al., 1995). Atuando as OSFL num ambiente em constante mudança, e
sendo particularmente dependentes em relação aos fluxos de recursos que vêm do
exterior (Franco et al., 2005), é necessária a diversificação das fontes de
financiamento e criação duma estratégia de angariação de recursos que permitam
obter condições para o seu funcionamento (Fowler et al., 1995). Daí que seja
fundamental que a gestão assegure a ligação entre a relação que mantém com os
stakeholdersexternos (Fowler et al., 1995), e também o compromisso da equipa de
trabalho (stakeholders internos), com a missão da organização (Kaplan, 2001).
As entidades financiadoras têm a preocupação de afetar as verbas doadas aos
projetos que apresentam maior potencial de sucesso e exigem informação sobre os
resultados alcançados após a sua execução. Estes requisitos implicam que a
organização estabeleça uma relação de transparência com os financiadores, a
qual só é conseguida através do foco das organizações nos resultados alcançados
com os programas e iniciativas desenvolvidos (Kaplan, 2001), de modo a ser
possível a avaliação do sucesso do projeto e medir a eficiência associada à sua
realização (Peterson, 1983).
Se o sucesso depende da capacidade organizacional então importa: i) avaliar se
os sistemas de contabilidade de gestão utilizados são considerados teoricamente
adequados; ii) analisar a adequação das competências humanas às necessidades de
gestão das organizações; iii) analisar a origem dos recursos financeiros
disponíveis, relacionando a sua importância enquanto limitação ao
desenvolvimento de sistemas de contabilidade de gestão; e iv) avaliar a
existência de práticas que fomentem as relações com os stakeholdersinternos e
externos e, ao mesmo tempo, perceber se a maturidade dos SCG relaciona-se com o
grau de transparência existente.
Esquematicamente (Gráfico_1), o modelo conceptual reflete a relação entre a
maturidade dos SCG e os seus determinantes (recursos existentes na organização)
e também a sua influência ao nível das relações estabelecidas com os
stakeholders.
3. Metodologia
A população-alvo deste estudo são as IPSS, subsetor com crescente visibilidade
na área social (Andrade & Franco, 2007) e com informação identificativa das
entidades disponível no sítio oficial da Segurança Social (2011). Através da
base de dados disponibilizada no sítio online da Segurança Social (2011),
datada de 2 de Dezembro de 2011, contabilizaram-se 5.049 IPSS a nível nacional.
Tendo em conta que Lisboa (970) é o distrito onde se concentra o maior número
de IPSS (20% do total) e Setúbal (218) o distrito caracterizado pela
proximidade e pertença à zona de Lisboa e Vale do Tejo, optou-se por estudar as
1.188 instituições sediadas nestes dois distritos.
O processo de construção do questionário envolveu a definição do conteúdo e da
forma como este seria apresentado ao responsável da área financeira da IPSS,
tendo-se validado o questionário através de uma entrevista a um especialista do
setor social, responsável financeiro de uma IPSS do distrito de Setúbal. Quanto
à forma, de entre as várias plataformas online disponibilizadas para a
implementação do questionário, optou- -se pela utilização da ferramenta do
Google, o Docs. Quanto ao conteúdo, o questionário é composto por quatro blocos
de questões: caracterização global da instituição; informação sobre o
responsável pela área financeira da IPSS; informação sobre o responsável da
direção da instituição; e informação financeira da instituição que incluí
questões sobre fontes de financiamento, suportes de apoio à gestão e
disponibilização de informação. No total, apresentam-se 26 questões fechadas,
algumas com diversas alíneas, o que se traduz num total de 45 respostas a dar
pelo responsável da IPSS. A definição das perguntas teve sempre em consideração
cada um dos objetivos de investigação definidos.
Dada a taxa de resposta constatada (8,93%), considera-se que o estudo incide
apenas sobre a amostra de 61 IPSS, 38 de Lisboa e 23 de Setúbal, que
responderam ao questionário, sendo, portanto, uma amostra obtida por
conveniência. Deste modo, não se pode garantir que esta amostra é
representativa da população, pelo que todas as conclusões serão válidas apenas
para estas IPSS inquiridas. O tratamento quantitativo dos dados recolhidos foi
realizado noIBM SPSS Statistics, versão 17, e foram utilizadas diferentes
técnicas de estatística descritiva, uni e bivariada.
No questionário, as questões relativas à importância/concordância foram
avaliadas segundo um conjunto de itens medidos numa escala tipo Likert de 5
níveis (1–nada importante/discordo totalmente, 2–sem importância/discordo em
parte, 3–nem importante nem sem importância/nem concordo nem discordo, 4–
importante/concordo em parte, 5–muito importante/concordo totalmente), e
analisada por importância/concordância reduzida (níveis 1 a 3) e importância/
concordância elevada (níveis 4 e 5). As questões sobre o nível de
disponibilidade de informação foram avaliadas numa escala de 1 (insuficiente) a
5 (excelente), sendo atribuído a respostas no intervalo de 1 a 3 nível reduzido
e de 4 e 5 nível elevado. Quanto às questões sobre frequência, estas são
medidas numa escala de 5 níveis (1–nunca, 2–raramente, 3–algumas vezes, 4–
frequentemente, 5–sempre) e analisadas por frequência reduzida (níveis 1 a 3) e
frequência elevada (níveis 4 e 5).
4. Resultados
4.1. Caracterização da amostra
As IPSS em análise focam a sua atuação no apoio a crianças e jovens (19,7%) ou
cidadãos da terceira idade (19,7%), sendo que a atuação em ambos os grupos-alvo
é bastante relevante (11,5%). No global, as IPSS que atuam em pelo menos um
destes grupos totaliza a maioria (50,9%).
Em relação à dimensão, regista-se a predominância das organizações com mais de
80 trabalhadores, representando estas 24,6% das IPSS. No entanto, esta é
bastante heterogénea pois as instituições com menos de 5 trabalhadores, ou no
intervalo dos 21 aos 40 trabalhadores apresentam um peso muito semelhante
(19,7% e 18,0%, respetivamente) (Tabela_1).
Quanto ao voluntariado, os dados revelam uma maior homogeneidade pois 68,9% das
instituições indicam um nível de voluntariado até 10 pessoas, sendo que 47,6%
das IPSS indicam o nível mais baixo sendo apoiadas por menos de 5 voluntários
ao longo do último ano.
4.2. Maturidade dos sistemas de contabilidade de gestão
Para avaliar se as instituições utilizam técnicas adequadas de contabilidade de
gestão é fundamental perceber se têm ao seu dispor informação suficiente para
calcular o custo do serviço prestado, o custo do utente e o custo com base no
ABC. A Tabela_2 revela que a maioria das instituições considera que possui um
nível elevado de informação (4 ou 5) para os cálculos dos custos dos serviços e
utentes (respetivamente, 67,3% e 55,7%). Já no caso do cálculo dos custos com
base no ABC a percentagem que tem informação de nível elevado é de 44,3%.
Para além da disponibilidade de informação para a utilização do sistema ABC, as
organizações devem possuir um software integrado de gestão para se enquadrarem
no estádio mais avançado de maturidade de SCG. O Gráfico_2 revela que a maioria
(54,1%) não tem implementado um software integrado de gestão, embora a
percentagem que tem o sistema integrado seja igualmente relevante.
Desta forma, considerando que uma instituição com informação de nível 1 a 3
para o cálculo do custo com base no ABC se encontra num dos estados iniciais do
Kaplan (I e II) então 55,7% das instituições apresentam baixa maturidade. A
Tabela_3 permite concluir que 16,4% das instituições enquadram-se no estádio
avançado III já que possuem um nível elevado de disponibilidade de informação
para o cálculo de custos com base no ABC mas não têm um software integrado, e
que 27,9% das instituições se encontram no estádio mais avançado.
A constatação da existência de um número relevante de IPSS em que o custeio ABC
não é opção e, consequentemente, não estão nos estádios avançados do modelo de
Kaplan, pode revelar que as instituições considerem ter informação suficiente
para o suporte à gestão. De facto, a Tabela_4 demonstra claramente que existe
uma tendência para as instituições considerarem que têm informação suficiente
(65,6% apresenta uma concordância elevada, isto é, concorda em parte ou
totalmente).
Ao relacionar-se a perceção sobre a suficiência de informação com o nível de
maturidade dos SCG, verifica-se uma relação moderada, sendo que a grande
maioria das instituições que considera que não têm informação suficiente
(85,7%) situa-se num dos estádios iniciais do modelo e mais de metade (60,0%)
das que concordam que têm informação suficiente estão num dos estádios mais
avançados (Gráfico_3). No entanto, esta tendência é muito mais evidente quando
se estuda a concordância reduzida comparando com o grupo definido com
concordância elevada pois mesmo quando se regista concordância elevada em como
a informação disponível é suficiente, ainda assim 40,0% das instituições
apresenta o SCG com maturidade reduzida.
4.3. Adequabilidade dos recursos humanos
A formação superior é o nível académico da maioria dos responsáveis da área
financeira (80,3%) e, bem como, do presidente da direção da instituição
(80,3%). Quando se analisa a área de formação, a realidade já não é tão
homogénea, registando-se formações maioritárias na área financeira (economia,
gestão, contabilidade e similares) apenas no que se refere aos responsáveis
financeiros (62,3%), verificando-se uma minoria (14,8%) dos presidentes das
instituições formados nesta área.
A análise da relação entre a existência de formação na área financeira por
parte de pelo menos um dos responsáveis (responsável pela área financeira e
presidente) e o nível de desenvolvimento dos SCG revela uma relação moderada,
constatando-se que quando nenhum dos dois tem formação na área financeira
apenas 21,7% das instituições situam-se nos estádios avançados (Gráfico_4).
Pelo contrário, quando pelo menos um dos responsáveis já tem esse tipo de
formação, a percentagem de instituições nos estádios avançados já traduz a
maioria das IPSS (57,9%).
O estudo da relação entre a concordância da escassez de recursos humanos, razão
que revelou uma tendência forte para as instituições não considerarem essa
falta como impedimento para a disponibilidade deste tipo de informação, e a
maturidade dos SCG demonstra que a concordância com a falta de recursos humanos
não explica o estádio de Kaplan.
Já em relação à dimensão da organização, a análise entre o número de
trabalhadores das instituições e o enquadramento nos estádios revela uma
tendência para as entidades com maior número de trabalhadores, situarem-se em
estádios mais avançados (Gráfico_5), verificando-se que 75,0% das instituições
com um máximo de 10 trabalhadores estão enquadradas nos estádios iniciais do
modelo, sendo esta percentagem muito inferior (43,8%) quando o número de
trabalhadores é superior a 20.
A análise da aposta em formação segue no mesmo sentido, pois a maioria das
instituições que não aposta em qualquer dos tipos de formação (72,7%) tem
tendência clara a enquadrar-se nos estádios iniciais do modelo de Kaplan
(Gráfico_6). Quando a aposta na formação é frequente não é possível apurar uma
tendência, no entanto a maioria das instituições (53,8%) apresentam maior
maturidade no SCG.
4.4. Adequabilidade dos recursos financeiros
Os estudos no Terceiro Setor português revelam como principal fonte de
financiamento as verbas geradas pela própria instituição. No entanto, dada a
dependência estatal, a grande maioria das instituições (67,1%) atribui o grau
de muito importante ao financiamento público (Tabela_5).
O peso de cada tipo de financiamento na estrutura da organização vem corroborar
a importância do apoio público, pois o seu peso é superior a 40% para uma
grande maioria das instituições (68,9%). No caso das outras duas fontes de
financiamento apenas para menos de 20% das instituições é que o seu peso é
superior a 40% (Tabela_6).
Mesmo havendo uma grande maioria das instituições (70,4%), que atribui à falta
de recursos financeiros uma limitação ao desenvolvimento, a não apresentar SCG
considerados avançados (Gráfico_7), existe também uma grande parte das
instituições (44,1%) que não considera os recursos financeiros limitadores da
informação disponível para cálculo de custos, mas cujo desenvolvimento dos SCG
é inicial. Este cenário potencia o desinteresse em candidaturas a projetos de
financiamento para este tipo de desenvolvimento institucional.
4.5. Relacionamento com os Stakeholders
O sucesso das organizações é influenciado por condicionantes, não estando
muitas delas sob o seu controlo. No entanto, o desenvolvimento de iniciativas
para dentro e para fora da instituição elimina muito do risco associado às
mudanças ocorridas no ambiente onde a instituição atua e potencia o sucesso
organizacional da mesma.
Internamente, a adoção de práticas de fomento do compromisso da equipa de
trabalho, através da informação de objetivos e avaliação do grau de sucesso dos
projetos em que a instituição, e logo os trabalhadores, estão envolvidos,
mostra ser uma aposta para o sucesso organizacional, e as IPSS de Lisboa e
Setúbal já implementam práticas neste âmbito. No entanto, o feedbackprestado
aos trabalhadores sobre o desempenho particular destes nas atividades
desenvolvidas pelas instituições não se revela prática frequente, indicando a
maioria destas (63,9%) que a avaliação de desempenho dos recursos humanos é
realizada com frequência reduzida, realçando-se ainda que um número relevante
de IPSS revela nunca implementar esta prática (26,2%) (Tabela_7).
Mesmo sendo os sistemas de informação facilitadores destas atividades, não foi
possível evidenciar essa relação, realçando- -se no entanto que o peso das
entidades que apresentam uma maior maturidade no SCG e que desenvolvem com
frequência elevada a informação dos objetivos dos trabalhadores (85,2%) é
superior à registada quando a instituição enquadra-se em estádios iniciais
(67,7%).
No que se refere à avaliação de desempenho, esteja a instituição num estádio
inicial ou avançado, a prática ainda não mostra ser de frequência elevada entre
as instituições (73,5% e 51,9%, respetivamente). A maturidade do SCG também não
mostra ser explicativo em relação à divulgação interna dos resultados, no
entanto, e ao contrário da avaliação de desempenho, esta prática mostra ser
desenvolvida com frequência elevada pelas instituições (59% das IPSS
enquadradas em qualquer dos estádios).
Na relação com as entidades externas, a divulgação de informação de desempenho
aos stakeholdersrevela-se como fundamental à imagem de credibilidade e
transparência da organização.
Mesmo não sendo constatada uma preocupação com a elaboração periódica, mais
frequente que a anual, dos instrumentos obrigatórios de gestão estratégica e
operacional, a prática de comparação dos resultados obtidos com os inicialmente
estabelecidos no âmbito dos projetos revela-se também ela como uma potencial
prática de deteção e correção de situações deficitárias, a qual é desenvolvida
com frequência elevada pela maioria (62,3%) das instituições.
Complementarmente, a maioria das entidades (63,9%) divulga com frequência
elevada essa informação de desempenho junto dos financiadores (Tabela_8),
fomentando transparência e preocupação com o sucesso da aplicação do
financiamento disponibilizado.
Contribuindo estas práticas para a manutenção dos atuais financiamentos e
potenciação da captação de novos, perspetiva-se que as IPSS que as desenvolvem
com frequência elevada apostem no desenvolvimento de SCG, os quais têm um papel
de facilitadores. Os dados revelam que não existe uma tendência nesta área
(Gráfico_8), tal como ao nível da divulgação da informação de desempenho aos
financiadores (Gráfico_9). No entanto é claro que, tanto em estádios iniciais
como avançados, a maioria das instituições procede à comparação dos resultados
e sua divulgação com frequência elevada.
5. Conclusões
A contabilidade de gestão assume, cada vez mais, um papel determinante na
adequada gestão dos recursos organizacionais, sejam instituições com ou sem
fins lucrativos.
A visibilidade das instituições do Terceiro Setor no atual contexto de
dificuldades económicas e sociais tem vindo a crescer, trazendo instituições do
setor social como as IPSS para primeiro plano. O reconhecimento do seu papel no
desenvolvimento local e o facto de terem um contacto privilegiado com a
população, leva a que a sociedade coloque à disposição destas instituições
recursos para que possam cumprir a sua missão social. A confiança depositada
exige que as instituições demonstrem desenvolver práticas que visem a
eficiência e eficácia das suas atividades, de forma a justificarem os recursos,
cada vez maiores, que a sociedade lhes vai disponibilizando.
Vários dos estudos apresentados focam-se em realidades do setor lucrativo, não
se tendo apurado investigações focadas em particular nas ferramentas de apoio à
tomada de decisão no setor das IPSS. Este estudo tem como objetivo analisar em
que medida as organizações do Terceiro Setor, e em particular as IPSS, têm ao
seu dispor ferramentas adequadas de apoio à tomada de decisão que permitam a
utilização fundamentada dos recursos colocados à sua disposição.
Formularam-se objetivos de investigação que visam analisar as instituições em
vários âmbitos: grau de adequação dos sistemas de contabilidade de gestão; grau
de adequação das competências humanas; estrutura de financiamento; e práticas
de fomento das relações com os stakeholdersinternos e externos.
Relativamente ao primeiro objetivo, os resultados apurados indicam que existe a
disponibilidade de informação para deteção de situações deficitárias, não
revelando ainda o enquadramento nos estádios avançados do modelo de Kaplan, o
que corrobora a pouca adesão ao ABC revelada noutras investigações (Innes &
Mitchel, 1995; Tomás et al., 2008). Ainda no âmbito desta investigação,
procurou-se perceber as razões pelas quais as instituições não se enquadravam
em estádios mais elevados do modelo de Kaplan (1990), tendo os resultados
demonstrado que, mesmo as organizações não omitindo a importância de mais
informação, estas consideram ter informação suficiente pelo que um não tão
elevado desenvolvimento do sistema de contabilidade de gestão pode ser
explicado pela não perceção do atual sistema como obsoleto por parte das
instituições (Duron, 2001).
O estudo do segundo objetivo específico, em que se analisa a adequação das
competências humanas às necessidades de gestão das organizações, revelou que as
instituições possuem recursos humanos com qualificação superior e capacidade de
gestão patente na formação financeira que possuem os responsáveis por esta
área, o que revela a aposta das instituições na qualificação dos recursos
humanos (Greenberg, 1982). No âmbito das competências humanas, estudou-se em
que medida a existência de pelo menos um dos responsáveis com formação na área
financeira, o número de trabalhadores ou a frequência de desenvolvimento de
formação influenciam a maturidade dos sistemas de contabilidade de gestão das
instituições, verificando-se que quando essa formação financeira está presente
a maioria das instituições enquadra-se em estádios avançados, o que não
acontece quando esta competência não está presente nos recursos humanos da
instituição. Como encontrado na literatura, o mesmo constatou-se nas
instituições com dimensão mais reduzida (menos trabalhadores) (Innes &
Mitchell, 1997; Alsaeed, 2005) e onde a aposta em formação mostra-se pouco
frequente (Al-Omiri & Drury, 2007), pois em qualquer um destes cenários o
peso das instituições enquadradas em estádios iniciais é muito superior quando
se fala de instituições com massa laboral reduzida ou com reduzida frequência
de medidas de renovação de conhecimento (formação), mesmo não sendo a escassez
de recursos humanos indicada como limitação à implementação de ferramentas de
gestão.
No âmbito do terceiro objetivo de estudo da estrutura de financiamento, apurou-
se que a maioria das organizações atribui aos fundos públicos o nível de
importância mais elevado no financiamento das instituições, tendo-se ainda
concluído sobre o peso deste tipo de financiamento na instituição o qual se
revelou ser o maior, facto que não corrobora o resultado apurado no estudo
feito a nível nacional entre as entidades do Terceiro Setor (Franco et al.,
2005), no qual esse papel é atribuído às receitas geradas internamente. No
entanto a conclusão sobre o peso reduzido do financiamento filantrópico
encontrou suporte nesta investigação. Quando analisadas as limitações inerentes
à escassez de financiamento, a falta de recursos financeiros não é apontada
como justificação para a não disponibilidade de informação de ferramentas de
custeio. Ainda assim, uma parte relevante destas entidades não apresenta uma
maturidade elevada dos seus sistemas de contabilidade de gestão, potenciando
desinteresse em candidaturas a projetos de financiamento no âmbito do
desenvolvimento institucional nesta área das ferramentas de gestão.
Por fim, no âmbito do quarto objetivo específico de investigação foi possível
constatar que, tanto ao nível interno como externo, as instituições têm vindo a
desenvolver práticas apontadas como potenciadoras do sucesso organizacional
(Fowler et al., 1995; Kaplan, 2011), principalmente no que se refere ao
conhecimento dos objetivos das tarefas desempenhadas e divulgação interna de
informação de desempenho. No entanto, o feedbackprestado aos trabalhadores que
advém da avaliação do seu desempenho não mostra ser prática regular das
organizações, sendo que o maior peso de IPSS que o desenvolvem regularmente é
encontrado nos estádios avançados de Kaplan (1990). No que se refere à
elaboração e divulgação externa do desempenho da instituição, práticas que
permitem estabelecer uma relação de transparência com os stakeholders(Kaplan,
2001), conclui-se que são desenvolvidos processos visando a comparação dos
objetivos atingidos em relação aos inicialmente estabelecidos, bem como a
divulgação bastante frequente dessa informação aos seus financiadores.
Limitações do estudo
O número de respondentes não permite garantir a representatividade da amostra,
pelo que não é adequado generalizar os resultados para a população de IPSS
destes distritos. O facto da escolha do método de recolha de dados ter recaído
sobre o inquérito por questionário via internet, em detrimento da realização de
entrevistas, já que estas não se adequam a um estudo em grande escala, pode ter
gerado erros de interpretação das perguntas colocadas aos inquiridos e,
consequentemente, pode ter provocado o enviesamento dos resultados. Por outro
lado, a inexistência de estudos semelhantes inviabilizou uma comparação direta
dos resultados obtidos entre organizações do mesmo setor.
Contributos
A investigação desenvolvida contribui para conhecer as práticas de
contabilidade de gestão das IPSS em Portugal, setor pouco estudado e em
particular no que se refere à sua gestão.
A divulgação dos resultados desta investigação contribui também para o
conhecimento que as próprias instituições têm do setor onde atuam, podendo
contribuir para a implementação de práticas mais avançadas por parte da gestão
de algumas organizações e, consequentemente, para a sustentabilidade do
Terceiro Setor.
Recomendações para investigações futuras
A relevância de colmatar as limitações da investigação justifica a realização
de novos estudos que permitam validar a realidade apresentada, contactando um
maior número destas instituições, bem como de auscultar e esclarecer
presencialmente as questões abordadas de forma a captar a informação mais
aproximada da realidade destas organizações.
Grande parte das instituições inquiridas identifica a suficiência de informação
de apoio à tomada de decisão como razão para a não disponibilidade de outra
informação que potencie a quantidade e qualidade da mesma. De modo a aprofundar
esta questão, seria de grande valia a elaboração de um estudo que permitisse
enumerar as necessidades de informação consideradas pelas organizações como
relevantes para a tomada de decisão e estudar o nível de adequação das mesmas à
realidade em que atuam.
Torna-se relevante também o estudo dos canais de comunicação utilizados pelas
instituições para chegar à comunidade, como os online, pois o estudo revela a
divulgação frequente de informação de desempenho aos stakeholders.