Conhecimento financeiro de estudantes universitários na vertente do crédito
1. Introdução
Numa era em que os mercados financeiros crescem e desenvolvem-se rapidamente é
necessário que a população esteja preparada para tais mudanças. Produtos e
serviços financeiros mais complexos exigem consumidores mais letrados pois
representam maiores desafios para as famílias.
Depois da crise financeira que teve início em 2007/2008 o aumento da
preocupação com a literacia financeira dos cidadãos é notório (BP, 2010a). A
temática do crédito está em voga. A sofrer ainda as consequências da corrida
desmesurada ao crédito na década de 1990, os consumidores debatem-se com graves
problemas resultantes do endividamento excessivo. A OCDE (Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Económico) atribui grande importância a esta
temática ao considerar que a capacidade dos indivíduos de recorrer ao crédito
de forma eficaz é uma competência fundamental para a vida (OECD, 2010).
O acesso ao crédito foi ainda considerado pelo Banco de Portugal, aquando do
inquérito de literacia financeira realizado à população portuguesa em 2010, uma
das importantes áreas de atuação no segmento populacional dos estudantes
universitários (BP, 2011).
Focar os esforços nos jovens, nomeadamente nos estudantes universitários, é
bastante importante, pois estes representam o futuro da economia mundial. As
más decisões tomadas hoje podem afetar para sempre o bem-estar individual dos
jovens (Cull & Whitton, 2011), mas também o futuro da economia (Bianco
& Bosco, 2011).
Nesta perspetiva é fundamental analisar o conhecimento financeiro, percecionado
e real, dos estudantes universitários, na vertente do crédito e identificar
fatores determinantes, nomeadamente, os sociodemográficos, desse conhecimento.
A aplicação de um inquérito por questionário, método de recolha de dados
adotado por vários autores como, por exemplo, Chen e Volpe (1998) ou pela
organização Jumpstart (Mandell, 2008), apresenta grandes vantagens. Numa
primeira fase os seus resultados permitem a identificação das áreas
prioritárias de atuação e, de seguida, constituem uma importante ferramenta na
elaboração de programas de formação financeira. Como tal, o método de recolha
de dados utilizado por este estudo foi a aplicação de um inquérito por
questionário.
As conclusões do inquérito aplicado apontam para um défice de conhecimentos, na
vertente do crédito, por parte dos estudantes. As temáticas do crédito onde são
reveladas as maiores lacunas são na “taxa de esforço” e nas “taxas de juro
fixas e variáveis”. A partir do diagnóstico das lacunas de conhecimentos deste
segmento populacional é então possível desenvolver programas de educação
financeira ajustados às necessidades da população-alvo.
O presente artigo está organizado em cinco secções para além desta introdução.
Na segunda secção é efetuada a revisão de literatura relevante acerca do tema
da literacia financeira com enfâse em algumas investigações que incidem neste
segmento populacional e é apresentado o modelo conceptual. Na terceira secção é
descrita a metodologia do estudo. A quarta secção é composta pelos principais
resultados e sua discussão e, por fim, as conclusões constituem a quinta
secção.
2. Revisão de literatura
Literacia financeira é um conceito bastante amplo e que não reúne consenso
entre os autores. Como tal, são muitos os estudos que não se comprometem a
apresentar uma definição concreta do termo (Huston, 2010). Alguns autores como,
por exemplo, Chen e Volpe (1998) traduzem literacia financeira em conhecimento
financeiro. Outros vão mais além e incluem neste conceito a capacidade de
utilização deste conhecimento (Huston, 2010).
O presente estudo adota o conceito enunciado por Huston (2010:306), onde
literacia financeira é definida como: “o quão bem um indivíduo compreende e usa
a informação sobre finanças pessoais”.
2.1 Importância da literacia financeira
A preocupação do mundo com este tema tem sido crescente, especialmente depois
da crise financeira global que teve início em 2007/2008 (BP, 2010a). Desde
então ficou claro que as finanças públicas e pessoais são inseparáveis. Ou
seja, as ações dos indivíduos têm repercussões a nível individual mas também no
futuro da economia (Frank, 2009). É então importante impulsionar a educação
financeira como promotora da literacia financeira dos cidadãos com vista a
aumentar o bem-estar financeiro destes e, consequentemente, da economia.
Para muitos indivíduos, conceitos financeiros fundamentais como gastos,
investimentos, poupança e orçamentação e o uso apropriado do crédito,
constituem ainda um obstáculo (Choi, 2009).Para fazer face à falta de literacia
dos cidadãos, os governos, cada vez mais, apostam na educação financeira.
Entidades nacionais e internacionais como, por exemplo, a DECO (Associação
Portuguesa para a Defesa do Consumidor) e a OCDE, criaram programas na temática
da educação financeira. A OCDE criou em 2003 o «OECD Project on Financial
Education» (OECD, n.d.). No seguimento deste projeto foram criadas as redes
INFE (International Network on Financial Education), com o objetivo de
descrever, analisar e avaliar programas de educação financeira, e a IGFE
(International Gateway for Financial Education), que se destina à troca de
informação, seja recursos, dados, notícias ou mesmo programas relacionados com
a literacia financeira.
Também a DECO, para além das suas publicações de revistas financeiras, escritas
com uma linguagem simples e acessível e que se destinam aos consumidores,
criou, em 2010, uma campanha «Gerir€Poupar – Faça contas à vida», que vigorou
até Janeiro de 2012 e que visou melhorar a literacia financeira dos adultos e
também das crianças.
Igualmente em 2010, o Banco de Portugal decidiu atuar a nível nacional e
elaborou um inquérito de literacia financeira, que aplicou à população
portuguesa, com idade superior a 16 anos. No decorrer dos resultados deste
inquérito foi criado o Plano Nacional de Formação Financeira, em que um dos
principais objetivos é melhorar o conhecimento financeiro da população. Assim,
com a finalidade de atingir resultados mais eficazes, este Plano segmentou a
população e indicou quais as linhas de atuação mais importantes para cada
segmento. Um dos segmentos criados é o dos estudantes universitários e, entre
outras áreas de atuação, as dimensões do crédito e do sobreendividamento são
consideradas bastante importantes (BP, 2011).
Cedo estes estudantes são postos à prova ao terem de tomar decisões financeiras
importantes como, por exemplo, as respeitantes ao financiamento da sua formação
ou ao tipo de alojamento quando se encontram deslocados. Como tal, a temática
do crédito neste segmento é de extrema importância. As estatísticas demonstram
que o aumento da importância da formação de nível superior gerou o aumento do
número de estudantes universitários e que o agravamento dos custos desta
formação originou a subida do número de créditos pedido por estes estudantes
(Costa, Caetano, Martins & Mauritti, 2009).
Relativamente ao crédito, o grande desafio encontra-se em promover a sua
utilização responsável, pois o recurso à banca ou a outro tipo de financiamento
pode apresentar desvantagens, entre as quais o possível sobreendividamento, mas
também oferece vantagens como o adiantamento de recursos para investir em
formação ou na criação do próprio posto de trabalho (PROTESTE, 2009). Esta
utilização responsável do crédito traduz-se na capacidade dos indivíduos
perceberem o montante de dívida que o seu orçamento consegue suportar (BP,
2011). Segundo Natália Nunes, coordenadora do Gabinete de Apoio ao
Sobreendividado, criado pela DECO, o principal problema das famílias
sobreendividadas é a falta de conhecimento financeiro. A taxa de esforço não é
tida em conta, ou seja, as famílias contraem dívida sem saber o impacto que
esta terá no seu orçamento familiar (Lusa, 2011).
2.2 A literacia financeira nos estudantes universitários
Numa altura em que os estudantes universitários são considerados iletrados ou
detentores de baixos níveis de conhecimento (Chen & Volpe, 1998), torna-se
importante aumentar o foco neste segmento.
A Tabela_1 sintetiza alguns estudos acerca da literacia financeira dos
estudantes, assim como os fatores que, de acordo com cada estudo, apresentam
capacidade explicativa das diferenças de conhecimento financeiro dentro do
segmento. Todos estes estudos realizaram-se nos Estados Unidos da América e, à
exceção do estudo de Choi (2009), todos têm o mesmo objetivo, analisar a
literacia financeira dos estudantes, o que para estes autores se iguala a medir
o conhecimento real dos alunos. Já o estudo de Choi (2009) tem como principal
objetivo perceber a relação entre a titularidade de uma conta à ordem e o
conhecimento em finanças pessoais dos estudantes do ensino secundário.
Em comum uma conclusão, os estudantes não são considerados possuidores de um
elevado conhecimento financeiro. As taxas de respostas corretas, dos estudantes
universitários, variam entre 53%, no estudo de Chen e Volpe (1998), e 62,2%, no
de Mandell (2008).
Como fatores determinantes da literacia financeira dos estudantes
universitários surgem características do próprio estudante (género), dos seus
pais (habilitações e rendimento), do curso que frequentam (curso e ano) e
também da familiarização com produtos financeiros (cartões de crédito e tipos
de crédito) (Chen & Volpe, 1998; Mandell, 2008; Lalonde & Schmidt,
2011). No caso do estudo de Choi (2009), que incidiu apenas em estudantes do
secundário, apenas a inclusão financeira (titularidade de conta à ordem)
revelou capacidade explicativa dos conhecimentos.
Por outro lado, a falta de conhecimento nem sempre é assumida pelos indivíduos.
De facto, muitos afirmam saber mais do que o que realmente acontece, como é
evidenciado pelo estudo do ANZ Banking Group, realizado em 2003 na Austrália,
que comparou os conhecimentos percecionados com os conhecimentos reais (ANZ,
2003). No estudo mediu-se o conhecimento de duas formas: 1º questionou-se os
inquiridos sobre o nível de conhecimento que estes achavam deter, numa certa
temática; 2º aplicou-se aos inquiridos um teste com problemas em que eles
tinham de utilizar os supostos conhecimentos dessa temática.
Os resultados da avaliação aos dois tipos de conhecimento foram diferentes. É
importante perceber as disparidades entre o que os indivíduos afirmam saber e
aquilo que realmente sabem pois quem não compreende que necessita de ajuda,
dificilmente a procurará (OECD, 2005).
2.3 Modelo conceptual – determinantes do conhecimento
A literatura sobre avaliação de conhecimentos financeiros e o contexto em que
decorre o estudo (jovens estudantes universitários) leva à definição dum modelo
conceptual (Figura_1), em que o conhecimento financeiro, neste estudo apenas
sobre crédito, se define como conhecimento real e conhecimento percecionado,
estando os dois diretamente relacionados.
Por outro lado, o modelo agrupa os fatores explicativos do conhecimento
financeiro real do aluno em cinco dimensões: perfil sociodemográfico;
background familiar; cultura financeira; inclusão financeira e familiarização
com produtos financeiros. Estas dimensões incluem características dos
estudantes identificadas nos diferentes estudos. No perfil sociodemográfico
incluem-se características demográficas dos estudantes (entre outras, género,
idade e região) e características do curso que frequenta (por exemplo, curso,
área científica e ano). No background familiar incluem-se as habilitações e
rendimento dos pais, assim como a dimensão e o rendimento do agregado familiar.
Nas restantes três dimensões incluem-se características mais relacionadas com a
gestão do dinheiro e das finanças pessoais, sendo que a cultura financeira foi
acrescentada às dimensões consideradas em outros estudos (Chen & Volpe,
1998; Mandell, 2008) e inclui as fontes de informação que o estudante acompanha
regularmente. A inclusão financeira traduz a existência de conta bancária e a
familiarização com produtos financeiros, inclui os diferentes produtos que já
foram subscritos pelo estudante.
De acordo com o modelo são formuladas as seguintes seis hipóteses de
investigação:
H1: O conhecimento percecionado está diretamente relacionado com conhecimento
real e o conhecimento percecionado revela-se superior ao real;
H2: O perfil sociodemográfico está relacionado com o conhecimento financeiro
real;
H3: O background familiar está relacionado com o conhecimento financeiro real;
H4: O nível de cultura financeira está relacionado com o conhecimento
financeiro real;
H5: O nível de inclusão financeira está relacionado com o conhecimento
financeiro real;
H6: A familiarização com produtos financeiros está relacionada com o
conhecimento financeiro real.
3. Metodologia
Atendendo aos objetivos do estudo e às hipóteses de investigação formuladas, a
metodologia adotada recaiu na realização de um inquérito por questionário a uma
grande amostra por conveniência de alunos de licenciatura de uma instituição de
ensino superior (ISCTE –IUL).
3.1. Questionário
A medição do conhecimento financeiro dos estudantes universitários, na vertente
do crédito, foi efetuada através de um questionário. Vários estudos acerca da
literacia/conhecimento financeiro optam por este mesmo método de recolha de
dados (Chen & Volpe, 1998; Mandell, 2008; BP, 2010b; ANZ, 2003).
Não existindo um instrumento standard na medição da literacia financeira
(Huston, 2010), a construção deste questionário teve por base o inquérito
nacional, aplicado à população portuguesa pelo Banco de Portugal em 2010 (BP,
2010b), e alguns inquéritos internacionais como o de Chen e Volpe (1998),
Mandell (2008) e ANZ (2003). Algumas perguntas foram adaptadas e outras tiveram
de ser criadas devido às diferenças entre os estudos, nomeadamente as
realidades da população em causa e as vertentes das finanças pessoais em
análise.
A medição do conhecimento pode dividir-se em duas partes. A primeira engloba
uma questão em que os alunos devem indicar o conhecimento que consideram
possuir sobre 11 temáticas do crédito, medido numa escala tipo Likert de cinco
pontos de “Muito baixo” (1) a “Muito elevado” (5). Na segunda os estudantes são
confrontados com um teste de conhecimento, composto por onze questões de
escolha múltipla ou de verdade/falso sobre essas mesmas temáticas (ver Anexo
1).
Para além das questões de avaliação dos conhecimentos foram incluídas questões
relativas a cada uma das dimensões de análise. No perfil do aluno considerou-se
importante o género, idade, curso, ano de curso, região, situação laboral,
rendimento disponível e existência de residência secundária. No background
familiar estão presentes questões relativas aos rendimentos e habilitações dos
pais dos estudantes, à dimensão e ao rendimento anual líquido do agregado
familiar e, ainda, sobre quem recai a responsabilidade de gestão do orçamento
do mesmo. A inclusão financeira é constituída apenas por uma questão, relativa
à titularidade de contas bancárias, assim como a familiarização de produtos
financeiros apenas questiona que tipos de créditos o estudante é titular. Por
fim, a cultura financeira divide-se em duas partes: o planeamento de despesas e
o conhecimento de fontes de informação. Na primeira parte questiona-se a
importância que o estudante atribui ao planeamento do orçamento familiar e a
periodicidade com que o faz. A segunda parte é composta por questões relativas
à importância e ao conhecimento de algumas fontes de informação.
3.2. Amostra
O questionário foi aplicado a 396 estudantes universitários que frequentam o 1º
ou 3º ano de uma licenciatura do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL).
A escolha desta instituição deve-se à conveniência da obtenção da amostra e sua
diversidade, por possuir estudantes do 1º ciclo (4.441 alunos no ano letivo
2011/2012) de diferentes estratos sociais a frequentar 16 licenciaturas de
diversas áreas científicas (ISCTE-IUL, 2012).
Numa primeira fase o questionário foi disponibilizado online a todos os alunos
do 1º e 3º ano de licenciatura. Numa segunda fase, como consequência da baixa
taxa de resposta, o questionário foi distribuído em papel. A recolha de dados
teve data no mês de Março de 2012.
A Tabela_2 apresenta a população a inquirir (ISCTE-IUL, 2012) e a amostra
utilizada no estudo. A partir destes dados pode concluir-se que foi obtida uma
taxa de resposta de 16,4%.
3.3. Indicadores do conhecimento e sua análise
Depois de recolhidos, os dados foram introduzidos no Microsoft Excel e de
seguida exportados para o software IBM SPSS Statistics(versão 20). Após
validação das respostas os dados foram analisados recorrendo a técnicas de
estatística uni e bivariada.
Para medir o conhecimento real do estudante foi criado um indicador de
conhecimento, com uma escala de zero a onze, representando este o número de
respostas corretas à prova de avaliação de conhecimentos. Este indicador
permitiu classificar os estudantes, de acordo com a sua pontuação na prova
prática. A classificação considerada foi a utilizada por Chen e Volpe (1998) e,
como tal, o índice foi convertido em percentagem para facilitar a comparação.
Estes autores classificam os conhecimentos em baixo (menos de 60% de respostas
corretas), médio (entre 60 e 79% de respostas corretas) ou elevado (mais de 79%
de respostas corretas).
O conhecimento percecionado, ou seja, o conhecimento que os estudantes
consideram deter, foi medido recorrendo apenas a uma questão em que se pergunta
qual o nível de compreensão financeira que considera deter acerca de certas
temáticas relacionadas com o crédito, restringindo a resposta a uma escala de
Likert de cinco pontos que varia entre “Muito baixo” e “Muito elevado”.
No final é comparado o que o estudante afirma saber (conhecimento percecionado)
e o que realmente demonstrou saber na prova (conhecimento real).
4. RESULTADOS
4.1. CARACTERIZAÇÃO DA AMOSTRA
A amostra de 396 estudantes é composta maioritariamente por estudantes do sexo
feminino (55,3%), entre 19 e 21 anos (48,5%). Os estudantes são provenientes,
na sua maioria, das zonas de Lisboa e Vale do Tejo (69,3%), não estando
deslocados da sua residência habitual (67,6%) e que não possuem qualquer
experiência laboral (67,9%), mas possuem algum rendimento mensal (83,0%), sendo
o rendimento mais frequente até 200 euros (43,0%). Realce-se que 108 estudantes
residem numa residência secundária sendo para a maioria destes (56,5%) os
encargos partilhados com outras pessoas.
Os estudantes a frequentar o primeiro ano representam cerca do dobro daqueles
que são finalistas do seu curso e mais de metade (50,8%) frequentam um curso
nas áreas empresariais.
Relativamente ao seu background familiar, a maioria dos pais dos estudantes
apresentam como habilitação máxima o ensino secundário, 72,7% no caso do pai e
69,6% no da mãe. Além disso, 74,5% dos estudantes fazem parte de um agregado
familiar composto por três ou quatro indivíduos e o rendimento anual líquido do
agregado mais frequente é entre os 15.000€ e 29.999€ (25,8%) (ver Anexo_2).
4.2. CULTURA E INCLUSÃO FINANCEIRAS
A cultura financeira dos estudantes não é muito elevada pois apesar de cerca de
87,1% considerar “Importante” ou “Muito importante” planear o seu orçamento
familiar, nem todos o fazem numa base regular (três em cada quatro estudantes
faz o planeamento com uma periodicidade mensal ou semanal). Além disto, mais de
70% não conhece o site de informação financeira criado pelo Banco de Portugal
(Portal do Cliente Bancário), uma fonte de informação bastante útil para quem
lida ou irá lidar brevemente com os mercados financeiros.
Por outro lado, a quantidade de informações financeiras que os estudantes
consultam de forma habitual, nomeadamente, evolução da bolsa, notícias gerais
sobre a economia, evolução das taxas de juro e legislação e regulamentação de
produtos bancários, é baixa, sendo que 20,5% não acompanha qualquer destas
informações e 44,7% acompanha apenas uma delas.
No que respeita à inclusão financeira dos estudantes esta revela-se bastante
elevada, sendo que apenas 2,3% refere não deter qualquer conta à ordem.
Relativamente à familiarização de produtos financeiros, os resultados revelam
que o nível de envolvimento destes estudantes com a banca é reduzido. De facto,
80,3% não possui qualquer produto de crédito. Dos que possuem, 53,2% possui
cartão de crédito, tendo todos os outros produtos uma taxa de adesão inferior a
20% e nenhum estudante possui crédito à educação (ver Anexo_3).
4.3. NIVEL DE CONHECIMENTO
O nível de conhecimento financeiro dos estudantes, na vertente do crédito, é
baixo. Em média, a percentagem de respostas corretas é de apenas 32,3% (com um
desvio padrão de 19,7%). Atendendo à classificação de Chen e Volpe (1998),
apenas 0,8% dos estudantes são considerados detentores de um nível de
conhecimento elevado e cerca de 89% de um conhecimento financeiro baixo (Tabela
3).
Os temas onde são reveladas as maiores necessidades de formação são na “taxa de
esforço” e nas “taxas de juro fixas e variáveis”. A “TAE e TAEG”, o “Descoberto
bancário” e a definição de Euribor são os temas onde os alunos possuem mais
conhecimento, sendo a questão relacionada com a definição da Euribor a única em
que mais de metade dos estudantes acertou (Tabela_4).
Relativamente ao que os alunos afirmam saber, ou seja, o seu conhecimento
percecionado, este revela-se mediano. Como pode ser observado no Gráfico_1, a
média de respostas dos alunos, quando questionados sobre a sua perceção
relativamente à sua compreensão financeira, não apresenta valores demasiado
elevados. As médias variam entre 2,03, para a taxa de esforço, e 3,16, para os
cartões de crédito, numa escala de 1 (compreensão muito baixa) e 5 (compreensão
muito elevada).
No entanto, apesar de o conhecimento percecionado dos alunos não ser excessivo,
este continua a ser maior do que o conhecimento real apurado. No Gráfico_2 pode
ser comparado a percentagem de alunos que afirma deter um conhecimento Muito
Elevado/Elevado/Mediano, com a percentagem de alunos que acertou nas questões
práticas de avaliação de conhecimento.
A lógica pressupõe que estas duas percentagens coincidam, ou seja, é suposto
que os estudantes que afirmam deter um conhecimento mediano ou superior acertem
nas questões de teste. No entanto, à exceção do tema “Descoberto bancário”, a
percentagem de alunos que consideram ser detentores de um conhecimento Elevado/
Mediano é superior à percentagem daqueles que realmente acertam nas questões de
teste de conhecimento. Ou seja, existe evidência para uma sobreavaliação de
conhecimento financeiro por parte dos estudantes.
No entanto, verifica-se a existência de correlações diretas entre os
conhecimentos percecionados e o conhecimento real (Tabela_5).
De facto, quando aumenta o conhecimento percecionado do estudante, o
conhecimento real também tende a aumentar, sendo essa tendência maior nos
conceitos de taxas (Euribor, spread, taxas de juro fixas e variáveis) e de
regimes de juros, em que as relações são moderadas, e menor nos outros
conceitos relacionados com empréstimos, em que as relações são fracas (Pearson
inferior a 0,4).
4.4. Condicionantes do conhecimento
Na Tabela_6 apresentam-se as características dos estudantes universitários que
se relacionam com conhecimento financeiro real na vertente do crédito, medido
em percentagem de respostas corretas.
Das características sociodemográficas a região de residência habitual apresenta
uma associação com o conhecimento, existindo uma tendência para os alunos das
regiões Norte, Algarve e Região Autónoma da Madeira apresentarem conhecimentos
inferiores aos alunos das restantes regiões (% média de respostas corretas
inferiores a 22%, sendo essa média nas outras regiões superior a 32%). Também o
facto do estudante se encontrar deslocado, ou seja, não residir na área de
Lisboa, leva a uma tendência para menores conhecimentos. Por outro lado,
constata-se que os alunos que residem numa residência secundária e que suportam
na íntegra os encargos com essa habitação tendem a possuir maiores
conhecimentos (média de 37,7%) enquanto os que não têm encargos ou os que os
partilham com outros indivíduos apresentam média de respostas corretas inferior
a 25%.
No que respeita ao percurso académico verifica-se que os estudantes de ciências
empresariais, com média de 38,4%, tendem a possuir maior conhecimento que os
seus colegas de outras áreas, nomeadamente os de tecnologias, que apresentam
uma média de respostas corretas de apenas 19,3%. A frequência do 3º ano conduz
a um aumento de conhecimentos quando comparado com os alunos do 1º ano, sendo a
média de respostas corretas de 38,3%, mais 9% do que os do 1º ano.
No que respeita ao background familiar apenas o rendimento anual líquido do
agregado familiar está relacionado com o conhecimento, existindo uma ligeira
tendência para quando o rendimento aumenta, aumentar também o conhecimento. De
facto, os alunos em que o agregado familiar aufere um rendimento superior a 30
mil euros são os que apresentam maior conhecimento (média de 41,5%).
A cultura financeira, medida pelo número de fontes de informação consultado
pelos estudantes regularmente, relaciona-se de forma fraca com o conhecimento,
existindo uma tendência para aumentar os conhecimentos com o aumento do número
de fontes consultadas. A diferença de conhecimentos entre quem não consulta
qualquer fonte (média 19,1%) e quem consulta é bastante acentuada (médias de
quem consulta superiores a 30%).
Também o nível de inclusão financeira está associado com os conhecimentos,
sendo que os estudantes que não possuem conta bancária são os que apresentam
menor conhecimento (média de 18,2%). Os estudantes que possuem 3 ou mais contas
acertam, em média, em mais do dobro das respostas dos que não têm conta (média
de 42,3%).
Por fim, realce-se que o grau de familiarização com produtos financeiros de
crédito não apresenta qualquer relação com os conhecimentos reais de crédito.
4.5. Discussão de resultados
Os resultados apresentados levam a concluir que os conhecimentos financeiros
dos estudantes na vertente do crédito são reduzidos e que o conhecimento
percecionado está diretamente relacionado com conhecimento real. Por outro
lado, o conhecimento percecionado revela-se mediano e, portanto, superior ao
conhecimento real. Deste modo a H1 é suportada pela evidência encontrada. Esta
conclusão é consistente com a conclusão retirada do estudo da OECD (2005) que
aborda esta temática aquando da revisão do estudo australiano realizado pelo
ANZ Banking Group em 2003.
As características sociodemográficas que influenciam o conhecimento dos
estudantes são a região da residência principal, deslocado da residência
principal e a responsabilidade pelos encargos com a residência secundária
(quando esta existe). Também a área e o ano de curso frequentado explicam o
conhecimento financeiro na vertente do crédito. Deste modo, a H2 é igualmente
suportada pela evidência estatística, sendo que as características relacionadas
com o curso são também indicadas como influenciadoras de conhecimento por
autores como Chen e Volpe (1998) e Mandell (2008).
A H3 que afirma que o background familiar está relacionado com o conhecimento
financeiro real também é verificada ao constatar-se que o rendimento do
agregado familiar está diretamente relacionado, embora de forma fraca, com o
conhecimento financeiro.
A cultura financeira dos estudantes, dimensão introduzida pela primeira vez
neste estudo, está relacionada com o conhecimento financeiro real já que os
estudantes que consultam com regularidade fontes de informação de índole
financeiro possuem maior conhecimento financeiro. Assim, a H4 encontra-se
igualmente verificada.
A titularidade de uma conta à ordem apresenta uma relação, embora fraca, com o
conhecimento dos estudantes universitários. Este resultado contradiz, de certa
forma, a conclusão retirada do estudo de Choi (2009), onde a relação entre a
posse de uma conta bancária e o conhecimento financeiro do estudante é
considerada forte. A fraca relação pode ser fruto do alto nível de inclusão
financeira, ou seja, são pouco os estudantes do ISCTE-IUL que não possuem
qualquer conta bancária, tornando-se assim difícil apurar as diferenças de
conhecimento entre quem detém e que não detém uma conta à ordem. No entanto,
quem é titular de, pelo menos, uma conta bancária revela uma média de
conhecimento claramente mais elevada do que aqueles que não possuem qualquer
conta. Desta forma, a H5 que afirma que o nível de inclusão financeira está
relacionado com o conhecimento financeiro real é suportada pela evidência
encontrada.
Por fim, a H6 que afirma que o grau de familiarização com produtos de crédito
está relacionado com o conhecimento financeiro não encontrou suporte nos
resultados, pelo que é refutada e contrariando resultados de outros autores
(Mandell, 2008; Lalonde & Schmidt, 2011)
O género do aluno, característica apontada como diferenciadora do conhecimento
financeiro dos estudantes universitários por estudos como os de Chen e Volpe
(1998), Mandell (2008) e Lalonde e Schmidt (2011), segundo os resultados
apurados, não possui qualquer capacidade explicativa do conhecimento dos
estudantes. Por outro lado, também as habilitações do pai ou da mãe não estão
relacionadas com os conhecimentos dos estudantes, o que não confirma os
resultados de Mandell (2008).
5. Conclusões
A crescente preocupação dos governos com a literacia financeira das suas
populações é notória, à medida que estes tendem a aumentar a educação
financeira no seu país. A educação financeira dos cidadãos, como promotora da
literacia financeira, possui grande importância pois melhores consumidores
podem traduzir-se em melhores mercados.
Este estudo, focado nos estudantes universitários do ISCTE-IUL, conclui que
estes não possuem um nível de conhecimento financeiro satisfatório, sendo que
apresentam uma média de conhecimento, na vertente do crédito, de apenas 32,3%.
Além disso, este baixo nível de conhecimento dos estudantes não é por eles
reconhecido, ou seja, os alunos consideram que possuem um conhecimento mediano
e não baixo, como é apurado. Existe então uma sobreavaliação dos conhecimentos
financeiros, na vertente do crédito, por parte destes estudantes. Esta
sobreavaliação pode ser prejudicial na medida em que os alunos, ao terem que
tomar certas decisões financeiras, não irão procurar ajuda porque simplesmente
não a consideram necessária.
No entanto, as médias mais elevadas de conhecimento são apresentadas pelos
alunos das áreas empresariais, pelos alunos que estão neste momento a terminar
o curso e pelos estudantes que acompanham três fontes de informação
regularmente. Mas, são conhecimentos claramente insuficientes para as decisões
financeiras ao nível do crédito que vão ter que tomar nas suas vidas.
Urge, pois, tomar medidas ao nível da educação para colmatar as insuficiências
detetadas. Se os governos já estão a promover educação financeira nos níveis de
ensino mais baixos, os resultados encontrados e os resultados de outros estudos
levam a identificar a necessidade de promover a educação também na população
universitária e adulta. Ao nível da universidade a criação de competências
transversais relacionadas com as finanças pessoais pode ser uma hipótese para
melhorar os conhecimentos dos jovens. Ao nível da população adulta a solução
deverá passar pela criação de programas de educação financeira na televisão,
forma de chegar a um maior número de pessoas.
A principal limitação deste estudo prende-se com a inexistência de um conceito
comum de literacia financeira e, como consequência, de um instrumento de
medição standard (Huston, 2010). Assim, alguns estudos existentes como o de
Chen e Volpe (1998), não reproduzem nenhuma definição de literacia financeira,
cingindo-se à sua medição. Esta limitação é prejudicial aquando das comparações
entre estudos na medida em que os estudos podem medir diferentes vertentes do
conhecimento financeiro. A utilização de apenas uma dimensão das finanças
pessoais, o crédito, pode criar alguns equívocos aquando das conclusões. Não se
pode simplesmente concluir que estes estudantes são financeiramente iletrados,
quando se testa apenas uma vertente do conhecimento sobre finanças pessoais.
As limitações identificadas levam a concluir pela necessidade de se definir e
validar um instrumento de medição dos conhecimentos financeiros que seja
generalizável a qualquer população. Por outro lado, sendo a amostra deste
estudo recolhida em apenas uma instituição de ensino superior é necessário
validar os resultados através de mais estudos.