A Saúde das Mulheres em Portugal
Luísa Ferreira da Silva e Fátima Alves, A Saúde das Mulheres em Portugal,
Porto, Edições Afrontamento, 2002.
Nos países desenvolvidos, mulheres e homens evidenciam, perante a saúde,
comportamentos e representações distintos. É uma constatação recorrente para
quem reúne e interpreta indicadores estatísticos, nacionais ou internacionais,
e um problema que a literatura especializada tem vindo a equacionar e a
discutir desde pelo menos os anos 70 do século XX. Partindo de uma noção
holística de saúde, isto é, recusando a visão tradicional ou redutora que a
define exclusivamente como ausência de doença e entendendo-a, para cada
contexto particular, como um estado genérico de bem-estar físico, psíquico e
relacional das pessoas, a investigação que actualmente se faz neste domínio
apela a um diálogo activo entre ciências sociais e ciências da saúde. A
construção, interpretação e avaliação de indicadores de bem-estar (de um grupo,
de uma população) só podem beneficiar desta confluência de pontos de vista.
Pela importância explicativa que concedem ao contexto (estrutural,
institucional ou relacional) onde ocorrem as experiências quotidianas de saúde
(ou doença) e pela atenção que prestam aos universos de representações com que
os actores as interpretam, as ciências sociais são um parceiro estratégico
nesse desafio do conhecimento.
A combinação conhecida nas mulheres entre, por um lado, uma maior longevidade,
menores taxas de mortalidade em todas as idades e uma maior morbilidade
declarada (com mais sintomas, maior consumo de medicamentos e maior recurso aos
serviços de saúde — público ou privado) comparativamente aos homens oferece
justamente a ocasião de ilustrar a importância daquele diálogo com as ciências
sociais. São várias as interpretações para este paradoxo feminino de viver mais
tempo e, simultaneamente, sentir-se mais doente. A divisão social do trabalho e
os padrões de socialização conduzem as mulheres a estilos de vida com menos
stress, mais saudáveis, e isso dá-lhes uma esperança média de vida mais longa.
Contudo, dentro dos padrões tradicionais em que crescem, adquirem muito
precocemente competências relacionais, são treinadas numa atenção preocupada
com o corpo, factores que, adicionados às sobrecargas diárias da dupla tarefa,
lhes dão um sentimento de mau estar e "pior saúde". A medicalização
da função reprodutiva terá ainda vindo encorajar, por seu turno, a evidente
médico-dependência feminina.
Neste livro, Luísa Ferreira da Silva e Fátima Alves reúnem e interpretam alguns
dados estatísticos disponíveis em Portugal sobre a saúde das mulheres, tendo a
preocupação de estabelecer comparações sistemáticas com dados relativos aos
homens e de levar em conta a diversidade interna (sobretudo a introduzida pela
idade) relativa à categoria de género. Nem sempre o conseguem, aliás, dada a
natureza do sistema de registos de dados de saúde no nosso país: nem sempre a
informação é exaustiva ou consistente, permitindo estabelecer comparações no
tempo, entre regiões ou é discriminada por sexo. O desconhecimento no que
respeita à incidência e prevalência de doenças entre as mulheres continua, por
isso, a ser muito considerável.
Pelo estímulo que podem lançar à realização de investigações futuras, referimos
alguns resultados apresentados pelas autoras. O apuramento das causas de morte
por sexos revela que, entre o 1.º ano de vida e os 24 anos, a principal causa
de morte é externa — os acidentes de viação matam homens (como condutores) e
mulheres (como passageiras ou peões). Entre os 25 e os 44 anos destacam-se o
cancro, o HIV e de novo os acidentes para as mulheres, enquanto para os homens
continuam a ser predominantes as "causas externas ", acidentais ou
intencionais. Mais concretamente, entre os 15-29 e 30-34 anos, a SIDA é a
principal causa de morte das portuguesas. No intervalo entre os 45-74 anos, e
para os dois sexos, os cancros destacam- -se claramente, secundados pelas
doenças do aparelho circulatório. A partir dos 75 anos, a ordem inverte- se (p.
46). Estudos feitos em países europeus evidenciam que as mulheres activas (por
contraste com as domésticas) e as mulheres casadas (por contraste com as
solteiras) apresentam níveis mais baixos de mortalidade (pp. 48-49). O aborto
clandestino foi responsável por um terço das mortes maternas em Portugal em
1995 e 1996 (p. 55). Aumenta a tendência feminina para a obesidade e para a
anorexia, em especial entre as estudantes do ensino superior (p. 123). Cresce
entre as jovens o consumo das drogas e o do tabaco (p. 129); aumenta nas
mulheres portuguesas a mortalidade por doenças do aparelho respiratório (p.
113).
Deste percurso resulta, assim, o traçado de um panorama genérico sobre saúde e
género em Portugal, útil a quem pretenda ter um primeiro retrato, à superfície,
do tema. Tratando- se de um texto pensado para um grande público instruído,
haveria algumas objecções a fazer: as figuras e os quadros que o ilustram
podiam ser mais claros, graficamente mais atractivos, legendados com maior
rigor. Teria sido desejável neles incluir sempre uma referência explícita à
União Europeia.
Ana Nunes de Almeida