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EuPTHUHu0003-25732006000100016

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National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolHumanities
Great areaHuman Sciences
ISSN0003-2573
Year2006
Issue0001
Article number00016

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Globalização, Transnacionalismo e Novos Fluxos Migratórios dos trabalhadores convidados às migrações globais Stephen Castles, Globalização, Transnacionalismo e Novos Fluxos Migratórios dos trabalhadores convidados às migrações globais, Lisboa, Fim de Século, 2005.

Marzia Grassi

O livro recolhe seis artigos publicados em inglês por Stephen Castles entre 2001 e 2003 em revistas internacionais, no caso dos dois primeiros, e em obras colectivas sobre o tema das migrações e do multiculturalismo, nos outros casos.

O sugestivo subtítulo desta recolha enuncia desde logo que a tónica do autor recai sobre as relações de poder que atravessam os países do globo e que definem o tecido social no qual as pessoas se movimentam.

Os temas das migrações e do multiculturalismo na Europa, Austrália e Ásia acompanham toda a carreira de Stephen Castles, sociólogo, docente na Universidade de Oxford, em Londres, director do Centro de Estudos dos Refugiados e membro da Rede de Excelência Europeia. As reflexões apresentadas baseiam-se, portanto, numa longa experiência de trabalho empírico sobre aquela a que o próprio autor chama a «era das migrações», uma era cheia de desafios, de complexidades sociais emergentes e de mudança da referência espacial o estado-nação , cuja construção parece ser cada vez mais suplantada por uma consciência transnacional, multicultural e global.

O incipit da p. 7 situa as migrações internacionais como um factor de mudança social no mundo contemporâneo e sublinha que esta não é uma novidade, uma vez que ao longo da história da humanidade este factor esteve presente e foi determinante em vários momentos, como a partir do século xvi, quando a emigração para as colónias se tornou um elemento fundamental para a construção dos impérios europeus, ou a emigração laboral para os EUA do século XIX. É logo na introdução que o autor fala de Portugal, país de emigração, e das mudanças recentes que tornaram este país um país de acolhimento. E ele explica que o que acontece a partir dos anos 80 do século XX é a inversão dos fluxos migratórios históricos, que faz com que a maioria dos países seja hoje em dia quer um país de emigração, quer um país de acolhimento. A rapidez do fluxo também constitui uma novidade, cuja responsabilidade é atribuída ao modelo económico globalizado e à governação à escala global, que provocam o aumento das desigualdades sociais entre países e continentes (p. 8).

O objectivo deste livro é explicado pelo autor (p. 12) e prende-se com a necessidade de oferecer aos leitores uma síntese dos assuntos actuais relativos às migrações internacionais.

O capítulo 1, «As migrações internacionais no limiar do século XXI: questões e tendências globais», foi publicado pela UNESCO num número especial do International Social Science Journal. Discutem-se aqui as principais definições e conceitos que são usados para definir os vários tipos de movimentos migratórios. O autor alerta para a falta de objectividade que as definições apresentam, uma vez que a maioria das vezes resultam de políticas estatais que visam objectivos políticos e económicos ou obedecem à necessidade de controlar reacções públicas num contexto internacional ainda dividido em Estados-nações, «em que permanecer no país de nascimento é ainda visto como norma e mudar-se para outro como um desvio» (p. 18). É esta a razão, segundo Castles, pela qual o tema das migrações é tratado quase sempre como «problema», como algo que tem de ser controlado e limitado. Os Estados exercem este controlo dividindo os migrantes internacionais em categorias cada vez mais diferenciadas. Se, por um lado, estas categorias tendem a abandonar critérios raciais ou étnicos, por outro lado, as políticas de selecção assentam cada vez mais em critérios económicos, sociais e humanitários «que incorporam enviesamentos raciais e étnicos inconscientes [ ] como nos casos em que se utilizam «as qualificações, o conhecimento da língua, a posse de capital ou as previsões acerca da capacidade de adaptação» (p. 21).

O autor considera as migrações internacionais uma parte integrante da globalização e expõe as causas do movimento migratório no contexto da disparidade dos níveis de rendimentos, emprego e bem-estar social à escala global e lembra aqui que a literatura económica sobre esta questão difere em relação ao tipo de abordagem teórico que se utiliza, o que faz com que a relação entre migrações e desenvolvimento assuma, por exemplo, contornos complexos difíceis de se categorizarem fora da análise de casos específicos.

Contudo, o autor afirma, com base num estudo das NU de 1998, que os países em desenvolvimento têm maiores probabilidades de originarem fluxos de emigração, sendo que estes têm tendência a diminuir quando os rendimentos aumentam (p.

23). O capítulo fornece ainda informações sobre as tendências históricas das migrações internacionais e sobre o volume do stockde imigrantes nas principais regiões do globo. Tudo isso com base nos dados corroborados pelas NU, que sustentam a discussão sobre a importância do fluxo migratório em termos do desenvolvimento dos países de origem dos migrantes, quer de um ponto de vista estritamente económico (remessas e integração no sistema económico mundial), quer de um ponto de vista do aumento do capital social capitalizado nas redes sociais que garantem a cooperação entre países emissores e países receptores de migrantes. A parte final do capítulo aborda as questões identidárias que acompanham as migrações internacionais e que poderão estar na base da construção de uma sociedade verdadeiramente multicultural onde exista o respeito e o aproveitamento das diferenças entre as culturas. Uma sociedade que, segundo Stephen Castles, põe em causa a forma como o Estado-nação se desenvolveu a partir do século xviii, noção esta que a maioria das vezes é fictícia e resulta de uma construção da elite dominante (p. 40). O capítulo conclui apontando a necessidade de ligar as migrações a estratégias de desenvolvimento sustentável, uma vez que a globalização conduz inevitavelmente à cidadania multicultural.

No capítulo 2, «Migração e formação de comunidades no contexto da globalização», publicado na revista International Migration Review do Centre for Migration Studies, de Nova Iorque, o autor propõe-se repensar as dinâmicas do processo migratório à luz dos diversos modelos de integração social dos imigrantes. O assunto central deste capítulo é a emergência de comunidades transnacionais que desafiam as abordagens tradicionais sobre o tema migratório, assunto retomado em detalhe no capítulo 3, «Comunidades transnacionais: uma nova forma de relações sociais no contexto da globalização». O autor indica a existência de «factores poderosos inerentes à globalização que têm vindo a enfraquecer os modos tradicionais de controlo dos fluxos migratórios e das mudanças sócio-culturais associadas» (p. 45). A falta de novidade histórica apontada no primeiro ensaio, ao entender as migrações como «factor sistémico da globalização», é aqui reiterada e o autor aponta que a partir dos anos 90 o que de novo é simplesmente uma mudança de percepção, «uma expressão renovada do papel sistémico» que elas sempre tiveram desde o século XVI, data que indica como o início do mercado mundial. A novidade, segundo Stephen Castles, prende- se sobretudo com a emergência de uma sociedade multicultural que nem políticos nem académicos tinham previsto, no caso destes últimos devido ao fechamento disciplinar e paradigmático das abordagens utilizadas e à influência generalizada de modelos nacionais fechados. Quanto aos políticos (pp. 47-48), o autor acha que estes têm encarado as migrações com uma abordagem que o controlo transfronteiriço como um elemento central da ideia de soberania, «algo que se poderia fechar e abrir como uma torneira» de acordo com os interesses nacionais. O autor apresenta ainda nos dois capítulos alguma perspectiva sobre o volume e o significado das migrações no mundo actual, as suas causas e tipologias, com vista a questionar a formação de comunidades no contexto da globalização, o que dependerá em grande parte dos modelos de incorporação adoptados pelos países de acolhimento. E conclui apontando a necessidade de pensar politicamente acerca da forma transnacional de participação democrática «não para os membros das comunidades transnacionais, mas para todos os cidadãos afectados pela rápida mudança dos espaços onde se exerce o poder político» (p. 92).

Nos capítulos 4, 5 e 6 são discutidos casos específicos regionais. O capítulo 4, «Migração laboral, comunidades transnacionais e estratégias estatais no extremo oriente», apresenta o tema do aumento do fluxo migratório laboral entre países menos desenvolvidos com reservas de mão-de-obra e os NIC (news industrialized countries) asiáticos. Nestas regiões os países de acolhimento dos migrantes continuam a considerar este tipo de migrações uma situação temporária e não têm acompanhado o aumento dos fluxos migratórios com o enquadramento legal dos direitos dos imigrantes. O enfraquecimento do Estado- nação e a emergência do multiculturalismo à escala planetária faz com que Stephen Castles se pergunte sobre a sustentabilidade deste vazio legal no futuro próximo e sobre a necessidade de reconhecimento dos direitos de cidadania às comunidades transnacionais que o aumento do fluxo migratório origina. O autor acha que isto não será para breve, uma vez que «as elites da região Ásia-Pacífico recusam aceitar que a migração da mão-de-obra conduzirá a alguma fixação e à formação de comunidades» (p. 129), e prevê, por isso, a emergência de movimentos separatistas, de conflitos e de custos humanos elevados.

O capítulo 5, «O multiculturalismo na Austrália», aborda o caso específico deste continente, actualmente com 40% de população imigrante ou filhos de imigrantes, que desde 1945 «tem vindo a transformar-se de uma sociedade monocultural que excluía os imigrantes não europeus para uma das sociedades com a maior diversidade cultural em todo o mundo» (pp. 131-132). O multiculturalismo neste continente tem sido um factor político muito importante e recentemente alvo de controvérsia perante a concretização de medidas de rejeição a curto prazo das políticas multiculturais. Neste capítulo o autor faz a história da emergência da sociedade multicultural na Austrália e continua a colocar questões de identidade e poder relacionadas com o multiculturalismo e conclui sublinhando a necessidade de redefinição das políticas públicas e do debate sobre o multiculturalismo.

O sexto e último capítulo do livro, «Transformações ambientais e migrações forçadas», discute as questões das migrações forçadas e a medida em que o seu aumento tem sido influenciado pelos desastres naturais e pelas catástrofes provocadas pelo homem. Esta relação entre ambiente e migrações, que tem gerado muita literatura, parece não ter para este autor uma relação directa, e Stephen Castles apresenta aqui algumas críticas a esta interpretação, apontando para as estratégias de adaptação que se instauram logo que o desastre ambiental se verifique. Considera que os problemas ambientais não determinam directamente o aumento do fluxo migratório, sendo, pelo contrário, um fenómeno estratégico estrutural dos países que originam os fluxos ligados à sua estrutura económica e social. E, a sustentar a sua opinião, fornece números que comprovam a temporariedade de migrações em massa originadas por desastres ambientais naturais. é dedicado um parágrafo inteiro ao programa indonésio transmigrasi,como exemplo das complexas ligações existentes entre ambiente, conflito e deslocamentos.

Ao longo de todos os capítulos, o autor admite que o actual movimento migratório internacional pode provocar efeitos irreversíveis quanto à articulação entre a sociedade civil e o Estado e é da opinião de que as migrações forçadas são indissociáveis das relações de poder global e das clivagens entre hemisférios, tornando-se necessário que sejam desvendadas as suas causas profundas e complexas, de maneira a esclarecerem a dimensão da crise que força as pessoas a abandonarem as suas terras (p. 179).

É assim que se pode concluir dizendo que, embora o público estritamente académico a trabalhar nesta área supostamente conhecesse os artigos na sua versão original, o objectivo do livro foi amplamente atingido, uma vez que a tradução apresenta uma linguagem simples e acessível a um público vasto e diferenciado. Uma síntese importante, às vezes repetitiva, sobre uma temática de extremo interesse no actual mundo global que necessita de aprofundamento na sociedade portuguesa.


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