Quem lidera os governos europeus? A carreira dos primeiros-ministros (1946-
2006)
Quem lidera os governos europeus? A carreira dos primeiros-ministros (1946-
2006)**
Nuno Guedes*
Este artigo tem como objectivo perceber quem são os primeiros-ministros
europeus, reflectindo ainda sobre a influência que os contextos institucionais
e partidários exercem sobre os seus perfis. As conclusões indicam que
diferentes configurações institucionais das democracias influenciam de forma
diversa as carreiras dos líderes de governo. Pelo contrário, as ideologias dos
partidos, principais gatekeepers das elites políticas, não parecem afectar de
forma significativa o perfil dos primeiros-ministros.
Palavras-chave: elites; regimes; partidos; política comparada.
Who are the European leaders? The careers of prime ministers (1946-2006)
This article seeks to understand who the European prime ministers are, as well
as to ascertain how institutions and parties can influence their profiles. The
findings show that the different institutional organizations of democracies
exert diverse influences upon their careers. On the contrary, the ideologies of
the parties, the key gatekeepers of the political elite, do not significantly
affect the profile of prime ministers.
Keywords: elites; regimes; parties; comparative politics.
Introdução
Apesar da longa tradição de estudos empíricos sobre elites nacionais isoladas,
as comparações internacionais, sobretudo na Europa, são raras (Best e Cotta,
2000, pp. 1-3; Almeida et al., 2006, pp. 16-17). Em áreas importantes do estudo
das elites, as teorias continuam muitas vezes a ser generalizações e
"palpites plausíveis", num campo decisivo para perceber os processos
de mobilização e integração social e política, em que são necessárias as
comparações culturais e de longa duração. Só elas permitem conclusões mais
alargadas sobre um tema em que, apesar das dúvidas, há quem defenda que
"quem governa faz, de facto, a diferença" (Putnam, 1976, pp. ix-x;
Jones, 1991a; Rose, 1991; Hibbing, 2002; Best e Cotta, 2000, pp. 1-3; Almeida
et al., 2006, p. 232).
Fundamentais nos sistemas políticos europeus, os primeiros-ministros não são,
contudo, todos iguais: na importância e poder que reúnem (Rose e Suleiman,
1980; Müller et al., 1993; King, 1994; Elgie, 1997; Lijphart, 1999, pp. 113-
115; Poguntke e Webb, 2005, pp. 5-6; O'Malley, 2007), mas também no percurso
que fazem até atingirem aquele que é, em quase todos os países europeus, o topo
de uma carreira política (Jones, 1991a). Como salienta Norris (1997, p. 3), não
existem qualificações necessárias para se ser político.
Sendo difícil medir o poder do primeiro-ministro, que varia muito conforme o
país, mas também de acordo com a conjuntura e personalidades, as dúvidas são
poucas quanto à sua grande influência enquanto membro da elite que, por norma,
mais pode afectar as políticas. Nos media e para a população é ele a figura
política cimeira da maioria dos países europeus, numa personificação ou
"presidencialização" que será crescente (Rose e Suleiman, 1980;
Jones, 1991b; Pasquino, 2005a, p. 312; Poguntke e Webb, 2005).
As perguntas que orientam este trabalho são as tradicionalmente colocadas no
estudo das elites (Almeida et al., 2006, p. 15), mas aplicadas aos chefes dos
governos europeus, quase sempre identificados pelo título de primeiro-ministro.
Quem são? Quais as suas credenciais e perfil social? Como são escolhidos e qual
a trajectória na ascensão a este cargo de poder? No entanto, vamos mais longe.
Partindo do pressuposto de que as instituições contam (Rose, 1991; Rothstein,
1996; Norris, 1999; March e Olsen, 2005), tentamos perceber de que forma estes
perfis e carreiras podem ser influenciados por uma série de diferenças nas
"regras do jogo" dos sistemas políticos. Ou seja, na forma como estão
organizadas as democracias. Depois, e seguindo a evidência de que, além dos
constrangimentos fornecidos pelas instituições, os partidos são os principais
gatekeepers do recrutamento e lideranças políticas (Norris, 1997; Davis, 1998),
tentamos perceber se as diferenças entre estas forças políticas também afectam
os primeiros-ministros.
Para responder às perguntas colocadas utilizamos uma das estratégias
científicas básicas de pesquisa no estudo dos sistemas políticos para descobrir
relações empíricas entre variáveis: o método comparativo numa análise
estatística (Lijphart, 1971; Jones, 1991a; Pasquino, 2005b, pp. 21-26).
Apesar das limitações do método, a comparação entre um vasto número de países
(os 15 que até 2004 compunham a União Europeia) tem a vantagem de permitir
generalizações "além-fronteiras", obtendo um leque mais vasto de
informações sobre o assunto em estudo
1
. Podemos perceber, por exemplo, as influências do sistema de governo e,
eventualmente, explicar e prever os acontecimentos políticos (Lijphart, 1971;
Bahry, 2002). Como salienta Rose (1991), comparar primeiros-ministros de vários
países fornece uma nova dimensão na compreensão do cargo.
Apesar das grandes diferenças de funcionamento interno entre Estados, os 15
países aqui estudados fazem parte de um mesmo sistema político, e são
democracias consolidadas e comparáveis, em que todos os chefes do executivo são
responsáveis perante a legislatura.
Complexa e imprevisível, a selecção dos líderes é um processo essencial na
democracia representativa (Davis, 1998; Winter e Dumont, 2006). Na comparação
com outros estudos sobre elites (deputados e ministros), a análise dos
primeiros-ministros apresenta a particularidade de se cingir a uma pessoa que
numa determinada época ocupa um cargo de topo no contexto das elites e
carreiras políticas, num processo de recrutamento que selecciona apenas um de
entre milhões de potenciais candidatos.
Os primeiros-ministros europeus: características e carreiras
Os dados recolhidos ajudam a perceber quem lidera os governos europeus
2
. O primeiro indicador (v. quadro n.º 1) foi o género dos primeiros-ministros.
Mais uma vez, é visível a fraca representação feminina na política, mas que
neste caso parece ser ainda mais baixa do que noutros cargos de menor
importância. Apenas 4 de 10 países analisados registaram um líder do sexo
feminino nos últimos sessenta anos. E sempre, apenas, por uma vez: Pintasilgo
(1979-1980), Thatcher (1979-1990), Cresson (1979-1980) e Merkel (2005- ).
[Quadro_n.º_1]
Nas variáveis sociais que apresentamos não foi possível incluir os países
nórdicos, tradicionalmente associados a uma maior presença das mulheres. Mas os
dados analisados à margem da base de dados não mostram, também aí, uma presença
significativa neste cargo. Aliás, apenas detectámos um caso: Anneli
Jååtteenmåki, que em 2003 chegou a primeira-ministra da Finlândia.
Na idade, em 7 dos 10 países estudados, a média da primeira tomada de posse
está entre os 50 e os 59 anos. As novas democracias da Europa do Sul ficam à
margem deste grupo: em Portugal e Espanha a média etária situa-se nos 40 anos e
na Grécia acima dos 60.
A terceira análise incidiu sobre a formação académica dos líderes de governo.
Os resultados mostram, em primeiro lugar, que, tal como entre os deputados
(Best e Cotta, 2000) e os ministros europeus (Almeida et al., 2006), a
existência de uma formação académica superior é uma marca distintiva de quase
todos os líderes de governo, atingindo os 92%. Portugal, a Espanha e a Grécia
destacam-se de novo por uma maior predominância da educação universitária:
todos os primeiros-ministros são licenciados.
Mais de metade dos líderes europeus (55%) são formados em Direito. Schröder,
Kreisky, Verhofstadt, Aznar, Balladur, Papandreou, Santer, Sá Carneiro ou Blair
são algumas das muitas personalidades licenciadas nesta área. Se entre
parlamentares europeus há um declínio do número de juristas nos últimos anos
(Best e Cotta, 2000), nos primeiros-ministros essa tendência não se sente.
A categoria "Economia, Finanças ou Gestão" reúne 13% dos líderes de
governo: Erhard e Schmidt na Alemanha; Vranitzky e Klima na Áustria; Barre,
Cresson e Raffarin em França; Simitis na Grécia; Cavaco Silva em Portugal.
Na categoria "Outra(s)", com valores na ordem dos 29%, encontram-se
várias áreas de formação académica. Algumas repetem-se, como as licenciaturas
em História (Sinowatz na Áustria e Bidault em França) ou em Ciências Políticas
e Sociais (Schmidt na Alemanha, Leburton na Bélgica e Werner no Luxemburgo). As
licenciaturas em letras também surgem com alguma frequência, mas sobretudo em
França (Mollet, Pompidou, Messmer e Rocard).
Nos países em que a categoria "outra" formação é mais elevada, as
razões devem-se, sobretudo, às dificuldades na classificação de algumas áreas
de estudo. É o caso, nomeadamente, do Reino Unido, com personalidades que
estudaram Philosophy, Politics, and Economics(Wilson e Heath), um curso típico
das universidades de Oxford e Cambridge; e também da V República francesa, com
vários líderes de governo em que as biografias apenas referem (sem indicação da
área) a formação no Institut d'Études Politiquese/ou na Ecole National
d'Administration.
Depois, há áreas académicas que apenas surgem uma vez entre os primeiros-
ministros europeus analisados, como a Matemática (Valera), a Medicina
(Queuille), a Física (Merkel) e a Química (Thatcher). À semelhança do que foi
verificado por outros estudos sobre líderes ocidentais (Hira, 2007), os
militares, como de Gaulle e Churchill, tenderam a desaparecer. Quanto à
formação em Engenharia, esta ocorre sobretudo em Portugal (Nobre da Costa,
Pintasilgo, Guterres e Sócrates) e está presente apenas em sete das
personalidades observadas.
Na profissão, a advocacia é, naturalmente, a mais comum entre os primeiros-
ministros (27%). As percentagens mais baixas ocorrem em países
semipresidenciais e a V República francesa é o único caso em que os advogados
não estão presentes, depois de ter sido a profissão mais representada até 1958.
Muitos dos novos líderes gauleses têm uma forte carreira ligada a altos cargos
na administração pública (Debré, de Murville, Chaban-Delmas, Chirac, Fabius,
Rocard, Juppé, Jospin ou Villepin), mas também, em alguns casos, à vida
empresarial.
Os dois países com mais primeiros-ministros com um passado de
"administrador de empresas ou empresário" têm, aliás, regimes
semipresidenciais a Áustria (Raab, Vranitzky e Klima) e a V República
francesa (Pompidou, Cresson, Bérégovoy, Balladur e Raffarin). Ao todo, 16% dos
primeiros-ministros dos dez países analisados inserem-se nesta categoria, numa
percentagem um pouco superior à de 9% de "homens de negócios", na
elite ministerial da Europa ocidental (Almeida et al., 2006, pp. 237-238).
Os dados sobre as profissões dos líderes de governo distanciam-se dos que
podemos encontrar, por exemplo, para a elite parlamentar europeia, em que as
profissões ligadas ao universo operário, mas também as relacionadas com os
gestores e com os empresários, são minoritárias ou mostram declínio. Esta
tendência é particularmente visível entre os advogados, personificando a
diminuição do chamado free political entrepreneur nos parlamentos, o qual tem
vindo a ser substituído pelo "político profissional", hoje dominante.
Na maioria dos países, os empregados dos serviços (sobretudo os do sector
público e particularmente os professores)dominam as legislaturas (Cotta e
Almeida, 2007), factos que, segundo Best e Cotta (2000), indicariam que um
elevado estatuto social deixou de ser um recurso essencial numa carreira
política.
Nas profissões menos comuns dos primeiros-ministros, incluídas na vasta
categoria "Outra(s)" (com 46%), mas ainda relativamente frequentes,
destacam-se os docentes, quase sempre universitários: por exemplo, Eyskens na
Bélgica, Zapatero em Espanha, Pompidou e Barre em França, Papandreou na Grécia,
Durão Barroso em Portugal ou Wilson no Reino Unido.
Quanto às ocupações mais raras, citemos os casos de Merkel, cientista,
Queuille, médico, Ahern, contabilista, e Major, bancário. Casos curiosos dizem
respeito a algumas profissões detectadas no Norte da Europa, com primeiros-
ministros agricultores e com origens em partidos por vezes classificados como
da família agrária _ Kristensen e Eriksen, do dinamarquês Liberal Party, e
Fålldin, do sueco Center Party.
Para terminar, uma nota sobre a categoria dos líderes de governo "sem
registo" de qualquer profissão, ou seja, sobre os 11% de personalidades
que apenas estão associadas ao desempenho de funções políticas. Embora não
tenha sido possível contabilizar o tempo de carreira profissional de todos os
primeiros-ministros, os dados recolhidos apontam para um percurso que tende a
ser curto.
Passando para o perfil e carreira política dos primeiros-ministros (v. quadros
n.os 2, 3 e 4), comecemos pelos primeiros-ministros sem filiação partidária. Os
números revelam que estes são raros e apenas surgiram em 5 dos 15 países
analisados. Destes Estados, apenas dois são parlamentares Grécia (Gravis e
Zolotas) e Itália (Ciampi, Dini e Amato) , contra três semipresidenciais
Finlândia (Paasikivi, Tuomioja, von Fieandt e Lehto), França (Barre) e Portugal
(Nobre da Costa, Mota Pinto e Pintasilgo). Ao todo, apenas 13 primeiros-
ministros (de um total de 251) que tomaram posse nos últimos sessenta anos eram
independentes. Vale a pena realçar outro pormenor relevante e que vai ao
encontro das conclusões de Neto e Strom (2004) para os ministros: nenhum destes
casos ocorreu numa das sete monarquias parlamentares incluídas na análise.
Perfil e carreira política dos primeiros-ministros
(em percentagem)
[Quadro_n.º_2]
(a) Ao contrário dos outros
elementos de caracterização
do perfil e carreira dos
primeiros-ministros, em
relação a estas três
variáveis voltamos a
contabilizar as
características de uma
determinada personalidade
cada vez que ela regressa ao
cargo, mesmo depois de um
período de interregno.
(b) Aquando da tomada de
posse.
Fonte:V. quadro_n.º1.
Tempo médio dos primeiros-ministros no parlamento e no governo
[Quadro_n.º_3]
(a) Na contagem do tempo que
uma determinada personalidade
passou no parlamento
retirámos os anos em que essa
função é acumulada com um
cargo governativo, situação
possível na maioria dos
países em análise.
Fonte:V. quadro_n.º_1.
Carreira parlamentar e governativa dos primeiros-ministros
(em percentagem)
[Quadro_n.º_4]
(a) Indicador que usámos para
definir uma carreira política
tradicional ou não.
Fonte: V. quadro_n.º_1.
Os dados mostram ainda que 50.4% dos primeiros-ministros eram líderes do seu
partido aquando da tomada de posse. No entanto, é de constatar a existência de
grandes diferenças entre países. No Reino Unido, na Dinamarca e na Suécia todos
os líderes de governo perfilhavam essa característica, enquanto nos casos da
Bélgica, da França IV e V, do Luxemburgo, da Finlândia e da Itália essa
característica era minoritária.
O quadro_n.º_2 apresenta ainda o tempo médio que os primeiros-ministros se
mantêm nesse cargo
3
. Os números reafirmam as grandes diferenças entre os sistemas políticos
europeus, com países cujos líderes são muito estáveis (seis a oito anos de
mandato médio na Alemanha, Áustria, Espanha, Luxemburgo e Suécia) e outros em
que isso claramente não se verifica (IV República francesa, Itália e
Finlândia).
Os dados mostram também que 80% dos primeiros-ministros analisados passaram
pela legislatura antes de chegarem ao cargo, facto que reforça a ideia de que a
elite parlamentar é crucial nas democracias europeias. Não por acaso, as
eleições legislativas são consideradas um teste político fundamental para as
elites e os parlamentos continuam a ser o principal canal para uma carreira
governamental. Na Europa ocidental, 75% dos ministros têm experiência como
deputados (Best e Cotta, 2000, pp. 8 e 493; Almeida et al., 2006, p. 236).
No entanto, os quatro quintos de primeiros-ministros que foram deputados
apresentam grandes diferenças entre si. Estas dizem respeito quer à duração dos
seus mandatos como deputados, que variam entre um e trinta e quatro anos (como
no caso do belga Camille Huysmans), quer ainda às médias nacionais deste
fenómeno, que oscilam entre os 2,3 anos no Luxemburgo aos 17,3 no Reino Unido,
país onde não raras vezes são necessários vinte anos na legislatura antes de se
chegar a primeiro-ministro Churchill, Macmillan e Callaghan
4
. Com excepção deste país, essa barreira apenas foi ultrapassada quatro vezes:
Mitsotakis na Grécia, Schuman na IV República francesa, Huysmans na Bélgica e
Cosgrave na Irlanda (caso único num regime semi-presidencial).
O quadro_n.º_3 revela que os primeiros-ministros dos regimes parlamentares
apresentam uma carreira mais longa na legislatura, ao contrário do que sucede
nos regimes semipresidenciais. O Luxemburgo, no primeiro caso, e a Irlanda, no
segundo, são as excepções a esta tendência. Um dos casos mais curiosos é, mais
uma vez, a França, que viu o tempo médio no parlamento reduzir-se para metade
da IV para a V República.
Os números relativos ao tempo médio passado no governo não revelam tendências
tão evidentes como o percurso na legislatura, apesar das grandes diferenças
entre os países. Outro dado parece certo: a presença prévia no executivo como
secretário de Estado ou, sobretudo, como ministro parece ser um requisito quase
imprescindível para se chegar a primeiro-ministro (85,5% tinham essa
experiência). O tempo médio no desempenho destas funções (5,3 anos) é, no
entanto, menor do que aquele que se apurou para o exercício de cargos
parlamentares (8,5 anos).
Os políticos que chegam a primeiro-ministro sem qualquer experiência no governo
ou no parlamento são muito raros e ocorreram, sobretudo, com os primeiros
líderes de um novo regime Adenauer na Alemanha e Figl na Áustria. Muito
próximo do presidente Charles de Gaulle, Pompidou é um caso único que foge a
esta norma.
A análise seguinte (v. quadro_n.º_4), apesar de pouco comum, pretende perceber
se os líderes de governo evidenciam aquilo a que podemos chamar uma carreira
política "tradicional", seguindo a ideia comprovada de que o
parlamento é o principal "viveiro" dos governos europeus. A ser
assim, o percurso comum de um primeiro-ministro deverá passar primeiro pelo
cargo de deputado e só depois pelo de governante, como secretário de Estado ou
ministro. Os resultados mostram que para 65% dos líderes de governo é este o
caminho realizado. No entanto, para quase um terço (31%) o percurso é o
inverso.
As percentagens mostram também que três dos quatro países onde esta carreira
política "menos tradicional" ocorreu com mais frequência têm regimes
semipresidenciais: Áustria, V República francesa e Portugal. No outro extremo
encontra-se a Irlanda, que apresenta um resultado igual ao do Reino Unido, com
todos os líderes de governo a passarem primeiro pela legislatura e só depois
pelo executivo.
Analisando-se os dados relacionados com o último cargo ocupado pelos primeiros-
ministros antes da sua nomeação, verificou-se que 40% eram legisladores e 46%
governantes. A Alemanha constitui uma excepção, uma vez que metade dos seus
primeiros-ministros assumia antes a liderança de municípios (Adenauer e Brandt)
ou de um governo regional (Kiesinger e Schröder). Portugal também se destaca
por uma elevada percentagem de primeiros-ministros que não vêm directamente do
governo ou do parlamento, o que se deve sobretudo aos três executivos de origem
presidencial, liderados por independentes
5
.
Quanto à detenção de um cargo de liderança de um grupo de interesses, os dados
mostram que esta é uma característica pouco comum nos líderes de governo (16%).
Além disso, é nos países onde existem, por norma, organizações partidárias mais
fracas (França, Espanha, Grécia, Portugal e Irlanda) que se encontram
percentagens mais baixas ou nulas de primeiros-ministros com este tipo de
antecedentes. Pelo contrário, as taxas mais altas surgem em países do Centro da
Europa. A liderança de um grupo de interesses registou-se, sobretudo, no caso
das juventudes partidárias. Mais raros são os primeiros-ministros com a
liderança sindical no currículo.
Carreira política dos primeiros-ministros: percursos menos comuns
(em percentagem)
[Quadro n.º 5]
Fonte: V. quadro_n.º_1.
Os últimos dados do quadro n.º 5 relacionam-se com a divisão do poder dentro de
um país. Como esperado, a maior percentagem de primeiros-ministros com
carreiras marcadas pela liderança regional encontra-se na Alemanha (50%),
principal exemplo europeu de um Estado federal Adenauer, Kiesinger, Kohl e
Schröder. Além destes, há outros chanceleres com uma carreira nos lånders,
mesmo que não chegando à sua liderança: Erhard e Schmidt. Na média dos países
europeus esta experiência é, no entanto, residual: 7%.
A liderança de um município é uma característica que se encontra em 20% dos
primeiros-ministros, mas com percentagens significativamente diferentes entre
países. Ocorre com mais frequência nos dois regimes franceses, país conhecido
pela tradição municipal.
A influência das instituições
A par das diferenças encontradas entre os primeiros-ministros europeus,
tentámos perceber até que ponto as regras que organizam e distinguem as
democracias são importantes no recrutamento destes líderes.
Existem várias formas de organizar e governar uma democracia. As suas
instituições podem relacionar-se de formas muito diferentes (Elgie, 1997, p.
218; Lijphart, 1999). Às duas modalidades clássicas de regime (presidencial e
parlamentar) juntou-se, nas últimas décadas, apesar da polémica sobre o
conceito, o semipresidencialismo. Segundo vários autores, as democracias da
União Europeia são de tipo parlamentar ou semipresidencial.
Visto como um dos três principais componentes dos sistemas políticos (Pasquino,
2005b, pp. 15-16), o regime deve ser necessariamente analisado para se
compreender o funcionamento da democracia. No parlamentarismo e no
semipresidencialismo é necessário ter atenção não apenas à relação legislatura-
governo, mas também à relação entre os três órgãos de soberania política:
legislatura-governo-chefe de Estado (Woldendorp et al., 2000; Lobo, 2005, p.
50).
Relação entre os principais componentes de uma democracia parlamentar ou
semipresidencial
[Figura N.º1]
As setas tracejadas da figura anterior reflectem uma relação que pode ser mais
ou menos necessária em determinados sistemas políticos entre a legislatura ou o
governo e o chefe de Estado.
A ligação entre o chefe do executivo e a legislatura é um aspecto fundamental
do parlamentarismo: a sua nomeação e o respectivo governo dependem apenas do
parlamento (Lijphart, 1999, pp. 117-124; Pasquino, 2002, pp. 238-241).
Ao contrário dos regimes parlamentares, em que o chefe de Estado (presidente ou
monarca) não é eleito pelo voto popular, no semipresidencialismo - uma forma de
governo mista - existe um presidente eleito directamente para um mandato fixo
que coexiste com um primeiro-ministro e um governo responsáveis perante o
parlamento (Elgie, 1999).
Uma das consequências do regime no recrutamento político foi detectada
recentemente (Almeida e Cho, 2003; Neto e Samuels, 2003; Neto e Strom, 2004): o
poder dos presidentes dos regimes semipresidenciais aumentará o número de
ministros independentes, numa eterna disputa entre o chefe de Estado e a
legislatura pelo controlo do executivo.
O potencial de conflito na composição do governo existe porque no semi-
presidencialismo a legislatura e o presidente têm legitimidades eleitorais
diferentes. Sobretudo, se o chefe de Estado tiver mais poderes formais ou
informais, nomeadamente, na liberdade de escolher um primeiro-ministro. O
presidente surge como um poder extra, à parte, legitimado directamente pelo
eleitorado. Em vários países, ele é alguém de quem o governo depende, ao
contrário do que sucede no parlamentarismo, em que essa dependência se dá
apenas em relação à legislatura. Estes factores determinariam uma espécie de
"negociação" entre o primeiro-ministro e o presidente na escolha dos
ministros.
A hipótese que apresentamos relaciona as características e carreiras dos
primeiros-ministros com os dois regimes que marcam a democracia europeia. No
entanto, além da falta de ligação partidária detectada nos ministros,
argumentamos que, paralelamente, os líderes do semipresidencialismo podem não
apenas ter tendência para ser mais vezes independentes como apresentar um
perfil menos político (normalmente associado a uma longa carreira no parlamento
e aos juristas) e mais técnico (ligado a outros percursos e formações
académicas ou profissões)6.
Apesar da organização constitucional semelhante, existem grandes diferenças
entre países classificados como parlamentares ou semipresidenciais, pelo que
acrescentámos à análise uma série de outras variáveis que espelham outros
aspectos da organização da democracia em cada um dos Estados analisados: o
poder do chefe de Estado; o poder do parlamento; o poder do líder de governo; o
número médio efectivo de partidos no parlamento; o número de partidos no
governo; a organização territorial do poder.
A análise (v. quadro n.º 6) apresenta resultados que confirmam várias
tendências esperadas, nomeadamente as relacionadas com o regime. No entanto,
mais do que este, são outras características internas do seu funcionamento que
mais afectam o recrutamento dos líderes de governo: os poderes do parlamento e
os do chefe de Estado. Quando um apresenta uma tendência, o outro apresenta-
a em sentido contrário.
Mais poderes da legislatura significam _ tal como de forma menos vincada os
regimes parlamentares _ uma carreira mais longa e mais relevante do primeiro-
ministro enquanto deputado, além de uma maior presença de advogados na
liderança do governo, mais líderes partidários e uma maior longevidade do
próprio à frente do executivo. Pelo contrário, o maior poder do chefe de Estado
traça tendências de sentido oposto a estas, mais parecidas com as dos regimes
semipresidenciais.
Ao quadro seguinte acrescentámos ainda os resultados das correlações com a
variável "poder" do primeiro-ministro, que, não podendo ser
considerada totalmente independente (devido à forma como foi construída por
King, 1994), apresenta resultados esperáveis: líderes de governo com mais poder
tendem a manter-se mais tempo no cargo e a ser mais vezes líderes partidários.
Correlações entre variáveis institucionais e características dos líderes de
governo
[Quadro_n.º_6]
(a) Neste e noutros quadros,
as respostas "sim"
e "não" a variáveis
dicotómicas correspondem aos
valores 1 e 0,
respectivamente.
A base de dados sobre
primeiros-ministros inclui
outras variáveis que, no
entanto, não apresentam
praticamente nenhuma
correlação significativa.
Este facto robustece a
fiabilidade dos dados
recolhidos, pois, à partida,
não vemos como é que essas
variáveis de carreira (tempo
no governo e último cargo
ocupado) podem estar
relacionadas com as variáveis
independentes institucionais
ou partidárias.
(b) Com base em Elgie (1999).
(c) Com base em Siaroff
(2003a). No caso das
monarquias atribuímos um
poder 0.
(d) Com base em Fish e
Kroenig (no prelo), a quem
agradecemos a disponibilidade
prévia dos dados.
(e) Com base em King (1994),
Siaroff (2003b) e O'Malley
(2007).
Legenda: O primeiro número de
cada parcela corresponde ao
resultado de correlações
entre os dados obtidos para
todos os países em análise. O
segundo resulta de uma
análise donde retirámos três
países considerados outliers
(Luxemburgo, Irlanda e
Itália).
* A correlação de Pearson é
significativa ao nível de
0,05 (2-tailed);
** A correlação de Pearson é
significativa ao nível de
0,01 (2-tailed); n. s. não
significativo.
Fonte: V. quadro_n.º_1.
Além das variáveis anteriores, há outras características da organização da
democracia que também influenciam o recrutamento dos primeiros-ministros, mas
num sentido que, apesar de esperado, é mais localizado, alterando os seus
perfis e carreiras apenas em aspectos específicos. Salientando dois casos (v.
quadro n.º 7), citemos o número efectivo de partidos no parlamento (NEPP) e o
tipo de governo (um partido ou coligação). Ambos apresentam das correlações
mais fortes encontradas, com mais partidos no governo ou na legislatura a
significarem menos líderes partidários à frente do governo e primeiros-
ministros que se mantêm menos tempo nesse cargo.
Correlações entre variáveis institucionais e características dos líderes de
governo
[Quadro n.º 7]
(a) Com base sobretudo em
Siaroff (2000). Em ambas as
variáveis a contagem é feita
apenas no primeiro governo de
um determinado primeiro-
ministro.
Legenda e fonte: V. quadro
n.º_6.
Apesar de sempre minoritária, a liderança de um grupo de interesses no
curriculum de um primeiro-ministro está relacionada, sobretudo, com a
antiguidade da democracia, surgindo algumas vezes nas democracias mais antigas,
mas nunca em Portugal, Espanha e Grécia.
A influência dos partidos
Mediadores indispensáveis na relação dos cidadãos com o Estado e essenciais
numa democracia, os partidos dominam a organização e nomeação dos executivos.
Fundamentais na escolha dos líderes (Davis, 1998) e no recrutamento político
(Norris, 1997; Best e Cotta, 2000, pp. 11-14), em que têm uma função de
gatekeepers (Norris, 2006, pp. 89-91), os partidos podem ser das principais
variáveis a afectar a carreira de um líder de governo.
A maioria dos partidos que dominam a Europa tem uma longa história (Lane e
Ersson, 1999, p. 91). Origens, ideologias e famílias políticas são
classificações que continuam a distingui-los (Duverger, 1970, p. 102; Ware,
1996, p. 66; Wolinetz, 2002, pp. 137-141). As ideologias partidárias, mesmo não
sendo fixas e adaptando-se às demandas do eleitorado, tendem a persistir
(Duverger, 1970, p. 19; Ware, 1996, pp. 18-36). A divisão entre esquerda e
direita é o método mais usado para categorizar as ideias políticas (Heywood,
2003, p. 16). Por outro lado, a distinção entre partidos de origem interna ou
externa caracteriza tendências gerais que se podem encontrar em vários casos
(Duverger, 1970, p. 26)7.
O desenvolvimento dos partidos surge associado ao desenvolvimento da democracia
na Europa e, sobretudo, ao surgimento dos parlamentos. Numa primeira fase, as
legislaturas levaram os seus membros a sentirem necessidade de se agruparem por
afinidades para agirem de comum acordo. Os primeiros partidos (liberais e
conservadores) emergiram assim em sistemas protodemocráticos com sufrágio
limitado a uma pequena classe privilegiada. O alargamento do direito de voto
aumentou a necessidade de enquadrar os eleitores em "comités" capazes
de dar a conhecer os candidatos. A organização extraparlamentar era, no
entanto, praticamente inexistente, com uma coordenação pouco estruturada, que
só se desenvolveu depois com os partidos de massas _ socialistas e democratas-
cristãos (Duverger, 1970, pp. 13-20; Krouwel, 2006, pp. 253-254).
Se os primeiros partidos a nascer (de origem interna, parlamentar) não tinham
grande organização e eram sobretudo compostos por uma elite profissional de
intelectuais e advogados, os socialistas, com as suas secções e membros,
marcaram a imagem destas forças políticas (Beyme, 1986, pp. 204-205).
Segundo Duverger (1970), autor da distinção entre partidos de criação interna
(associados aos partidos de quadros) e externa (associados aos partidos de
massas), os segundos têm um conjunto de características que se opõem
nitidamente aos criados no círculo eleitoral ou parlamentar. De início, são
geralmente mais centralizados, dando mais importância às bases, em vez das
cúpulas, sendo também mais coesos e disciplinados. O grupo parlamentar tende a
ser mais preponderante nos de criação interna. Os partidos externos nunca darão
o mesmo valor à legislatura.
Apesar da adaptação às necessidades da competição eleitoral, as origens dos
partidos, ideologia e história do regime afectam a organização partidária,
programas e políticas adoptadas (Ware, 1996, pp. 20-24; Gallagher et al., 2006,
pp. 222-225).
Na distinção entre famílias partidárias europeias, a classificação mais
difundida é a de Beyme (1986). Forças políticas de uma mesma família podem ter
semelhanças consideráveis. No entanto, a classificação apresenta problemas,
como se vê pelas diferentes classificações atribuídas pelos autores a um mesmo
partido (cf. Hix e Lord, 1997, com Ware, 1996), as quais afectam sobretudo duas
das quatro famílias estudadas: liberais e conservadores (Lane e Ersson, 1999,
p. 108).
De entre as nove famílias partidárias identificadas por Beyme interessam-nos
apenas os liberais, os conservadores, os socialistas e os democratas-cristãos,
que dominaram a política da Europa ocidental nos últimos sessenta anos e
forneceram quase todos os líderes de governo.
Os liberais e os conservadores foram os primeiros partidos a formar-se, sem
grande organização e baseados numa elite profissional de intelectuais e
advogados (Beyme, 1986; Gallagher et al., 2006). Só no fim do século xix
surgiram os partidos socialistas, com a importância das organizações colaterais
partidárias a atingir o pico na época do partido de massas (até 1960), em que
estruturas densas criavam uma subcultura socioeconómica que "cercava"
os indivíduos: França IV e V, Luxemburgo, Finlândia e Itália. Quanto aos
democratas-cristãos, também de origem externa, considera-se, todavia, que têm
menos características de partidos de massas do que os socialistas.
Comparativamente, estes partidos religiosos apresentam um nível de organização
mais fraco, apesar de esta ser mais elevada do que entre os partidos liberais e
entre os conservadores (Pelinka, 2004; Krouwel, 2006, p. 255).
Na literatura, as referências às influências dos partidos sobre o recrutamento
político surgem de forma pouco sistemática. Mas as diferenças sentem-se na
comparação entre a esquerda e a direita. A primeira tem de desenvolvê-lo desde
as organizações de basemesmo para cargos de liderança, pois, em comparação com
o seu pólo ideológico rival, não possui a mesma capacidade de recrutamento.
Como refere Putnam (1976, p. 51), a direita tem maior capacidade de acesso às
fontes tradicionais de recrutamento, sejam elas as classes socioeconómicas
favorecidas, as instituições educativas de elite ou a função pública.
A esquerda e a direita distinguem-se também pelo número e envolvimento dos seus
membros na vida do partido (Wolinetz, 2002, pp. 143-145). Nos partidos de
massas, os membros têm geralmente ligações fortes à organização partidária,
enquanto nos partidos de quadros a vertente parlamentar tem uma tradição de
autonomia (Heidar, 2006, pp. 302-306). A ideologia de esquerda tem uma relação
forte com o poder dos grupos extraparlamentares no partido, o que indicia que
os socialistas dão mais poder à organização fora da legislatura (Gibson e
Harmel, 1998).
Nas organizações sectoriais dos partidos (sindicatos, organizações religiosas,
juventudes...) e na militância há claras diferenças não apenas entre os
partidos de quadros e de massas, de esquerda e de direita, mas também entre
famílias partidárias. Apesar da queda generalizada no número de militantes, as
organizações colaterais mantêm a sua relevância (Poguntke, 2002). Os sindicatos
e as organizações religiosas continuam a ser, tanto para os socialistas como
para os democratas-cristãos, canais importantes de recrutamento (Putnam, 1976,
p. 51).
As origens parlamentares ou de fora da legislatura dos partidos são encaradas
como um dos principais factores que influenciam a carreira dos políticos, com
tendência para uma maior duração, respectivamente, das suas funções
legislativas ou partidárias (Ware, 1996, pp. 257-258). Este impacto faz-se
sentir também no que diz respeito às origens dos líderes, que tendem a vir do
parlamento nos partidos de origem interna, enquanto nos restantes casos a
balança do poder tende para organizações externas à legislatura (Daalder, 2001,
p. 45).
Os regimes com parlamentos fortes e partidos com uma organização fraca
destacam-se por serem o "palco" mais comum do chamado free political
entrepeneur,geralmente personificado pelos advogados (Best e Cotta, 2000, p.
524). O contrário ocorre com os chamados funcionários, ligados à democracia de
massas e aos partidos com organizações desenvolvidas.
Analisadas as diferenças entre os partidos que dominam os governos europeus, as
nossas hipóteses ligavam a esquerda, os partidos de massas e os socialistas a
uma carreira partidária mais longa, em detrimento de uma carreira parlamentar,
e à presença de um número mais reduzido de juristas à frente dos governos. As
famílias políticas dos conservadores e dos liberais estariam no extremo oposto,
situando-se os democratas-cristãos algures no meio destas duas tendências.
Os resultados do quadro n.º 8 mostram algumas diferenças esperadas, que são, no
entanto, pouco significativas.
Correlações entre variáveis partidárias e características dos líderes de
governo
[Quadro n.º 8]
(a) Para classificar a
família dos partidos usámos
três fontes principais: Hix e
Lord (1997); Lane e Ersson
(1999); Ware (1996). Siaroff
(2000) foi usado para
partidos extintos. Partindo
das famílias, colocámos cada
partido à esquerda ou à
direita e classificámo-los
como de origem interna ou
externa com base na ideia de
que os liberais e os
conservadores se incluem na
primeira categoria e que os
socialistas e os democratas-
cristãos se enquadram na
segunda.
Legenda e fonte: V. quadro
n.º_6.
Primeira conclusão: nas variáveis analisadas são pequenas as diferenças entre
os chefes de governo oriundos da esquerda ou da direita, sem qualquer
correlação significativa. Os seus líderes são muito semelhantes, com perfis e
carreiras políticas equivalentes. Mais influente surge a distinção entre
partidos de origem interna ou externa. No entanto, mesmo em relação a estas
variáveis as diferenças restringem-se à existência de mais casos de liderança
de grupos de interesses entre os de origem externa (socialistas e democratas-
cristãos) e a uma maior longevidade do primeiro-ministro nesse cargo.
No que toca à variável "família partidária", o destaque vai para os
socialistas. Não apenas por colocarem mais líderes partidários à frente dos
governos, mas também por apresentarem menos licenciados em Direito e mais
líderes de grupos de interesses. Na maior família partidária europeia,
dominante eleitoralmente do seu lado ideológico na maioria dos países, os
primeiros-ministros tendem ainda a manter-se mais tempo à frente dos governos
do que os seus congéneres liberais, conservadores e democratas-cristãos.
Conclusões
Quem é o típico primeiro-ministro europeu? Os dados recolhidos ajudam a
responder à questão. Em primeiro lugar, é um indivíduo do sexo masculino são
raros os casos que fogem à regra , que estudou Direito e exerceu a profissão
de advogado. Em termos etários, tem, em média, 54 anos quando chega ao cargo,
depois de uma curta carreira profissional e de uma longa carreira política, que
começa pelo partido (várias vezes, nas juventudes partidárias) e passa,
eventualmente, por uma eleição local. Depois, chega ao parlamento, o qual
constitui uma etapa para chegar ao governo. A liderança do partido pode ser um
passo final para a ascensão ao topo do executivo.
O parágrafo anterior resume as características mais frequentes do típico chefe
de governo europeu. No entanto, esboça apenas um retrato (demasiado) geral, que
esquece todas as variações encontradas. Através da análise das diferenças
encontradas foi possível estabelecer comparações entre os sistemas políticos
com o objectivo de avaliar a existência de variações significativas entre
países e de compreender se estas são influenciadas pelas regras que organizam a
democracia e também pelos partidos, donde são originários praticamente todos os
primeiros-ministros.
Os dados recolhidos revelam que há países a IV República francesa, a Bélgica,
a Grécia, mas sobretudo o Reino Unido e a Irlanda que confirmam as conclusões
da literatura mais comum sobre esta matéria, a qual salienta a importância da
carreira parlamentar. Noutros casos, pelo contrário, a legislatura não é tão
importante e pode até ser negligenciada numa carreira política de sucesso na
Alemanha, na Áustria, na V República francesa e no Luxemburgo. Particularidades
nacionais ou divisões territoriais menos comuns do poder (federalismo, em vez
do Estado unitário europeu típico) podem permitir, respectivamente, carreiras
marcadas pela detenção de cargos municipais (sobretudo em França) ou nos
governos regionais (particularmente na Alemanha).
A comparação entre a IV e a V repúblicas francesas permite extrair algumas
conclusões particularmente interessantes para este estudo, uma vez que mostra
como uma mudança institucional de regime (parlamentar para semi-presidencial)
foi acompanhada de mudanças drásticas nas carreiras dos líderes de governo.
A presença prévia no parlamento e no executivo constitui a característica mais
comum da carreira política dos primeiros-ministros europeus. A liderança de um
partido, vista, por norma, como maioritária entre os líderes de governo, divide
ao meio (50%) os casos analisados, apesar das diferenças significativas entre
países e de ser uma realidade cada vez mais frequente (gráfico n.º 1). Este
último facto vai ao encontro dos argumentos de quem defende a existência de uma
"presidencialização" prática dos sistemas parlamentares europeus
(Poguntke e Webb, 2005). Em 2006, o francês Villepin era o único que fugia a
esta norma.
Primeiros-ministros líderes de um partido
(em percentagem)
[Gráfico
n.º 1]
Fonte: V.
quadro_n.º
1.
Em relação às variáveis "formação académica" e "profissão",
destacam-se os primeiros-ministros que estudaram Direito e os advogados. As
outras áreas estão muito menos representadas e surgem em menor número do que
entre as elites parlamentares e ministeriais. Este facto, conjugado com a débil
presença numérica das mulheres e de personalidades sem estudos superiores entre
os primeiros-ministros, indicia uma fraca heterogeneidade dos líderes de
governo, confirmando a "lei da desproporcionalidade crescente"
(Putnam, 1976, pp. 57-59). Ou seja, uma desproporcionalidade na representação
das características da população entre as elites que cresce à medida que
aumenta a importância do cargo político ocupado, reflexo da importância de
certas capacidades necessárias para liderar: competência técnica (educacional,
por exemplo) ou habilidade para persuadir e organizar.
Os dados confirmam ainda o que já se sabia sobre as elites de uma forma geral:
também os líderes de governo tendem a ser recrutados entre as personalidades
com profissões socialmente mais valorizadas, apesar das variações nacionais,
com tendência para uma ou outra actividade profissional. Reforça-se a ideia de
Putnam de que a educação e o alto estatuto social aumentam a participação e
conhecimentos políticos, estimulando o interesse e ambição e fornecendo
capacidades políticas a quem reúne essas duas qualidades. Assim, nem todos
reúnem as mesmas hipóteses de chegarem a primeiro-ministro, parecendo, também
entre estes, que a principal distinção entre elites e massas não está tanto no
estatuto socioeconómico, mas sobretudo na educação superior de quase todos os
líderes europeus.
No caso português, a educação parece ser ainda mais importante para se ter
acesso a uma carreira política de sucesso. Esta é, aliás, uma das poucas
diferenças dos líderes portugueses face aos outros primeiros-ministros
europeus, as quais também são visíveis na ausência de primeiros-ministros com
passagem pela liderança de um grupo de interesses. Exceptuando estas duas
características, os primeiros-ministros portugueses são muito parecidos com os
seus "homólogos" da UE.
O trabalho apresentado permite-nos ainda afirmar que existem diferenças no
recrutamento de líderes de governo conforme o país europeu em análise. Por
outro lado, há diferentes formas de organizar a democracia que afectam,
claramente, essas "escolhas". Os dados indicam, mais uma vez, que as
instituições têm um papel determinante e que estas ajudam a explicar a
política, sobretudo em termos do regime e da distribuição interna de poder
pelos órgãos de soberania (parlamento e chefe de Estado).
Pelo contrário, os partidos, donde são originários praticamente todos os
primeiros-ministros, não alteram significativamente esses perfis e carreiras,
com poucas diferenças, que apenas surgem quando comparamos a origem partidária
interna ou externa e as respectivas famílias políticas. Os líderes da esquerda
e da direita são muito semelhantes.
Representantes máximos das elites nacionais, fica a dúvida se os efeitos aqui
detectados das instituições e partidos sobre a carreira dos primeiros-ministros
também se sentem, como seria plausível, no recrutamento de outras elites
políticas, nomeadamente sobre os restantes membros dos governos.