El barranqueño: Un modelo de lenguas en contacto
NAVAS SÁNCHEZ-ÉLEZ, María Victoria (2011), El barranqueño ' Un modelo de
lenguas en contacto
Ana Paula Banza*
*Madrid: UCM-Editorial Complutense / Centro de Linguística da Universidade de
Lisboa.
Mais de cinquenta e cinco anos depois de Filologia Barranquenha (1955), de José
Leite de Vasconcelos, a monografia de María Victoria Navas, saída a lume em
2011, constitui, sem dúvida, um acontecimento assinalável, porquanto desde
então que o estado da arte sobre o falar de Barrancos não conhecia obra de
tão grande fôlego, que, em simultâneo, viesse atualizar e aumentar o
conhecimento que sobre esta variedade existia e que, em grande parte, nos
vinha, até agora, sobretudo da obra daquele grande filólogo.
Não constitui exagero, antes é mérito da autora, dizer-se que, depois dos
estudos pioneiros de Leite de Vasconcelos, é María Victoria Navas a
investigadora que mais tem contribuído para o estudo e divulgação desta
variedade linguística, cujas caraterísticas são únicas em território nacional.
Efetivamente, a obra agora saída a lume representa o culminar da longa e
intensa investigação que, desde os anos oitenta do século passado, a autora vem
dedicando a este tema e que se tem traduzido em várias dezenas de comunicações
e artigos científicos, publicados de forma dispersa, maioritariamente em
revistas e atas de encontros científicos, e cujos resultados convergem nesta
obra, onde se encontram ainda três textos novos.
A investigação de María Victoria Navas, que vem sendo realizada no âmbito do
projeto Diacronia e Sincronia: Linguagens Fronteiriças, do Centro de
Linguística da Universidade de Lisboa (CLUL), vem, pois, inequivocamente,
atualizar e alargar o estado da arte sobre o Barranquenho com uma reflexão de
largo fôlego, amadurecida ao longo de cerca de trinta anos, envolvendo um
extenso processo de recolha e interpretação de dados que, agora, revistos,
atualizados e completados, chegam ao leitor de forma acessível, num só volume.
El Barranqueño... parte do princípio de que esta variedade, ainda que não muito
significativa quanto ao número de falantes, não é homogénea, antes apresenta
variação, razão pela qual fornece informação estatística importantíssima sobre
o papel de fatores linguísticos e não linguísticos nas diferentes realizações
dos diferentes locutores, em função do sexo, idade, nível de escolaridade, etc.
Nesta perspetiva, aborda, de forma abrangente e sistemática, esta variedade
particularmente original, em território português, desde as circunstâncias
históricas e geográficas na sua origem (capítulo I), aos processos de criação
das línguas em contacto e à comparação com o Fronteiriço, da América do Sul,
que, na fronteira entre o Brasil e o norte do Uruguai, apresenta muitos pontos
de contacto com o Barranquenho (capítulo III). Oferece ainda informação da
maior riqueza e relevância no domínio da literatura oral e tradicional e da
música popular locais (capítulo IV). A bibliografia de referência, completa e
atualizada, e anexos, onde se incluem o questionário utilizado e informação
importante sobre a recolha de dados, tabelas de dados estatísticos e um exemplo
de transcrição, fonética e ortográfica do Barranquenho, completam a obra.
A sua maior mais-valia, porém, é, sem dúvida, a análise e descrição linguística
desta variedade (capítulo II), enquanto fruto do contacto entre o português, na
sua variedade alentejana (dialetos centro-meridionais do centro interior e sul)
e o espanhol, nas suas variedades extremenha e andaluza.
Ao longo deste extenso capítulo, María Victoria Navas apresenta uma descrição
linguística detalhada deste falar que, por um lado, é uma fala do domínio do
português porque segue as características da língua portuguesa, por exemplo,
diz porta', medo', face ao espanhol, que ditonga e diz puerta' e miedo',
mas, por outro, tem traços das variedades meridionais andaluza e estremenha,
como, por exemplo, a não pronúncia do s' em final de palavra: menino' por
meninos'; ou a pronúncia, à maneira andaluza, do s' em final de sílaba,
aspirada, por exemplo, mehmo', em vez da forma portuguesa mesmo', variando
estes e outros traços em função, essencialmente, da língua materna dos
falantes, que umas vezes é o espanhol outras o português, e do grau de
escolarização.
A descrição linguística oferecida ao leitor parte dos aspetos fonológicos
(vocalismo e consonantismo) para os aspetos morfossintáticos (uso do artigo,
variação de género e número nos nomes, diminutivos, sistema pronominal e
sistema verbal) e lexicais (vocabulário da agricultura e do homem), com
destaque para as particularidades que individualizam este falar, entre as quais
as acima referidas. A estas últimas dedica a autora um estudo particularmente
aprofundado, que abarca as suas origens, distribuição e causas, numa perspetiva
variacionista muito rica, que integra fatores linguísticos e extralinguísticos.
Naturalmente, um trabalho desta natureza, com esta extensão, profundidade e
rigor, só é possível numa investigadora generosa, como María Victoria Navas,
que, sem pressas, se dedicou, não apenas à investigação linguística, mas ao
contacto com as pessoas, os seus usos e costumes, os seus sentimentos. Graças a
essa generosidade, nos longos períodos em que viveu em Barrancos, pôde
apreender, muito mais do que a fala, a essência do ser barranquenho, em todas
as suas dimensões; e isso nota-se.
Por tudo o que acima se disse, é esta, doravante, uma obra de referência, não
apenas para os estudiosos do Barranquenho, pela muita e relevante informação
que aqui se encontra sobre o tema, mas também para todos aqueles que se ocupam
da variação linguística, pelo que representa como modelo deste tipo de
investigação, e ainda para o público em geral, com interesse pelo tema, pela
simplicidade e facilidade de leitura que a autora soube imprimir à obra e que
permitem, também aos não especialistas, uma leitura tão agradável como
enriquecedora.
Campus de Gualtar
4710-057 Braga
Portugal
ceh@ilch.uminho.pt