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EuPTHUHu0807-89672013000100010

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National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolHumanities
Great areaHuman Sciences
ISSN0807-8967
Year2013
Issue0001
Article number00010

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"Componente" como substantivo uniforme de dois géneros

* 1. Notas introdutórias A presente análise tem como principal objetivo fazer uma profunda reflexão sobre uma série de questões que se relacionam com o género gramatical da palavra componente. O nosso estudo baseia-se em pesquisas de Maria Carmen de Frias e Gouveia que recordou ser „o género gramatical um dos aspetos da gramática mais merecedor de atenção, apresentando-se com grande vitalidade e de capital importância comunicativa na língua portuguesa (Corbett: 1991 apud: Frias e Gouveia: 2007, 2011). Frias e Gouveia, que trabalhou de uma forma minuciosa todos os possíveis aspetos relacionados com o emprego do género gramatical, focalizou, entre outros, as dificuldades que este pode acarretar no caso de palavras com uma certa oscilação do género gramatical e que originam um grande espetro de questões, que se mostram relevantes para o uso do género gramatical: as diferenças entre as variedades europeia e americana do Português (Frias e Gouveia: 2007), o fator histórico (Frias e Gouveia: 1998, 1999, 2004, 2005, 2006), o fator diafásico e estilístico-pragmático (Frias e Gouveia: 1998) e o fator lexicológico relacionado com o género dos estrangeirismos (Frias e Gouveia: 2004), entre outros. O que nos levou a conhecer a obra de Maria Carmen de Frias e Gouveia foi a necessidade de identificar o género da palavra componente porque, por mais que custe acreditar, mesmo depois de consultar e estudar atentamente os dicionários de língua portuguesa mais prestigiados, não conseguimos identificá-lo univocamente. A necessidade de encontrar o género desta palavra prende-se com o facto de ter aumentado a frequência do seu uso nas áreas científica, política, cultural, social, industrial, e ainda outras. Para além disso, as nossas dúvidas têm-se projetado cada vez mais no plano de todas as disciplinas linguísticas (morfologia, sintaxe, semântica e lexicologia).

Os métodos que M. C. Frias e Gouveia aplicou ao estudo do género gramatical serviram-nos de modelo de análise e contribuiram para a fiabilidade e complexidade da nossa pesquisa. O problema da palavra componente, como veremos mais adiante no enquadramento teórico, encaixa-se no tema dos nomes uniformes de dois géneros, e traz mais um exemplo de dificuldades que podem originar incompatibilidades gramatical e lexical no eixo sintagmático, geradas pelas oposições a nível tanto semântico como diatópico nas variedades brasileira e europeia. (Frias e Gouveia: 2011).

Por maior que seja o valor e o prestígio dos dicionários consultados, pensamos que a presente análise poderá contribuir para a área da lexicografia portuguesa. Neste sentido, estamos completamente de acordo com Frias e Gouveia que aponta, ao longo dos seus trabalhos, para uma heterogeneidade e oscilação que existe na indicação do género gramatical pelos dicionários de língua portuguesa (idem: 2011).

2. Enquadramento teórico O tema do nosso trabalho, como foi referido, diz respeito ao problema do género gramatical dos substantivos uniformes. Além dos a)substantivos uniformes de um género, que são formados, sobretudo, por nomes inanimados e cujo género gramatical evoluiu do latim, existem b)substantivos uniformes de dois géneros, chamados ‘sobrecomuns' ou ‘comuns de dois' (que possuem o género natural), o que se abona no caso dos seres sexuados (o/a cônjuge, o/a pianista) e c) os substantivos ‘epicenos', os quais possuem apenas um género para ambos os sexos.

Nos três grupos existe um conjunto de palavras de género hesitante, originado por fatores históricos (a eczema x o eczema), geográficos (PB o grama x PE a grama) e diafásicos (as jeans x os jeans). Além disso, verifica-se, na linguagem popular, a tendência para biformizar alguns nomes como, por exemplo, a melra, a gaia, a chefa(Frias e Gouveia:1998). Fora dos três grupos referidos, geralmente, menciona-se mais um: o das d) palavras uniformes, cujo sentido está estreitamente vinculado ao género gramatical. As gramáticas citam os seguintes exemplos: o/a cabeça o/a caixa, o/a capital, o/a cisma, o/a guarda, o/a guia, etc. (o artigo, no nosso caso, como veremos, será muitas vezes o único indicador gramatical e, implicitamente, também semântico). Frias e Gouveia afirma que dentro deste grupo se encontram palavras que ainda não têm género fixo e que 1. tendem a fixá-lo (Frias e Gouveia: 2005) ou 2. a alterá-lo. Estão, no primeiro caso, por exemplo, amálgamaehélice que tendem a fixar-se como femininas; no segundo, entre outras, guia e grama.

(ibidem). Quanto à palavra componente não conseguimos encaixá-la nem num nem noutro caso. Não sabemos se o género desta palavra tende a fixar-se ou a alterar-se ou se se trata, antes, de um lema não claramente dicionarizado por carecer, na sua explicação dicionarizada, de uma clara definição pragmático-semântica e de qualquer restrição diatópica.

Segundo as nossas premissas poderá, conforme o género do quarto tipo dos substantivos uniformes de dois géneros (d), mudar também o grau de genericidade, o que normalmente ocorre sobretudo nos nomes sexuados (b), onde o género masculino é evidentemente genérico, apesar de haver tendência para a biformização (árbitro x árbitra). Nos epicenos (c), tanto o feminino como o masculino podem ser genéricos (o tigre x a águia). Nos nomes inanimados uniformes que mudam de sentido conforme o género, provavelmente não existirá nenhuma regra geral, sendo o caráter genérico, de acordo com as nossas premissas, idiossincrático. Mas para tal afirmação teríamos que proceder a um outro tipo de pesquisa e analisar todos os nomes uniformes e biformes de dois géneros etimologicamente idênticos e estudar a compatibilidade de abstração com outras unidades gramaticais (ou classes lexicais). De acordo com as nossas hipóteses e no que à palavra componentediz respeito, no Português Europeu, o feminino será mais genérico do que o masculino, no Português do Brasil, o contrário.

3. Descrição metodológica Vejamos, em síntese, como se processou a nossa investigação. No caso de componente tivemos que decidir, primeiro, se é palavra uniforme de um ou de dois géneros. Por mais paradoxal que possa parecer a um falante nativo, não foi tão fácil encontrar uma resposta unívoca. Com efeito, os resultados da pesquisa que realizámos nos dicionários checo-portugueses, não coincidiam com as experiências que adquirimos a título de falante de PLE (português língua estrangeira). Os dicionários bilingues existentes no contexto da lexicografia L1-L2 e L2-L1[1] definem o nome componente como substantivo de género único, i.

e. masculino, o que talvez se deva à influência da variedade brasileira, como veremos mais adiante.

Continuámos a consultar outros dicionários portugueses (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, Dicionário Houaiss, Dicionário Aurélio, Dicionário Priberam, Dicionário Aulete) que admitem a possibilidade de serem usados ambos os géneros, contudo, não os delimitam pragmaticamente.

Para estabelecermos a delimitação semântica e diatópica precisa dos dois géneros gramaticais atribuídos à palavra componente, realizámos mais dois passos importantes: o primeiro não se mostrou eficiente; o segundo, ao invês, ajudou-nos a orientar a nossa investigação. Assim, primeiro, consultámos os dicionários das outras línguas românicas, supondo que poderíamos encontrar oposições genéricas analógicas do nome o/a componenteem francês, espanhol e italiano.

Ao consultar os dicionários naquelas línguas, enfrentámos, parcialmente, os mesmos problemas da inexatidão da delimitação pragmática (semântica, diafásica e diatópica), tal como nos dicionários portugueses.

Consequentemente, tivemos que excluir o aspeto contrastivo ao nível das línguas românicas e procurar outras fontes fiáveis, as quais, como veremos, acabaram por constituir o pilar da nossa pesquisa, adequado às nossas finalidades, i.

e., recorremos aos corpora Linguateca e Corpusdo Português e analisámos todas as ocorrências encontradas, tendo sempre em atenção o contexto utilizado. Além destes dois corpora linguísticos, consultámos também o corpus paralelo Interkorp, o qual, não obstante, nos ofereceu apenas 600 ocorrências de componente quer na função nominal quer na adjetival, sem a possibilidade de delimitação geográfica geral dos dados, facto que nos levou a eleger o Corpusdo Português como instrumento de análise contrastiva diatópica do género gramatical de componente (i.e., nas duas variedades geográficas: a do Português do Brasil e a do Português Europeu -doravante PB e PE) e o corpus Linguateca como instrumento de análise do género desta palavra usada exclusivamente no PE.

O Corpus doPortuguês ofereceu-nos 400 ocorrências nominais para o PB e 200 para o PE. O corpus Linguateca[2] ofereceu-nos 4000 ocorrências nominais e adjetivais, das quais retirámos uma amostra bastante representativa de mais de 1000 construções nominais que foram divididas, depois de uma classificação minuciosa (que teve que ser feita em muitos casos manualmente), em dois grupos, de acordo com o género masculino ou feminino.

4. Lematização de o/a componente nos dicionários de língua portuguesa Proceda-se à descrição pormenorizada do processo de investigação e da metodologia aplicada. A primeira fase da nossa pesquisa foi de natureza lexicográfica. Como referimos no quadro metodológico, começámos por consultar os dicionários bilingues L1 (língua materna) ' L2 (língua segunda) (Buzek: 2011). Para nossa surpresa, não encontrámos nos dicionários bilingues o género feminino ' caso um tanto peculiar, conforme veremos mais à frente. Para os fins da nossa análise, consultámos o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea (2001), da Academia das Ciências de Lisboa, o qual, curiosamente, apesar de admitir a possibilidade do uso de ambos os géneros, não os distinguiu pragmático-semanticamente, incluindo os dois sob um único lema. Este dicionário documenta o uso do género feminino num único caso (1) e as demais explicações semânticas falam a favor do género masculino. Recorremos, por isso, aos dicionários de língua portuguesa Priberam e Aulete, sendo esse último o único que especifica pelo menos uma área, em que o nome aparece no género feminino, i.e., em astronomia, dando o exemplo de a componente chaundleriana.

Curiosamente, encontrámos num outro dicionário de língua portuguesa, no Aurélio, o género inverso nesta combinatória, i.e., o componente chaundleriano.

O dicionário que com maior detalhe especifica o uso do género da palavra componente, é o Houaiss. Este trabalha o lema em questão mais detalhadamente, indicando a possibilidade dos dois géneros e incluindo algumas colocações e combinatórias. Aponta para o uso em uma ou outra área científicas, indicando até as possibilidades de sinonímia em alguns casos (componente fonológico x fonológica, componente semântico x semântica), mas não nos resposta definitiva quanto ao uso que corresponde à realidade, porque não efetua a suficiente divisão dos géneros gramaticais. As únicas referências que falam a favor de género feminino são as que se encontram sublinhadas: Veja-se, em concreto, todas as dicionarizações encontradas de componente:

* Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea[3] componente s. m. ou f.(do latim componens, componentis), part. pres. de componere ' ´colocar juntamente´). 1. Elemento que entra na composição de alguma coisa. O verbo é um dos componentes da frase. O curso tem uma componente eminentemente prática. 2.quím. Elemento de um corpo composto. O hidrogénio é um dos componentes da água. 3. tecnol. Elemento que entra na composição de um circuito electrónico. 4. fís. Cada uma das forças que actuam simultaneamente sobre um corpo, cujo efeito é equivalente ao da resultante.

5. Membro de uma classe, corpo, instituição Os componentes do grupo de escuteiros actuaram com destreza e sentido prático. (DLPC: 890).

* Dicionário Priberam da Língua Portuguesa:[4] componente s. 2 g.Elemento (que concorre com outros numa composição).

[Mecânica] Cada uma das forças que actua simultaneamente para produzir entre todas uma resultante.

* Dicionário Aulete[5] componente s. 2 g. Alguém ou algo que faz parte de um conjunto organizado; parte ou elemento de um sistema: os componentes de um computador. Membro de um grupo: os componentes do coral. Quím. Substância que compõe um sistema químico (e necessária para caracterizá-lo) [Tb. us.como adj.] sf. Astron.

Qualquer das estrelas que compõem um sistema estelar. [F.: Do lat. componens, entis.] * Dicionário da Língua Portuguesa Aurélio componente(do lat. componente).

adj. 1. Que entra na composição de alguma coisa.

s. m. 2. Aquilo que entra na composição de alguma coisa. 3. Parte elementar de um sistema 4. Fís.Quím. Num sistema, qualquer das espécies químicas, entre as que o constituem, incluída no menor grupo de substâncias necessárias para caracterizar quimicamente o sistema (Cf.nesta acepção constituinte.) Componente chandleriano, Astr. V. período de chandler.

* Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa[6] componente Adj. 2g s. 2 g 1.Que ou o que compõe ou ajuda na composição de algo <os c. de um motor> <os c. de um sistema filosófico>; 2. que ou quem é membro de uma classe, de uma instituição, de um corpo, etc. <os elementos c.

do corpo policial> <uma organização esquerdista com c. que se pretendiam autónomas>; 3. em ciência e tecnologia, diz-se de ou parte constituinte de um sistema; 4. ELECTR. diz-se de ou qualquer dispositivo com características definidas que disponha de terminais através dos quais possa ser conectado a outros componentes para formar um sistema; 5. GRAM.GENER. diz-se de ou cada uma das partes constituintes da gramática de uma língua: componente sintáctico, componente fonológico, componente semântico; 6. GRAM.GENER. diz- se de ou cada uma das partes do componente sintáctico: componente da base e componente transformacional; 7. QUÍM. Diz-se de ou substância que compõe um sistema químico *componente categorial; GRAM.GENER. 1. mesmo que base categorial; 2. a parte da base que contém as categorias sintácticas existentes na língua e o sistema de regras para a construção dos sintagmas e da estrutura básica da oração, determinando as relações gramaticais entre os seus constituintes. *Cf. Categoria sintáctica. c.chandleriano ou c.chandleriana ASTR. m.q período de Chandler, c. fonológico ou c.fonológica; GRAM.GENER. inventário de fonemas e traços distintivos de uma língua e sistema de regras que interpretam foneticamente as cadeias geradas pelos componentes sintáctico e transformacional, em termos de traços distintivos; componente lexical. GRAM.GENER. m.q.léxico; c. semântico ou c.semântica GRAM.GENER.1. sistema de regras que realizam a interpretação semântica das frases geradas pelo componente sintáctico 2.LING. em análise semântica oponencial, unidade mínima de significação que entra na formação do sentido de um morfema ou de uma palavra (p.ex.: [+humano], [+adulto], [+fêmea] são componentes semânticos do significado de mulher); traço semântico, marcador semântico. c. sintagmático ou c.sintagmática GRAM.GENER. sistema de regras que determinam as estruturas frásicas possíveis na língua sintaxe; componente sintáctico ou c.sintáctica GRAM.GENER. parte da gramática que gera, por meio de regras formalizadas, todas e apenas as sentenças possíveis de uma língua.

Uso como termo da GRAM.GENER. no Brasil é ger.empr. no masc. Etim. Lat.

Componens, entis, part. pres. de componere.

5. Lematização de o/a componente nos dicionários de língua espanhola, francesa e italiana Como se referiu na parte introdutória e no quadro metodológico, um dos possíveis indicadores do género de componentepoderia ser a analogia com as interpretações semânticas de componente em outras línguas românicas. Procedemos à investigação das elaborações dicionarísticas de componente/composante em dicionários monolingues de língua espanhola, italiana e francesa. Apesar de terem sido encontradas especificações muito relevantes, infelizmente, tivemos que enfrentar o mesmo problema de insuficiente identificação genérica.[7] Vejamos apenas algumas das definições para não nos desviarmos do tema fulcral do nosso trabalho. Sublinhamos, novamente, todas as referências relativas ao género feminino.

Em espanhol, verificam-se ambos os géneros, sendo, em todo o caso, mais frequente o uso do masculino. No Diccionario de la Real Academía Española[8], encontramos as seguintes explicações: „En matemáticas, se usa como sustantivo femenino para nombrar cada una de las partes en que se descompone un objeto matemático, como, por ejemplo, un vector, y se emplea frecuentemente en meteorología para referirse a la dirección de los vientos: "Vientos flojos con predominio de la componente oeste" (NCastilla [Esp.] 13.5.99).

No debe extenderse este uso en femenino a otros ámbitos, como ocurre en los ejemplos siguientes: "Esta unidad coordina todas las componentes del computador" (Pérez/Pino Computación [Chile 1982]); "Se intenta justificar la revitalización de la UEO como medio de fortalecimiento de la componente europea de la OTAN" (País [Esp.] 2.8.88). [9] Em italiano, existem também os dois géneros, mas o problema é que os dicionários de qual se dispõe, não são homogéneos quanto ao seu tratamento léxico-gramatical. Alguns mencionam em primeiro lugar o género masculino como o mais frequente, tendo um espetro mais largo de variação semântica e pertencendo ao campo geral (usado no sentido de elemento, participante, membro em estruturas como il componente della commissione, il componente essenziale della pasta), mas também ao campo técnico e linguístico (il componente sintattico di una lingua). Mas é possível usar o género feminino também num sentido mais geral de componente não químico (le componente del pensiero di un autore).[10] Em francês, o uso do género feminino da palavra composant sinaliza, de acordo com Le Trésor de la Langue Française Informatisé[11], um maior grau de abstração, podendo ser usado em sentido figurativo: ?2.Au fig., emploi subst. fém. Une composante; les composantes d‘un problème.

Faire à travers les expériences vécues par la totalité des catégories sociales de la population l‘inventaire exhaustif des composantes du loisir?; ? 3.Si le puritanisme n‘exprime pas l‘essence du protestantisme, il n‘y a pas moins dans l‘âme protestante une composante puritaine; la production ne saurait avoir pour but la seule jouissance.?[12] O género feminino, de acordo com a mesma fonte lexicográfica, também é usado na matemática (composante(s) vectorielle(s));na área da linguística e da gramática generativa (em que também mais raramente pode ser usado o masculino) e na área da mecânica em que componente tem também um sentido mais abstrato: (une composante.?Les trois composantes de l‘accélération de translation du centre de gravité de la tête.?). Por outro lado, no que à área da química e aos produtos eletrónicos diz respeito, são mencionados os seguintes exemplos no masculino:un composant. le composant doué de la plus grande activité biologique, les composants d‘un circuit électronique (tels que résistances, condensateurs, transistors.[13]) De acordo com os exemplos citados, pode-se deduzir que, ao passo que o género masculino é usado mais frequentemente no caso dos nomes concretos e técnicos (por exemplo, nas áreas da eletrónica e química), o uso do feminino é mais frequente nas áreas da literatura, filosofia, linguística, artes, mas também na área da mecânica, em que representa um nome abstrato.[14] Pode antecipar-se que os nossos resultados, relacionados com o uso real dos géneros em português, irão mais ao encontro da palavra composante do francês.

6. Diferenças históricas Frias e Gouveia dedicou uma considerável parte dos seus artigos ao tema da evolução do género gramatical do Português arcaico para o moderno (Gouveia: 1993, 2005) de palavras que mudaram de género no curso da evolução da língua portuguesa „ou porque fixaram um determinado género, quando havia hesitação, ou porque a terminação da palavra determinou essa fixação ou ainda porque a língua culta exerceu alguma influência (Frias e Gouveia: 2005; 550). É um facto que encontramos atualmente palavras cujo género difere do antigo ou que o alteraram até aos nossos dias, em muitos casos tendo ainda género duvidoso (ibidem).

Pressupomos que, no caso de componente, não deve ter havido um género etimológico, sendo componens o particípio de ‘praesentis activ' e, como tal, deve ter sido considerado como adjetivo ‘amorfo'[15], mas trigenérico com o mesmo sufixo para os três géneros (neutro, feminino e masculino), adquirindo assim o género do substantivo com o qual se une. Tendo desaparecido o neutro, restaram dois géneros, adquirindo componente o género do núcleo substantivo.

Assim pode deduzir-se que, através da derivação imprópria, componente português se tornou um substantivo bigenérico com um uso variável. De acordo com os exemplos encontrados, no PE, prevalece o género feminino enquanto que, no PB, o masculino. Pressupomos que o PB é a pré-fase do português europeu moderno e que pode ter havido a mudança de género do masculino para o feminino no PE, enquanto que, no PB, ficou tal como se tinha fixado depois de lhe ter sido atribuído o género masculino. Neste caso, podemos admitir que o género de componente do PE seguiu o género gramatical de composant francês/a, e parcialmente de componente italiano, como se pode ver no parágrafo anterior. Em PE, encontramos uma vasta escala de exemplos a serem analisados na próxima secção do presente trabalho. Contudo, para podermos confirmar e comprovar as nossas hipóteses, seria necessário fazer uma análise diacrónica do género gramatical de componente e dispor de documentos históricos. Como os textos escritos que consultámos e que tivemos à disposição não contêm a palavra em questão, recorremos aos corpora históricos possíveis (a Linguateca ' Vercial e ao Corpus do Português), que, infelizmente, não nos proporcionaram uma amostra significativa de ocorrências. O Corpus do Português ofereceu-nos 10 exemplos do século XIX, todos no feminino e todos usados por um único autor. É escusado relembrar que tal análise não seria fiável mas, sim, passível de suscitar grandes dúvidas. O corpus Linguateca Vercial não encontrou nenhuma ocorrência da palavra em questão. Maria Carmen de Frias e Gouveia apoiou muitas vezes as suas análises em relatórios médicos dos séculos passados podendo assim observar, com base em materiais fiáveis e autênticos, a evolução do género gramatical no que à terminologia médica diz respeito (por exemplo, eczema, laringe, entorse, etc) (ibidem). É nossa firme convicção que o único procedimento válido, no caso da palavra componente, seria estudar os materiais arquivados de produtos alquímicos, agrícolas de alimentação e áreas de longa tradição. Faltando-nos este tipo de documentos, omitiremos este aspeto diacrónico, tendo todavia consciência de que este terá desempenhado, no caso aqui estudado, um papel primordial. Devido a estes obstáculos relativos à insuficiência de materiais autênticos, no nosso trabalho, apenas se pode desenvolver um estudo sincrónico. Este, como veremos a seguir, constará de duas partes principais: uma que abordará o problema das diferenças geográficas (ou diatópicas) e outra que nos oferecerá um estudo pormenorizado do uso da palavra componente em português europeu contemporâneo.

7. Diferenças diatópicas O objetivo desta secção será considerar as principais diferenças entre componente usado nas variedades europeia e americana do Português. Sobre este aspeto, Frias e Gouveia escreveu uma série de artigos (Frias e Gouveia: 2006, 2008, 2009, 2011). Omitiremos da nossa análise, por não termos acesso à linguagem popular e regional, as diferenças verticais que existem dentro de cada uma das variedades comparadas. Para , relembremos os exemplos que Frias e Gouveia inclui nos seus estudos relacionados com o PE e PB: o grama (PB) x a grama (PE), os media (PE) x a mídia (PB), o duche (PE) x a ducha (PB), o gangue (PE) x a gang (PB), o fondu (PE) x a fondu (PB), o champanhe (PE) x a champanhe (PB), o sanduíche (PB) x a sanduíche (PE), o/a omelete (PB) x a omelete (PE) (Gouveia: 2007). Como vemos, trata-se de substantivos de um género, com uso divergente em Portugal e no Brasil.

O nosso caso é um pouco diferente. Segundo os resultados que obtivemos, no PB, a palavra componente é palavra de um género (hesitante), que não encontrámos nenhumas diferenças semânticas acarretadas pela mudança do género gramatical (substantivos uniformes de/do? tipo a) no Enquadramento teórico). Ao contrário, na variedade europeia, os resultados falam atualmente mais a favor do caráter uniforme mas bigenérico, especificando-se cada género gramatical a ser usado em diferente secção semântica. gramatical (substantivos uniformes de/ do? tipo d) no Enquadramento teórico).

O Corpus do Português oferece-nos a possibilidade de analisar semanticamente a palavra componente de modo separado nas duas variedades comparadas. Procedemos à análise de 237 ocorrências em PE e de 411 em PB. Não conseguimos identificar o género gramatical em 179 casos do PB e em 71 do PE, por faltar na construção um determinante, atributo ou modificador biformes, marcadores do género no caso dos nomes uniformes. Comparámos os contextos em que a palavra ocorre no género masculino e feminino em ambas as variedades da língua portuguesa. Chegámos a revelar que, no PE, o género masculino foi identificado em 44 ocorrências, enquanto que o feminino o foi em 122. No PB, surpreendentemente, ocorreu o contrário: o masculino foi identificado como o género gramatical mais frequente (em 232 casos) e o feminino apenas em 30. Procedendo à análise dos contextos em cada frase, chegámos à conclusão de que, de acordo com os exemplos que tivemos à disposição, no português europeu, o género feminino da palavra componente parece genérico, sendo usado num vasto leque de campos semânticos (em áreas como meio-ambiente, ecologia, cultura, economia, linguística, política) e o masculino revelou-se semanticamente restringido ao uso em áreas como eletricidade, produtos eletrónicos, biologia, medicina, farmacologia, química, etc. No português do Brasil, verificou-se quase o contrário: o género feminino revelou-se muito menos frequente do que o masculino. Ao contrário da variedade europeia, contudo, não foram encontradas nenhumas restrições semânticas. O uso do género feminino equivale, a título do espetro semântico, ao uso do masculino, sendo esse muito mais frequente.

Vejam-se alguns exemplos de sintagmas Nome+Adjetivo, tirados do Corpus do Português: Português Europeu 22(m.) < 122(f.)[16] No género masculino foram encontradas 44 ocorrências: O componente- ativo (do tempero), tóxico, biologicamente ativo, primário (o tolueno), principal (montromonlonite).

No género feminino foram encontradas 122 ocorrências: A componente ' agrícola, ambiental, artificial, áudio, brasileira, cénica, científica, cultural, da velocidade radial, de abastecimento de água, de entretenimento, de formação, de internacionalização, de pequenos comerciantes, de reciclagem, essencial de funcionamento, estratégica, exportadora, expressiva, financeira, genética, histórica, horizontal, humana, importante, inata, individual, noturna, política, sensorial, simbolista, social, subjetiva, técnica, tecnológica, necessária, onírica, política.

Português do Brasil 232 (m) > 30 (f) Foram encontradas 232 ocorrências no género masculino: O componente ' arbóreo, co-seno, da atividade, das taxas, de contextualização, de ajuste estrutural, de circuito, de geração, de processamento, de traição, de um sistema, do texto, dominante, em questão, genético, gramatical, importante de filmes, informativo, isolado, menos controlado, metodologia, resistente, plástico, político, propósito, racional, sentencial, socioeconómico, ético.

No género feminino foram encontradas 30 ocorrências: A componente ' da força, escalar do gradiente, fonética, fonético-fonológica, hidrostática, horizontal da velocidade, vertical, radiométrica, subjetiva, seno, co-seno.

8. Estudo sincrónico do português europeu Como pudemos ver nas secção anterior, o problema no caso do Corpusdo Português foi o facto de este nos proporcionar um número insuficiente de ocorrências usadas em PE, sobretudo no masculino, o que nos impossibilitou obter uma delimitação semântica mais exata de ambos os géneros. Como pudemos observar, a análise dos resultados das ocorrências encontradas sinalizou-nos pelo menos o grau de extensão semântica dos dois géneros no PE (vejam-se os exemplos mencionados no fim da secção anterior.) O componente aparece acompanhado por atributos e modificadores que pertencem às áreas da eletricidade e dos produtos eletrónicos, biologia, química, farmacologia e informática. O género feminino foi encontrado em contextos semanticamente mais vastos (cultural, económico, político, científico, etc.).

Dos valores que o corpus Linguateca (Cetem Público) nos oferece, depreende-se que a palavra componente apresenta um total de 4629 ocorrências, das quais 1172 documentadas na secção sociedade. Em segundo lugar está a secção cultura, seguida por áreas não determinadas: política, economia, cultura e sociedade, desporto, opinião e informática. O uso de cada género gramatical difere conforme a área, como vemos.

Eis os primeiros resultados de Linguateca, Cetem Público: Distribuição de ‘componente' por secção

__________________________________________ |Sociedade___________|1172|Economia____|606| |Cultura_____________|970_|Cultura_____|264| |Área_não_determina|686_|Desporto____|164| |Política___________|632_|Opinião____|99_| |____________________|____|Computadores|36_|

Procedemos da seguinte maneira: para ilustrar previamente a diferença do género gramatical de acordo com a frequência de uso e com o campo semântico, pesquisámos o uso da palavra componente apenas com os determinantes o, a, um, uma, o processo mais fácil de identificar o género gramatical. Chegou-se a uma diferença bem marcada entre o género feminino e o género masculino.[17]

_______________________________ |_________________|uma|a__|um|o_| |Sociedade________|244|276|11|6_| |Cultura__________|234|243|14|7_| |Cultura-sociedade|54_|41_|18|7_| |Não_determinado_|144|160|15|10| |Economia_________|126|149|9_|__| |Política________|109|131|4_|3_| |Desporto_________|32_|40_|4_|__| |Opinião_________|21_|12_|2_|1_| |Computadores_____|3__|5__|2_|3_|

Mas faltava, em todo o caso, procurar outras ocorrências da palavra componente acompanhada por determinantes, modificadores e atributos, marcadores do género em casos duvidosos. Quando não foi possível identificar o género gramatical pelo atributo ou modificador mencionado no quadro anterior (por exemplo, no caso de „forte „componente, „como „componente), tivemos que procurar o marcador do género gramatical mais próximo: „o forte „componente/a „forte „componente, e outros. Com este procedimento pretendemos registar um número mais elevado de ocorrências e obter assim a maior objetividade possível:

__________________________________________________________________ |Determinante + componente | | | | |Preposição + determinante + componente|f. |m. |Não identificad| |Modificador + componente | | | | |Preposição_+_componente_______________|____|___|________________| |esta/este_componente____________________|47__|4__|________________| |desta/deste_componente__________________|17__|4__|________________| |nesta/neste_____________________________|3___|-__|________________| |essa/esse_componente____________________|48__|5__|________________| |nessa/nesse_componente__________________|3___|-__|________________| |dessa/desse_componente__________________|10__|2__|________________| |aquela/aquele_componente________________|4___|3__|________________| |daquela/daquele_componente______________|-___|1__|________________| |naquela/naquele_componente______________|-___|-__|________________| |da/do_componente________________________|492_|4__|________________| |na/no_componente________________________|113_|-__|________________| |a/o_componente__________________________|1057|34_|________________| |uma/um_componente_______________________|967_|79_|________________| |segunda/segundo_componente______________|19__|2__|________________| |sua/seu_componente______________________|198_|4__|________________| |pouca/pouco_componente__________________|1___|-__|________________| |outra/outro_componente__________________|48__|8__|________________| |ligeira/ligeiro_componente______________|1___|-__|________________| |,_(vírgula)_componente_________________|6___|2__|18______________| |como_componente_________________________|17__|-__|33______________| |sem_componente__________________________|2___|-__|2_______________| |forte_componente________________________|320_|.__|40______________| |principal_componente____________________|27__|15_|24______________| |TOTAL:__________________________________|3063|167|117_____________|

Chegámos a contar 3063 ocorrências do género feminino, 167 do género masculino, sendo as demais ou adjetivos ou substantivos de género não identificável. Da lista das construções que foram analisadas, fizemos a seleção manual de todas as que se repetiram (duas, três ou até mais vezes), como ocorreu com componente política, cultural, social, a(c)tiva, passiva, máxima, vital, viral, de educação, regionalista, rebelde, moralista, ética,etc., chegando o nosso corpus a perfazer 1013 construções da palavra „componente no género_feminino e 90 no masculino. Dividimos as construções encontradas em quatro campos semânticos diferentes ' ou secções, como se pode ver no quadro seguinte: Comparação da atribuição do género gramatical à palavra componente de acordo com o campo semântico:

Divisão porcentual por cada área (percentagem arredondada):

9 . Conclusão: Os resultados da presente pesquisa contrariaram parcialmente as nossas premissas: pressupunha-se que a oscilação do género gramatical fosse originada, com maior probabilidade, pelo fator da frequência de uso, o que acabou por verificar-se em apenas alguns casos do PB e noutros tantos casos do PE, mas não se esperava que esta análise acabasse por ser um estudo do caráter „genérico semântico (Frias e Gouveia: 1999) da palavra em questão.

Em algumas construções foi difícil encontrar a fronteira exata entre a secção política e económica como, por exemplo, em componente de cooperação ou componente profissional. Umas vezes, componente parecia ser a palavra comum e mais abstrata, como no caso de componente humana ou componente portuguesa. Por esta razão, decidimos analisar os constituintes frásicos mais próximos como fizemos no caso decomponente portuguesa da produção, em que o atributo da produçãoespecificou a área de indústria. Esta necessidade levou-nos a observar detalhadamente as construções inteiras e não apenas as que estavam imediatamente pospostas (e em raros casos antepostas) à/ao componente. Tendo feito esta análise minuciosa, conclui-se que, no PE, o género está mais vinculado à compatibilidade semântica no eixo sintagmático, o que não raramente nos faz aproximar das chamadas combinatórias ou colocações. Muitas vezes, a palavra componente é seguida de aposto de especificação, como se pode ver na lista adicionada em Anexo.

Todos os dados parecem indicar que o género masculino da palavra componente aponta para as realidades mais concretas existentes nas áreas da química, farmacologia, medicina, alimentação, eletricidade e de produtos químicos, enquanto que o género feminino abrange um grau maior de abstração, o que, também, predeterminará certamente o grau de abstração dos verbos. Muitas vezes o componente articula-se com verbos como colar, pegar, transportar, reduzir, ser, detetar, lançar, fornecer, encontrar, danificar, etc. Em a componente, por outro lado, verificou-se no eixo sintagmático o uso de verbos mais abstratos (por exemplo, incentivar, desenvolver, juntar, incluir, etc.).

Ao mesmo tempo, registou-se, na secção de cultura, em que se verificou a prevalência do feminino, em poucos casos, o uso do género masculino, o que talvez se deva à oscilação do género que não acarreta nenhuma diferença semântica. A secção de cultura, não obstante, parece ser a única em que ocorre a oscilação do género no PE, sendo que na secção de política e de economia foram documentadas apenas 2 e 9 ocorrências no masculino, respetivamente, ou seja, um número muito reduzido para podermos constatar o mesmo fenómeno.

Como vimos, a percentagem calculada é absolutamente unívoca no que diz respeito à predominância do género feminino, demonstrando que componente, no género feminino, designa uma realidade extralinguística com maior grau de abstração.

Este facto é comprovado pelos números, contradizendo o que estipulam os dicionários, que falam evidentemente a favor do uso do masculino. Este, não obstante, caso apareça, é usado em contextos muito mais específicos, correspondendo 76% das suas ocorrências encontradas nas áreas da informática, química e farmacologia, ou seja, áreas em que foi documentado muito raramente o género feminino.

Mesmo que à primeira vista os números falem a favor do feminino, teremos que proceder, na escolha do género, muito mais cuidadosamente, considerando as áreas em que se usará o nome componente. Nas áreas da cultura, política e economia, podemos, sim, partir de números quase unânimes: 591:28 (cultura), 122:2 (política), 223:9 (economia). A área da indústria, não obstante, constitui um ponto problemático, por predominar, de novo, o uso do género feminino: 77:69. Apesar disso, antes de concluir a pesquisa, é preciso acrescentar que a área da indústria teve que ser subdividida em subsecções, conforme o contexto em que componente aparece. Assim, obtivemos mais três subcampos ‘industriais', sendo o primeiro ‘a indústria em geral', onde aparece muitas vezes o género feminino. No segundo subcampo de ‘as indústrias farmacológica, química e alimentar' predomina o uso do género masculino, aparecendo muito raramente casos de feminino. Na terceira subsecção da ‘informática', contudo, verificou-se apenas o género masculino.

A favor do uso do masculino na área industrial (sobretudo nas áreas da farmacologia, química e informática), fala também a alta percentagem deste campo no espetro semântico geral do género masculino. Dos 100% das ocorrências, foi aqui que se registou a maior parte do uso do género masculino. Aliás, a mais alta de todos os itens comparados, o que corrobora a unanimidade do uso do masculino nesta área.


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