Vivre le deuil au jour le jour
RECENSÕES
Vivre le deuil au jour le jour: Christophe Fauré, Paris, Albin Michel, 2012,
330 pp.
Clara Costa Oliveira*
*Universidade do Minho, Instituto de Educação/Centro de Estudos Humanísticos;
Instituto de Educação; Campus de Gualtar; Universidade do Minho; 4710 Braga;
Portugal.
claracol@ie.uminho.pt
Nos últimos dez anos, verificou-se uma proliferação de investigação sobre o
luto, provavelmente relacionada com o mesmo fenómeno, no que diz à morte e
processo de morrer, que começou a ocorrer um pouco mais tarde. As pioneiras
neste assunto foram as teóricas enfermeiras, com as suas descrições dos ciclos
de sofrimento, como Kubler-Ross.
Todas as áreas de saúde se dedicam ao estudo desta temática, tendo sido
produzidos vários quadros teóricos e de intervenção, conforme as áreas. Assim,
na psicologia temos, talvez como os mais conhecidos, os ciclos de luto de
Baldwin, Bruner e o de Neimeyer, (mais recente e mais reconhecido, atualmente),
enquanto na psiquiatria podemos encontrar os ciclos de Wordem e de Lindemann,
entre outros. Em Portugal, a Doutora Daniela Alves é uma referência
incontornável neste assunto (em articulação direta com Neyemer). Alguns destes
autores tratam dos lutos de vivos, além do luto dos mortos, que é aquele mais
recorrente, em termos de investigação.
Esta obra, de autor menos divulgado entre nós – eventualmente por ser
francófono – aborda ambos oso tipos de luto, ainda que dê alguma proeminência
ao luto de mortos. Divide-se em seis partes, como indica o índice: O que é o
luto?; O processo de luto; Qual luto?; A ajuda; Epílogo; Anexos. Cada uma
destas secções encontra-se, contudo subdividida em várias subpartes, que
estimulariam à leitura da obra se constassem do seu índice. A obra encontra-se
editada com um tamanho de letra acima da média, o que facilita indubitavelmente
a sua leitura.
Em continuidade com os estudos anteriormente mencionados sobre esta temática (e
outros), o autor coloca o luto como um processo de sofrimento integrado no
processo de vida de qualquer ser humano e denuncia a crescente tendência à sua
patologização. É de luto normal que este livro fala, reflete e fornece pistas
de atuação face a pessoas que estejam a viver esse processo, cujo timing
depende da intensidade do vínculo e da idiossincrasia de cada pessoa que o
vive.
Salientando a inter-relação entre os ciclos que enuncia, ele aponta para 4
fases: 1 - Choque, Sideração, negação; 2 - Fuga/Busca; 3 - Desestruturação; 4 -
Reestruturação.
A identificação da fase em que a pessoa se encontra predominantemente num
momento específico da sua vida num processo de luto pode ser identificado pelas
seguintes questões (pp. 257-271): "Qui avez-vous perdu?" (sendo que a pergunta
remete para a vinculação e não para um nome, ou uma função social, de uma
pessoa); "Que s’est-il passé?" (onde devemos estar atentos à organização da
história, à sua coerência, à recorrência de determinados temas, à focalização
num determinado momento da história, etc) e "Où on est vous aujourd’hui?" (onde
se avalia a projeção da pessoa no passado , no presente e no futuro): pp. 257-
271.
Na 1ª fase do ciclo de luto normal, o autor considera que encontramos
usualmente, momentos de descarga/anestesia emocional, necessidade de se
confrontar corporalmente com as pessoas que perdeu, bem com os seus objetos;
ainda nesta faze pode-se começar a ter a noção de que a perda é real. Na fase
de Busca/fuga, as pessoas tendem a sentirem-se confusas e desorientadas, entre
a sensação de irrealidade e aquilo que lhe dizem ser a realidade. São momentos
nos quais se pode ouvir, cheirar e até ver a pessoa que se perdeu num local
específico, ou em alguém que por nós passa. Busca-se o outro que nos dizem que
partiu para sempre, e começa-se a pensar em o que fazer com os seus objetos,
como lidar com heranças, rituais sociais, etc. Por ser uma fase de busca e de
fuga, esta pode levar a comportamentos sexuais não habituais na pessoa em causa
(quer quanto ao tipo de parceiro sexual, quer à intensidade, quer à quantidade
deste tipo de atividade humana).
Alguém em processo de luto encontra-se predominantemente na 3ª fase quando já
não busca mais (ou busca menos), quando o inevitável esmaga inexoravelmente a
sua existência. Medo de viver, medo de perder aqueles que ama e que ficaram,
cólera, raiva, ansiedade, são características de quem se sente a afundar, de
quem precisa agora mais do que nunca daqueles que ama, ainda que possa recusar
falar, exprimir-se, expor-se. Esta fase tem que ser vivida até ao fim, por mais
que nos custe ver alguém que amemos a sofrer tanto; lentamente iremos vendo
esses estádios de aniquilamento interior a serem substituídos por momentos de
silêncio sereno... última fase que começa a desabrochar, a de reestruturação. A
pessoa vai querer estar sozinha, ou fica virada para dentro de si no meio
daqueles que ama. Que não seja perturbada; é uma borboleta que se corporifica
por dentro de um casulo, lentamente; é o tempo de encontro consigo, numa
descoberta de um eu diferente daquilo que se era, é o tempo de se redefinir o
seu lugar no mundo e dos outros no seu mundo. Aos cuidadores cabe estar
presente, fazendo as perguntas acima enunciadas esporadicamente, mas não
sufocar a pessoa; ela está a renascer, um processo doloroso e maravilhoso,
simultaneamente, mas que exige muita concentração!
O livro conclui com algumas páginas breves dedicadas ao luto complicado (ou
patológico) e à sua eventual medicação; encontra-se repleto de descrição de
exemplos de situações clínicas de clientes do autor, psicólogo e psiquiatra;
nos anexos remete para várias instituições francesas que podem ajudar pessoas
em processo de luto normal (e/ou seus familiares, como grupos de auto-ajuda,
que também existem em Portugal).
Campus de Gualtar
4710-057 Braga
Portugal
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