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EuPTHUHu0807-89672015000100001

EuPTHUHu0807-89672015000100001

National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolHumanities
Great areaHuman Sciences
ISSN0807-8967
Year2015
Issue0001
Article number00001

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Como traduzir a ordem das palavras na frase? Estudo interlinguístico sobre a topicalização do complemento direto na tradução polaco-português

0. Introdução, objetivos do estudo e questões de pesquisa O presente estudo, que se insere numa investigação mais alargada sobre técnicas de tradução direta polaco-português[1], visa analisar a ordem dos constituintes da frase no par de línguas em destaque, centrando-se nas construções de topicalização (cf. Duarte, 1989 e 2014) na respetiva tradução portuguesa. No seu âmbito geral, a investigação enquadra-se nos princípios teóricos dos Estudos Descritivos de Tradução e remete para os conceitos de normalização e de interferência enunciados por Toury (2012), bem como para a noção de técnica de tradução de acordo com Molina e Albir (2002). No seu âmbito particular, a análise contrastiva polaco português centra-se nas técnicas linguísticas utilizadas na tradução para dar conta das especificidades da ordem dos constituintes da frase polaca, resultantes, na tradução portuguesa, em construções de topicalização.

Na presente etapa de investigação, centramo-nos apenas na abordagem qualitativa do fenómeno em apreço, deixando a respetiva abordagem quantitativa para uma fase mais desenvolvida e aprofundada do estudo.

Atendendo aos objetivos acima expostos, e tendo em consideração que as duas línguas em foco apresentam a ordem canónica SVO, mas mostram também outros padrões de ordenação (OVS e OSV), surgem as seguintes perguntas de investigação: (i) As frases com ordem básica SVO em polaco são traduzidas para português com a ordem canónica SVO? (ii) As frases com ordens sintáticas alternativas em polaco, OVS e OSV, são traduzidas para português com a ordem canónica SVO? (iii) Se as frases em polaco com ordem OVS e OSV podem não ser traduzidas para português com a ordem canónica SVO, então que ordem dos constituintes pode o tradutor aplicar na sua tradução para português? 1. Enquadramento teórico-metodológico 1.1. Estudos Descritivos de Tradução O presente estudo importa dos Estudos Descritivos de Tradução duas leis, a noção de regularidade e a de técnica de tradução (cf. Toury, 2012; Pym, 2012; Molina e Albir, 2002).

Toury (2012) denomina como law of growing standardization (traduzida para português como lei de normalização crescente [Pym, 2012: 154]) o facto de a linguagem das traduções tender a substituir relações textuais típicas da língua do texto de partida, às quais chama textemas, por opções próprias da língua do texto de chegada, denominadas repertoremas. Por outras palavras, a tradução recorre a modelos da escrita da cultura de chegada e tende a ser estilisticamente mais normalizada/padronizada do que o texto-fonte (Toury, 2012: 303-10).

Por sua vez, a lei da interferência refere-se à transferência de características pertencentes à configuração do texto de partida para o texto de chegada, ou seja, as traduções tendem a manifestar interferências linguísticas da língua de partida (Toury, 2012: 310-2).

A identificação de fenómenos tradutórios implica, no presente estudo, a comparação dos textos de partida e de chegada conducente, entre outros, à observação de regularidades, que, neste caso, se manifestam no uso repetido de construções sintáticas. Toury (2012: 10) aborda a questão em termos de regularidades do comportamento do tradutor, observáveis na tradução e necessárias à formulação de leis em tradução.

Ainda que, pelo seu caráter restrito, um estudo de caso não possa ambicionar formular qualquer tipo de lei em tradução, pode, a partir das regularidades observadas, almejar uma explicação provável à luz das leis da normalização e da interferência enunciadas por Toury (2012).

Por fim, o conceito de técnica de tradução, adotado no nosso estudo, baseia-se na definição apresentada por Molina e Albir (2002). As referidas autoras definem técnicas de tradução como procedimentos tradutórios, identificados e classificados com base na comparação dos textos de partida e de chegada, que afetam microunidades textuais e, consequentemente, o resultado da tradução. As técnicas de tradução são ainda de natureza (i) discursiva, porque são apuradas no seio de um texto, (ii) contextual, visto que a sua aplicação depende do contexto, e (iii) funcional, porque exercem determinadas funções no produto da tradução (Molina e Albir, 2002: 509).

Do ponto de vista metodológico, o estudo de caso por nós aqui apresentado baseia-se na análise qualitativa de um corpus de exemplos extraídos da novela polaca Tommaso del Cavaliere de Julian Stryjkowski (1982) e da respetiva tradução para português da autoria de Zbigniew Wódkowski (1990).

1.2. Estudos linguísticos Do ponto de vista da tipologia linguística, e em termos genéricos, a ordem dos constituintes nas línguas constitui um dos temas mais destacados (e fascinantes), mas também um dos mais difíceis de abordar. Desde o trabalho pioneiro de Greenberg (1963/1990) sobre o assunto, passando pelos de Ruhlen (1975) e Tomlin (1979 e 1986), a ordem dos constituintes na frase tem sido estudada numa perspetiva comparativa, envolvendo um considerável número de línguas que diferem quanto à rigidez e/ou flexibilidade da ordem das palavras na frase. O inglês é o exemplo comummente referido para exemplificar uma língua com uma ordem de palavras rígida, na medida em que as funções sintáticas são ditadas pela posição dos constituintes na frase (Vellupillai, 2012: 281; cf.

Eliseu, 2008: 28, 83).

A caracterização da ordem de palavras básica é feita a partir da observação de frases declarativas, afirmativas e não enfáticas. Em todas as línguas, outros tipos de frase (como as interrogativas, exclamativas, etc.) mostram diferentes padrões de ordenação. (Eliseu, 2008: 28).

Em tipologia linguística (Velupillai, 2012), a caracterização da ordem dos constituintes da frase com base nas funções sintáticas de sujeito (S), verbo (V) e objeto direto (O) é um dos critérios fundamentais aplicado para classificar as línguas:

Word order typology seeks to map the basic constituent order in languages, which is not as straightforward to determine as one might initially think. First of all, in order to determine the basic word order of a language, simple declarative sentences are sought, where both arguments of the verbs are nominal () and not pronominal. This is because pronominal arguments may follow different word order rules from nominal arguments. In Italian, for example, the pronoun may pre- cliticize to the verb, changing the word order from SVO to SOV. ().

[T]he less marked sentence type, the declarative statement, is considered to exhibit the more basic word order. Often, though by no means always, this is also the most frequent word order in the language. Frequency is, in fact, the most straightforward factor in determining basic constituent order. () In most languages there is likely to be a dominant word order, but () there are also languages where two or more word orders occur with roughly the same frequency.

(Velupillai, 2012: 282-284).

A ordem dos constituintes da frase varia consoante as línguas, sendo dois os principais padrões de ordenação:

As línguas do tipo do Latim, em que são aceitáveis diversas ordens, exibem a chamada ordem de palavras livre, enquanto línguas como o Português, em que existe um padrão de ordem básico, são línguas com uma ordem de palavras fixa (o que não quer dizer que haja uma ordem de palavras única. (Eliseu, 2008: 29) [Destaques do autor]

No que se convencionou chamar ordem flexível dos constituintes, mais visível e frequente nas línguas com marcação morfológica nominal muito rica (como, por exemplo, as línguas eslavas, em geral, e o polaco, em particular) convém esclarecer que se trata de um termo com as suas próprias restrições:

A number of languages have so-called flexible' (or free') word orders, where the order of the constituents is not determined by syntactic roles, such as subject and object, but by some other principle. In some languages the order is determined by semantic factors such as animacy; in others by various pragmatic factors such as topicality or focus or information structure, in yet others the word order is determined by grammatical factors such as aspect. ().

In [some] kinds of languages it is only accurate to label it flexible' word order if the criterion is the position of constituents according to grammatical relations, since they are only flexible in the sense that constituents with various syntactic roles may appear in different positions. However, the word order in the above-mentioned languages may be said to be rigid with respect to other criteria, such as animacy, pragmatic roles or whatever else it is that determines the position of the constituents. (Velupillai, 2012: 300-302).

O nosso estudo parte da observação de que tanto o polaco como o português são línguas de sujeito nulo (cf. definição do fenómeno em Raposo et al. 2014: 2311) [2] e caracterizam-se pela ordem canónica SVO, embora apresentem, em grau diferenciado, outros padrões de ordenação (cf. Cunha e Cintra, 1987: 162; Mateus et al., 2003: 157; Bartnicka e Satkiewicz, 2010: 153-154).

Em português, como nas demais línguas românicas, predomina a ORDEM DIRECTA, isto é, os termos da oração dispõem-se preferencialmente na sequência: SUJEITO+VERBO+OBJECTO DIRECTO+OBJECTO INDIRECTO ou SUJEITO+VERBO+ PREDICADO. (Cunha & Cintra, 1987: 162) [Destaques dos autores]

O Português é uma língua SVO, ou seja, é uma língua em que a ordem básica de palavras é Sujeito Verbo Objecto(s). (Mateus et al., 2003: 157) [Destaques das autoras]

Por sua vez, Bartnicka e Satkiewicz (2010) descrevem a ordem das palavras na frase polaca do seguinte modo:

A ordem do sujeito e do predicado na frase não é fixa, pode mudar. As frases que apresentam o sujeito em primeiro lugar representam a ordem neutra, estilisticamente não marcada. A alteração da ordem do sujeito e do predicado pode ser motivada pela intenção de realçar um dos membros da frase que transmite uma informação mais importante. () Assim, a ordem do sujeito e do predicado na frase polaca pode ser definida como livre, ainda que não seja totalmente livre. (Bartnicka e Satkiewicz, 2010: 153-154) [Tradução nossa][3]

De uma maneira geral, e com base nas gramáticas académicas consultadas nas duas línguas, verifica-se que o português é descrito como uma língua canonicamente SVO, com uma morfologia verbal rica, enquanto o polaco, apesar de também apresentar a ordem básica SVO, é descrito como uma língua com uma ordem de palavras mais livre que o português, mas com uma morfologia extremamente rica, tanto a nível verbal como a nível nominal.

O polaco, tal como o latim, apresenta uma ordem de palavras mais livre do que o português, porque as funções sintáticas são nele marcadas através de uma codificação morfológica pelas desinências nominais e pronominais das declinações (cf. Eliseu, 2008: 29)[4].

No português, pelo contrário, não se conservou o sistema das declinações do sintagma nominal (mantendo-se apenas algumas marcas de caso ao nível pronominal); as funções sintáticas são sobretudo ditadas pela posição dos constituintes na frase: assim, na ordem SVO, por exemplo, o sujeito precede o verbo e o objeto ocorre após o verbo. O polaco com as suas sete declinações (nominativo, genitivo, dativo, acusativo, instrumental, locativo e vocativo) apresenta uma morfologia extremamente rica tanto a nível do nome como do pronome (o que inclui não os pronomes pessoais, mas também os demonstrativos, os interrogativos e os relativos que'), permitindo uma ordem mais flexível de palavras na frase. Deste modo, verifica-se uma relação entre a riqueza morfológica (tanto nominal como verbal) de uma língua e o seu padrão de ordenação mais ou menos flexível (cf. Eliseu, 2008: 29). Comparativamente, o polaco, tal como as outras línguas eslavas, sendo uma língua mais rica morfologicamente, surge como uma língua com uma ordem de palavras mais livre do que o português:

A extraordinária riqueza do sistema morfológico das Línguas Eslavas está na origem de uma Sintaxe relativamente flexível quanto à ordem dos constituintes. Assim, embora a ordem de base da frase eslava seja SVO, as ordens alternativas OVS ou OSV surgem com frequência, embora com cargas pragmáticas diferenciadas. (Batoréo, 2010: 82)

A fim de se perceber melhor como funciona a tradução da ordem dos constituintes polaco-português, atente-se no seguinte exemplo apresentado em Batoréo (2010: 82):

Se traduzirmos palavra-a-palavra as três frases polacas acima citadas, obtemos, em português: (i) uma frase gramatical e fiel ao original: A Barbarazinha gosta do Joãozinho'; (ii) uma frase não-gramatical (a agramaticalidade, indicada pelo asterisco, inverte o sentido da frase, atribuindo os respetivos papéis temáticos de modo diferente do que no original): *'O Joãozinho gosta da Barbarazinha', por fim, (iii) obtemos uma frase também agramatical (indicada pelo asterisco) tanto a nível sintático como semântico: *'O Joãozinho a Barbarazinha ama' 2. Análise qualitativa do corpus reunidoe descrição dos fenómenos linguísticos observados A pergunta de investigação colocada acima, na seção (1): As frases com ordem básica SVO em polaco são traduzidas para português com a ordem canónica SVO? parte do pressuposto de que não haverá alteração sintática quanto à ordem dos constituintes da frase polaca traduzida para português, uma vez que se trata da ordem não marcada em ambas as línguas. Após a comparação dos textos de partida e de chegada, observou-se a regularidade esperada, conforme a ilustração nos dois exemplos seguintes, (1) e (2)[5]:

No exemplo (1), Stryjkowski (1882: 42) e Wódkowski (1990: 46), a ordem sintática polaca SVO é mantida na tradução literal para português. O exemplo apresenta ainda a técnica de tradução da amplificação, que consiste na introdução de detalhes ausentes no texto de partida, neste caso, o determinante possessivo a sua, o que se entende à luz da lei da explicitação.

O exemplo (2), Stryjkowski (1882: 42) e Wódkowski (1990: 47), ilustra uma tradução literal e como tal mantém a ordem dos constituintes da frase polaca. O facto de a tradução portuguesa conter mais palavras do que o original polaco (o', um', de') prende-se com diferenças estruturais entre as duas línguas: o polaco não tem artigos e, na expressão de posse/ pertença, emprega o caso genitivo, quando o português precisa da preposição de', como em grito de alegria'. Por conseguinte, em (1) e (2), as duas frases constituem exemplos daquela que é a prática tradutória esperada, ou seja, a ordem SVO em polaco é preservada na tradução para português.

A segunda pergunta de investigação por nós inicialmente apresentada parte da hipótese de que as frases com ordens sintáticas alternativas em polaco, OVS e OSV, sejam traduzidas para português com a ordem canónica SVO, uma vez que a tradução literal (palavra-a-palavra) pode resultar em frases agramaticais ou marcadas, que desvirtuam o sentido.

Em busca de exemplos ilustrativos desta hipótese no seio do nosso corpus, deparámo-nos com várias ocorrências, que ilustram a tradução polaco-português através da técnica OVS ou OSV (PL) SVO (PE), de entre as quais destacamos duas, os exemplos (3) e (4):

No exemplo (3), Stryjkowski (1882: 14) e Wódkowski (1990: 18), a ordem dos constituintes básicos da frase em polaco apresenta a sequência OSV, correspondendo à tradução portuguesa com a ordem canónica SVO, tal como esperado. O complemento direto polaco takiego zaszczytu (tal distinção') encontra-se em polaco no genitivo, porque a forma negativanikt nie dostąpił (ninguém gozou') obriga ao uso deste caso.

No exemplo (4), Stryjkowski (1882: 20) e Wódkowski (1990: 23-24), a frase apresenta ordem OVS em polaco, sendo que a sua tradução para português é também efetuada com a ordem canónica esperada SVO. Na tradução deste enunciado, verifica-se ainda o uso da técnica da transposição (Molina e Albir, 2002: 499) que consiste em alterar a classe das palavras: Kościoła da Igreja' (nome, marcado pelo genitivo) eclesiásticos' (adjetivo).

Os exemplos (3) e (4) acima apresentados ilustram uma prática tradutória esperada e respondem afirmativamente à nossa pergunta de trabalho i.e., quando a frase polaca apresenta a ordem OSV ou OVS, a sua tradução para português pode realizar-se com a ordem canónica SVO. Trata-se da aplicação de uma técnica de tradução denominada inversão (Molina e Albir, 2002: 500).

A seguir, iremos abordar a terceira questão de investigação por nós inicialmente apresentada: Será possível traduzir para português as frases com ordens sintáticas alternativas em polaco, OVS e OSV, com outra ordem que não seja a ordem canónica? Se sim, então que ordem/técnica pode o tradutor aplicar na sua tradução para português? Efetivamente, a tradução das frases polacas com as ordens OVS e OSV para português através da ordem canónica SVO poderá não constituir uma norma nas técnicas de tradução polaco-português porque, em português, a ordem dos constituintes da frase não é tão rígida como, por exemplo, no inglês. Cunha e Cintra (1987) advertem que

() [a]o reconhecermos a predominância da ordem directa em português, não devemos concluir que as inversões repugnem ao nosso idioma. Pelo contrário, com muito mais facilidade do que outras línguas (do que o francês, por exemplo) ele nos permite alterar a ordem normal dos termos da oração. (Cunha & Cintra, 1987: 162)

Seguidamente, os autores exemplificam vários tipos de construções que designam como inversão, entre as quais se encontra o caso que constitui o objeto do nosso estudo:

() orações que se iniciam pelo predicativo, pelo objecto (directo ou indirecto) ou por adjunto adverbial. (Cunha & Cintra, 1987: 165)

Noutra passagem, os autores oferecem uma explicação e classificação para a deslocação do complemento direto:

Quando se quer chamar a atenção para o OBJECTO DIRECTO que precede o verbo, costuma-se repeti-lo. É o que se chama OBJECTO DIRECTO PLEONÁSTICO, em cuja constituição entra sempre um pronome pessoal átono: Palavras cria-as o tempo e o tempo as mata. (José Cardoso Pires). [Destaques dos autores] (Cunha e Cintra, 1987: 165)

Mateus et al. (1989) distinguem na estrutura frásica dois princípios:

() um texto fala sempre de um ou mais assuntos o(s) tópico(s) e, em geral, o que diz acerca dele(s) o comentário acrescenta elementos cognitivos adicionais ao que constituía o nosso conhecimento anterior desse objecto. [Destaques das autoras] (Mateus et al., 1989: 148)

Mais adiante, as autoras (1989: 151) acrescentam que:

[e]m geral, numa frase declarativa não marcada, à estrutura sintáctica sujeito-predicado corresponde a estrutura temática tópico- comentário. () nas frases não marcadas o sujeito tem, em geral, a função pragmática (ou textual) de tópico e o predicado constitui o comentário acerca desse tópico. [Destaques das autoras] (Mateus et al., 1989: 151)

Tópicos não marcados são, por conseguinte, os tópicos das frases com ordem canónica SVO, nas quais o sujeito e o tópico coincidem. Porém e tal como as autoras advertem

[e]xistem estratégias que permitem seleccionar como tópico frásico um constituinte distinto do sujeito: (13) (a) Esse livro, o João leu. () (14) (a) Esse livro // o João leu-o. ().

(Mateus et al., 1989: 152)

Nos enunciados supra citados, o tópico, o primeiro constituinte da frase, não coincide com o sujeito; este tipo de tópico é denominado pelas referidas autoras como tópico marcado.

Estudos sobre estruturas frásicas, desenvolvidos nos últimos anos em Portugal, apontam para a ocorrência de enunciados que não obedecem à ordem SVO, considerada, em português, canónica ou não marcada. Estes enunciados construídos de acordo com a ordem tópico-comentário, são denominados construções de topicalização (CT) na Gramática do Português de Raposo et al.

(2014: 401-426). Na referida gramática, o capítulo sobre Construções de Topicalização é da autoria de Inês Duarte[6], a quem se devem os primeiros estudos sobre este fenómeno em português, com a dissertação de doutoramento intitulada A Construção de Topicalização na Gramática do Português. Regência, Ligação e Condições sobre Movimento (1989).

Segundo Duarte (2014: 401), o interesse pelas construções de topicalização reflete as tendências da análise sintática, iniciadas pelos estruturalistas checos, que criaram as noções de tema e rema, mais tarde transformadas pelo linguista Charles F. Hockett em tópico-comentário. A introdução do termo tópico resultou da observação de que o primeiro constituinte da frase nem sempre coincide com o sujeito, o que, por sua vez, conduziu à necessidade de complementar a distinção aristotélica entre sujeito e predicado com a distinção entre tópico e comentário, sendo tópico definido «como a expressão linguística sobre que se diz alguma coisa» (Duarte, 2014: 401).

No caso das frases SVO, o sujeito coincide com o tópico e o predicado com o comentário. Retomemos o exemplo (4):

Se aplicarmos uma construção de topicalização à mesma frase, obtemos o seguinte enunciado:

Tal como se depreende dos exemplos supra apresentados, as estruturas sujeito- predicado e tópico-comentário podem coincidir, mas isto nem sempre acontece.

Assim, o elemento inicial é o tópico da frase que coincide em (4.a) com o sujeito da mesma, tal como o predicado coincide com o comentário. No entanto, em (4.b) o elemento inicial é o tópico, embora não seja o sujeito da frase; este surge logo a seguir ao tópico, constituindo o comentário. Ainda assim, as frases (4.a) e (4.b) são ambas exemplos de construções de tópico-comentário.

Mateus et al. (1989) classificam frases do tipo (4.a) como construções de tópico não marcado e do tipo (4.b) como construções de tópico marcado. As primeiras obedecem à ordem SVO e as segundas constituem o objeto do nosso estudo (cf. Duarte, 2014: 401-426).

Na senda dos estudos acima referenciados e retomando o estudo da ordem das palavras na frase no seio do nosso corpus, verificamos que o tradutor, para além de aplicar a técnica de tradução da inversão, que consiste em verter uma frase polaca com ordem sintática OVS ou OSV para português, utilizando a ordem canónica SVO, pode optar, também, pela topicalização do complemento direto da frase.

Duarte (2014) descreve assim a construção da topicalização:

Uma das construções de tópicos marcados característica das línguas românicas envolve a retoma do tópico marcado por um pronome clítico, () havendo um nexo gramatical muito forte entre este e aquele. Esta construção denominada, na literatura, Deslocação à Esquerda Clítica, está ilustrada em (34): (34) a. A mim, ninguém me contou essa versão da história.

b. Os gerentes, trata-os como se fossem míseros contínuos. [Destaque da autora] (Duarte, 2014: 412)

Analisando o exemplo (34.b) assinalado acima, observamos que o tópico marcado é os gerentes' e o comentário é trata-os como se fossem uns míseros contínuos'.

No nosso corpus, apuraram-se algumas frases do tipo (34.b), ou seja, verificou- se que a tradução de frases polacas com as ordens OVS e OSV também pode ser executada para português com a topicalização do complemento direto.

Selecionámos cinco enunciados que topicalizam o complemento direto na tradução polaco-português. Os exemplos de (5) a (9), que seguidamente analisamos, enquadram-se no âmbito do fenómeno linguístico descrito por Duarte (2014: 412).

Seguem-se alguns dos enunciados construídos com base na topicalização do complemento direto, retomado pelo clítico marcado com o caso acusativo, observados na tradução portuguesa de Tommaso del Cavaliere.

No exemplo (5), Stryjkowski (1882: 10) e Wódkowski (1990: 14), o tópico este poema' - éo complemento direto do enunciado e encontra-se deslocado para a esquerda. O tópico não coincide com o sujeito da frase (que é nulo). O comentário é encontrei-o depois entre os sonetos e madrigais'. No comentário o tópico é retomado pelo pronome clítico o'.

No exemplo (6), Stryjkowski (1882: 10) e Wódkowski (1990: 14), o tópico é todos os papéis do Artista' e o comentário tirámo-los de uma arca'. No tópico, verifica-se que o tradutor usou uma técnica de tradução, classificada como amplificação (Molina e Albir, 2002: 510), ao introduzir um detalhe não formulado no texto de partida: do Artista'. No comentário tirámo-los de uma arca', o pronome clítico os' retoma o tópico.

No exemplo (7), Stryjkowski (1882: 30) e Wódkowski (1990: 34), o tópico é as últimas seis liras'. Nesta frase, o caso genitivo aplicado ao nome lirów liras' é regido pelo numeral. O tópico é retomado no comentário com o pronome clítico as'. A tradução emprega ainda uma técnica denominada modulação, em que se traduz wziął (levou') 3.ª pessoa do singular do tempo passado como'dei' pessoa do singular do Pretérito Perfeito , e que consiste numa mudança de ponto de vista (perspetivação) em relação ao texto de partida (Molina & Albir, 2002: 510). Esta técnica faz com que o verbo e o sujeito do enunciado sejam diferentes no texto polaco (em que é o artesão que leva o dinheiro) e na tradução portuguesa (em que é o autor que o dinheiro ao artesão).

No exemplo (8), Stryjkowski (1882: 32) e Wódkowski (1990: 36), o tópico, as suas cartas e os seus panfletos, reproduzidos em numerosas cópias', é alvo de amplificação (Molina & Albir, 2002: 510) na tradução com o acréscimo de em numerosas cópias'. O tópico é retomado pelo pronome clítico os'. Por sua vez, o complemento por toda a Itália' relativamente ao texto polaco sofre uma explicitação (Molina e Albir, 2002: 500), uma técnica de tradução que consiste em tornar explícita informação que no texto de partida é implícita: por todo o país'.

No exemplo (9), Stryjkowski (1882: 82) e Wódkowski (1990: 87), o tópico a nossa vida' é retomado pelo pronome clítico a'.

Os exemplos acima apresentados ilustram a Deslocação à Esquerda Clítica e têm em comum as seguintes propriedades segundo Duarte (2014: 415):

(i) a retoma do tópico é obrigatoriamente um pronome clítico; (ii) existe entre ambos identidade referencial e concordância em traços de pessoa, número e género; e (iii) o tópico tem a mesma forma que teria se ocorresse no interior do comentário com a função sintática desempenhada pela sua retoma clítica.

(Duarte, 2014: 415)

Para além das características referidas por Duarte (2014), outras propriedades comuns evidenciam-se nos exemplos de 5-9: (i) o primeiro constituinte da frase é o tópico marcado e não coincide com o sujeito da mesma; (ii) o tópico marcado, numa frase com ordem SVO, seria o complemento direto.

Duarte (2014: 404) refere ainda que:

[o] estatuto periférico destas posições é assinalado na escrita através de uma vírgula ou, em certos casos, de reticências; na oralidade, as expressões que ocupam estas posições apresentam-se sempre demarcadas entoacional ou ritmicamente do resto da frase.

(Duarte, 2014: 404)

Todavia, nos enunciados do nosso corpus, a vírgula foi dispensada.

Na Tabela 1 sintetizamos a estrutura das construções frásicas supra descritas, reunidas nos exemplos de (5) a (9).

O fenómeno tradutório observado e ilustrado pela estrutura linguística da Deslocação à Esquerda Clítica do complemento direto indica que, não obstante a preferência demonstrada pela ordem canónica SVO, a língua portuguesa oferece aos tradutores de polaco-português uma alternativa ao uso da ordem canónica. Na tradução de Tommaso del Cavalieri, a ocorrência da topicalização do complemento direto com a respetiva retoma clítica poderá ser interpretada como uma regularidade e como um fenómeno tradutório, revelador da sensibilidade do tradutor face à variação do padrão de alinhamento sintático do texto de partida, bem como do seu desejo de o imprimir no texto de chegada.

3. Fenómenos tradutórios apurados e discussão dos resultados da análise efetuada A análise apresentada com base no corpus escolhido para o estudo mostra que, do ponto de vista da tradução polaco-português e no que respeita à ordem dos constituintes da frase, existem três tendências ou regularidades que podem ser enunciadas de modo seguinte: (i) quando a frase polaca apresenta a ordem SVO, a tradução para português realiza-se com a mesma ordem SVO; (ii) quando a frase polaca apresenta a ordem OVS ou OSV, a tradução para português pode realizar-se com a ordem canónica SVO; (iii) quando a frase polaca apresenta a ordem OVS ou OSV, a tradução para português pode também realizar-se com a topicalização do complemento direto, originando uma Deslocação à Esquerda Clítica.

A reflexão decorrente da observação das regularidades acima apresentadas conduz-nos aos Estudos Descritivos de Tradução, designadamente a Toury (1995: 11), autor que preconiza uma análise conjunta dos três aspetos inerentes à tradução: (i) função, (ii) processo e (iii) produto:

The three aspects have interdependencies we must take into account if we are ever to gain insight into the intricacies of translational phenomena. (Toury, 1995: 11)

Efetivamente, é vantajoso estabelecer a distinção entre processo e produto de tradução. Assim, o processo prende-se com as opções que o tradutor leva em consideração aquando da tradução e, em última instância, implica uma tomada de decisão entre as opções disponíveis. Pelo contrário, o produto é o resultado do processo de tradução, é o fenómeno tradutório observável no texto de chegada.

Ao efetuar a análise comparativa entre o texto de partida e o texto de chegada, apuramos determinados fenómenos tradutórios, que podem ser descritos e explicados em si; no entanto, se quiséssemos recorrer ao processo de tradução para explicar os fenómenos tradutórios, tal implicaria recorrer à entrevista com o tradutor, prática pouco aplicada na análise do produto da tradução no âmbito dos Estudos Descritivos de Tradução (Brownlie, 2003: 106). Assim, podemos apenas tecer considerações acerca dos procedimentos e das opções do tradutor conducentes a determinadas escolhas o produto da tradução.

A identificação de regularidades na tradução polaco-português a nível da ordem dos constituintes da frase aponta para um processo de tradução, no qual o tradutor, consciente das possibilidades existentes, aplicou tanto a ordem canónica da frase SVO como a Deslocação à Esquerda Clítica. A ordem alternativa com topicalização do complemento direto pode ser interpretada como tendo raízes na língua de partida, apesar de se apresentar como uma estrutura específica do português.

Do ponto de vista dos Estudos Descritivos de Tradução, se a regularidade observada OVS ou OSV (PL) SVO (PE)[7] constitui um traço característico da lei da normalização em tradução (Toury 1995: 275), a segunda regularidade observada no processo de tradução OVS ou OSV (PL) Deslocação à Esquerda Clítica (PE) parece ter origem em características do texto de partida, nomeadamente no facto de o primeiro constituinte da frase polaca ser o complemento direto. Por conseguinte, esta técnica de tradução pode ser interpretada como uma interferência da estrutura sintática do polaco no português, que deixa transparecer um procedimento denominado decalque (Molina e Albir, 2004: 499). O facto de o tradutor ser falante nativo do polaco também poderá estar na origem desta interferência, que culmina com o uso da topicalização do complemento direto.

Se, por um lado, o uso da topicalização do complemento direto na tradução portuguesa pode ter as suas raízes na ordem OVS e OSV na língua de partida, que neste caso é a língua materna do tradutor, e assim numa eventual interferência da sintaxe polaca no texto alvo em português, por outro lado, o uso da construção Deslocação à Esquerda Clítica em português com a respetiva cliticização exige um conhecimento (quase) nativo da língua alvo.

Seguindo a argumentação de Toury (1995: 267), podemos considerar a possibilidade de esta eventual interferência da língua de partida, o polaco, sobre a língua de chegada, o português, ser uma interferência positiva, na medida em que o tradutor acaba por recorrer a uma estrutura que origem a uma construção característica do português a Deslocação à Esquerda Clítica. Por isso, Toury (1995:267) também ressalva que nem toda a interferência é negativa e que as duas leis, a da normalização e da interferência, se encontram interligadas.

Relativamente à função que as regularidades identificadas desempenham na tradução, tudo indica que a aplicação da técnica OVS e OSV (PL) SVO (PE) se insere na lei da normalização, que Toury (1995:267-274) enunciou grosso modo como a perda de características e variações da língua de partida na medida em que a tradução obedece às normas da língua de chegada. Porém, a aplicação da técnica de tradução que consiste na Deslocação à Esquerda Clítica parece assumir ainda outras funções, tal como o sugerem Cunha e Cintra (1984/1987)

[d]os factores que normalmente concorrem para alterar a sequência lógica dos termos de uma oração, o mais importante é, sem dúvida, a ênfase. (Cunha & Cintra, 1984/1987: 162)

Deste modo, a Deslocação à Esquerda Clítica pode ainda ser encarada como uma técnica de tradução de natureza e função estilístico-literária, que chama a atenção para o complemento direto, destacando-o sintaticamente.

Por seu lado, Mateus et al. (1989) salientam o envolvimento de outras funções na construção frásica com Deslocação à Esquerda Clítica:

[e]m geral, um tópico tem a função cognitiva de seleccionar e activar um elemento existente na memória passiva do alocutário, transferindo- o para uma memória activa em que possa ser combinado com novos elementos cognitivos introduzidos pelo comentário. Esta função cognitiva dos tópicos determina que, habitualmente, os seus referentes tenham sido apresentados no discurso anterior ou sejam, na situação concreta em que o texto está a ser produzido e interpretado, acessíveis ao locutor e ao alocutário ou seja, o tópicos são em geral, co(n)-textualmente dependentes. [Destaques das autoras] (Mateuset al.,1989: 149)

Se, tal como afirmam Bartnicka e Satkiewicz (2010: 154), em polaco, a ordem do sujeito e do predicado é condicionada por fatores discursivos (lógicos), psicológicos (emocionais) e estilísticos (rítmicos), a tradução para português das frases polacas OVS e OSV com ordem SVO implica a perda de fatores de natureza enfática. a aplicação da Deslocação à Esquerda Clítica na tradução polaco-português pode, pelo menos, menorizar as referidas perdas, em termos da sua motivação.

4. Conclusões Em conclusão, observámos que, apesar da expetativa inicial de que uma maior flexibilidade sintática da língua polaca em relação à língua portuguesa pudesse constituir uma dificuldade tradutória, que acarretasse a perda de valores discursivo-estilísticos, verificou-se que a língua portuguesa dispõe de uma estrutura sintática que em certos contextos pode equivaler às ordens alternativas polacas OVS e OSV a Deslocação à Esquerda Clítica (DEC). A figura abaixo apresentada sintetiza a forma como a frase polaca é traduzida para português no corpus estudado.

A Tabela_2 apresenta, resumidamente, as respostas qualitativas às três perguntas de investigação inicialmente colocadas: (i) as frases com ordem básica SVO em polaco são traduzidas para português com a ordem canónica SVO; (ii) as frases com ordens sintáticas alternativas em polaco, OVS e OSV, são traduzidas para português com a ordem canónica SVO; (iii) as frases com ordens sintáticas alternativas em polaco, OVS e OSV, também podem ser traduzidas para português com a estrutura sintática Deslocação à Esquerda Clítica.

Assim, a construção da Deslocação à Esquerda Clítica, em termos de processos tradutórios, estrutura-se como uma técnica na tradução direta polaco-português, obedecendo às características enunciadas por Molina e Albir (2002: 509): (i) está patente no resultado da tradução; (ii) é classificada por comparação com o original; (iii) afeta microunidades do texto; (iv) é discursiva e contextual e (v) tem uma função própria.

Ainda que o presente estudo apresente uma abordagem qualitativa sobre a tradução polaco-português da ordem das palavras na frase, existe a necessidade de aprofundar os resultados apurados através da realização do estudo quantitativo correspondente, numa fase mais avançada da investigação.

De igual modo, em aberto e para um estudo posterior, permanece, neste momento, a questão de saber se a Deslocação à Esquerda Clítica é uma técnica de tradução comummente empregue por vários tradutores de polaco-português por interferência da língua polaca ou se é, antes, uma marca quer do tradutor do corpus por nós aqui analisado quer, eventualmente, do revisor português que efetuou a verificação final do texto da tradução.


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