Patologia Da Personalidade. Teoria, Clínica e Terapêutica
Patologia Da Personalidade. Teoria, Clínica e Terapêutica (1999) - Vítor Amorim
Rodrigues & Luísa Gonçalves (214 pp.). Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian.
Cabe aos Drs. Vítor Amorim Rodrigues(Hospital Miguel Bombarda/ISPA) e Luísa
Gonçalves(Hospital Miguel Bombarda) o grande mérito de publicarem sobre
perturbações da personalidade em língua portuguesa. O livro recentemente
publicado e cujo lançamento foi realizado no ISPA em Janeiro de 1999, foi
prefaciado pelo Prof. Otto Kernberg(Univ. de Cornell, EUA) o que, só por si,
constitui uma "carta de apresentação" indiscutível.
No panorama científico nacional este livro acompanha a tendência internacional
de crescimento da literatura especializada sobre patologia da personalidade, em
especial, embora não exclusivamente, após a DSM-IV.
Ambos membros da International Society for the Study of Personality Disorderse
fundadores da Unidade de Tratamento das Perturbações de Personalidadeno
Hospital Miguel Bombarda (Lisboa), os autores apresentam os diferentes modelos
teóricos que procuram compreender a patologia da personalidade, fazem uma
excelente revisão da clínica das diferentes perturbações da personalidade e,
finalmente, sistematizam as diferentes modalidades de intervenção terapêutica.
Na primeira parteé feita uma breve revisão histórica sobre personalidade e suas
classificações, considerando 3 períodos: da Antiguidade à I Guerra Mundial, da
I Guerra Mundial à II Guerra Mundial e segunda metade do séc. XX. Esta revisão,
embora superficial, cumpre bem o objectivo central proposto em termos de
enquadramento histórico do estudo das perturbações de personalidade. A meu ver,
a superficialidade relaciona-se com a escolha deliberada de uma descrição
histórica que não enquadra as diferentes concepções sobre a personalidade e
suas perturbações nas respectivas tendências da história da psicopatologia e da
psiquiatria, o que poderia ser útil em relação a E. Kretschmer e a K.
Schneider, por exemplo.
Na segunda partedo livro o leitor pode elucidar-se sobre os diferentes
paradigmas teóricos que procuram entender as perturbações de personalidade,
nomeadamente neurobiológico, evolucionista, cognitivo-comportamental e
psicanalítico. Grande mérito deste livro ao reunir as diferentes perspectivas
teóricas que é muito difícil encontrar todas juntas numa mesma obra sobre
patologia da personalidade. A sua revisão é feita de forma clara e os autores
procuram evidenciar os aspectos essenciais de cada paradigma teórico.
Na terceira parteos autores descrevem a apresentação clínica das diferentes
perturbações da personalidade, bem como os critérios de diagnóstico
respectivos. Fazem-no de forma expedita e clara, sem sobrecarregarem o texto
com informação excessiva sobre prevalência e opções terapêuticas específicas,
muito habitual nos manuais psiquiátricos.
Em relação aos aspectos clínicos julgo que poderiam ter ido mais longe, pelo
menos em 2 áreas que considero relevantes em relação às perturbações de
personalidade: confronto com stress e comportamentos de saúde. Embora sendo
certo que as perturbações de personalidade têm grande importância no quadro dos
serviços de saúde mental, não é menos verdade que há um conjunto também
importante de sujeitos com perturbações de personalidade que não contactam
necessariamente com serviços de saúde mental mas que colocam questões
problemáticas no contexto da prestação de cuidados de saúde, quer nos cuidados
primários quer nos hospitais gerais. Em geral, os técnicos de saúde têm
dificuldade em compreender o comportamento desses sujeitos, que podem colocar
diferentes dificuldades comunicacionais e relacionais, desconhecendo a
influência que a patologia da personalidade pode ter, por exemplo, ao nível do
envolvimento em comportamentos de risco para a saúde, dificuldades no confronto
com procedimentos médicos indutores de stress (cirurgia, por exemplo),
dificuldades de adaptação à doença e à hospitalização e problemas de adesão aos
tratamentos médicos, sem falar já da resistência diminuída ao stress.
Os autores poderiam prestar um serviço ainda de maior qualidade se, porventura,
se dispusessem a considerar a patologia da personalidade num contexto mais
alargado da saúde e dos cuidados de saúde e não somente no âmbito estrito da
psiquiatria e saúde mental, elucidando os processos psicológicos que estão
subjacentes a diferentes comportamentos relacionados com a saúde nestes
sujeitos.
Saliente-se, no entanto, que esta parte de apresentação clínica é
congruentemente ilustrada por exemplos clínicos pregnantes e variados, uma
espécie de case-vignettesque permitem ao leitor compreender melhor cada tipo de
perturbação apresentada.
Finalmente, na quarta partedo livro são apresentadas compreensivamente as
diferentes modalidades terapêuticas que têm sido propostas: psicofármacos,
técnicas cognitivo-comportamentais, psicoterapia expressiva e programa
terapêutico integrado.
Este livro constitui-se como um excelente manual sobre perturbações de
personalidade, com interesse inegável para introduzir os estudantes de
psicologia ou de medicina ao estudo patologia da personalidade. Permite
adquirir, ordenar e sistematizar conhecimentos indispensáveis para um
aprofundamento ulterior de questões de psicopatologia e clínica. Seria
desejável figurar como texto obrigatório em cadeiras de psicopatologia em
Faculdades de Psicologia e de psiquiatria em Faculdades de Medicina.
Interessará obviamente também aos médicos internos de psiquiatria.
Pena é a revisão descuidada do texto, patente de forma evidente, por exemplo em
erros com nomes de autores e de fármacos, entre outros.
Ficamos agora à espera da publicação de resultados obtidos com o programa
terapêutico integrado e, também, das necessárias reflexões epistemológicas que
os autores certamente virão a fazer sobre o próprio conceito de
"perturbação da personalidade" e sobre a ancoragem social e
cultural dos diversos discursos que a propósito são produzidos pela
psicopatologia, pela psiquiatria e pela justiça.
José A. Carvalho Teixeira