L' Invention du Jeune Enfant au Xixème Siécle: de la Salle D' Asile à L École
Maternelle
L' Invention du Jeune Enfant au Xixème Siécle: de la Salle D' Asile à L École
Maternelle (1997) - Jean Noël Luc. Paris: Belin.
Autor com vários trabalhos publicados nas área da história da infância e da
educação pré-escolar, Jean Noël Luc, propõe-se nesta obra traçar a história das
salas de asilo, um dos primeiros tipos de estabelecimentos destinados ao
acolhimento e à educação das crianças entre os 2 e os 6/7 anos de idade,
articulando-a com a história da representação e das atitudes dos adultos em
relação à criança pequena. Tal como afirma o autor, torna-se difícil
compreender o surgimento e a organização das primeiras instituições de educação
pré-escolar sem olharmos o modo como as crianças dessa faixa etária são
percepcionadas pelos adultos que as rodeiam.
Fruto da iniciativa privada e inspirada no modelo inglês das Infant School, a
primeira sala de asilo francesa abre as suas portas em 1826, destinando-se às
crianças cujas mães trabalham, ou desejam trabalhar, fora de casa. A criação
desta instituição tem como principais objectivos retirar a criança de meios
considerados nocivos ao seu desenvolvimento, como a rua ou as amas, iniciar a
sua educação moral, física e intelectual e melhorar as condições de vida das
classes populares ao permitir o trabalho das mulheres.
Contudo, para Luc, a grande originalidade desta instituição reside em dois
pontos: a) a ingerência da autoridade pública numa função tradicionalmente
considerada como dever e apanágio das famílias; b) a percepção, até aí pouco
vulgar, da criança como um sujeito escolarizável e capaz de beneficiar de um
ensino regular.
Pela primeira vez os poderes públicos ousam intervir na educação de crianças em
idade pré-escolar, cujo destino era tradicionalmente colocado sob a
responsabilidade da família, e fazem-no com base em dois argumentos: a) o
interesse geral, assegurado através da educação precoce das crianças das
classes populares, contribuindo para a formação de trabalhadores eficazes e
prevenindo a marginalidade; b) o interesse da própria criança, já que perante
mães que são consideradas incapazes ou indisponíveis para educarem os seus
filhos, independentemente da sua origem social, a sala de asilo fornece à
criança todos os cuidados de que necessita, assegurando-lhe um bom
desenvolvimento físico, intelectual e moral.
Na primeira parte deste livro, Luc apresenta-nos o nascimento e a teoria da
sala de asilo centrando-se em três questões: a sua institucionalização sob a
tutela do Estado e dos municípios, os seus objectivos de assistência e de
educação e os debates sobre a extensão deste projecto pedagógico a todas as
crianças.
A representação da criança pequena e, mais concretamente, a descoberta da
segunda infância como uma etapa importante no desenvolvimento da criança, assim
como os diferentes projectos de educação doméstica concebidos por uma élite de
pais "pedagogos" da qual fazem parte os fundadores das salas de
asilo, são os temas tratados na segunda parte deste livro.
Numa terceira parte, são analisados o espaço, o material pedagógico e os
métodos utilizados nas salas de asilo; o envio das crianças pequenas para
diferentes tipos de instituições - sala de asilo, escola e amas; a
difusão da pré-escolarização oficial.
Parece-nos ser de realçar, nesta terceira parte, a análise das razões que
poderão ter conduzido à criação e à difusão, em determinadas zonas, das salas
de asilo.
Utilizando a análise factorial, Luc determina algumas características das zonas
onde a população recorre frequentemente às salas de asilo: são zonas urbanas
onde as mulheres trabalham essencialmente nos serviços e na indústria, onde os
níveis de escolarização primária são elevados e onde existem principalmente
estabelecimentos laicos, quer públicos quer privados. Contrariamente, nas zonas
rurais onde a agricultura emprega a maior parte das mulheres, onde os níveis de
escolarização primária são medíocres e existem sobretudo estabelecimentos
congregacionistas públicos, há um fraco recurso às salas de asilo.
No entanto, apesar de existir uma correlação entre estas variáveis e a difusão
das salas de asilo, aquelas por si só, não são suficientes para a explicar.
Zonas com perfis económicos, sociais e religiosos semelhantes fazem escolhas
diferenciadas, o que nos impede de pensar que existiu uma lógica sistemática
por detrás da implantação das salas de asilo. Estas desigualdades geográficas
poderão estar relacionadas, segundo o autor, com três factores: a prática
corrente do acolhimento das crianças em idade pré-escolar na escola primária; a
concorrência das amas; e, por último, o importante papel desempenhado por
iniciativas individuais na difusão de uma instituição cuja frequência não é
obrigatória. Como afirma Luc: "(...) l'ouverture des salles
d'asile fidèles au modéle officiel dépend, en plus, d'un autre
facteur géographiquement très aléatoire: la sollicitude du fondateur pour la
formation du jeune enfant" (p. 298).
Na última parte deste livro, é analisado o processo de profissionalização da
guarda educativa das crianças pequenas, realizado em benefício do sexo feminino
e com base na sua especificidade - a seguir às parteiras,aquela é a
segunda profissão reservada às mulheres. É também apresentado, em torno das
diferenças entre os regulamentos e as práticas, o quotidiano de algumas salas
de asilo; e, por último, é examinado o surgimento da escola maternal
republicana, na década de 80 do século passado.
Embora a história da infância tenha vindo a ser alvo de um número crescente de
estudos, este livro tem o mérito de se debruçar sobre um tema ainda pouco
trabalhado, a institucionalização da educação pré-escolar, sendo a sua leitura
indispensável para quem se interesse por esta área.
Carla Vilhena