O sorriso de hipócrates. A integração biopsicossocial dos processos de saúde e
doença
O sorriso de hipócrates. A integração biopsicossocial dos processos de saúde e
doença (1999) - Joaquim da Cruz Reis. Lisboa: Vega.
Este livro do Prof. Joaquim Reis, doutorado em psicologia pela Universidade de
Lisboa e professor de psicologia no Instituto Superior de Serviço Social
(Lisboa), publicado em 1998 pela Vega, é um marco muito significativo ao nível
das publicações científicas portuguesas no quadro da psicologia da saúde. Não
só pela actualidade e importância da temática abordada - uma reflexão sobre os
fundamentos e os métodos do modelo biomédico e sobre os modelos alternativos -
como pela profundidade da análise crítica, que ao mesmo tempo consegue ser
apresentada de forma bastante clara e acessível.
Seguindo a própria apresentação do autor, verifica-se que a análise crítica aos
modelos é realizada a partir de dois eixos: por um lado, a constatação da
importância dos factores psicossociais na saúde e na doença e, por outro, a
importância da autonomia conceptual afectiva da pessoa, traduzida nas
significações ou interpretações sobre os processos de saúde e de doença, na
experiência subjectiva de doença e no seu modo de expressão. A grande
finalidade do trabalho, que consiste em pôr em evidência a relevância do modelo
biopsicossocial e assim poder contribuir para práticas de saúde mais
humanizadas, é a meu ver plenamente atingida.
"O Sorriso de Hipócrates", título de resto muito bem conseguido,
está dividido em sete capítulos cuja leitura é relativamente fácil e agradável.
No primeiro capítulo o autor descreve brevemente a evolução histórica das
ideias médicas, caracteriza o modelo biomédico e apresenta as definições de
saúde e doença com ele relacionadas. Consegue demonstrar a situação de crise a
que chegou o modelo biomédico, mercê dos seus fundamentos mecanicistas e
reducionistas.
Logo no segundo capítuloé feita uma discussão muito clara das críticas que
sucessivamente têm sido feitas aos fundamentos metateóricos do modelo
biomédico.
Estes dois capítulos são uma excelente introdução à história do pensamento
médico, cujo estudo e discussão deveriam ser obrigatórios para qualquer
estudante de medicina ou de psicologia, neste último caso em particular quando
interessado em psicologia da saúde. Isto porque o autor conseguiu apresentar de
forma sintética e clara o que é difícil e complexo e que, inclusivamente, tem
sido objecto de obras de envergadura como, por exemplo, o livro de M. Tubiana
("Histoire de la Pensée Médicale. Les Chemins d' Esculape", Paris:
Flammarion, 1995).
O terceiro capítuloé dedicado a pôr em evidência a importância dos chamados
factores psicossociais na saúde e na doença, o que é realizado através da
apresentação das principais causas de morte e factores de risco para a saúde.
Embora seja um capítulo relativamente pequeno, é certo que apresenta aspectos
essenciais tais como: resultados de investigação de base psiconeuro-
imunológica; evidências sobre influência do comportamento na mortalidade e na
morbilidade e, por também, dados fundamentais sobre variáveis psicológicas que
mediatizam a relação entre comportamento e saúde (hardiness, sentido interno de
coerência, etc.). No final, apresenta uma síntese da literatura sobre a
importância dos factores psicossociais na saúde e doença: comportamento e
estilo de vida, estados emocionais, estilos de confronto, suporte social, etc.
Esta última parte, embora compreensível, segue de perto textos publicados na
Annual Review of Psychology(por exemplo, o artigo de N. Adler & K.
Matthews, Health psychology: Why do some people get sick and some stay well?,
1994).
Nos quartoe quinto capítuloo autor apresenta as significações leigas sobre os
processos de saúde e doença e as experiências subjectivas respectivas.
Nomeadamente, no quarto capítulo apresenta questões muito pertinentes sobre
representações sociais de saúde e doença e processos de atribuição causal,
neste último caso assente nos trabalhos de Herlich & Perrete outros
investigadores, ao mesmo tempo que destaca a importância do conhecimento leigo.
Neste último aspecto poderia talvez ter ido mais longe na forma de salientar a
sua influência no comportamento individual.
O sexto capítulotem grande relevância ao apresentar os modelos alternativos ao
modelo biomédico. Começando por apresentar critérios para análise dos modelos,
segue-se uma análise do modelo psicossomático, do modelo biopsicossocial e do
modelo holístico. Em relação a cada um deles, apresentados de forma didáctica,
sistematiza as asserções fundamentais, as definições respectivas de saúde e
doença, a autonomia conceptual-afectiva do paciente e as características da
relação médico-doente.
Finalmente, o sétimo capítuloconstitui a parte mais relevante do trabalho, pelo
carácter original da leitura desenvolvimentista das significações de saúde e
doença em termos sociocognitivos, tal como foi conceptualizada pelo Prof. L.
Joyce-Moniz(FPCE da Universidade de Lisboa): a organização e representação do
conhecimento sobre o estado de saúde transforma-se em função do desenvolvimento
e reflecte as características de determinado nível de funcionamento
psicológico. Começa por situar as questões da diferenciação, integração e
complexidade das significações, após o que são apresentados resultados de
vários estudos com crianças e com adultos nesta matéria e defende a tese de
que, mesmo nos adultos, as concepções sobre os processos de saúde e doença se
podem ordenar e classificar de acordo com uma hierarquia desenvolvimentista,
para a qual concorrem resultados de trabalhos do próprio J. Reis.
São apresentados exemplos dessas hierarquias de significações de doença que,
após uma revisão da experiência subjectiva das emoções na sua relação com
níveis de desenvolvimento que ajuda a clarificar as relações da socialização do
pensamento e da emoção com a percepção das funções corporais, são apresentadas
na parte final do livro.
"O Sorriso de Hipócrates" deverá ser texto obrigatório para todos
os que, interessando-se por psicologia da saúde, desejem aprofundar os seus
conhecimentos. Para além de ser um texto redigido de forma clara, tem utilidade
dupla:
-Permite aceder a uma revisão crítica e muito completa dos modelos de saúde e
doença, o que é indispensável a todos os que do ponto de vista da psicologia se
debruçem sobre as relações entre o comportamento e a saúde
-Põe o leitor em contacto com uma contribuição teórica de autores portugueses
para a psicologia da saúde, que é original e assenta em bases relacionadas com
o desenvolvimento sociocognitivo, procurando ao mesmo tempo integrar a emoção
na experiência da doença, quer em crianças quer em adultos. Essa contribuição
especificamente psicológica encerra grandes potencialidades para a facilitação
da mudança de atitudes e comportamentos relacionados com a saúde, sobretudo na
perspectiva promoção da saúde e da prevenção da doença.
José A. Carvalho Teixeira