Nota de Abertura
Nota de Abertura
Acompanhando a progressiva referência ao Ensino Superior por parte das
autoridades educativas, académicas e da sociedade em geral, assiste-se a um
aumento, nos últimos anos, do volume de investigação nesta área. Tomando essa
investigação, verificamos que a generalidade de tais estudos se reporta aos
estudantes e, mais concretamente, às questões da sua adaptação, aprendizagem e
desenvolvimento. Em menor número, encontram-se outros estudos sobre os modelos
de gestão das instituições e sobre a evolução deste subsistema do ensino, assim
como sobre as práticas pedagógicas e outras características de currículos e
professores. De qualquer modo, é claramente dominante a investigação tomando os
estudantes como objecto, tal como o próprio tema "Aprendizagem e
desenvolvimento dos estudantes no Ensino Superior" deste número de
Análise Psicológicao deixa transparecer.
Com este número temático, essencialmente escrito por autores portugueses,
pretendemos descrever uma parte significativa dos projectos de investigação
nacional sobre a aprendizagem, o rendimento académico e o desenvolvimento
psicológico dos estudantes no Ensino Superior. Como podemos constatar pela
origem dos vários autores, esta investigação reparte-se por diferentes
instituições, tendo havido a preocupação de os textos seleccionados ilustrarem
os ciclos académicos mais significativos na vida destes estudantes: (i) a
transição, entrada e adaptação ao Ensino Superior; (ii) o percurso académico em
termos de aprendizagem e de desenvolvimento psicossocial; e, por último, (iii)
a saída do Ensino Superior e transição dos diplomados para o mercado de
trabalho.
A análise destas três fases da experiência académica permite-nos antecipar a
confluência de uma panóplia bastante extensa de variáveis ou factores
intervenientes. A literatura neste domínio apresenta uma organização de tais
variáveis em duas grandes áreas de incidência: as variáveis pessoais do aluno e
as variáveis associadas ao contexto académico. Neste quadro, podemos reportar-
nos, respectivamente, a uma abordagem mais desenvolvimental e a uma outra mais
contextualista, importando considerar a interacção entre os dois conjuntos de
variáveis para uma melhor compreensão dos fenómenos estudados.
Os estudos nacionais conduzidos sugerem que a vida académica dos estudantes é
marcada por um conjunto de expectativas e vivências positivas, pelo menos para
a generalidade dos estudantes. Mesmo assim, a entrada no Ensino Superior tende
a ser percepcionada como momento de desafio, risco estress. Vários estudantes
experienciam, inclusive, alguma desadaptação inicial, agravada na sua
intensidade e persistência quando o aluno não dispõe de um contexto sócio-
afectivo de retaguarda positivo e seguro. Por sua vez, passadas as primeiras
semanas de adaptação, são as energias do estudante canalizadas para o curso, o
ensino dos professores e as aprendizagens curriculares. Numa progressiva marcha
para a autonomia, o jovem vai gerindo tempo e actividades, verbas e
relacionamentos interpessoais. Para alguns estudantes, esta caminhada para a
autonomia e a realização académica é feita de forma mais penosa, por vezes com
alguma psicopatologia associada. Na parte final do curso, aproveitando as
experiências profissionalizantes de estágio ou a frequência de disciplinas de
alguma especialização, antecipa-se nova transição e criam-se expectativas
quanto ao emprego. No final da graduação, espera-se que o estudante atinja um
nível de maturidade próprio do adulto, ou seja, um sistema desenvolvido de
valores, integridade e estabilidade emocional, relações de intimidade,
aceitação cognitiva do ambíguo e complexo, construção de projectos de carreira
integrando passado, presente e futuro.
Elencando os artigos que compõem este número temático, quisemos abrir com o
texto de Vicent Tinto (Syracuse University, USA). Trata-se de um autor de
renome internacional na área, fazendo aqui um balanço de três dezenas de anos
de investigação. O seu trabalho indica que, mais do que criar e adicionar
serviços, a permanência e o sucesso dos estudantes associam-se ao seu
envolvimento e vinculação com os colegas, o curso e o Departamento,
nomeadamente quando se apela a modelos mais activos e colaborativos de
aprendizagem.
Um segundo artigo, de Ana Paula Soares, Leandro Almeida, António Diniz e
Adelina Guisande (Universidade do Minho, ISPA e Universidade de Santiago de
Compostela), testa um modelo de confluência de variáveis pessoais e contextuais
na predição do rendimento e do desenvolvimento psicossocial de estudantes
universitários do primeiro ano. Apesar da relevância estatística encontrada
nalgumas das relações previstas entre as variáveis, o rendimento académico no
final do primeiro ano da Universidade aparece essencialmente associado
aobackground escolar com que os estudantes chegam ao Ensino Superior, tanto
para os estudantes de ciências e tecnologias, quanto para os de ciências
sociais e humanas. De forma similar, o desenvolvimento psicossocial
experienciado está fundamentalmente associado ao nível de autonomia à entrada
da Universidade.
Ainda ao nível da transição e adaptação académica, um outro artigo de António
Diniz e Leandro Almeida (ISPA e Universidade do Minho) analisa a interacção de
algumas dimensões da vivência sócio-afectiva dos estudantes no primeiro ano de
adaptação ao Ensino Superior. Os resultados obtidos com a Escala de Integração
Social no Ensino Superior (EISES) sugerem que as dimensões contempladas
(relacionamento com pares, bem-estar pessoal e equilíbrio emocional) sofrem
alterações em termos da sua relevância ao longo do primeiro ano, as quais
sugerem o recurso a estratégias de intervenção junto dos estudantes
diferenciadas consoante o seu tempo de frequência universitária.
No que concerne às estratégias e modelos de intervenção no apoio a estudantes
do Ensino Superior, Graça Figueiredo Dias (Universidade Nova de Lisboa)
descreve um modelo psicodinâmico do desenvolvimento psicológico que permite
compreender as dificuldades experienciadas pelos jovens, o qual sustenta um
modelo de terapia breve psicodinâmica. Tomando a sua experiência e investigação
acumuladas na área, a autora explana esses modelos, elucidando o tipo de
intervenção individual realizada, através da apresentação de um estudo de caso,
e discutindo as vantagens e limites desse tipo de intervenção.
Numa lógica mais institucional, o artigo de Anabela Pereira e colaboradores
(Universidade de Aveiro e Universidade de Coimbra) descreve uma experiência de
intervenção interdisciplinar visando a promoção do bem-estar do aluno e do
sucesso académico, aliando apoio psicológico, suporte social e promoção de
estilos de vida saudável, no quadro dos serviços de acção social universitária.
São apresentados os resultados referentes à identificação das necessidades e
problemas dos estudantes do Ensino Superior, às estratégias de intervenção
utilizadas, bem como à sua avaliação.
Também numa lógica institucional, mas de infusão da intervenção nas
experiências quotidianas de ensino e de aprendizagem, em alternativa à criação
de serviços específicos de apoio à aprendizagem e sucesso dos estudantes, José
Tavares e colaboradores (Universidade de Aveiro e Instituto Superior
Politécnico de Gaia) descrevem uma experiência de natureza curricular,
envolvendo professores e estudantes na promoção do sucesso escolar através de
novas formas de ensinar, de aprender e de avaliar. Uma particularidade neste
texto prende-se com as novas formas de interacção entre os estudantes e
docentes, possíveis através da implementação de uma plataforma dee-learning.
As questões pedagógicas e do ensino estão presentes no artigo de Natércia
Morais, Leandro Almeida e Irene Montenegro (Universidade do Minho). O artigo
reporta-se às percepções dos estudantes sobre a qualidade do ensino ministrado
e sobre as competências pedagógicas que inferem nos seus professores. O
instrumento a que recorrem enquadra-se num tipo de escalas com uma longa
tradição de utilização em diferentes países, podendo proporcionar às
instituições alguma informação -complementar a outras fontes e tipos de
informação - sobre o ensino assegurado e a satisfação dos estudantes a
este propósito. Neste artigo em concreto, menciona-se que estas percepções dos
estudantes sobre a docência são mais favoráveis em relação às disciplinas dos
últimos anos dos cursos e em relação às aulas práticas, o que é comentado no
texto.
Já perspectivando a transição do Ensino Superior para o Mundo do Trabalho,
Susana Caires (Universidade do Minho) descreve algumas das principais
percepções e vivências dos estudantes do último ano do curso de formação
inicial de professores, no quadro dos seus estágios curriculares de cariz
profissionalizante. Nem sempre a organização destes espaços de formação toma em
consideração a dimensão fenomenológica do "Tornar-se professor",
reconhecendo-se quão importante é uma mudança nessa atitude pelas implicações
significativas que o estágio assume na formação académica e profissional, bem
como noutras áreas da identidade destes jovens.
Por último, Fernando Gonçalves e colaboradores (Universidade do Algarve), no
quadro de um mundo cada vez mais global e num momento de clara convergência
europeia em matéria de Ensino Superior, descrevem alguns indicadores relativos
à empregabilidade dos diplomados por forma a melhor compreender os seus
percursos de transição para o Mundo do Trabalho. São também tecidas algumas
considerações sobre os factores de empregabilidade dos diplomados em Portugal,
tendo como pano de fundo Bolonha e Praga, bem como as novas exigências do
mercado de trabalho no quadro de um novo paradigma de aprendizagem e de
formação.
Para concluir, gostaríamos de destacar que, sendo o enfoque deste número
temático a aprendizagem e desenvolvimento dos estudantes no Ensino Superior,
tomámos uma opção por artigos de maior incidência psicológica. Trata-se de um
enfoque promissor da investigação na área do Ensino Superior, como aliás fica
patente na multiplicidade de instituições envolvidas, reflectindo o progressivo
interesse das próprias instituições em conhecer os seus estudantes e a
qualidade dos contextos académicos que lhes são proporcionados. Do mesmo modo,
a autoria da generalidade dos artigos é plural, decorre de grupos ou equipas de
investigadores, por vezes de instituições diversas, ainda que vários outros
investigadores e equipas de investigação nesta área temática existam em
instituições universitárias e politécnicas nacionais. Acreditamos, assim, na
prossecução desta linha nacional de investigação, pensando também que
progressivamente conseguiremos dados com maior capacidade explicativa e
sugestões concretas de intervenção para prevenir o abandono dos estudos e para
promover tanto o sucesso académico dos estudantes quanto o seu desenvolvimento
psicossocial.
ANTÓNIO M. DINIZ / LEANDRO S. ALMEIDA