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EuPTHUHu0870-82312006000300014

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National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolHumanities
Great areaHuman Sciences
ISSN0870-8231
Year2006
Issue0003
Article number00014

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Un monde de fous: Comment notre société maltraite ses malades mentaux Un monde de fous. Comment notre société maltraite ses malades mentaux (2006) - Patrick Coupechoux. Paris: Éditons du Seuil, 362 pp.

Numa altura em que na Psiquiatria assistimos a uma hegemonia cada vez mais avassaladora do modelo neurobiológico da perturbação mental, à obsessão com os perfis sintomáticos da DSM, bem como à apresentação dos medicamentos psicotrópicos como panaceia para todos os males, este livro é indispensável. É uma lufada de ar fresco e uma oportunidade para psiquiatras, psicólogos e outros técnicos de saúde mental reflectirem criticamente soe as suas práticas profissionais e soe a hegemonia dos gestores que insistem em organizar e gerir serviços de saúde como se fossem grandes superfícies...

Em particular neste tempo em que, após a evacuação do psiquismo, muitos psiquiatras deixaram de estudar psicopatologia e deixaram de cuidar de pessoas para passarem a "reparar cérebros". Infelizmente, a psiquiatria portuguesa actual também não foge muito à regra neste aspecto.

O trabalho de P. Coupechoux, como ele próprio indica logo no início, pretende responder à seguinte questão: como é que a sociedade actual lida com a doença mental?Para responder a esta questão, procura caracterizar as finalidades da psiquiatria actual, identificar a sua missão e as suas relações com o contexto social, após revisitar aspectos históricos fundamentais da construção do conceito de doença mental na cultura ocidental.

O livro divide-se em três partes. Na primeira parte, "Olhares sobre a história", o autor faz uma abordagem histórica da construção do conceito de doença mental na cultura ocidental e da evolução das práticas sociais para lidar com os doentes mentais, abordagem essencialmente suportada nos trabalhos de Michel Foucault e de Gladys Swain e Marcel Gauchet. Seguidamente aborda as concepções eugenistas que inspiraram o extermínio de mais de 70.000 doentes mentais na Alemanha Nazi e 40.000 nos asilos da França de Vichy durante a Ocupação. Finalmente, detalha o desenvolvimento da psiquiatria de sector iniciado no pós-guerra.

Na segunda parte, "Olhares sobre a actualidade", caracteriza o problema da doença mental na sociedade francesa actual, salientando os modos de organização da assistência psiquiátrica pública e privada, bem como os problemas emergentes de saúde mental relacionados com os reclusos e os sem aigo, abordando as relações significativas entre situações de fragilidade social e génese de perturbações mentais.

Na terceira parte, ao abordar o movimento da saúde mental, as novas modalidades de gestão empresarial dos serviços de saúde, a influência da indústria farmacêutica e a obsessão pela classificação norte-americana (DSM) e a regressão teórica da psiquiatria actual, o autor entra decisivamente num campo de reflexão crítica muito importante e actual, que em boa medida tem muitos paralelismos com o que se passa no nosso país.

A abordagem histórica é fundamental para se compreender como aqui chegámos.

Assim, o autor aborda sucessivamente três épocas históricas, a saber: (1) o grande enclausuramento a partir do séc. XVII, seguido dos alienistas e dos asilos, (2) o eugenismo e o extermínio de doentes mentais a partir de 1933 na Alemanha Nazi e, mais tarde, na França de Vichy e (3) o desenvolvimento da psiquiatria de sector em França após a Libertação (1945) até à actualidade.

É um trabalho claramente centrado na experiência francesa que, embora não permitindo extrapolações em relação à experiência de outros países, oferece uma grelha de análise útil para compreender outras experiências. Salienta-se o facto de, ao contrário do que acontece entre nós, existe em França uma tradição forte de debate acerca das questões da saúde mental, o que certamente muito terá ajudado o autor que, para além disso, suportou parte do seu trabalho em entrevistas com doentes, famílias e técnicos, que dão conta da enorme diversidade de pontos de vista que coexistem na sociedade francesa.

Interessante seria desenvolver um trabalho com os mesmos objectivos em relação a Portugal.

Leitura obrigatória para quem se interessa por reflectir criticamente sobre as práticas actuais em Psiquiatria e Saúde Mental na sociedade contemporânea.

José A. Carvalho Teixeira


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