Auto-conceito e aceitação pelos pares no final do período pré-escolar
De forma geral, o auto-conceito, ou sentido de self, poderá ser definido como a
imagem que o sujeito tem de si próprio e aquilo que acredita ser. No entanto,
uma descrição mais precisa deverá considerar a natureza complexa deste
constructo, enquanto estrutura cognitiva contextualizada e multidimensional,
englobando um sistema de representações descritivas e avaliativas acerca do
desempenho do selfnos diferentes contextos e tarefas em que o sujeito se
envolve. Por tal, este sistema de representações tende a influenciar os
sentimentos do sujeito em relação a si próprio e a orientar as suas acções
(Peixoto, 1996; Harter, 1999), e a complexificar e diversificar-se à medida que
o sujeito se vai desenvolvendo e interagindo com o meio envolvente (Peixoto,
Martins, Mata, & Monteiro, 1996).
O conceito de selfganhou progressivamente força ao longo do século XX, tendo
sido objecto de estudo de diferentes linhas de pensamento que combinaram uma já
existente Psicologia do Desenvolvimento com a Psicologia Social emergente. São
de destacar, neste contexto, os trabalhos de William James (1918), primeiro
autor a oferecer uma sistematização do conceito de self no âmbito da
Psicologia, relacionando-o com a auto-estima
1
. No entanto, para James (1918) o selfé ainda uma construção de natureza
essencialmente cognitiva que se aproxima da ideia de consciência e de uma
representação do próprio como um ser passível de compreender algo. Esta
construção desenvolve-se ao longo do tempo, adaptando-se às transformações das
estruturas e dos processos cognitivos. Uma visão mais dinâmica tiveram
posteriormente, os interaccionistas simbólicos, de entre os quais se salientam
Cooley e George Mead, ao perspectivarem o selfcomo, predominantemente, um
produto social, que só ganha sentido na relação com os outros (Harter, 1999;
Cole, 1991). Frisando a importância dos processos de linguagem na construção do
self, estes autores defendem que o sentido do selfou auto-conceito se constrói,
essencialmente, na interacção social, com base nas experiências vividas pelas
crianças com os outros significativos (como os pais, pares, professores, entre
outros), resultando da interiorização das avaliações destes outros
significativos (Harter, 1999; Cole, 1991).
Também para a Teoria da Vinculação as representações sobre as relações e a
noção de selfvão sendo interiorizadas pelas crianças ao longo do tempo,
desempenhando as figuras de vinculação um papel essencial neste processo, na
medida em que estes elementos se desenvolvem em função da disponibilidade e
qualidade afectiva da resposta dadas por estas no contexto da interacção
precoce (Bowlby, 1989; Sroufe, 2000). Deste modo, uma dimensão relevante das
diferenças individuais no conteúdo dos modelos internos do self poderá estar
relacionada com a qualidade das respostas dadas pela figura de vinculação à
criança (Rudolph, Hammen, & Burge, 1995; Harter, 1982, 1996). Quando a
história das experiências infantis com a figura de vinculação é marcada pela
sensibilidade, responsividade e acessibilidade, a criança constrói,
provavelmente, um modelo dessa figura como acessível e responsiva, e desenvolve
um modelo de self correspondente, como valorizado ou merecedor de afecto e
cuidados. Se, pelo contrário, as experiências da criança forem sistematicamente
caracterizadas por trocas frustrantes, envolvendo insensibilidade ou rejeição,
provavelmente irá construir modelos internos negativos da figura de vinculação
e do self. Estas diferenças a nível cognitivo/afectivo (expectativas face ao
comportamento materno) conduzem, assim, a diferentes respostas por parte da
criança, quer em situações de separação ou de stress, como de exploração do
meio (Bowlby, 1973; Ainsworth, 2000).
Por outro lado, a percepção da competência do selfestá relacionada tanto com
factores ambientais (atitudes e comportamentos parentais, percepção e
feedbackdos professores e dos pares, entre outros), como com factores internos
(Jambunathan & Hurlbut, 2000). À medida que o selfvai evoluindo com o
decorrer do tempo, também o auto-conceito e a auto-estima vão sofrendo
transformações provocadas não só pelas interacções com o meio ambiente que
envolve a criança como também pelo seu próprio desenvolvimento. Refira-se que o
desenvolvimento do selfe do auto-conceito é influenciado pelo desenvolvimento
cognitivo e pelo desenvolvimento da linguagem, na medida em que a capacidade de
auto-representação do sujeito é influenciada pela sua capacidade para
representar o real e para o comunicar, contribuindo os progressos linguísticos
igualmente para o enriquecimento dos processos de socialização e de
desenvolvimento de emoções interpessoais (Hattie, 1992).
Segundo Susan Harter o auto-conceito deve ser perspectivado fundamentalmente
como uma entidade psicológica complexa e multimensional que espelha as
percepções do sujeito do grau em que se é, ou não, competente em diversos
domínios, independentes uns dos outros. No seu modelo de Percepção de
Competência do Selfpara crianças no pré-escolar (Harter & Pike, 1984) a
autora propõe quatro dimensões de análise - Competência Cognitiva,
Competência Física, Aceitação pelos Pares e Aceitação Materna, organizadas em
duas dimensões: Competências Percebidas e Aceitação Social.
O AUTO-CONCEITO SOCIAL E A ACEITAÇÃO SOCIAL
Nas últimas décadas, os resultados de diversos estudos empíricos têm indicado
que a auto-estima e a percepção do selfsão, também, fortemente moldadas pelas
experiências com os pares (Egan & Perry, 1998; Berndt & Keefe, 1996),
na medida em que as crianças tendem a integrar as diversas experiências sociais
na representação que fazem do seu selfe na representação que fazem dos outros
com quem interagem (Harter, 1996).
No período pré-escolar a interacção com os pares tem um papel crucial no
desenvolvimento, podendo influenciar de forma positiva ou negativa a adaptação
presente dos sujeitos e os ajustamentos relacionais futuros. No entanto, os
resultados parecem indicar que interacções pobres com os pares, e o posterior
desenvolvimento das crianças, pode ser mediado pela auto-percepção que as
crianças têm da relação com os pares (Patterson, Kupersmidt, & Griesler,
1990; Jambunathan & Hurlbut, 2000).
Desta forma, tal como indicam Harter e Pike (1984), as crianças a partir dos
seis anos têm noção de que as competências sociais estão relacionadas com a
aceitação social e a popularidade, ou seja, de que a competência social
influencia a aceitação dos pares. Porém, esta é uma capacidade que é adquirida
gradualmente, valorizando as crianças mais novas as capacidades do domínio
cognitivo e físico (Harter & Pike, 1984).
Para James (1918) e Cooley (1922), bem como para Asher, Hymel e Renshaw (1984),
o auto-conceito social designa a percepção que o indivíduo tem de quanto os
outros gostam de si, ou seja, a auto-percepção da aceitação social. Existem, no
entanto, outros teóricos, como Blascovich e Tomaka (1991), que defendem que o
auto-conceito social se baseia na percepção das competências ou capacidades
sociais. Na prática, como referem Berndt e Burgy (1996) as duas definições do
auto-conceito social coincidem, pois os sujeitos que se percepcionam como sendo
bem aceites pelos outros, geralmente, também se percepcionam como sendo mais
competentes social-mente. Sendo que os indivíduos que se percepcionam com uma
baixa aceitação social tendem a reportar uma maior insatisfação na relação com
os outros.
James (1918) e Cooley (1922), tal como Berndt e Burgy (1996), sugeriram que o
auto-conceito social do indivíduo deve estar relacionado com a sua actual
posição social e aceitação social, mas também com alguns aspectos da reputação
dos pares e com a competência social. Dunstan e Nieuwoudt (2001), verificaram
num estudo com crianças em idade escolar a existência de uma inter-relação
entre a aceitação dos pares e o auto-conceito social, e ainda que a consciência
das crianças relativamente à aceitação dos pares medeia o relacionamento entre
estatuto social e comportamento social. Considera-se que os indivíduos que são
mais aceites pelos seus pares irão percepcionar as suas relações sociais de
forma mais positiva. Todavia, a percepção da aceitação social depende, também,
da atitude geral em relação a si próprio, ou seja, da auto-estima (Bohrnstedt
& Felson, 1983). Desta forma, como referem Berndt e Burgy (1996) os
indivíduos com baixo auto-conceito social, isto é, que se percepcionam como
sendo pouco aceites pelos outros, esperam que os outros tenham um comportamento
negativo perante eles. Por sua vez, esta expectativa induz os sujeitos a
adoptarem um comportamento negativo para com os outros, com fortes
probabilidades de que estes reduzam a sua vontade de interagir com o sujeito, o
que, consequentemente, reduz as oportunidades deste de pôr em prática as suas
competências sociais.
Rabiner e Keane (1993) consideram que crianças com elevado nível de aceitação
social têm uma auto-percepção mais positiva do modo como são tratadas pelos
pares, a qual se vai fortalecendo com a idade. Bohrnstedt e Felson (1983), e
Chambliss, Muller, Hulnick e Wood (1978) encontraram uma correlação
significativa entre a auto-percepção e a actual aceitação dos pares, aferindo a
percepção e a aceitação social de alunos do 2.º ciclo do ensino básico (através
da nomeação de pares de quem gostavam maise nomeação de pares pelos quais o
sujeito pensa ser mais gostado). Boivin e Bégin (1989) verificaram a existência
de uma relação significativa entre o estatuto sociométrico das crianças e a
dimensão Percepção da Aceitação Social do Modelo de Competência do Selfsugerido
por Harter (em 1983). Neste estudo, as crianças populares apresentam uma maior
percepção da Aceitação Social, do que as crianças consideradas Médias, no
entanto as crianças Negligenciadas não diferem significativamente destas
últimas. Por fim, as crianças com um estatuto sociométrico de Rejeitadas têm
resultados mais baixos no seu auto-conceito social do que as crianças Médias.
Igualmente Patterson et al.(1990) observaram, após estandardizarem os
resultados da escala de Aceitação Social e das nomeações das crianças,
diferenças significativas entre os diferentes estatutos sociométricos
relativamente à percepção da aceitação social.
Contudo, parece existir uma relação de duplo sentido entre a Aceitação Social e
a sua Percepção. A percepção da Aceitação Social das crianças deriva, em parte,
da sua Aceitação Social real, no entanto, esta última pode, também, ser
influenciada pela auto-percepção do sujeito, nomeadamente pelos comportamentos
face aos outros que, em função desta, tende a assumir (Cole, 1991). Este
resultado, verificou-se num estudo realizado por Cole (1991) com crianças do
4.º ano, onde se analisou a percepção da Aceitação Social (através do SPPC de
Harter) e a sua aceitação social real (através da Nomeação), em dois momentos
distintos do ano, permitindo prever os resultados da percepção da Aceitação
Social, num segundo momento de recolha. Assim, parece existir uma inter-relação
recíproca entre a aceitação dos pares e a percepção da aceitação dos pares.
De acordo com Boivin e Bégin (1989), crianças que experienciam dificuldades com
os pares, tendem a ter uma auto-percepção negativa da sua competência social,
baixa auto-eficácia e baixas expectativas sociais, percepcionando-se como pouco
aceites pelos outros. Para mais, como indicam Boivin e Hymel (1997), as auto-
percepções negativas tendem a ser consistentes com uma reputação igualmente
negativa, e com uma atitude reticente e vigilante face aos pares. Neste
contexto, variações importantes na auto-percepção têm sido relacionadas com
diferentes comportamentos sociais (Boivin & Hymel, 1997).
As crianças com um estatuto social elevado (Popular) aceitam melhor e são
melhor aceites pelos pares, pois geralmente são crianças que têm um sentimento
positivo de si próprias, que tendem a participar mais nas actividades do grupo
e a cooperar melhor com os outros (Boivin & Bégin, 1989). Assim, são
classificadas pelos pares como sendo menos agressivas, menos isoladas, menos
retiradas e mais competentes socialmente (Hymel, Rubin, Rowden, & LeMare,
1990). Deste modo, uma percepção positiva da aceitação social poderá ser uma
medida protectora face ao futuro desenvolvimento da criança. Por outro lado, os
pais descrevem as crianças com auto-conceito social mais baixo e com um
estatuto sociométrico de Rejeitadas ou Negligenciadas como tendendo a
exteriorizar o mal-estar através, de comportamentos de agressão, ou a
interiorizá-lo sob a forma de problemas de ansiedade (Berndt & Burgy,
1996).
O presente estudo visa analisar a relação entre o auto-conceito das crianças em
idade pré-escolar, em particular, na dimensão associada à auto-percepção da
aceitação pelos pares, e a aceitação social real das crianças avaliada pelo
grupo de pares. Assim, com base nos pressupostos teóricos e empíricos
apresentados, espera-se que haja uma relação positiva e significativa entre
ambas as variáveis, mais especificamente, que quanto mais positiva seja a
percepção (da criança) da aceitação social dos pares, melhor seja a sua
aceitação pelo seu grupo de pares.
MÉTODO
Participantes
Os participantes são 40 crianças de cinco anos de idade, sendo 21 do sexo
feminino e 19 do sexo masculino. As mães têm idades compreendidas entre os 26 e
os 48 anos (M=34.95, DP=4.33), e os pais entre os 28 e os 63 anos (M=37.32,
DP=6.08), as suas habilitações literárias variam entre os 7 e 23 anos de
escolaridade (M=15.48, DP=3.45 das mães; M=14.61, DP=3.29 dos pais). As
famílias pertencem a um nível socio-económico Médio/Médio Alto e ambos os pais
trabalham a tempo inteiro. Os participantes foram recrutados em duas escolas do
ensino particular do distrito de Lisboa e fazem parte de um projecto
longitudinal que analisa o desenvolvimento sócio-emocional de crianças entre os
dois anos e meio e os cinco anos de idade.
Instrumentos
Escalas Pictóricas da Percepção de Competência e Aceitação Social para Crianças
em idade Pré-Escolar e para Crianças dos 1.º e 2.º Anos de Escolaridade
Para avaliar as representações do selfrecorreu-se às Escalas Pictóricas de
Percepção de Competência e Aceitação Socialpara crianças em idade pré-escolar e
para crianças a frequentar os 1.º e 2.º anos de escolaridade, de Harter (1984,
adaptadas para a população portuguesa por Mata, Monteiro & Peixoto, 2008).
O presente instrumento é constituído por quatro sub-escalas: (1) Competência
Cognitiva, (2) Competência Física, (3) Aceitação entre Pares e (4) Aceitação
Materna, que podem ser organizados em duas dimensões: Competências percebidas e
Aceitação Social. Estas sub-escalas definem domínios relevantes da vida das
crianças e a percepção das suas competências reflectem juízos acerca das
capacidades do self (Harter & Pike, 1984).
Em ambas as versões, cada item é apresentado às crianças, individualmente, sob
a forma de uma imagem de uma criança (de acordo com o género do sujeito) a
realizar uma actividade. Os itens são apresentados pela seguinte ordem:
Competência Cognitiva, Aceitação entre Pares, Competência Física e Aceitação
Materna, repetindo-se este padrão ao longo da escala. Em cada um dos itens, é
lida à criança uma afirmação sobre cada uma das crianças na figura (Ex.:
"Esta criança é boa a fazer puzzlese esta não é muito boa."), sendo
pedido para escolher a figura com a criança que é mais parecida consigo e, em
seguida, apontando para o círculo apropriado se é muito parecida (círculo
grande) ou só um pouco parecida (círculo pequeno). A cada resposta corresponde
uma pontuação de 1 a 4, sendo 1 uma escolha de pouca competência e 4 para uma
escolha de muita competência.
Wechsler Preschool and Primary Scale of Intelligence
Com vista a analisar as competências verbais das crianças, e eventuais
diferenças na capacidade lexical e na compreensão verbal recorreu-se à
utilização de sub-testes verbais da WPPSI.
A WPPSIé uma escala que avalia o Quociente de Inteligência Geral, e em
particular os Quocientes de Inteligência Verbal e Manipulativo, para crianças
com idades compreendidas entre os 4 e os 6 ½ de idade. A escala original consta
de onze provas, sendo seis Verbais (uma delas opcional, as Frases) e cinco
Manipulativas. Com o intuito de aferir a Capacidade Verbal das crianças foram
aplicadas unicamente as Provas Verbais (Informação, Vocabulário, Aritmética,
Semelhançase Compreensão), de forma individual a cada criança para aferir o seu
Quociente de Inteligência Verbal. Nas diferentes Provas Verbais são avaliadas
diferentes capacidades: na Prova de Informação é avaliado, através de 21
questões, o Conhecimento Geral das crianças. Na de Vocabulário afere-se através
dos seus 22 itens a capacidade da criança indicar o significado de determinadas
palavras e a sua função. Na Prova de Aritmética é explorado em vinte elementos
o raciocínio matemático. Já a prova de Semelhanças, igualmente constituída por
20 itens, avalia a capacidade que a criança tem de a partir de uma palavra,
associação ou comparação, encontrar semelhanças na função ou características
comuns dos elementos que lhe são referidos. E por fim, a prova de Compreensão
afere através de quinze questões a capacidade que a criança tem em compreender
e posteriormente verbalizar o porquê de determinadas acções.
Medidas Sociométricas
Relativamente, à Aceitação pelos Pares esta foi obtida através de técnicas
sociométricas (Nomeação e Comparação entre Pares). Nas Nomeaçõesé pedido a cada
criança que escolha (a partir das fotografias dos colegas), as três crianças
como quem mais gosta de brincar(escolhas positivas); e as três crianças com
quem não gosta de brincar (escolhas negativas) e, por fim, que escolha as
restantes, uma a uma, utilizando o critério de com quem gosta mais de brincar.
As classificações de aceitação basearam-se nas três escolhas de topo. Na
Comparações entre Paresé pedido a cada criança que escolha o colega com que
gosta mais de brincar, em cada uma das díades possíveis no grupo. O total de
aceitação para esta medida baseou-se no número médio de escolhas em função do
total de díades possíveis.
Procedimento
Os dados foram recolhidos ao longo do ano lectivo em três momentos distintos,
por três observadores independentes. Os instrumentos foram aplicados,
individualmente, numa sala disponibilizada para o efeito.
O primeiro instrumento aplicado, individualmente a cada criança, foi as Escalas
Pictóricas de Percepção de Competência e Aceitação Social para Crianças em
idade Pré-Escolar e para Crianças dos 1.º e 2.º anos de escolaridade de Susan
Harteradaptadas por Mata, Monteiro e Peixoto (2008). Foi dada a seguinte
consigne "Tenho aqui um jogode figuras, que se chama Que Rapaz/Rapariga É
Mais Parecido Contigo. Eu vou-te contar o que cada rapaz/rapariga da figura
está a fazer". Ao mesmo tempo o experimentador mostra a figura
correspondente, diz: "Nesta figura(aponta-se o desenho da esquerda) este
rapaz/rapariga está normalmente contente e este rapaz/rapariga(aponta-se o
desenho da direita) está normalmente triste. Agora diz-me qual dos rapazes/
raparigas é mais parecido contigo." Após a criança indicar a figura
apropriada para ela, o experimentador aponta os círculos abaixo da figura,
começando pelo maior, de modo a levar a criança a explicitar a sua escolha.
Assim, se a criança apontou a figura contente na sua resposta, o experimentador
dirá: "Estás sempre contente?" (apontando para o círculo maior) ou
"Estás muitas vezes contente?" (apontando para o círculo mais
pequeno). No caso da criança apontar no meio dos círculos, dizendo que ambas
são como ela, deve-se orientar a criança a explicitar qual é que se parece com
ela a maior parte do tempo. Este procedimento é posteriormente aplicado às
restantes afirmações e imagens correspondentes.
Num segundo momento, aplicou-se a WPPSI, nomeadamente, as provas verbais:
Informação, Vocabulário, Aritmética, Semelhançase Compreensão. Cada uma das
provas foi aplicada tendo em conta o guião de protocolo de aplicação, pela
devida ordem, dando as consignes referentes, pedindo alguma explicitação quando
necessário, e interrompidas após respectivo número de fracassos consecutivos
(como anteriormente mencionado no que diz respeito a cada prova).
Relativamente às entrevistas sociométricas, cada criança foi entrevistada
individualmente, correspondendo cada tarefa a um momento de observação. Sempre
que as crianças manifestavam sinais de distracção, interrompia-se a tarefa e
retomava-se noutro momento. As instruções dadas às crianças foram idênticas,
bem como a ordem de apresentação das tarefas (1.º: Nomeação; 2.º: Comparação
entre Pares).
RESULTADOS
Auto-conceito
Na análise da fiabilidade das escalas, como se pode observar na Tabela_1, os
valores dos Alfas de Cronbachobtidos nas quatro sub-escalas traduzem níveis
aceitáveis de fiabilidade. As médias desta amostra nas várias escalas, também
registadas na Tabela_1, rondam os 3.5 na Aceitação Materna e os 3.6 da
Aceitação dos Pares, um valor de média acima do esperado. O desvio padrão
apresentou valores entre os 0.41 registados na dimensão cognitiva e os 0.49
apresentados na Aceitação Materna, o que em relação à média assinala uma baixa
dispersão.
TABELA_1
Estatística Descritiva e de Fiabilidade das Escalas Pictóricas de Competência
Percepcionada
_________________________________________________________________________
|Dimensões_________|___Média___|__Desvio_Padrão__|________Alfa_________|
|Cognitivo__________|____3.5_____|_______0.41_______|________0.65_________|
|Aceitação_Pares__|____3.6_____|_______0.47_______|________0.75_________|
|Capacidades_Física|____3.4_____|_______0.47_______|________0.70_________|
|Aceitação_Materna|____3.3_____|_______0.49_______|________0.75_________|
Analisou-se de seguida as correlações significativas entre as Escalas de
Percepção das Competências. Como se pode verificar na Tabela_2, as escalas
obtiveram algumas correlações significativas entre si, nomeadamente a dimensão
cognitiva correlacionou-se positiva e significativamente com a dimensão física,
a aceitação pelos pares e a aceitação materna. Assim, quanto mais a criança se
auto-percepciona como competente do ponto de vista cognitivo, mais se auto-
percepciona como competente fisicamente e como tendo uma maior aceitação
materna e dos pares. A sub-escala da competência física encontra-se, ainda,
positiva e significativamente correlacionada com a sub-escala da aceitação dos
pares. Logo, quanto melhor as crianças se auto-percepcionam em termos de
aparência e capacidade física, melhor estas percepcionam a sua aceitação pelos
pares.
TABELA_2
Correlações significativas entre as Escalas Pictóricas de Competência
Percepcionada
_________________________________________________________________________
| _____________|___Físico___|_________AP__________|_________AM__________|
|Cognitivo______|____.58**____|________.65**________|________.59**________|
|Físico________|_____________|________.49**________|________.50**________|
|Aceitação_Par|s____________|_____________________|________.64**________|
Legenda: ** <0.01; * <0.05
Sociometria
A coerência das escolhas sociométricas foi calculada através de correlações de
Pearson, entre as Nomeações Positivas e Comparações entre Pares, evidenciando a
existência de uma correlação positiva e significativa entre as duas medidas
(r=0.54, p<0,001). Isto é indicador da existência de uma coerência entre estas
medidas, sendo que o aumento da Nomeação Positiva está associada ao aumento da
Comparação entre Pares, e vice-versa.
Competência Verbal e Género
Relativamente à Competência Verbal não se encontraram correlações
significativas entre o QIV e as escalas do Auto-conceito, nem com as medidas
sociométricas. Analogamente, não se verificaram diferenças significativas
relativamente ao género em ambas as medidas.
Auto-conceito e Escolhas Sociométricas
A Tabela_3 apresenta as correlações entre as medidas sociométricas e as escalas
de Percepção de Competência. Verificaram-se correlações positivas e
significativas entre as Nomeações Positivas, a Aceitação pelos Pares e a
Aceitação Materna. Assim, o aumento da Nomeação Positiva pelos pares está
associado ao aumento da auto-percepção da Aceitação pelos Pares, e
particularmente ao aumento da auto-percepção da Aceitação Materna.
TABELA_3
Correlações significativas entre as Escalas Pictóricas de Competência
Percepcionada e as medidas de Sociometria
_____________________________________________________________________________
| _______________|____Nomeações_Positivas___|___Comparações_entre_Pares__|
|Cognitivo________|____________0.29____________|_____________0.13_____________|
|Físico__________|____________0.13____________|_____________0.02_____________|
|Aceitação_Pares|___________0.34*____________|_____________0.25_____________|
|Aceitação_Mater|___________0.41**___________|_____________0.23_____________|
Legenda: ** <0.01; *< 0.05
DISCUSSÃO
O presente estudo teve como objectivo verificar a existência de uma relação
entre o auto-conceito e a aceitação social dos pares. Os resultados deste
estudo, aliás congruentes com os obtidos em estudos anteriores (Boivin &
Bégin, 1989; Chambliss et al., 1978; Patterson et al., 1990; Cole, 1991),
fornecem fundamento ao pressuposto de que, crianças que se percepcionam como
aceites pelos pares, tendem a ser, concomitantemente mais aceites no grupo de
pares, bem como o seu inverso. Desta forma, as crianças põem em prática através
do seu comportamento a sua expectativa face à relação com os outros e,
possivelmente, face às suas competências. Por sua vez, a relação com os pares
também influencia a percepção do self, em particular, a auto-percepção da
aceitação pelos pares, podendo funcionar como um elemento de risco ou de
protecção no desenvolvimento. Uma vez que o QI verbal não obteve nenhuma
relação significativa com as medidas quer do auto-conceito quer da aceitação
social, podemos afirmar que as relações encontradas entre estas medidas são
independentes da competência verbal manifestada pelas crianças.
As crianças que experienciam uma relação com os pais de suporte, formam um
modelo interno do selfcomo sendo merecedor de suporte e amor, sentem-se
competentes e motivadas, o que também se reflecte nas relações sociais da
criança com os pares. Assim, a família surge como um suporte emocional
essencial, ajuda instrumental e guia cognitivo (Furman & Buhrmester, 1985;
Zelkowitz, 1989). A formação de auto-percepções/avaliações positivas vai
influenciar a noção dos domínios e características do self, determinando o
sentimento em relação a si e orientando as suas acções no seu meio envolvente e
com os outros. Registou-se uma associação entre a aceitação materna e a
percepção da competência cognitiva, isto é, quanto mais a criança sente o
suporte materno mais se percepciona capacitada cognitivamente. Perante estes
resultados pode-se cogitar que, as crianças que têm mais suporte materno
sentem-se mais disponíveis, confiantes e capazes, para conhecer o que o seu
meio envolvente lhes fornece, do que as crianças com menos suporte materno,
funcionando a família como "guia cognitivo".
Igualmente se verificou que, tal como constatado por Harter e Pike (1984), as
crianças nesta faixa etária tendem a associar as suas capacidades cognitivas e
físicas à sua competência e aceitação social, apesar de no grupo de pares estas
percepções não serem relevantes para a sua aceitação ou popularidade.
Relativamente ao género, não existe uma diferença significativa ao nível da
auto-percepção das competências das crianças ou da aceitação social. Assim
pode-se inferir que, o contexto relacional é um factor preponderante enquanto
guia do comportamento social da criança, e na emergência do conceito e sentido
do self.