Individualismo-colectivismo: Dos aspectos conceptuais às questões de avaliação
INDIVIDUALISMO-COLECTIVISMO -ASPECTOS CONCEPTUAIS
A dimensão cultural de individualismo-colectivismo (IND/COL) representa um dos
mais teorizados e avaliados pilares que sustentam os estudos de comparação
cultural no âmbito da Psicologia, nomeadamente porque esta dimensão faz
claramente referência à posição do indivíduo face à sociedade, em geral, e ao
grupo de pertença, em particular. Deste modo, não é de estranhar que este
"síndrome cultural de individualismo-colectivismo" (Triandis, 2001,
p. 907) pareça representar a diferença mais significativa que existe entre
culturas, logo, parece valer a pena apresentar mais detalhadamente estes dois
constructos.
Triandis (1995) salienta que os termos individualismoe colectivismo começaram
por ser utilizados por filósofos políticos ingleses dos séculos XVIII e XIX. Na
visão ideológica daquele tempo, o individualismo era sinónimo de liberalismo,
propagando ideais como a liberdade máxima do indivíduo, a possibilidade de
pertencer a vários grupos e de os deixar quando quisesse e a participação igual
dos indivíduos nas actividades de grupo; no pólo oposto, encontrava-se o
autoritarismo, que anulava a liberdade do indivíduo, tendo este que se
subordinar a uma autoridade superior, neste caso, o rei. Mais ainda, as teses
individualistas veiculadas pela Revolução Americana, ou seja, o facto dos
homens serem iguais e de terem todos o direito de procurar alcançar a
felicidade, a par dos ideais em que se baseou a Revolução Francesa,
nomeadamente a liberdade e a igualdade, conduziram ao surgimento de reacções e
de ideais colectivistas, que se opunham à influência nociva dos direitos
individuais no bem-estar da comunidade e da sua estrutura social.
Ora, na área da Sociologia e da Psicologia Social, a terminologia utilizada em
torno da distinção entre os enfoques individualista e colectivista é
desconcertante, nomeadamente pela sua variedade. A título de exemplo, refira-se
que Durkheim (1887/1933, inOyserman, Coon, & Kemmelmeier, 2002), sociólogo,
distingue a solidariedade orgânica- ilustrativa do pólo individualista e
dependente de relações temporárias, constituídas no seio de sociedades
complexas entre indivíduos diferentes uns dos outros - da solidariedade
mecânica- ilustrativa do pólo colectivista e dependente de relações
permanentes, constituídas nas sociedades tradicionais entre indivíduos
semelhantes.
Por sua vez, Margaret Mead (1967, inTriandis, Bontempo, Villareal, Asai, &
Lucca, 1988), antropóloga, considera que as culturas se diferenciam em função
do grau de cooperação ou de competição entre os seus indivíduos, sendo a
dimensão cultural resultante a de cooperação-individualismo, cujo corolário a
nível individual é o alocentrismo-idiocentrismo (Triandis, McCusker, & Hui,
1990).
Prosseguindo com a diversidade de terminologia utilizada em torno dos dois
pólos do constructo individualismo-colectivismo, é de salientar que outros
autores adoptaram constructos diferentes, veiculando, contudo, o mesmo universo
de significação: o selfindependente vs. o selfinterdependente (Markus &
Kitayama, 1991), o selfprivado vs. o selfcolectivo (Trafimow, Triandis, &
Goto, 1991), o valor de mercado vs.a partilha comunitária (Fiske, 2002) ou a
comunidade (Gemeinschaft) vs.a sociedade (Gesellschaft) (Tönnies, 1887/1957,
inOyserman et al., 2002).
Assim, este quadro de pesquisa tem gerado vários modelos conceptuais e sistemas
teóricos acerca do constructo de IND/COL, que apontam para o seu estatuto de
dimensão essencial de variação cultural: de facto, como salientam Freeman e
Bordia (2001), o constructo de individualismo-colectivismo tem desempenhado um
papel central nos estudos de Psicologia Intercultural, sendo estes estimulados,
particularmente, pelo trabalho pioneiro de Hofstede (1980), que vamos analisar
de seguida.
IND/COL NA PERSPECTIVA DE HOFSTEDE
Hofstede (1980), na sua qualidade de sociólogo organizacional e investigador da
IBM, analisou acerca de 117.000 protocolos recolhidos a partir de amostras
estratificadas e equivalentes de trabalhadores da IBM, em mais de 40 países
(dos iniciais 66 previstos para a realização do estudo), protocolos estes
referentes a valores ligados ao trabalho. O questionário utilizado tinha 32
itens, considerados por Hofstede como representativos de tais valores. A
análise factorial, baseada nas correlações entre as respostas às questões do
questionário nos países envolvidos na investigação, revelou a existência de
quatro factores ou dimensões culturais: individualismo-colectivismo, distância
hierárquica, masculinidade-feminilidade e controlo da incerteza. A partir dos
resultados obtidos para estas dimensões nos diferentes países, Hofstede lançou
as bases de uma tipologia para 40 nações do mundo, partindo da sua posição
nestas quatro dimensões culturais.
Na visão de Bond (2002), esta tipologia representou e ainda representa um
importante ponto de partida nas investigações realizadas pelos psicólogos
interculturais, especialmente para os que evocam a dimensão de individualismo-
colectivismo, considerando as amostras dos estudos referidos como sendo
representativas das nações investigadas. De referir, ainda, o facto do mesmo
autor salientar que a dimensão mais tomada em consideração em tais estudos ter
sido a de IND/COL, uma vez que estes dois constructos se relacionam com
preocupações nucleares nas ciências sociais.
Na verdade, Hofstede concede um espaço de investigação considerável a esta
dimensão cultural, ao evidenciar que um atributo fundamental das sociedades
humanas, que explica, em grande medida, as diferenças existentes entre as
mesmas, reside no enfoque colocado quer no papel do indivíduo, quer no papel do
grupo, pois esta dicotomia funcional, de natureza sócio-antropológica, está
indubitavelmente na base do desenvolvimento diferencial das sociedades humanas.
Assim, integrando vários dos contributos por nós apresentados, e numa
perspectiva mais geral, podemos afirmar que quando o indivíduo representa a
unidade de análise e percepção social, bem como uma instância de acção -
material-concreta e afectiva - independente dos outros, falamos de
sociedades individualistas, enquanto que por sociedades colectivistas se
entendem as sociedades em que o grupo de pertença opera como uma instância de
avaliação e de controlo sobre as acções e as interacções dos seus membros,
organizando-se a dinâmica das relações interpessoais em torno dos grupos a que
os indivíduos pertencem.
Mais concretamente, Hofstede (1980, p. 69) define a dimensão cultural de IND/
COL da seguinte forma: "O individualismo caracteriza as sociedades nas
quais os laços entre os indivíduos são pouco firmes; cada um deve ocupar-se de
si mesmo e da sua família mais próxima. O colectivismo, pelo contrário,
caracteriza as sociedades nas quais as pessoas são integradas, desde o
nascimento, em grupos fortes e coesos, que as protegem para toda a vida em
troca de uma lealdade inquestionável".
Ou seja, verifica-se que Hofstede utilizou as designações de IND/COL
particularmente para descrever as relações de dependência vs. independência do
indivíduo face ao grupo de pertença. Contudo, tal como salientam Smith, Dugan,
Peterson, e Leung (1998), a dimensão cultural de individualismo-colectivismo
está relacionada com toda uma variedade de comportamentos sociais e não apenas
com a especificidade das relações interpessoais desenvolvidas pelos indivíduos
na sociedade. De facto, Hofstede também evidenciou, a partir da administração
do questionário anteriormente referido, que a dimensão de individualismo se
apresentou mais fortemente associada à importância relativa atribuída pelos
sujeitos a valores como o tempo pessoal, a liberdade e o desafio, enquanto que
valores como a formação, as condições de trabalho e a utilização de
competências estavam mais associados ao colectivismo.
Ora, Bond (2002) considera que os três primeiros valores estão obviamente
relacionados com o individualismo, encarado nas ciências sociais como um
constructo multifacetado, enquanto que os últimos três valores descrevem de um
modo mais equívoco o colectivismo. Assim, surgiu a necessidade de esclarecer e
alargar o âmbito conceptual dos dois constructos (IND/COL), tendo vários
investigadores continuado os trabalhos de Hofstede, contribuindo, deste modo,
para o estabelecimento de novas definições operacionais que possibilitam a sua
mais adequada avaliação no domínio da Psicologia Cultural e Intercultural
(Ciochină& Faria, 2007).
IND/COL - ATRIBUTOS CARACTERÍSTICOS
Individualismo
Na senda da investigação de Hofstede, o atributo central do individualismo é
constituído pelo facto dos indivíduos serem independentes uns dos outros. Na
descrição conceptual desta dimensão cultural, Hofstede enfatiza a prevalência
dos direitos sobre as obrigações, a preocupação com a própria pessoa e a
família imediata, a autonomia pessoal e a auto-realização. Por conseguinte, a
construção da identidade pessoal tem como ponto de partida os méritos, os
atributos e as realizações pessoais.
Triandis e colaboradores (1988) completam este quadro descritivo, enfatizando o
tipo de relação do indivíduo com o in-grupo, salientando que nas culturas
individualistas existem vários in-grupos- como, por exemplo, a família, o
grupo de trabalho e os clubes, definidos pelos autores como conjuntos de
pessoas com quem se partilha um determinado atributo -, que fornecem uma
identidade social positiva, sendo o comportamento do indivíduo moldado pelos
objectivos de cada um destes grupos. Contudo, não se pode deixar de salientar o
facto das relações do indivíduo com um determinado in-gruponão serem estáveis
(ao contrário do que acontece nas culturas colectivistas), nomeadamente porque
o indivíduo pode deixar um determinado in-grupo, caso este já não sirva os seus
interesses pessoais.
No mesmo sentido, Triandis (2001) salienta que nas sociedades individualistas
os objectivos pessoais são privilegiados em detrimento dos do grupo de
pertença, tendo os comportamentos dos indivíduos como factores causais as
atitudes pessoais e não as normas instauradas no in-grupo. A este respeito,
Smith e colaboradores (1998), quando descrevem a dimensão de individualismo,
falam na tendência dos indivíduos para se preocuparem com as consequências dos
seus comportamentos sobre as suas próprias necessidades e os seus interesses e
objectivos pessoais.
De referir, também, que em situações conflituais os individualistas procuram
fazer justiça às partes envolvidas no respectivo conflito, manifestando uma
preferência por modos de comunicação aberta, precisa e assertiva (Gudykunst,
1997). Mais ainda, Schwartz (1992) considera que as sociedades individualistas
são sociedades contratuais, consistindo em grupos primários, de dimensões
reduzidas, grupos estes que comportam um tipo de relações sociais em que,
através de negociações, as pessoas abordam as suas obrigações de tal modo que
possam, com vantagem, modificar ou obter um determinado estatuto social.
Colectivismo
O núcleo central do colectivismo é representado pela relação de dependência do
indivíduo face ao grupo de pertença, sendo de salientar (Triandis, 1994;
Triandis et al., 1988) que se trata de uma relação estável, na qual os
interesses e os objectivos dos indivíduos se subordinam aos do grupo. De
referir, ainda, que o indivíduo não pode abandonar ou muito dificilmente
abandona o in-grupo, mesmo que os custos que decorrem desta pertença sejam
maiores do que os benefícios.
Por sua vez, Smith e colaboradores (1998) consideram que o colectivismo se
refere à tendência dos indivíduos de se preocuparem mais com as consequências
dos seus comportamentos sobre os membros do grupo de pertença e de estarem mais
disponíveis para sacrificar os seus interesses pessoais em benefício dos
interesses colectivos.
Quanto aos modos de resolução de conflitos no contexto colectivista, Gudykunst
(1997) fala na preocupação dos indivíduos com a manutenção da harmonia dentro
do grupo de pertença, comunicando de uma maneira equívoca e defensiva, pois,
segundo Schwartz (1990, inOyserman et al., 2002), as sociedades colectivistas
são caracterizadas por obrigações mútuas e difusas, tendo os indivíduos
estatutos pré-estabelecidos que não podem modificar: assim, pode-se falar da
existência de um género de vida comunitária, com valores comuns e modelos de
acção e interacção imutáveis. Ora, tal como evidenciam Ciochinăe Faria (2006a,
p. 177), "esta coesão realiza-se através da cooperação entre os
indivíduos, das relações de interdependência e de encorajamento
colectivo".
Em suma, e à luz deste modo de relacionamento interpessoal, o sucesso não é
considerado como dependente de atributos individuais - como acontece nas
sociedades individualistas -, mas sim como sendo garantido pela pertença
a determinados grupos ou instituições sociais (Triandis, McCusker, & Hui,
1990).
AVALIAÇÃO DA DIMENSÃO DE IND/COL
Na perspectiva de Barrett, Wosinka, Butner, Petrova, Gornik-Durose, e Cialdini
(2004), apesar de existirem dificuldades conceptuais e metodológicas
relacionadas com a natureza e o conteúdo multifacetado da dimensão cultural de
individualismo-colectivismo, bem como de alguns constructos relacionados com
esta, nomeadamente a prioridade do individual vs. a do colectivo (Chen,
Brockner, & Katz, 1998) ou o selfindependente vs. o selfinterdependente
(Singelis, 1994), este eixo de análise cultural (IND/COL) tem sido e continua a
ser frequentemente utilizado para compreender toda uma variedade de diferenças
interculturais acerca de modelos atitudinais (Bellah, Madsen, Sullivan,
Swidler, & Tipton, 1987), acerca da auto-estima e de outros processos de
avaliação pessoal (Heine & Lehman, 1995; Heine, Kitayama, & Lehman,
2001; Kitayama, Markus, Matsumoto, & Norasakkunit, 1997) e acerca do estilo
atribucional (Choi & Nisbett, 1998) ou do estilo comunicacional (Kapoor,
Hughes, Baldwin, & Blue, 2003).
É de salientar que muitos destes estudos são correlacionais, isto é, não
avaliam, mas apenas invocam o IND/COL. Contudo, tal como evidenciam Ciochinăe
Faria (2006b), vários investigadores, na área da Psicologia Cultural e
Intercultural, conceberam diferentes técnicas para avaliar esta dimensão
cultural e, consequentemente, para indagar o seu impacto sobre vários processos
psicossociais.
Neste quadro, no âmbito de uma meta-análise recente, realizada por Oyserman e
colaboradores (2002), acerca da literatura produzida nos últimos 20 anos em
mais de 80 estudos sobre IND/COL, estes autores apontaram para a existência de
três instrumentos de medida mais utilizados - a Escala Independente-
Interdependente (Singelis, 1994), a Escala de Individualismo-Colectivismo
Horizontal-Vertical (Singelis, Triandis, Bhawuk, & Gelfand, 1995,
inShulruf, Hattie, & Dixon, 2003) e a Escala de Colectivismo-Individualismo
de Hui (1988, inShulruf et al., 2003).
Ao analisarem estas escalas, Oyserman e colaboradores (2002) identificaram sete
domínios principais ligados ao individualismo (independência, prioridade dos
objectivos pessoais, competição, unicidade, privacidade, conhecimento de si
mesmo e comunicação directa) e oito ligados ao colectivismo (relações com os
outros, sentido de pertença, obrigações face ao grupo de pertença, harmonia,
procura dos conselhos dos outros, dependência do contexto, hierarquia e
trabalho em grupo).
Embora as escalas construídas até ao presente se caracterizem por um consenso
científico significativo, no que se refere às operacionalizações produzidas
pelos investigadores acerca dos dois constructos (IND/COL), o problema que se
coloca diz respeito à validade das escalas destinadas à avaliação destes
conceitos e aos seus limites de investigação.
Kitayama (2002), por exemplo, considera que "já não é possível assumir
que os valores culturais possam ser avaliados com questionários
atitudinais" (p. 89), uma vez que os auto-relatos reflexivos geralmente
não conseguem captar as respostas mentais cognitivas e afectivo-motivacionais
que surgem espontaneamente em vários contextos de acção e interacção. A este
respeito, Fiske (2002) salienta que um dos principais limites das escalas e dos
questionários utilizados para avaliar a dimensão cultural de IND/COL está
relacionado com um problema de cariz epistemológico, pois estes instrumentos
implicam conteúdos verbais, orais ou escritos, de tal modo que as escalas de
avaliação e, até, os questionários de resposta livre e as entrevistas, através
dos dados que recolhem, sugerem que a cultura representa um conjunto de
conhecimentos "declarativos", "semânticos" ou
"episódicos" (Fiske, 2002, p. 81).
Apesar de tais críticas, que remetem para o facto dos instrumentos utilizados
para avaliar o individualismo-colectivismo revelarem mais características
individuais do que culturais, não podendo, deste modo, os valores obtidos para
uma característica ser atribuídos à especificidade de uma cultura, a não ser
que aquela característica seja considerada culturalmente construída e
transmitida, tais instrumentos podem ser utilizados com resultados
satisfatórios se forem cuidadosamente construídos e administrados em conjunto
com outros de cariz complementar.
Esta questão de métodos alternativos já foi tomada em consideração pelos
investigadores no domínio, tendo-se chegado à realização de, por exemplo,
análises de conteúdo de autobiografias (Morsbach, 1980, inTriandis, 1995) ou
cenários (Triandis, 1985, inNeto, 1995) que solicitam aos sujeitos que terminem
ou interpretem certas situações ilustrativas de comportamentos e atitudes
individualistas ou colectivistas: de facto, estimulando a projecção psicológica
dos sujeitos, tais cenários podem contribuir para esclarecer aspectos culturais
importantes, presentes a nível subconsciente nos indivíduos.
Por fim, quanto à necessidade de investir na construção cuidadosa de
questionários que avaliem a dimensão cultural de individualismo-colectivismo,
uma das mais pertinentes e recentes tentativas nesse sentido é representada
pelo Anonymous Questionnaire of Self-Attitudes - AQSA -, construído
no contexto neozelandês por Shulruf, Hattie, e Dixon (2003). O facto deste
questionário representar um dos mais recentes instrumentos construídos no
domínio da avaliação dos constructos de IND/COL, trazendo aspectos inovadores a
nível metodológico e conceptual - aspectos estes que detalharemos mais à
frente -, levou-nos a proceder à sua adaptação preliminar para o contexto
português, que apresentaremos a seguir, dado que Portugal já foi incluído em
estudos interculturais que avaliaram a dimensão de individualismo-colectivismo
(Neto, 1995) e esta dimensão foi invocada na explicação de resultados obtidos a
partir de estudos interculturais das concepções pessoais de inteligência
(Ciochină& Faria, 2006a; Faria, Pepi, & Alesi, 2004; Pepi, Faria, &
Alesi, 2006).
MÉTODO
Participantes
A amostra compreende 200 alunos, sendo constituída em função do ano de
escolaridade (10º e 12º), do sexo (feminino vs.masculino), do agrupamento de
estudos (científico-natural, humanidades e económico-social) e do nível facto
dos indivíduos privilegiarem os interesses sócio-económico - NSE -
(alto, médio e baixo). A média de idade dos sujeitos é de 17,6 (DP=1,86).
QUADRO 1
Caracterização da amostra em função do ano de escolaridade, do sexo, do
agrupamento de estudos e do nível sócio-económico
______________________________________________________________________________
|? Ano escolar | Sexo | Agrupamento de | NSE |
|_|_______________|________________|______estudos_______|______________________|
|?10º|12º|Total|Fem.|Masc.|Total|C.N_|_H._|E.S_|Total|Alto|Médi|Baixo|Total|
|N|100_|100_|_200_|_69_|_131_|_200_|_70_|_77_|_53_|_200_|_49_|_77__|_73__|_199_|
|%|50.0|50.0|_100_|34,5|65,5_|_100_|35,0|38,5|26,5|_100_|24,6|38,7_|36,7_|_100_|
Legenda:C.N. - científico-natural; H - humanidades; E.S. -
económico-social; NSE - Nível sócio-económico.
Nota:Houve uma omissão nas respostas à variável NSE.
Instrumento
Na construção do AQSA,Shulruf, Hattie, e Dixon (2003, 2007) partiram da
necessidade de ultrapassar uma série de limitações dos instrumentos já
construídos para a avaliação do constructo de individualismo-colectivismo. Os
autores salientam o facto de tais instrumentos solicitarem aos sujeitos que
produzam auto-relatos acerca de atitudes, valores, crenças e modelos
comportamentais que fazem parte da sua vida diária. Ora, Schwarz (1999)
considera que os indivíduos não podem responder de uma maneira geral (tal como
é exigido pelo grau de generalidade presente no modo como as perguntas são
formuladas), uma vez que tais respostas podem ser sensíveis a diferenças
específicas entre vários contextos. Mais concretamente, tal como evidenciam os
referidos autores, o IND e o COL podem ter expressões diversificadas em
contextos e sociedades distintas.
Shulruf e colaboradores (2003) consideram que para captar comportamentos e
atitudes ligados ao IND/COL, que variam em diferentes contextos, seria mais
adequado utilizar escalas de frequência e não de concordância, isto é, deve-se
solicitar aos sujeitos que respondam acerca da frequência e não da intensidade
de tais valores, crenças e atitudes.
Por conseguinte, o AQSA de Shulruf e colaboradores utiliza uma escala de Likert
de frequência. Além deste aspecto de novidade, os autores procuraram evitar
neste questionário a dimensão de relação com a família (familialism, em
inglês), que se refere, particularmente, ao facto dos indivíduos privilegiarem
os interesses da sua própria família e valorizarem o espírito de entreajuda e o
apoio recíproco dentro do núcleo familiar.
De facto, existem autores, entre os quais Hofstede (1980), que salientam que os
colectivistas atribuem um grande valor ao sentido de pertença à sua família. No
entanto, Fischer (2000, inShulruf et al., 2003) verificou que os norte-
americanos, frequentemente considerados como modelo de uma sociedade
individualista, privilegiam os interesses familiares em detrimento dos
pessoais. Tais resultados, que parecem ser contraditórios, conduziram autores
como Oyserman e colaboradores (2002) a considerarem a relação com a família
como um domínio distinto, não relacionado com a dimensão bipolar de IND/COL.
Assim, na construção do AQSA, Shulruf e colaboradores (2003, 2007) procuraram
evitar tal tema, chegando à conclusão de que é possível que as relações com a
família alargada sejam ilustrativas do colectivismo, enquanto que as relações
com os membros da família próxima sejam similares em ambos os tipos de
culturas.
A construção do AQSA tomou como ponto de partida a meta-análise de Oyserman e
colaboradores (2002), referida anteriormente, acerca das principais escalas
utilizadas para avaliar os constructos de IND/COL. Na verdade, os objectivos de
Shulruf e colaboradores (2003) foram os de seleccionar os itens mais
ilustrativos das dimensões estabelecidas por Oyserman e colaboradores (2002),
de tal modo que o instrumento espelha sete dessas dimensões (independência,
prioridade dos objectivos pessoais, competição, unicidade, privacidade,
conhecimento de si mesmo e comunicação directa) para o constructo de IND e oito
dessas dimensões (relações com os outros, sentido de pertença, obrigações face
ao grupo de pertença, harmonia, procura dos conselhos dos outros, dependência
do contexto, hierarquia e trabalho em grupo) para o constructo de COL.
Mais concretamente, Shulruf e colaboradores (2003) estabeleceram uma lista
inicial de 353 itens, incluindo itens das escalas de IND/COL já existentes e
itens construídos pelos próprios autores. Após a exclusão dos itens que se
revelaram similares, ficaram 113 na lista, que foram posteriormente submetidos
a uma análise de conteúdo realizada por três peritos, familiarizados com a
literatura acerca da dimensão cultural de IND/COL. A partir das definições
fornecidas por Oyserman e colaboradores (2002), os três peritos tiveram que
classificar cada item em um dos quinze domínios ilustrativos dos dois pólos
- individualismo e colectivismo. Para que um item ficasse na lista era
necessário que fosse colocado no mesmo domínio por, pelo menos, dois dos três
peritos. Assim, em consequência desta análise, a lista ficou reduzida a 79
itens.
Em seguida, os autores do instrumento excluíram quatro domínios, nomeadamente a
dependência do contexto, a prioridade dos objectivos pessoais, as relações com
os outros e o trabalho em grupo, considerando que os itens destes domínios se
sobrepunham aos de outros domínios. Por exemplo, os itens da dimensão
objectivos pessoais, definida por Oyserman e colaboradores (2002) como a
realização de esforços para alcançar objectivos pessoais, revelaram uma grande
similaridade com os itens da dimensão competição, definida como a ambição e
sucesso pessoal, enquanto que os itens da dimensão dependência do contexto,
definida pelos referidos autores como as modificações do selfdependentes do
contexto ou da situação exterior, mostraram-se semelhantes aos itens das
dimensões hierarquia, obrigações e harmonia.
Por fim, a exclusão dos referidos domínios reduziu a lista a 66 itens que, após
a realização de análises factoriais e após a exclusão de itens que não
saturaram nenhum factor, nomeadamente sobre a unicidade, a competição e a
responsabilidade - ilustrativos do IND -, e a harmonia e o conselho
- ilustrativos do COL - (Shulruf, Hattie, & Dixon, 2007), levou
a que o AQSA ficasse reduzido a 26 itens, 15 ilustrativos da escala de
individualismo e 11 da escala de colectivismo.
Ora, o AQSA, por nós adaptado e designado como Questionário de Individualismo-
Colecti-vismo(QIC), tem duas escalas, a escala de individualismo (EI) e a
escala de colectivismo (EC). A EI abarca três subescalas - a unicidade
(itens 2, 12, 22 e 26), a competição(itens 1, 6, 7, 14, 21, 23 e 25) e a
responsabilidade(itens 5, 11, 17 e 19) -, enquanto que a EC compreende
duas subescalas - a harmonia(itens 4, 9, 16 e 20) e o conselho(itens 3,
8, 10, 13, 15, 18 e 24).
Concretizando, na EI os itens da subescala unicidadereferem-se à definição da
própria identidade como diferente e independente dos outros, os itens que
constituem a subescala competiçãotentam captar atitudes e comportamentos que
implicam a definição da identidade em termos de comparação social e de
competição com os outros e os itens da subescala responsabilidadefazem
referência a acções realizadas independentemente dos outros, de um modo
responsável, e a modelos comunicacionais que implicam clareza, logo,
responsabilidade pelo que é dito. Já para a EC, os itens da subescala
harmoniaespelham comportamentos que procuram manter a harmonia dentro do grupo
de pertença (através do evitamento de discussões e do uso de modos de
comunicação indirecta), bem como comportamentos e atitudes que privilegiam os
interesses do grupo de pertença em detrimento dos pessoais e, por sua vez, os
itens da subescala conselhofazem referência ao pedido de conselho aos pais, aos
colegas e aos amigos próximos acerca da tomada de decisões importantes, bem
como acerca da realização de determinadas acções.
Finalmente, refira-se que os itens do QIC são cotados numa escala de Likert de
frequência, com seis pontos, variando entre nuncae semprea frequência de
atitudes e comportamentos de tipo individualista e de tipo colectivista.
Procedimento
A versão inglesa do AQSA foi traduzida para português pela primeira autora do
presente estudo, tradução esta que foi revista pela segunda autora. Nesta
primeira fase, a tradução para português conduziu-nos à decisão de substituir
determinados termos por outros, mais adequados à amostra utilizada na nossa
investigação, isto é, a alunos de 10º e de 12º anos. Mais concretamente, no que
se refere ao item n.º 5 da versão original ("I consult with superiors on
work related matters.") substituímos "superiores" por
"os mais velhos" e mantivemos o contexto de trabalho, considerando
o caso dos estudantes que trabalham, mas adicionámos também o contexto escolar
("Consulto os mais velhos acerca de assuntos ligados à escola e ao
trabalho."), e no que se refere ao item n.º 18 da versão original
("I discuss job or study-related problems with my parents/
partner.") foi omitido o termo "parceiro"
("partner").
A seguir recorremos à retroversão, realizada por uma autora portuguesa com
formação superior na área de Línguas e Literaturas Estrangeiras (Variante
Português e Inglês). A retroversão sugeriu-nos a hipótese de substituir o termo
"pares" do item n.º 21 ("Tento obter melhores notas do que os
meus pares.") por "colegas" ("colleagues" na
retroversão). Esta hipótese foi confirmada pelo estudo de reflexão falada dos
itens traduzidos para português, estudo este que foi realizado com 16 alunos,
de ambos os sexos, tendo a maioria dos sujeitos considerado o termo
"colegas" mais adequado e mais claro do que o termo
"pares". O referido estudo de reflexão falada não apontou para a
necessidade de introduzir outro tipo de mudanças na preparação do QIC.
O mesmo procedimento foi utilizado com o questionário sócio-demográfico, que
foi administrado conjuntamente com o QIC.
O objectivo de tal procedimento, no que respeita às traduções sucessivas da
versão inglesa do questionário e ao estudo de reflexão falada, foi o de obter
um equivalente linguístico e cultural fiel ao instrumento original (Van de
Vjver & Hambleton, 1996).
Por fim, refira-se que a administração do QIC foi realizada colectivamente, a
turmas inteiras, em horários lectivos, apelando-se à participação voluntária,
bem como à opinião sincera dos participantes, aos quais foram garantidos o
anonimato e a confidencialidade das respostas.
APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS DA ANÁLISE FACTORIAL CONFIRMATÓRIA
A análise factorial confirmatória (AFC) foi realizada utilizando o programa
EQS, versão 6.1. Este tipo de análise factorial caracteriza-se pela definição a
prioride um modelo teórico, a fim de se analisar a forma como os dados se lhe
ajustam (Byrne, 1994). Como método de estimação, recorremos ao procedimento
usual de máxima verosimilhança, sendo todas as análises realizadas a partir de
matrizes de covariância.
Na avaliação do ajustamento dos modelos que testámos, tomámos em consideração
múltiplos índices de ajustamento. O primeiro foi o χ2. Este índice analisa a
discrepância entre o modelo teórico e o modelo observado: se um determinado
modelo apresenta um χ2estatisticamente significativo, isto revela que os dados
se afastam do modelo teórico testado. Mais ainda, pelo facto do valor de χ2 ser
sensível à dimensão da amostra (Schumacker & Lomax, 1996, inSantos &
Maia, 2003), recorremos igualmente a outros dois índices, com o fim de obtermos
uma análise mais exaustiva da qualidade do ajustamento.
Deste modo, também considerámos o CFI (comparative fit index), que oscila entre
0 e 1. Os valores que ultrapassam 0,90 e 0,95 são considerados como indicadores
de um ajustamento respectivamente aceitável e bom. O CFI representa um índice
de ajustamento que compara os resultados do modelo proposto com os de um modelo
nulo (isto é, um modelo em que não são feitas quaisquer estimativas).
Por fim, um último índice de ajustamento observado foi o RMSEA (root mean-
square error of approximation), que analisa a aproximação do ajustamento do
modelo ao modelo populacional. Consequentemente, este índice apresenta um pcom
um valor crítico de 0,05. Por norma, devem ser rejeitados modelos que produzem
valores de RMSEA superiores a 0,1 e mantidos modelos cujo valor oscila entre
0,08 e 0,05 ou cujo valor seja inferior a 0,05.
Teste ao modelo teórico do QIC
Chamámos modelo teóricoao modelo constituído pelas cinco subescalas ou factores
referidos anteriormente, com uma configuração tal como se apresenta na Figura
1. A hipótese é que os itens dos cinco factores (unicidade, competição e
responsabilidade - ilustrativos do IND - e harmonia e conselho
- ilustrativos do COL) saturam apenas estas variáveis latentes.
FIGURA_1
Modelo teórico do QIC
Os resultados obtidos não indicam um bom ajustamento dos dados ao modelo
teórico, apresentando os seguintes valores dos índices de ajustamento: χ2
(292)=720,33, p=0,000; CFI=0,70; RMSEA=0,09, p(0,08-0,09).
Teste ao modelo reconfigurado do QIC
O facto dos índices de ajustamento dos dados ao modelo teórico não serem
satisfatórios, conduziu-nos à decisão de eliminar dos factores do QIC os itens
que apresentavam saturações baixas, ou seja, inferiores a 0,40. Por
consequência, eliminámos dois itens da subescala responsabilidade(item nº 5 e
item nº 11), dois itens da subescala harmonia(item nº 9 e item nº 16) e dois
itens da subescala conselho (item nº 18 e item nº 24). A configuração do novo
modelo encontra-se apresentada na Figura_2.
FIGURA_2
Modelo reconfigurado do QIC
O modelo reconfigurado produziu índices de ajustamento satisfatórios. Os
resultados obtidos indicam: χ2(157)=319,21, p=0,000; CFI=0,85; RMSEA=0,07, p
(0,06-0,08).
No Quadro_2 apresenta-se uma síntese dos índices de ajustamento para cada um
dos dois modelos testados.
QUADRO_2
Índices de ajustamento do modelo teórico e do modelo reconfigurado
QIC χ2 gl CFI RMSEA
Modelo teórico 720,33 292 0,70 0,09
Modelo reconfigurado 319,21 157 0,85 0,07
Legenda: CFI - Comparative fit index; RMSEA - Root mean-square
error of approximation.
DISCUSSÃO E CONCLUSÕES
O presente estudo propôs-se discutir aspectos teóricos e metodológicos em torno
dos quais gravitam os constructos de individualismo-colectivismo, objectivo
este que foi complementado pela realização de um estudo de validação preliminar
de um questionário de avaliação do IND/COL para o contexto cultural português.
Assim, embora os dois constructos (IND/COL) reúnam consenso científico quanto à
sua teorização e operacionalização, o mesmo não acontece com os instrumentos de
avaliação destes conceitos. Deste modo, é de salientar que os estudos de
validação de tais instrumentos em outros contextos culturais, podem não só
conduzir à reconsideração do processo de construção destes instrumentos d e
medida, mas também pôr em questão a exactidão e a pertinência de
operacionalizações, aparentemente consensuais, acerca dos constructos de IND/
COL.
O presente estudo recorreu à análise factorial confirmatória, com o objectivo
de testar no contexto português a plausibilidade do modelo factorial teórico do
QIC - com cinco factores, três ilustrativos da dimensão de individualismo
(unicidade, competição e competição) e dois ilustrativos da dimensão de
colectivismo (harmonia e conselho), tudo isto na tentativa de clarificar o
enquadramento conceptual e a operacionalização da dimensão cultural de
individualismo-colectivismo e de matizar o mesmo em função da especificidade da
amostra utilizada nesta investigação. É de referir que a pertinência deste
objectivo é sustentada pelo facto do instrumento por nós utilizado ter sido
construído a partir de uma meta-análise recente de Oyserman e colaboradores
(2002), como já referido, meta-análise esta que foi realizada considerando as
principais escalas utilizadas para avaliar os constructos de IND/COL.
Ora, já que o modelo teórico do QIC apresentou maus índices de ajustamento,
decidimos testar um modelo reconfigurado, através da eliminação dos itens que
evidenciaram saturações baixas (inferiores a 0,40) nas respectivas variáveis
latentes de origem.
Mais especificamente, eliminámos o item nº 5 ("Consulto os mais velhos
acerca de assuntos ligados à escola e ao trabalho."), da subescala
responsabilidade, item este que teve uma saturação muito baixa no seu factor de
origem e que parece mais ilustrativo da subescala conselho. O carácter
problemático deste item pode estar relacionado com a sua tradução, dado que,
como já referimos anteriormente, substituímos o termo "superiores"
por "os mais velhos", com o objectivo de não induzir nos sujeitos
respostas hipotéticas, uma vez que, tratando-se de alunos de 10º e 12º anos, o
conceito de "superiores" não faz referência a um contexto real de
acção, como o do trabalho. Assim, é possível que, dada a sua tradução para
português, o item nº 5 tenha perdido a intenção que os autores da escala lhe
tinham atribuído, isto é, captar comportamentos de responsabilidade no contexto
hierarquizado do trabalho. Simultaneamente, o termo "consultar" não
exclui o pedido de conselho, pelo que o item nº 5 pode ilustrar também a
subescala de conselho.
Da mesma subescala de responsabilidadefoi também eliminado o item nº 11
("Gosto de ser claro e preciso quando comunico com os outros."),
que parece ilustrar de forma equívoca a subescala referida. Mais concretamente,
embora exprimir de uma maneira clara o que se pensa possa implicar ser
responsável pelo que se pensa, esta atitude pode também representar um factor
de harmonia numa cultura mais individualista, uma vez que em tal contexto
cultural a falta de precisão no modo de comunicar e a concentração no contexto
exterior ao acto comunicacional, e não no conteúdo verbal transmitido, podem
conduzir a desentendimentos. Acresce que esta atitude comunicacional pode
representar um factor de desentendimentos e de falta de harmonia numa cultura
mais colectivista, pelo que é possível que o item nº 11 ilustre a subescala de
harmonia, devendo deste modo ser reclassificado. Concomitantemente, sendo a
amostra deste estudo constituída por adolescentes, grupo não-hierarquizado em
que a personalidade de cada um se exprime através de diálogos directos,
assertivos e menos formais, é possível que o item nº 11 não tenha sido sensível
à especificidade do contexto (individualista vs. colectivista).
Outro item eliminado foi o nº 9 ("Sacrifico os meus interesses pessoais
em benefício do meu grupo"), que teve uma saturação baixa na subescala de
harmonia. Para este resultado invocamos de novo a especificidade da amostra, ou
seja, os adolescentes encontram-se numa fase em que a auto-realização é muito
importante, sendo esta exigida pelo contexto social, pelo que os próprios
objectivos de realização pessoal e os interesses tendem a ser privilegiados.
Assim, mesmo num contexto caracterizado por uma mentalidade colectivista,
quando se trata de adolescentes, é possível que a formulação em termos de
"sacrifício" conduza a respostas menos categóricas.
A eliminação do item nº 16 ("Prefiro usar uma linguagem indirecta em vez
de dizer directamente coisas que é possível que os meus amigos não gostem de
ouvir."), também da subescala harmonia, pode ser explicada de modo
análogo ao que já foi referido quanto ao item nº 11, isto é, para adolescentes,
é possível que a falta de clareza na comunicação com os outros seja mais um
factor de desentendimento do que de harmonia.
Por fim, foram eliminados dois itens da subescala conselho(item nº 18 -
"Falo com os meus pais sobre assuntos ligados ao estudo ou ao
trabalho." - e item nº 24 - "Consulto a minha família
antes de tomar decisões importantes."). De referir que, dos sete itens
estabelecidos pelos autores do questionário como ilustrando esta subescala,
apenas os itens eliminados (nº 18 e nº 24) estão relacionados com o pedido de
conselho aos pais e à família, pois os restantes cinco itens ligam o pedido de
conselho aos amigos. Ora, as respostas aos dois itens eliminados não se
correlacionaram com as respostas aos outros cinco itens da subescala conselho,
o que aponta para o facto das opiniões dos amigos serem valorizadas de forma
distinta das opiniões da família e dos pais. É ainda de referir que, quanto ao
item nº 18 da subescala de conselho, a sua formulação comporta uma certa
ambiguidade, uma vez que falar com os pais sobre "assuntos ligados ao
estudo ou ao trabalho" não implica necessariamente o pedido de conselho.
Assim, a partir destas pistas preliminares de interpretação dos resultados
obtidos na presente investigação, devemos salientar o facto dos estudos de AFC
terem apontado para uma estrutura factorial do QIC parcialmente diferente da
estabelecida pelos seus autores. É possível que esta diferença se tenha devido,
por um lado, à especificidade da amostra desta investigação - composta
por adolescentes - que, como já referimos anteriormente, pode ter
desviado o sentido inicial de alguns dos itens do QIC e, por outro lado, ao
modo como são encarados e operacionalizados os conceitos relacionados com o
IND/COL, à formulação dos itens e à sua distribuição na estrutura factorial do
QIC.
Deste modo, considerando os resultados obtidos nesta investigação, é de
salientar que, para o futuro, parece importante (i) reconsiderar o estatuto dos
itens eliminados, (ii) realizar uma análise factorial confirmatória
considerando os factores IND/COL como factores de segunda ordem e (iii)
replicar o estudo com uma amostra mais alargada para consolidar a clarificação
conceptual da dimensão cultural de individualismo-colectivismo, e a adequação
da respectiva avaliação, clarificação e avaliação estas para as quais
procurámos um contributo inicial com a presente investigação.