Implicações da Neurocognição e da Auto-eficácia na Predição do Funcionamento
Psicossocial de Pessoas com Esquizofrenia
INTRODUÇÃO
É hoje um dado inquestionável para a maioria dos investigadores que um dos
aspectos centrais, se não fundamentais, da caracterização clínica da
Esquizofrenia, se prende com as disfunções neurocognitivas a si associadas.
Estas parecem coexistir com alterações estruturais e funcionais de diversas
regiões cerebrais, entre as quais destacamos as áreas frontais, temporais e
peri-ventriculares, e os núcleos cinzentos centrais (Manoach, 2003; Shenton,
Dickey, Frumin, & McCarley, 2001; Wright, Rabe-Hesketh, Woodruff, David,
Murray, & Bullmore, 2000). Do ponto de vista neurofuncional, há evidência
suficiente para se afirmar que a Esquizofrenia parece envolver mais uma
disfunção neuro-circuitária do que simplesmente uma disrupção do funcionamento
de uma determinada área cerebral circunscrita (Mendrek, Laurens, Kiehl, Ngan,
Stip, & Liddle, 2004).
A identificação de um processo central de deterioração mental acompanhou desde
cedo a caracterização clínica da Esquizofrenia, sendo possível encontrar
referências a disfunções no plano cognitivo nas descrições originais de
Kraepelin (1909/1913), que referia, em relação aos seus doentes, que "é
muito comum que eles percam simultaneamente a inclinação e a capacidade de
manter, por iniciativa própria, a sua atenção fixa durante algum tempo"
(p. 22); que "é muita muitas vezes bastante difícil fazê-los prestar
atenção"(p. 22); que "no início da doença há, invariavelmente, uma
perda da actividade mental e com ela uma certa pobreza do pensamento"(p.
34); e que "estão distraídos, desatentos, cansados, entorpecidos, não têm
prazer no trabalho, a sua mente divaga, perdem o contacto, não podem
'manter os pensamentos na mente'…"(p. 38).
Actualmente, os défices cognitivos da Esquizofrenia são considerados centrais
na patofisiologia da doença, encontrando-se presentes no momento do primeiro
episódio da doença (Bilder, Goldman, Robinson, Reiter, Bell, Bates, et al.,
2000; Caspi, Reichenberg, Weiser, Rabinowitz, Kaplan, Knobler, et al., 2003;
Censits, Ragland, Gur, & Gur, 1997), sendo que algumas componentes desta
disfunção parecem ocorrer de forma moderada nos períodos da infância e da
adolescência (Jones, Rodgers, Murray, & Marmot, 1994). Comparativamente com
sujeitos normais, os sujeitos esquizofrénicos tendem a ter um nível de
desempenho severamente alterado, com valores que podem ir de 1 a 3 desvios-
padrões abaixo dos valores normativos em diferentes provas neurocognitivas
(Harvey & Keefe, 2001; Heinrichs & Zakzanis, 1998; Marques-Teixeira,
2005), estimando-se que estas alterações cognitivas possam ser prevalentes em
pelo menos 75% dos casos (Marques-Teixeira, 2005; O'Carroll, 2000;
Palmer, Heaton, Paulsen, Kuck, Braff, Harris, et al., 1997).
De acordo com o consenso obtido no âmbito do projecto norte-americano
denominado Measurement and Treatment Research to Improve Cognition in
Schizophrenia, da iniciativa do National Institute of Mental Health, as
principais áreas cognitivas lesadas são a velocidade de processamento, a
atenção/ /vigilância, a memória de trabalho verbal e não verbal, a aprendizagem
verbal e visual, o raciocínio e resolução de problemas e a cognição social
(Green & Nuechterlein, 2004).
Nos últimos anos, impulsionados pela constatação de que a Esquizofrenia se
trata de uma das mais severas e incapacitantes formas de psicopatologia,
associada a graves limitações no funcionamento psicossocial, alguns trabalhos
têm sido desenvolvidos com o intuito de perceber a relação entre os défices
neurocognitivos e a resposta funcional na Esquizofrenia. Para responder à
questão se os indicadores neurocognitivos se relacionam com a funcionalidade
dos indivíduos, Green, Kern, Braff, e Mintz (2000) desenvolveram um trabalho de
revisão sistemática da literatura e de meta-análise de 37 estudos, tendo
analisado quais os constructos neurocognitivos que se encontravam relacionados
com três tipos possíveis de resposta funcional genérica: sucesso na aquisição
de competências psicossociais, resolução de problemas sociais em contexto
laboratorial (recorrendo, por exemplo, ao role-play) e resultados comunitários
ou actividades diárias. Encontraram replicação dos resultados que lhes
permitiram associar a ordenação de cartas (através do teste WCST), a memória
verbal secundária, a memória verbal imediata (memória de trabalho) e a
vigilância/ /atenção a pelo menos um destes três tipos de resultados funcionais
globais. Os Effect Sizesvariaram entre pequeno-médio e médio-grande. Concluíram
que os sujeitos com dificuldades em reter novas informações (especialmente sob
a forma de mensagem verbal), em evocar conscientemente informações retidas há
algum tempo, em realizar as tarefas com rapidez, em planear e gerar hipóteses e
em responder eficiente-mente ao feedbackambiental, tenderão a ter maiores
dificuldades em aprender novas aptidões, a tomar parte de interacções sociais,
em fazer correctamente um trabalho ou em resolver problemas de acordo com as
mudanças contextuais que possam entretanto emergir.
Deste e doutros estudos que têm vindo a ser realizados, ressalta a existência
de uma relação entre estas variáveis, apesar de os dados serem mais imprecisos
quando se trata de estabelecer esta relação com domínios específicos do
funcionamento psicossocial e de qualidade de vida, nomeadamente da capacidade
de realizar diferentes tipologias de actividades da vida diária, das
competências necessárias para desempenhar um trabalho, das competências sociais
exigidas para viver de forma adequada na sociedade e dos comportamentos
desajustados/agressivos, entre outros. Acrescenta-se ainda o facto de serem
praticamente inexistentes estudos desta natureza no panorama nacional,
exceptuando-se talvez os realizados por Alvarez, Machado, Pastor-Fernandes,
Marins, e Marques-Teixeira (2005) e por Machado, Pastor-Fernandes, e Marques-
Teixeira (2005), que contudo não apresentaram análises regressivas que
permitissem identificar diferencialmente preditores significativos.
Outro factor que tem vindo a ser progressivamente assimilado nos modelos
vigentes de intervenção na Saúde e na Doença, e consequentemente no seio do
movimento de reabilitação psiquiátrica, é o constructo da auto-eficácia, por
via da influência que se supõe ter (no plano conceptual) nos esforços de
copinge no funcionamento psicossocial. Segundo Bandura (1966, cit. in Pratt,
Mueser, Smith, & Lu, 2005), o constructo da auto-eficácia reporta-se às
crenças acerca das capacidades que possuímos para desempenhar um comportamento
ou tarefa. Para Gonçalves (1999), são as percepções de auto-eficácia que melhor
determinam o início de um comportamento e a implementação de uma actividade, a
quantidade de esforço despendido numa tarefa e a persistência do indivíduo
perante os obstáculos que surjam.
Contudo, mesmo sendo notória a crescente e comprovada relevância da variável
auto-eficácia pessoal nos resultados em Saúde, verifica-se uma escassez de
estudos que a tenham analisado conjuntamente com a neurocognição (ou até mesmo
isoladamente) na determinação do nível de funcionalidade de pessoas com
Esquizofrenia, sendo que qualquer afirmação acerca desta relação carece ainda
de maior validação empírica. Dos dois estudos encontrados em que se utilizou a
auto-eficácia como variável relacionada com o resultado funcional, um analisou
o seu valor preditor nas respostas de coping (Ventura, Nuechterlein, Subotnik,
Green, & Gitlin, 2004) e o outro estudou a sua potencialidade como mediador
d as relações entre os sintomas negativos, o funcionamento pré-mórbido e o
funcionamento cognitivos, com o funcionamento psicossocial (Pratt et al.,
2005). Ventura e colaboradores (2004) estudaram 29 sujeitos com uma perturbação
do espectro da Esquizofrenia, verificando que a auto-eficácia e a atenção/ /
vigilância constituíam os preditores significativos de um modelo de regressão
que procurou explicar a variação dos resultados ao nível do coping de abordagem
ou activo (Roth & Cohen, 1986). A auto-eficácia foi capaz de explicar uma
parte maior da variação dos valores. Pratt e colaboradores (2005) analisaram 85
sujeitos, também com uma perturbação do espectro da Esquizofrenia, verificando
que, independentemente, a auto-eficácia encontrava-se correlacionada com o
funcionamento psicossocial, não tendo, contudo, apresentado características de
mediador, de acordo com o modelo que inicialmente se pretendia testar.
Assim, este estudo tem como objectivo identificar constructos neurocognitivos
que se apresentem de modo diferencial como preditores de dimensões específicas
do funcionamento psicossocial de pessoas com Esquizofrenia, e analisar o
contributo adicional da auto-eficácia geral como possível variável preditora.
MÉTODO
Participantes
Foram seleccionadas 37 pessoas com o diagnóstico de Esquizofrenia (sendo 32 do
sexo masculino) efectuado pelo médico psiquiatra de referência do utente, de
acordo com os critérios preconizados no DSM-IV-TR (American Psychiatric
Association, 2000), com idades compreendidas entre 2 5 e os 53 anos de idade
(M=41,89; DP=8,47), a partir de três instituições que dão apoio a pessoas com
problemas saúde mental, na região Norte do País. A maioria dos participantes
eram solteiros (73%) e apenas 8,1% se encontrava a trabalhar (com contrato
normal de trabalho). Registou-se um nível de escolaridade em geral reduzido,
com cerca de 51,3% dos participantes a apresentarem uma escolaridade igual ou
inferior ao 9º ano. Todos os participantes encontravam-se compensados do ponto
de vista psicopatológico no momento da avaliação e a tomar medicação
antipsicótica. Foram excluídos todos os sujeitos que apresentassem lesões
neurológicas primárias, abuso de substâncias e/ou deficiência mental
concomitante com o diagnóstico de Esquizofrenia.
Instrumentos
Avaliação_neurocognitiva
Todos os participantes foram avaliados com uma bateria de testes
neurocognitivos, que incluíram o Teste d2 de atenção (Brickenkamp, 2004), o
Teste Stroop(Golden, 1999), as tarefas de cópia e memória da Figura Complexa de
Rey (Rocha & Coelho, 1988), os subtestes Vocabulário, Código, Aritmética,
Memória de Dígitos, Pesquisa de Símbolos, e Sequência de Letras e Números da
Wechsler Adult IntelligenceScale III(Wechsler, 1997, versão portuguesa), o
cognitivo. Procurámos analisar os participantes Wisconsin Card Sorting Test
(Heaton, Chelune, do ponto de vista da atenção, organização e Talley, Kay,
& Curtiss, 1993) e o Teste IA memória visuo-espacial, memória de trabalho,
(Amaral, 1966).
Na Tabela_1 apresentamos a descrição sumária dos testes e a sua distribuição
por domínio cognitivo. Procurámos analisar os participantes do ponto de vista
da atenção, organizaçãp e memória visuo-espacial, memória de trabalho,
velocidade de processamento, competências verbais, cálculo e raciocínio lógico,
funcionamento executivo, e capacidade intelectual geral.
TABELA_1
Descrição dos scores obtidos através da bateria de testes neurocognitivos e
domínio cognitivo a que genericamente correspondem
________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
|Instrumentos__________________________________________________________|Descrição_dos_scores_______________________________________________________|Domínio_Cognitivo_________________________________________|
|Teste d2 (Brickenkamp, 2004) |Cálculo proposto pelo autor, que leva em consideração as respostas correct|Atenção sustentada |
| |numa tarefa composta por 14 linhas com 47 letras cada, em que se deve | |
| |assinalar todos os alvos (letras dcom dois apóstrofos acima ou abaixo, ou co| |
|______________________________________________________________________|um_apostrofo_acima_e_outro_abaixo),_bem_como_as_omissões_e_os_erros.________|___________________________________________________________|
|Teste Stroop(Golden, 1999) |1 - Número máximo de palavras correctamente enunciadas na tarefa de |Velocidade de processamento e atenção sustentada (Cores e|
|______________________________________________________________________|nomeação_de_cores_e_na_tarefa_de_nomeação_de_palavras.___________________|Palavras)__________________________________________________|
|h |2 - Score de Interferência, calculado com base nos indicadores acima | |
| |mencionados e no desempenho da tarefa em que há conflito entre a palavra |Atenção selectiva (Stroop Interferência) |
|______________________________________________________________________|escrita_e_a_sua_coloração._________________________________________________|___________________________________________________________|
|Tarefa de cópia da Figura Complexa de Rey(A. M. Rocha & Coelho, |Nº de elementos correctamente desenhados durante a cópia de um desenho |Organização visuo-espacial |
|1988)_________________________________________________________________|geométrico_complexo.________________________________________________________|___________________________________________________________|
|Tarefa de memória da Figura Complexa de Rey(A. M. Rocha & Coelho,|Nº de elementos correctamente desenhados durante a reprodução por memória|Memória visuo-espacial |
|1988)_________________________________________________________________|um_desenho_geométrico_complexo._____________________________________________|___________________________________________________________|
|Memória de Dígitos - WAIS III (Wechsler, 1997) |Total de sequências de números reproduzidas verbalmente, em ordem directa e|Memória de trabalho |
|______________________________________________________________________|inversa______________________________________________________________________|___________________________________________________________|
|Sequência de Letras e Números - WAIS III (Wechsler, 1997) |Total de sequências de letras e números reproduzida verbalmente, nas quais |s |
| |devem em primeiro lugar indicar os números em ordem crescente, e por último| |
|______________________________________________________________________|as_letras_por_ordem_crescente_do_alfabeto.___________________________________|___________________________________________________________|
|Pesquisa de Símbolos - WAIS III (Wechsler, 1997) |Número máximo de itens respondidos durante um tempo limite de dois minutos,|Velocidade de Processamento |
| |em que os participantes devem observar um grupo alvo com dois símbolos e um | |
| |grupo de pesquisa, com cinco símbolos, para que, a partir da comparação en|re |
| |cada um destes grupos, possam decidir se algum dos símbolos do grupo alvo | |
|______________________________________________________________________|está_presente_no_grupo_de_pesquisa._________________________________________|___________________________________________________________|
|Código - WAIS III (Wechsler, 1997) |Número de respostas correctas numa tarefa em que, recorrendo a uma chave que|s |
| |faz corresponder um número a um símbolo, cada participante deverá desenhar| |
|______________________________________________________________________|por_baixo_de_cada_número_da_folha_de_respostas_o_símbolo_correspondente.___|___________________________________________________________|
|Vocabulário_-_WAIS_____________________________________________|s____________________________________________________________________________|s__________________________________________________________|
|III (Wechsler, 1997) |Número de definições correctas ou parcialmente correctas, expressas |Competências verbais |
| |verbalmente, de palavras apresentadas num cartão e lidas em voz alta pelo | |
|______________________________________________________________________|avaliador.___________________________________________________________________|___________________________________________________________|
|Aritmética - WAIS III (Wechsler, 1997) |Número de cálculos mentais correctamente solucionados dentro do período de|Cálculo-Lógica |
|______________________________________________________________________|tempo_limite_estipulado._____________________________________________________|___________________________________________________________|
| |1 - Número de categorias completas, formadas a partir de uma série de|Funções executivas |
|Wisconsin Card Sorting Test(Heaton et al., 1993) |10 ensaios correctos. 2 - Percentagem de erros perseverativos, | |
| |calculada a partir dos ensaios incorrectos em que os participantes mantiveram| |
|______________________________________________________________________|o_critério_de_resposta,_apesar_de_ter_sido_dado_feedback_em_contrário._____|___________________________________________________________|
|Teste IA |Número de respostas correctas numa tarefa constituída por séries de itens |Capacidade intelectual geral |
| |contêm um desenho incompleto, e entre seis a oito possíveis modelos de | |
| |encaixe, dos quais apenas um é susceptível de preencher correctamente o | |
|______________________________________________________________________|desenho._____________________________________________________________________|___________________________________________________________|
Funcionamento_psicossocial
Para procedermos à avaliação do funcionamento psicossocial recorremos ao
instrumento Life Skills Profile(LSP, de Rosen, Hadzi-Pavlovic, & Parker,
1989). Neste estudo, utilizamos a versão portuguesa autorizada (LSP-VP-39),
desenvolvida por Rocha, Queirós, Aguiar, e Marques (2006). O LSP-VP-39 é um
instrumento de observação naturalista que compreende 39 itens, descritos
comportamentalmente e de forma precisa (evitando o risco de avaliações globais
ou abstractas), que são cotados numa escala que varia entre um e quatro, e no
qual uma pontuação mais elevada reflecte melhores níveis de funcionamento
psicossocial. Estes itens agrupam-se nas seguintes cinco dimensões chave, que
serão consideradas neste estudo: Auto-cuidados(e.g., higiene, vestir,
preparação de alimentos), Não-perturbação(e.g., comportamentos ofensivos,
violência, intrusividade, controlo da zanga), Contacto Social (e.g., amizades,
interesses e actividades interpessoais), Comunicação(e.g., competências
conversacionais, gestualidade) e Responsabilidade(e.g., cooperação,
responsabilidade com pertences pessoais, responsabilidade na toma de
medicamentos). O estudo provisório desta escala apresenta valores satisfatórios
de consistência interna, com um valor de Alpha de Cronbach de α=0,86 para a
escala total e com valores nas cinco dimensões que variam entre α=0,65
(Responsabilidade) e α=0,82 (Contacto Social).
Auto-eficácia
Como medida de avaliação da auto-eficácia geral socorremo-nos da Escala de
Avaliação da Auto-eficácia Geral (EAAG), desenvolvida por Pais-Ribeiro (1995) a
partir da Self-Efficacy Scalecriada por Sherer, Madux, Mercandante, Prentice-
Dunn, Jacobs, e Rogers (1982). Esta escala compreende 15 itens, cotados numa
escala tipo Likert de sete posições, que varia entre discordo totalmentee
concordo totalmente. O somatório de todos os itens que compõem a EAAG oferece-
nos um resultado que reflecte os níveis de auto-eficácia geral. Quanto maior a
cotação, mais positiva é a percepção subjectiva de eficácia pessoal. A análise
da consistência interna para a escala total apresentou um Alfade Cronbachde
α=0,84.
Procedimentos
Numa fase inicial, os participantes foram esclarecidos, em sessões de grupo ou
individuais, acerca da natureza do estudo, tendo sido garantida a total
confidencialidade no processo de tratamento dos dados. A sua participação
voluntária foi posteriormente validada através do preenchimento da declaração
de consentimento informado. De seguida, numa ou duas sessões com duração
compreendida entre 1 a 2 horas, cada participante foi avaliado com recursos às
provas cognitivas e preencheu a Escala de Avaliação da Auto-eficácia Geral
(EAAG). Entretanto, foi solicitado aos técnicos de saúde mental de referência
(psicólogos e terapeutas ocupacionais) que avaliassem os participantes com o
teste LSP-VP-39, tendo sido previamente esclarecidas todas dúvidas acerca do
seu preenchimento. Neste processo, garantiu-se que os técnicos que realizaram a
avaliação com o LSP-VP-39 desconhecessem os resultados da avaliação
neurocognitiva realizada pelos autores do estudo. Assim, para garantir a
isenção das observações, os autores do estudo apenas solicitaram os resultados
do LSP-VP-39 de cada participante após a realização da respectiva avaliação
neurocognitiva.
Posteriormente, nos casos em que foi solicitado, o autor principal do estudo
deslocou-se aos locais onde foi realizada a investigação para apresentar os
resultados à equipa técnica e aos utentes interessados, discutindo com estes
últimos a sua relevância para a vida diária, nomeadamente na óptica da
importância do envolvimento no processo de reabilitação e da resolução de
problemas decorrentes das dificuldades cognitivas.
Análise estatística
Os resultados do estudo foram analisados com recurso ao programa SPSS Versão
14.0. Inicialmente procedemos à determinação dos coeficientes de correlação
momento/produto de Pearsonpara analisar a força e direcção das relações
estabelecidas entre as variáveis em estudo (neuro-cognição, auto-eficácia e
funcionamento psicossocial). Para a obtenção dos modelos preditores das
diferentes dimensões de funcionamento psicossocial (conforme conceptualizadas
no LSP-VP-39), recorremos à análise de regressão (regressão linear múltipla),
tendo sido inicialmente empregue o método stepwisepara determinar os preditores
neurocognitivos do funcionamento psicossocial. A variável idade foi incluída em
todas as análises como variável independente, de forma a averiguar possíveis
associações. Introduzimos ainda a variável auto-eficácia em modelos
hierárquicos de regressão para analisar a variância adicional da sua inclusão
nos modelos preditores anteriormente identificados. Na realização de todas as
análises de regressão tivemos o cuidado de observar escrupulosamente os
pressupostos relacionados com a independência das observações (ou ausência de
auto-correlação) e a ausência de multicolinearidade, de modo a evitar que
inviabilizassem a realização de regressões múltiplas.
RESULTADOS
Previamente à exploração e identificação de modelos preditores das diferentes
dimensões do funcionamento psicossocial verificamos, através de análises de
correlação, se estes constructos variavam em função das competências
neurocognitivas e da auto-eficácia geral. De uma forma global encontramos uma
relação em geral forte entre os diferentes constructos neurocognitivos e os
diferentes domínios de funcionamento psicossocial (Tabela_2). É excepção a esta
análise global o que se observa em relação à Não-perturbação, que não se mostra
correlacionada significativamente com nenhuma das dimensões neurocognitivas
consideradas neste estudo.
TABELA_2
Correlações entre as variáveis neurocognitivas e os domínios de funcionamento
psicossocial (n=37)
_____________________________________________________________________________
| | | Domínios de Funcionamento | |
|______________|________|_________Psicossocial_(LSP)_________|________________|
|Teste | Auto- | Não- |Contacto| Comunicação|Responsabilidade|
|cognitivo_____|cuidado_|perturbaçã|_social_|______________|________________|
|Score Total |0.591** | -0.134 | 0.374* | 0.492** | -0.140 |
|Teste_d2______|________|____________|________|______________|________________|
|Stroop - |0.503** | -0.118 | 0.271 | 0.467** | 0.278 |
|Palavras______|________|____________|________|______________|________________|
|Stroop_-_Cores|0.650**_|___0.021____|_0.413*_|___0.498**____|_____0.209______|
|Stroop | 0.376* | 0.067 | 0.266 | 0.338* | 0.077 |
|Interferência|________|____________|________|______________|________________|
|Rey_-_Cópia__|0.591**_|___0.198____|0.421**_|___0.533**____|_____0.341*_____|
|Rey_-_Memória|0.537**_|___0.208____|0.426**_|____0.369*____|_____0.244______|
|Memória de |0.690** | 0.234 | 0.217 | 0.516** | 0.412** |
|Dígitos______|________|____________|________|______________|________________|
|Seq. Letras e |0.538** | 0.008 | 0.397* | 0.417* | 0.226 |
|Números______|________|____________|________|______________|________________|
|Pesquisa de |0.674** | -0.073 |0.499** | 0.600** | 0.210 |
|Símbolos_____|________|____________|________|______________|________________|
|Código_______|0.628**_|___-0.081___|0.473**_|___0.557**____|_____0.079______|
|Vocabulário__|0.584**_|___0.016____|_0.117__|____0.370*____|_____0.287______|
|Aritmética___|0.579**_|___0.018____|0.499**_|___0.441**____|_____0.278______|
|% Erros |-0.506**| -0.108 | -0.297 | -0.358* | -0.015 |
|Perseverativos|________|____________|________|______________|________________|
|Categorias____|_0.370*_|___0.119____|_0.325*_|____0.296_____|_____0.019______|
|Teste_IA______|0.556**_|___-0.027___|_0.385*_|___0.515**____|_____0.200______|
Nota:*p<0.05, **p<0.01.
Vendo com maior pormenor os outros domínios de funcionamento psicossocial,
notamos que os Auto-cuidados e a Comunicação se encontram significativamente
correlacionados com todos os factores neurocognitivos considerados, com
excepção da variável Categorias do WCST em relação à Comunicação. Ainda no que
se refere à Comunicação, ressalta o facto de estar relacionada com aspectos
cognitivos que não se encontram interligados com mais nenhum domínio do
funcionamento psicossocial (com excepção do Auto-cuidado, que recebe
contribuições de todos os indicadores neurocognitivos).
Quanto ao Contacto Social, registam-se correlações significativas com a atenção
(nomeadamente em relação ao Teste d2 e à tarefa Cores do Teste Stroop), com a
organização e memória visuo-espacial (conforme avaliadas pela tarefa de Cópia e
de Memória do Teste da Figura Complexa de Rey), com a memória de trabalho
(através da Sequência de Letras e Números), com a velocidade de processamento
(quer na Pesquisa de Símbolos, quer no Código), com a capacidade de cálculo e
de raciocínio lógico (conforme avaliados na prova de Aritmética), com as
funções executivas (em relação ao número de Categorias completas no WCST, que
são um indicador de capacidade de conceptual) e com as funções intelectuais
globais (mensuradas através do Teste IA). No que se refere à Responsabilidade
demonstrada pelos participantes, verificou-se que os factores neurocognitivos
mais associados são a capacidade de organização visuo-espacial (tarefa de Cópia
da Figura Complexa de Rey e a memória de trabalho (Memória de Dígitos).
Semelhantemente ao realizado com as variáveis cognitivas, correlacionamos as
variáveis cognitivas, correlacionamos as variaáveis de funcionamento
psicossocial com a auto-eficácia geral (Tabela_3), tendo-se assinalado a
presença de relações significativas com o Auto-cuidado, com o Contacto Social e
com a Comunicação.
TABELA_3
Correlações entre a auto-eficácia geral e os domínios de funcionamento
psicossocial e de qualidade de vida (n=37)
________________________________________________________________
|Domínios_de_Funcionamento_Psicossocial_(LSP|Auto-eficácia_Gera|
|Auto-cuidado________________________________|0.503**____________|
|Não-Perturbação__________________________|-0.137_____________|
|Contacto_Social_____________________________|0.515**____________|
|Comunicação_______________________________|0.385*_____________|
|Responsabilidade____________________________|0.244______________|
Nota:*p<0.05, **p<0.01.
Com o objectivo de isolar as variáveis neurocognitivas que mais contribuem para
a previsão do funcionamento psicossocial e da qualidade de vida, realizamos
análises exploratórias de regressão, através do método stepwise, tendo sido
introduzidas como variáveis independentes os factores neurocognitivos
considerados no estudo. Para detectar qualquer efeito interferente da variável
idade, esta foi incluída em todas as análises de regressão, não tendo sido,
contudo, identificada como preditor significativo em qualquer um dos modelos. À
semelhança de estudos que recorreram a métodos de tratamento estatístico
análogos aos que aqui utilizamos (e.g., Lysaker & Davis, 2004; Lysaker,
Davis, Lightfoot, Hunter, & Stasburger, 2005), aceitamos nos modelos de
regressão as variáveis independentes com um nível de significância estatística
de p<0.10, por considerarmos ser inaceitável e imprudente excluir variáveis que
se enquadram no limiar da significância estatística e que oferecem um
contributo considerável para o modelo global de predição da variável
dependente.
Na Tabela_4 encontra-se o resumo do modelo de regressão que teve como variável
dependente o Auto-cuidado. Este modelo é significativo e explica uma grande
parte da variância dos resultados encontrados ao nível desta dimensão
(aproximadamente 67%), tendo como preditores significativos a Memória de
Dígitos, a tarefa Cores do Teste Stroop, e a Pesquisa de Símbolos [F
(3,33)=21.95, p<0.001].
TABELA_4
Resumo do modelo de regressão para a predição da dimensão Auto-cuidado (método
stepwise,n=37)
___________________________________________________________________________
| ________|____F____|___sig.___|___R2___|_______|_______|________|_________|
|Modelo | 21.954 | 0.000** | 0.666 | β | T | Sr2 | sig. |
|Global____|_________|__________|________|_______|_______|________|_________|
|Preditores|_________|__________|________|_______|_______|________|_________|
|Memória d| | | | 0.408 | 3.388 | 0.116 | 0.002** |
|Dígitos__|_________|__________|________|_______|_______|________|_________|
|Stroop - | | | | 0.298 | 2.330 | 0.055 | 0.026* |
|Cores_____|_________|__________|________|_______|_______|________|_________|
|Pesquisa | | | | | | | |
|de | | | | 0.284 | 2.120 | 0.045 | 0.042* |
|Símbolos_|_________|__________|________|_______|_______|________|_________|
Nota:*p<0.05, **p<0.01.
Quanto ao modelo de regressão realizado tendo como variável dependente o
Contacto Social (Tabela_5), verificamos que este apresenta como preditores
significativos a Aritmética e a tarefa de Memória do Teste da Figura Complexa
de Rey, que no seu conjunto explicam cerca de 32% da variância total [F
(2,34)=7.96, p<0.01].
TABELA_5
Resumo do modelo de regressão para predição da dimensão Contacto Social (método
stepwise, n=37)
_____________________________________________________________________________
| ________|___F____|__sig.___|___R2___| _____| _________| ______| _______|
|Modelo | 7.963 | 0.001* | 0.319 | β | T | Sr2 | sig. |
|Global____|________|_________|________|_______|___________|________|_________|
|Preditores| ______| _______|________| _____| _________| ______| _______|
|Aritmétic| ______| _______| ______|_0.397_|___2.621___|_0.138__|_0.013*__|
|Rey - | | | | 0.283 | 1.870 | 0.070 | 0.070I |
|Memória__|________|_________|________|_______|___________|________|_________|
Nota:Ip<0.08, *p<0.05, **p<0.01.
No que diz respeito à predição da variável Comunicação (Tabela_6), obtivemos um
modelo de regressão significativo, cujas variáveis preditoras encontradas foram
a Pesquisa de Símbolos e a Memória de Dígitos. Estas variáveis, no seu
conjunto, predizem cerca de 42% da variância total dos resultados da dimensão
Comunicação [F(2,34)=12.15, p<0.001].
TABELA_6
Resumo do modelo de regressão para predição da dimensão Responsabilidade
(método stepwise, n=37)
_____________________________________________________________________________
| ________|___F____|__sig.___|___R2___| _____| _________| ______| _______|
|Modelo | 7.963 | 0.001* | 0.319 | β | T | Sr2 | sig. |
|Global____|________|_________|________|_______|___________|________|_________|
|Preditores| ______| _______| ______| _____| _________| ______| _______|
|Pesquisa | | | | | | | |
|de | | | | 0.455 | 2.963 | 0.151 | 0.006** |
|Símbolos_|________|_________|________|_______|___________|________|_________|
|Memória d| | | | 0.279 | 1.816 | 0.057 | 0.078I |
|Dígitos__|________|_________|________|_______|___________|________|_________|
Nota:Ip<0.08, ** p<0.01.
Por fim, encontramos também um modelo significativo para a predição da
Responsabilidade (Tabela_7), que contou apenas com um preditor significativo, a
Memória de Dígitos. Este modelo explica apenas 17% da variabilidade dos valores
da Responsabilidade [F(1,35)=13.7, p<0.05].
TABELA_7
Resumo do modelo de regressão para predição da dimensão Comunicação (método
stepwise, n=37)
_____________________________________________________________________________
| ________|___F____|__sig.___|___R2___| _____| _________| ______| _______|
|Modelo | 7.963 | 0.001* | 0.319 | β | T | Sr2 | sig. |
|Global____|________|_________|________|_______|___________|________|_________|
|Preditores| ______| _______| ______| _____| _________| ______| _______|
|Memória d| | | | 0.412 | 2.676 | 0.170 | 0.011* |
|Dígitos__|________|_________|________|_______|___________|________|_________|
Nota:*p<0.05.
Não apresentamos nenhum modelo preditor da dimensão Não-perturbação pelo facto
de não termos encontrado qualquer correlação significativa com as variáveis
consideradas como possíveis preditoras.
Com o objectivo de testar na nossa amostra a auto-eficácia geral como preditor
do funcionamento psicossocial das pessoas com Esquizofrenia, fizemos novas
análises de regressão com recurso a modelos hierárquicos, tendo-se adicionado a
auto-eficácia como variável independente após o bloco constituído pelas
variáveis neurocognitivas anteriormente identificadas como preditoras.
Assim, e relativamente à dimensão Auto-cuidado, verificou-se que,
adicionalmente aos factores neurocognitivos, a variável auto-eficácia
apresentou-se como preditora significativa [F(4,32)=19.68, p<0.001] (Tabela_8).
Na análise de regressão realizada obtivemos um modelo significativo que
explicou cerca de 71% da variação dos resultados do domínio Auto-cuidado (mais
4.5% que o modelo inicial).
TABELA_8
Resumo do modelo final de regressão hierárquica para predição da dimensão Auto-
cuidado, adicionando a variável Auto-eficácia geral aos preditores
neurocognitivos (n=37)
____________________________________________________________________________
| _____| ____________|___F___|_ΣR2_|_sig.__| ____| _____| _____| _____|
| _____|Modelo_Global_|19.679_|0.711_|0.000**|_∆R2|___β__|___T___|_sig.__|
| _____|Preditores____| _____| ____| _____| ____| _____| _____| _____|
|Bloco 1|Memória de | | | |0.666 | 0.399 | 3.504 |0.001**|
|_______|Dígitos______|_______|______|_______|______|_______|_______|_______|
| _____|Stroop_-_Cores| _____| ____| _____|______|_0.232_|_1.864_|0.071I_|
| |Pesquisa de | | | | | 0.250 | 1.959 |0.059I |
|_______|Símbolos_____|_______|______|_______|______|_______|_______|_______|
|Bloco 2|Auto-eficácia| | | |0.045 | 0.232 | 2.226 |0.033* |
|_______|Geral_________|_______|______|_______|______|_______|_______|_______|
Nota:Ip<0.08, *p<0.05, ** p<0.01.
Quanto à análise de regressão que teve como variável dependente a dimensão
Contacto Social do funcionamento psicossocial (Tabela_9), verificamos que a
auto-eficácia contribuiu de forma significativa para a variância total dos
resultados, tendo a tarefa de Memória do Teste da Figura Complexa de Rey
deixado de ser um preditor significativo. No global, o acréscimo do bloco
referente à variável auto-eficácia geral fez aumentar 9.4% da variância dos
resultados encontrados ao nível do Contacto Social [F(3,33)=7.727, p<0.001].
TABELA_9
Resumo do modelo final de regressão hierárquica para predição da dimensão
Contacto Social, adicionando a variável Auto-eficácia geral aos preditores
neurocognitivos (n=37)
____________________________________________________________________________
| _____| ____________|__F___|_ΣR2_|_sig.__| ____| _____| _____| ______|
| _____|Modelo_Global_|7.727_|0.413_|0.000**|_∆R2|___β__|___T___|__sig.__|
| _____|Preditores____| ____| ____| _____| ____| _____| _____| ______|
|Bloco_1|Aritmética___| ____| ____| _____|0.319_|_0.321_|_2.188_|_0,036*_|
| _____|Rey_-_Memória| ____| ____| _____|______|_0.182_|_1.215_|_0,233__|
|Bloco 2|Auto-eficácia| | | |0.094 | 0.340 | 2.293 | 0,028* |
|_______|Geral_________|______|______|_______|______|_______|_______|________|
Nota:Ip<0.08, *p<0.05, ** p<0.01.
No que diz respeito à dimensão Comunicação, o acréscimo de 3% de variância
respeitante ao bloco constituído pela variável auto-eficácia geral não se
mostrou significativo (Tabela_10). Neste modelo, o acréscimo da variável auto-
eficácia teve como consequência a passagem para o limiar da significância
estatística da variável memória de trabalho [F(3,33)=8.90, p<0.001].
TABELA_10
Resumo do modelo final de regressão hierárquica para predição da dimensão
Comunicação, adicionando a variável Auto-eficácia geral aos preditores
neurocognitivos (n=37)
____________________________________________________________________________
| _____| ____________|__F___|_ΣR2_|_sig.__| ____| _____| _____| ______|
| _____|Modelo_Global_|8.903_|0.447_|0.000**|_∆R2|___β__|___T___|__sig.__|
| _____|Preditores____| ____| ____| _____| ____| _____| _____| ______|
|Bloco 1|Pesquisa de | | | |0.417 | 0.401 | 2.559 | 0.015* |
|_______|Símbolos_____|______|______|_______|______|_______|_______|________|
| |Memória de | | | | | 0.262 | 1.718 | 0.095I |
|_______|Dígitos______|______|______|_______|______|_______|_______|________|
|Bloco 2|Auto-eficácia| | | |0.030 | 0.186 | 1.349 | 0.186 |
|_______|Geral_________|______|______|_______|______|_______|_______|________|
Nota:Ip<0.08, *p<0.05, ** p<0.01.
Quanto ao modelo de regressão realizado para a dimensão Responsabilidade
(Tabela_11), chegamos a resultados semelhantes aos apresentados no modelo
anterior. Assim, o aumento de 2,2% de variância do bloco correspondente à auto-
eficácia geral não é significativo, não oferecendo um contributo adicional para
a explicação dos resultados. O modelo obtido é significativo e explica cerca de
19% da variação dos resultados [F(2,34)=4.04, p<0.05].
TABELA_11
Resumo do modelo final de regressão hierárquica para predição da dimensão
Responsabilidade, adicionando a variável Auto-eficácia geral aos preditores
neurocognitivos (n=37)
____________________________________________________________________________
| _____| ____________|__F___|_ΣR2_|_sig.__| ____| _____| _____| ______|
| _____|Modelo_Global_|4.037_|0.192_|0.027*_|_∆R2|___β__|___T___|__sig.__|
| _____|Preditores____| ____| ____| _____| ____| _____| _____| ______|
|Bloco 1|Memória de | | | |0,170 | 0,375 | 2,359 | 0,024* |
|_______|Dígitos______|______|______|_______|______|_______|_______|________|
|Bloco 2|Auto-eficácia| | | |0,022 | 0,153 | 0,963 | 0,342 |
|_______|Geral_________|______|______|_______|______|_______|_______|________|
Nota:Ip<0.08, *p<0.05, ** p<0.01.
DISCUSSÃO
Os resultados que obtivemos permitiram identificar um conjunto de funções
neurocognitivas que apresentaram um efeito diferencial na forma como se
relacionaram com as diferentes dimensões do funcionamento psicossocial
consideradas neste estudo. Traduzindo os resultados dos testes utilizados em
funções neurocognitivas podemos inferir que no caso da dimensão Auto-cuidado,
contribuem a memória de trabalho, a atenção e a velocidade de processamento;
para o Contacto Social contribuem o raciocínio lógico e a memória visuo-
espacial; para a Comunicação contribuem a memória de trabalho e a velocidade de
processamento; e para a Responsabilidade contribuem a memória de trabalho. Em
diferentes combinações, consoante o tipo de dimensão funcional considerada,
estas funções permitiram explicar, per se, entre 17% e 67% da variância nos
resultados do funcionamento psicossocial, resultados estes que se aproximam dos
apresentados por Green e colaboradores (2000), que afirmam que a predição da
resposta funcional pela neurocognição varia entre os 20% e os 60%. No que diz
respeito aos modelos obtidos com a introdução da auto-eficácia como variável
independente, verificamos que esta se constituiu como preditor significativo
das dimensões Auto-cuidado e Contacto Social, tendo os novos modelos explicado,
respectivamente, 71% e 41% da variância total dos resultados, contra os
anteriores 67% e 32%.
É excepção a esta análise global o que se observa em relação & agrave;
dimensão Não-perturbação, em relação à qual não foi possível encontrar qualquer
preditor significativo. Apesar deste resultado destoar em relação à
generalidade do que se passa com os outros domínios do funcionamento
psicossocial, podemos inferir que os comportamentos ofensivos, violentos e
intrusivos (que se reúnem neste estudo sob a dimensão Não-perturbação) dependem
mais de traços da personalidade, da capacidade de controlo emocional, do abuso
de substâncias, ou de sintomatologia, do que propriamente de características
neuropsicológicas (Queirós, 1997). Neste sentido, alguns estudos (e.g.,
Lafayette, Frankle, Pollock, Dyer, & Goff, 2003; Silver, G oodman, Knoll,
Isakov & Modai, 2005) têm mostrado a inexistência de qualquer dissemelhança
no perfil neurocognitivo entre grupos de esquizofrénicos que apresentam
diferentes níveis de violência, ou entre esquizofrénicos violentos e não
violentos. Mesmo num estudo em que se verificaram diferenças neurocognitivas
entre sujeitos com Esquizofrenia, com história de comportamentos violentos, e
sujeitos com Esquizofrenia não violentos, os autores concluíram que os défices
cognitivos são mais uma característica imperante da doença, do que dos
comportamentos violentos, sendo possível encontrá-los com maior amplitude em
sujeitos esquizofrénicos do que em sujeitos com personalidades anti-sociais
(Barkataki, Kumari, Das, Hill, Morris, O'Connell, et al., 2005).
Analisando estes resultados globalmente, podemos sugerir que para um bom
funcionamento psicossocial das pessoas com Esquizofrenia devem contribuir um
conjunto de sistemas cognitivos, onde aparentemente prevalecem aqueles que se
reportam a funções básicas. Resumidamente, parece-nos que estes incluem a
capacidade de registar temporariamente as informações e/ou as competências a
adquirir (quer por instrução ou por modelagem) para facilitar a sua posterior
integração e manipulação mental dos seus elementos (que permita combinações que
aumentem as possibilidades adaptativas) e de registo das acções efectuadas (que
possibilitem um encadeamento comportamental harmonioso); a capacidade de
dirigir o foco atencional no sentido em que se desenrolam as acções, sejam elas
operativas ou relacionais, e de posteriormente organizar os elementos captados
perceptivamente, de um modo que faculte a abstracção de estímulos exteriores
irrelevantes, ou a descentração de experiências internas inusuais, e a
percepção e estruturação ajustada dos elementos em jogo (sejam eles objectos,
ou até mesmo expressões emocionais); a capacidade de processar rapidamente os
estímulos, que contribua para a eficiência da reacção comportamental, que
deverá ser exibida em tempo útil; a capacidade de raciocínio perante o
confronto com problemas, cuja resolução efectiva poderá facilitar um maior
envolvimento em tarefas e em relações, que não seria possível caso houvesse
nesse domínio uma grande inabilidade, cuja consequência mais imediata seria a
fuga; e a capacidade de antecipar, planear, organizar e monitorizar, em função
do feedback ambiental, determinada resposta comportamental, processos estes sem
os quais a adaptabilidade psicossocial estaria permanentemente comprometida.
Neste sentido, os nossos resultados corroboram os modelos teóricos e os estudos
que anunciam uma contribuição preponderante da neurocognição na funcionalidade
e na qualidade de vida (e.g., Brenner, Roder, Hodel, Kienzle, Reed, &
Lieberman, 1994; Dickinson & Coursey, 2002; Fujii, Wylie & Nathan,
2004; Green, Kern, Braff, & Mintz, 2000; Kurtz, Moberg, Ragland, Gur, &
Gur, 2005; Revheim, Schechter, Kim, Silipo, Allingham, Butler, et al., 2006;
Sota & Heinrichs, 2004; Velligan, Bow-Thomas, Mahurin, Miller, &
Halgunseth, 2000), em contraste com os que apenas apresentam relações tímidas
ou mesmo inexistentes (e.g., Addington & Addington, 2000; Aksaray, Oflu,
Kaptanoglu, & Bal, 2002; Alptekin, Akvardar, Kivircik, Dumlu, Isik,
Pirincci, et al., 2005; Heslegrave, Awad, & Voruganti, 1997; Hofer,
Baumgartner, Bodner, Edlinger, Hummer, Kemmler, et al., 2005; Holthausen,
Wiersma, Cahn, Kahn, Dingemans, Schene, et al., 2007; Lysaker & Davis,
2004; Malla, Norman, Manchanda, & Townsend, 2002; Norman, Malla, Cortese,
Cheng, Diaz, McIntosh, et al., 1999).
Quanto à auto-eficácia, verificamos que a sua capacidade preditora se restringe
apenas às actividades de auto-cuidado e ao leque de interacções sociais, e não
de forma global em todos os domínios de funcionamento psicossocial. Para além
dos estudos realizados por Pratt e colaboradores (2005) e por Ventura e
colaboradores (2004), não encontramos outros que possam validar os dados que
aqui apresentamos. Podemos contudo supor uma contribuição significativa das
construções pessoais de expectativa que os sujeitos elaboram a propósito da sua
mestria e competência, na condução das suas actividades de vida diária
(sobretudo aquelas relacionadas com os cuidados pessoais) e no estabelecimento
de relações seguras, estáveis e duradouras com os outros. De alguma forma, os
resultados obtidos com estes três modelos de regressão encontram-se de acordo
com aqueles apresentados por Ventura e colaboradores (2004), nos quais a auto-
eficácia se revelou com um papel preponderante na predição das respostas de
coping.
CONCLUSÃO
Do ponto de vista clínico, estes resultados apontam em duas direcções. Em
primeiro lugar, a avaliação de qualquer pessoa com Esquizofrenia que integre um
programa de reabilitação deverá passar impreterivelmente pela medição das suas
funções mnésicas (nas quais incluímos a memória de trabalho), atencionais,
perceptuais e visuo-espaciais, executivas, de rapidez processual, e de
raciocínio lógico (e aritmético), uma vez que possuem valor preditor em relação
às competências de funcionamento psicossocial e à qualidade de vida. Em segundo
lugar, qualquer programa de reabilitação psicossocial deverá sempre contemplar
o recurso a medidas de treino e remediação cognitiva, direccionadas à
estimulação e recuperação destas funções neurocognitivas, e de compensação
cognitiva, destinadas à facilitação do desempenho com recurso a pistas externas
e a modificações ambientais, que tornem os contextos mais amigáveis do ponto de
vista dos sujeitos. Deverá também integrar apoio e intervenção que promovam o
desenvolvimento de percepções mais positivas de eficácia pessoal. Desta forma,
pensamos que se possa alcançar com maior efectividade o objectivo central de
qualquer intervenção terapêutica, que é a de promover os índices de
funcionalidade (exceptuando-se a prevenção de comportamentos violentos ou de
perturbação).