Domínios de investigação, orientações metodológicas e autores nas revistas
portuguesas de psicologia
Domínios de investigação, orientações metodológicas e autores nas revistas
portuguesas de psicologia
Tendências de publicação nas últimas quatro décadas do século XX
Valentim Rodrigues Alferes (*)
Maria Da Graça Bidarra (*)
Cláudia Abreu Lopes (*)
Lisete Dos Santos Mónico (*)
ABSTRACT
The domains of research, the methods, and the authors of 2070 articles
published during the last four decades of the 20th century in eight Portuguese
journals of psychology (Análise Psicológica; Cadernos de Consulta Psicológica;
Psicologia; Psicologia, Educação e Cultura; Psicologia: Teoria, Investigação e
Prática; Psychologica; Revista de Psicologia e de Ciências da Educação; and
Revista Portuguesa de Psicologia) were classified and compared with the
thematic and methodological orientations of the articles indexed in PsycINFO
database.
The study main conclusion points to an underrepresentation of core psychology
contents (basic psychological processes), whereas general psychology/
psychometricsand applied psychologywere the primary fields of research.
Simultaneously, there is a focus on literature review and synthesis at the
expense of empirical research. These trends are the major distinguishing
characteristics relative to international standards, as they are documented in
the records of PsycINFO.
The 2070 articles were signed by 3193 authors. The contributions of men were
higher than those of women, despite the quasi-parity in the nineties. Internal
strategies of publication - a typical feature of low intensity scientific
communication networks - were predominant, though marked by signs of a
progressive culture of cooperation, expressed in the systematic increase of co-
authorship.
Key words:Authors, Domains of research, Methodological orientations, Portuguese
journals of psychology.
Este artigo tem como objectivo principal apresentar os resultados de um estudo
sobre os domínios de investigação, as orientações metodológicase os autoresnas
revistas portuguesas de psicologia publicadas nas últimas quatro décadas do
séc. XX. Excluindo trabalhos dispersos em publicações periódicas de disciplinas
vizinhas, como a filosofia ou a psiquiatria, a primeira revista que publica de
modo sistemático artigos de psicologia é a Revista Portuguesa de Pedagogia,
cujo primeiro número remonta a 1960. Em 1967, inicia-se a publicação da Revista
Portuguesa de Psicologia, a que se seguem a Análise Psicológica(1977), a
Psicologia(1980), os Cadernos de Consulta Psicológica(1985), a Revista de
Psicologia e de Ciências da Educação(1986) e a Psychologica(1988). Na década de
90, surgem a Psicologia: Teoria, Investigação e Prática(1996) e a Psicologia,
Educação e Cultura(1997). Note-se que, com excepção da Revista Portuguesa de
Pedagogiae da Revista Portuguesa de Psicologia, todas as publicações têm a sua
origem depois do 25 de Abril de 1974, traduzindo o investimento na investigação
e a institucionalização progressiva do ensino das ciências sociais e humanas,
menorizadas, ignoradas e, inclusivamente, censuradas durante o período da
ditadura (cf. Almeida, 1968; Nunes, 1971)1.
Na secção de Método, descreve-se a estrutura da base de dados e explicitam-se
as categorias de análise; na secção de Resultados e Discussão, identificam-se
os conteúdos, os métodos e os autores do material publicado nas revistas
portuguesas de psicologia e confrontam-se os dados obtidos com as orientações
temáticas e metodológicas dos artigos indexados na PsycINFO. Espera-se que a
informação aqui reunida e discutida possa vir a constituir um contributo
significativo para o estudo sistemático da história da psicologia em Portugal.
MÉTODO
Base de dados
A base de dados em análise é constituída por 2070 artigos, publicados, entre
1967 e 2000, em oito revistas nacionais ligadas a instituições de ensino
superior universitário ou a associações científicas de psicologia (cf. Quadro
1)
2
. Do conjunto das oito revistas, a Análise Psicológicadestaca-se pelo volume de
artigos dados a público (42.3% da totalidade); ao invés, a Revista de
Psicologia e de Ciências da Educaçãoteve uma existência efémera, contribuindo
apenas com 27 artigos (1.3% da totalidade), correspondentes a três anos de
publicação (1986-1987 e 1992). As restantes revistas publicaram-se
ininterruptamente até ao final do período em análise.
QUADRO_1
Base de dados:Artigos publicados entre 1967 e 2000 nas revistas portuguesas de
psicologia
FPCE=
Faculdade
de
Psicologia
e de
Ciências
da
Educação.
* Apenas
artigos no
domínio da
Psicologia
(Fonte:
Alferes et
al.,
1996).
A adopção do critério presença do termopsicologia no título da revistaconduziu
à exclusão da Revista Portuguesa de Pedagogia, ligada à Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra, entre 1960 e 1976, e à Faculdade de Psicologia e de
Ciências da Educação da mesma Universidade, de então para cá, tendo
constituído, entre 1976 e 1988, data da fundação da Psychologica, o órgão de
publicação desta Faculdade. A Revista Portuguesa de Pedagogiafoi, no entanto,
objecto de estudo em investigação anterior, realizada por Alferes et al.
(1996), por ocasião dos 30 anos de publicação (1960-1963 e 1971-1995). Dos 449
artigos publicados entre 1960 e 1995, 280 (62.4%) são do domínio da psicologia
(incluindo a psicologia da educação) e os restantes ligam-se ao domínio das
ciências da educação (32.3%) e a outros domínios científicos (5.3%). Se
adicionados à base aqui considerada, os 280 artigos do domínio da psicologia
corresponderiam a 11.9% do total de artigos publicados no período compreendido
entre 1960 e 2000. Na secção de resultados, as estatísticas relativas às oito
revistas incluídas na base de dados serão complementadas pela síntese das
estatísticas relativas aos 280 artigos do domínio da psicologia publicados na
Revista Portuguesa de Pedagogia, entre 1960 e 1995.
Categorias de análise
Domínios de investigação. A categorização do conteúdo dos artigos baseou-se no
sistema de indexação da PsycINFO (Content Classification Code System, cf. APA,
2008; Walker, 1997, p. xxvi). Contrariamente à classificação das orientações
metodológicas (cf. próximo ponto), em que o grau de ambiguidade é virtualmente
nulo, a classificação dos conteúdos implica opções discutíveis e coloca
questões de imputação múltipla. Para reduzir eventuais enviesamentos, todos os
artigos foram classificados de modo independente pelos quatro autores, tendo-se
optado, na ausência de consenso, pela posição maioritária, ou, quando a
concordância se situou abaixo de 75%, pela reapreciação, discussão e decisão
conjuntas.
Orientações metodológicas.
Em relação às metodologias adoptadas nos artigos em análise, fez-se uma
primeira distinção entre estudos teóricos- incluindo os artigos de
revisão e integração da literatura científica - e estudos empíricos.No
interior desta categoria, operou-se uma segunda distinção entre estudos
documentaise estudos não documentais.Os primeiros, também designados por
estudos de traços (Ghiglione & Matalon, 1978) ou investigação de arquivos
(Hoyle, Harris, & Judd, 2002), constituem formas de "observação
diferida", incidindo sobre documentos, estatísticas oficiais ou qualquer
outro material previamente arquivado. Os segundos, aqui genericamente
designados por estudos não documentais, implicam, pelo contrário, o contacto
efectivo com os sujeitos ou unidades de investigação, com vista à recolha de
informação através da observação, da entrevista ou do questionário auto-
administrado (De Ketele & Roegiers, 1993).
Dentro dos estudos empíricos não documentais, procedeu-se a uma terceira
distinção, tendo como critério a lógica do processo de investigação, i.e., o
grau em que a estratégia de validação das hipóteses permite fazer inferências
causais, ou, o que é equivalente, maximiza as condições de validade interna
(Alferes, 1997). Mais exactamente, e adoptando a conceptualização campbelliana
(Campbell & Stanley, 1963/1966; Cook & Campbell, 1979; Shadish, Cook,
& Campbell, 2002), os estudos empíricos não documentais são classificados
em experimentais, quasi-experimentaise não experimentais.
De modo muito sumário, as investigações experimentaiscaracterizam-se pela
distinção explícita entre causas (variáveis independentes ou factores
experimentais) e efeitos (variáveis dependentes ou medidas), pela variação
sistemática das causas (manipulação) e pelo controlo eficaz dos factores
classificatórios (aleatorização completa, aleatorização restrita por blocos ou
utilização das mesmas unidades em todas as condições experimentais) e dos
pseudofactores (constância ou contrabalanceamento das variáveis situacionais
através das diferentes condições experimentais). Por sua vez, as investigações
quasi-experimentaisrecorrem à variação sistemática das causas, mas - por
razões de natureza contextual, técnica ou ética - não controlam de modo
eficaz as variáveis disposicionais (factores classificatórios) associadas às
unidades experimentais (v.g., atribuição às diferentes condições experimentais
de grupos naturais previamente constituídos). Por último, quando - na
ausência de qualquer manipulação - um investigador se limita a
quantificar a relação entre duas ou mais variáveis, estamos perante uma
investigação não experimentalou correlacional, independentemente da natureza
das medidas, da técnica de recolha de informação ou do modelo de análise de
dados: interdependência(estudo do padrão de inter-relações entre variáveis, sem
explicitação de causas e efeitos) ou dependência(modelização causal dos efeitos
de variáveis independentes passivas) (cf. Alferes, 1997, pp. 59-72; Alferes et
al., 1996, pp. 10-12)3.
Autores. Os autores dos artigos publicados nas revistas portuguesas de
psicologia foram caracterizados segundo o género, o grau académico(não
doutorados versusdoutorados) e a afiliação.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Domínios de investigação
Tendo como critério o sistema de indexação da PsycINFO,classificaram-se por
categorias de conteúdos os 2070 artigos incluídos na base de dados. Não fazendo
distinção entre revistas, os artigos distribuem-se pelas 22 categorias
indicadas na Figura 1. De salientar as percentagens para as categorias 3500
- Psicologia da Educação(16.6%), 3300 - Saúde & Saúde Mental
- Tratamento e Prevenção(15.9%), 2200 - Psicometria &
Estatística & Metodologia(10.6%), 2800 - Psicologia do
Desenvolvimento(9.1%) e 3200 - Perturbações Físicas & Psicológicas
(8.9%). No conjunto, estas cinco categorias correspondem a 61.1% dos artigos
publicados.
FIGURA_1
Comparação por categorias deconteúdo da PsycINFO entre as percentagens de
artigos publicados nas revistas portuguesas de psicologia (N=2070) e as
percentagens de artigos indexados na PsycINFO (N=1087930), no período entre
1967 e 2000
Note-se, em primeiro lugar, que as posições de destaque da psicologia da
educação e da psicologia clínica são consonantes com o passado da psicologia em
Portugal: (a) as três escolas clássicas (FPCE de Coimbra, Lisboa e Porto)
tiveram como antecedentes próximos o ensino da pedagogia e da psicologia nas
Faculdades de Letras das mesmas universidades e o ISPA resultou da
transformação do Instituto de Ciências Pedagógicas, fundado em 1962; (b)
motivada por razões de natureza prática e na ausência de uma verdadeira
tradição de investigação em psicologia clínica, a produção académica das
primeiras gerações de psicólogos clínicos alicerçou-se nas correntes da
psiquiatria e da psicanálise portuguesas, tal como as mesmas se vieram a
desenvolver do início do séc. XX até aos anos 70 (cf. Bairrão, 1968; Borges,
1985-1986). Note-se, em segundo lugar, que a percentagem de 10.6% da categoria
2200 - Psicometria & Estatística & Metodologiase reporta,
basicamente, à construção e adaptação de instrumentos e medidas psicológicas
(subcategoria Psicometria- 9.5%), não representando qualquer investimento
substancial na reflexão metodológica(0.7%) ou na inovação de técnicas de
análise estatística(0.4%).
Na Figura 1, apresentam-se igualmente os valores percentuais obtidos através de
uma pesquisa por conteúdosna PsycINFO relativa ao mesmo período de publicação
(1967-2000)
4
. Tal como se pode observar, existem afastamentos substanciais entre as duas
distribuições percentuais, traduzidos no valor da (não)qualidade do ajustamento
de χ2(21, N=2070)=1040.93, p<.001. A análise dos resíduos mostra que o volume
relativo nas revistas portuguesas é superior em 13 categorias (3500, 2200,
3000, 2800, 2600, 3600, 2900, 2100, 2700, 3700, 4000, 4100e 4200) e inferior em
9 categorias (3200, 2500, 2300, 3300, 2400, 3400, 3900, 3800e 3100). Atendendo
à magnitude dos resíduos, os principais contributos para a discrepância entre
as duas distribuições são da categoria 3500 - Psicologia da Educação,
entre os domínios sobre-representados, e das categorias 3200 -
Perturbações Físicas e Psicológicase 2500 - Psicologia Fisiológica e
Neurociências, entre os domínios sub-representados.
Tal como é reconhecido pela própria APA (Tuleya, 2007; Walker, 1997), o sistema
de indexação visa descrever os conteúdos da PsycINFO e não o campo da
psicologia em si mesmo. Correndo o risco inerente a qualquer tentativa de
mapeamento conceptual do campo da psicologia, optámos por reorganizar os
conteúdos disciplinares no esquema da Figura 2. Em primeiro lugar, o esquema
assume que a psicologia é um discursocientífico sobre: (a) os processos básicos
de natureza cognitiva, afectivo-motivacional e comportamental, ancorados na
biologia e na cultura e integrados numa unidade funcional designada por
personalidade; (b) o modo como tais processos se desenvolvem, se configuram e
diferenciam nos diversos contextos e situações de interacção e, eventualmente,
se deterioram. Em segundo lugar, admite-se que tal discurso é correlativo de um
metadiscursohistórico-sistemático, epistemológico e metodológico e duma
práticaonde confluem problemáticas de aplicação e modelos de intervenção.
FIGURA_2
Comparação pordomínios de investigação
(conteúdos) entre as percentagens de artigos publicados nas revistas
portuguesas de psicologia (valores a negrito; N=2070) e as percentagens de
artigos indexados na PsycINFO (valores entre parêntesis rectos; N=1087930),
durante o período de 1967 a 2000 [as categorias de conteúdos da PsycINFO são as
indicadas na Figura_1; para o cálculo das percentagens, os efectivos da
Categoria 2900 - Processos e Questões Sociais foram distribuídos
pelaCultura (subcategorias relativas àEstrutura Social, Religião, Cultura e
Etnologia) e pelasOutras Problemáticas de Aplicação (v.g.,Divórcio e
Recasamento)]
Esta reorganização do campo da psicologia permite-nos constatar que os
conteúdos das publicações periódicas em análise se centram nas problemáticas de
aplicação(45.6%), seguindo-se as três subdisciplinas fundamentais(psicologia do
desenvolvimento, psicologia social e psicopatologia - 24.0%)
5
e os conteúdos de natureza meta-discursiva(14.8%). Tomados em sentido estrito,
os processos psicológicos básicos(atenção, sensação, percepção, aprendizagem,
memória, raciocínio, emoção, motivação, etc.), somados com a psicologia da
personalidade, não atingem mais do que 7.6%.
Reorganizando do mesmo modo os conteúdos indexados na PsycINFO, verifica-se que
o volume relativo nas publicações portuguesas é superior para as problemáticas
de aplicação(45.6% versus38.6%) e para os conteúdos de natureza meta-discursiva
(14.8% versus7.4%) e inferior para os processos psicológicos básicos/
personalidade(7.6% versus13.7%) e para as três subdisciplinas fundamentais
(24.0% versus27.2%). Dito por outras palavras, a avaliar pelo material
publicado nas revistas científicas nacionais, a psicologia portuguesa, durante
as últimas quatro décadas do séc. XX, negligenciou o estudo dos conteúdos
nucleares(core psychology), para se focalizar na psicologia geral/psicometria,
a montante, e nas áreas de aplicação, a jusante. Sublinhe-se que o mapeamento
conceptual que fizemos do campo da psicologia não alterou o padrão global de
discrepâncias entre as duas distribuições: o valor do qui-quadrado da
(não)qualidade do ajustamento para as distribuições de 12 categorias da Figura
2 [χ2(11, N=2070)=1010.35, p<.001] é semelhante ao que se obteve para as
distribuições de 22 categorias da Figura_1.
Merece ainda uma nota complementar a inversão dos "pesos" da
Biologiae da Cultura: enquanto na PsycINFO o estudo das bases biológicas
ultrapassa o estudo das bases culturais do comportamento (9.9% versus3.2%), nas
revistas portuguesas, a biologia subordina-se à cultura (1.1% versus6.8%). Numa
leitura benevolente, estes dados traduziriam o individualismo metodológico
característico das ciências sociais do "outro lado do Atlântico";
numa leitura sem enviesamentos em benefício próprio, tal inversão pode apenas
significar a ausência de condições materiais (v.g., laboratórios devidamente
equipados) e humanas (v.g., o "deslocamento" da filosofia e da
psiquiatria para a psicologia da "geração fundadora" e das gerações
que se lhe seguiram não foi acompanhado pela formação adequada em ciências
biológicas).
Com o objectivo de identificar orientações temáticas diferenciadas, procedeu-se
a umaanálise de correspondência simples(SPSS/CORRESPONDENCE, cf. SPSS, 2007)
entre revistas(8 categorias) e domínios de investigação(12 categorias da Figura
2). Das sete dimensões fornecidas pela análise do quadro de contingência 8x12
[χ2(77, N=2070)=619.57,p<.001], retiveram-se para interpretação as duas
primeiras, que, conjuntamente, explicam 66.1%da inércia total.A primeira
dimensão, responsável por 39.0% da variabilidade, opõe, fundamentalmente, os
conteúdos de natureza meta-discursiva (psicologia geral/psicometria) e o estudo
dos processos básicosàs problemáticas de aplicação, com particular destaque
para asaúde e doençae para as outras áreas de aplicação. Se quisermos, esta
dimensão corresponde, grosso modo, à dicotomia psicologia fundamental/
psicologia aplicada. A segunda dimensão,à qual cabe 27.1% da variabilidade, é,
essencialmente, polarizada pela educação, que se opõe aos restantes domínios
(cf. Figura 3).
FIGURA 3
Revistas edomínios de investigação (conteúdos): Análise de correspondência
simples (representação conjunta dos pontos-linha e dos pontos-coluna nas duas
primeiras dimensões; normalização simétrica) [Para as siglas dasrevistas
, cf. Quadro_1; os domínios de investigação são os que constam da Figura_2]
A consideração das revistas no espaço definido pelos conteúdos permite dividi-
las em três grupos: (1) Psychologica, Revista Portuguesa de Psicologiae Revista
de Psicologia e de Ciências da Educação; (2) Cadernos de Consulta Psicológicae
Psicologia Educação e Cultura; e (3) Psicologia, Análise Psicológicae
Psicologia: Teoria, Investigação e Prática. O primeiro grupo, constituído pelas
três publicações ligadas às "escolas clássicas" (FPCE das
Universidades de Coimbra, Lisboa e Porto), contrasta com o terceiro grupo, ao
longo da dimensão fundamental/aplicada. Por sua vez, o segundo grupo (Cadernos
de Consulta Psicológicae Psicologia, Educação e Cultura) opõe-se aos outros
dois na dimensão polarizada pelaeducação. Note-se, de passagem, que a
associação dos Cadernos de Consulta Psicológicaà psicologia da educação é
explicada basicamente pela inclusão nesta categoria da PsycINFO dos artigos na
área da orientação vocacional. De realçar, ainda, a proximidade do terceiro
grupo (Psicologia, Análise Psicológicae Psicologia: Teoria, Investigação e
Prática) aos domínios da psicologia social, da psicopatologiae das organizações
(cf. Figura 3).
Por último, deixando entre parêntesis as revistas, note-se que a introdução de
critérios temporais não altera substancialmente o panorama global que temos
vindo a descrever.Com efeito, se tomarmos como analisador a evolução das
percentagens de artigos dedicados às problemáticas de aplicação (categorias
2900*e 3300 a 4200, cf. Figuras 1 e 2) e estabilizarmos a série calculando as
médias móveis com um intervalo de cincoanos, verificamos que a tendência, de
1967 a 2000, é mesmo para um aumento gradual da investigação aplicada, com
valores entre 40 e 50% a partir da década de 80 (cf. Figura 4). Em
concomitância, o peso relativo do estudo dos processos básicos (categorias2300
e 2400, cf. Figuras 1 e 2) é sempre reduzido, situando-se próximo de 5% a
partir da mesma década (cf. Figura 4).
FIGURA 4
Evolução dosdomínios de investigação (conteúdos) no período de 1967 a 2000:
percentagem de artigos nasáreas de aplicação e percentagem de artigos
sobreprocessos psicológicos básicos
Orientações metodológicas
Dos 2070 artigos analisados, 1191 (57.5%) são estudos teóricos e/ou de revisão
da literatura científica, 112 (5.4%) são estudos empíricos documentais e 767
(37.1%) são estudos empíricos não documentais (cf. Quadro 2). Dentro desta
última categoria, registe-se que a quase totalidade (645 artigos, i.e., 31.2%
do total) são investigações não experimentais ou correlacionais. Tomadas em
conjunto, as investigações experimentais e quasi-experimentais correspondem
apenas a 5.9 % (122 artigos) do material publicado. De notar que um número não
desprezível de artigos analisados recorre a falsas distinções conceptuais entre
os diversos planos de investigação, incluindo o uso indiscriminado dos termos
empíricoe experimentalou a adopção da expressão estudo experimentalpara referir
os ex post facto designsefectivamente utilizados6. Como é evidente, tais
artigos foram contabilizados na categoria não experimental.
QUADRO_2
Orientações metodológicas nos artigos publicados nas revistas portuguesas de
psicologia (percentagens-linha)
Fazendo uma pesquisa por metodologiana PsycINFO, circunscrita ao período entre
1967 e 2000 (cf. nota 4), obtêm-se registos para 552087 (50.7%) dos 1087930
artigos indexados por conteúdos (cf. subsecção anterior). No sub-universo de
552087 artigos, 37663 (6.8%) são estudos teóricos e/ou de revisão de literatura
(incluindo modelizações matemáticas), 2489 (0.5%) são estudos documentais
(essencialmente meta-análises) e 511935 (92.7%) são estudos de natureza
empírica (experimentais, quasi-experimentais e não experimentais). Tal
distribuição afasta-se substancialmente da obtida para as revistas portuguesas
de psicologia, χ2(2, N=2070)=9625.54, p<.001.
Com a ressalva de que nos estamos a referir a cerca de metade dos artigos
indexados e deixando entre parêntesis os estudos de tipo documental, o rácio
estudo empírico/estudo teóricoé de 0.64 (=767/1191), para as revistas
portuguesas de psicologia, e de 13.59 (=511935/37663), para os artigos
classificados na PsycINFO. Podemos, pois, afirmar que as discrepâncias no
domínio dos conteúdos mencionadas na subsecção anterior, com particular
destaque para o "não investimento" no estudo dos processos
psicológicos básicos, são correlativas de uma acentuada inversão do balanço
estudos empíricos/estudos teóricos. Infelizmente, a opção essencialmente
descritiva adoptada pela PsycINFO na categorização dos métodos não nos permite
estabelecer as comparações relativas à natureza das investigações empíricas não
documentais7.
Retomando os dados portugueses, cabe referir, antes de mais, a acentuada
homogeneidade dos padrões de orientação metodológica nas oito revistas em
análise (cf. Figura 5). Com efeito, o volume de estudos empíricos não
documentais (experimentais/quasi-experimentais/ /não experimentais) é
minoritário em todas as revistas, variando entre 33.0% (Psicologia, Educação e
Cultura) e 44.4% (Revista de Psicologia e de Ciências da Educação- cf.
Figura 5 e Quadro_2).
FIGURA 5
Distribuição dos artigos pororientação metodológica (percentagens do Quadro_2)
Tendo como objectivo identificar os modos de articulação entre orientações
temáticas e orientações metodológicas, procedeu-se a uma análise de
correspondência simples(SPSS/ CORRESPONDENCE, cf. SPSS, 2007) entre métodos(5
categorias) e domínios de investigação(12 categorias da Figura_2). Das quatro
dimensões fornecidas pela análise do quadro de contingência 5x12[χ2(44,
N=2070)=216.17, p<.001], as duas primeiras explicam 82.7% da inércia total.A
primeira dimensão, responsável por 49.8% da variabilidade, representa o eixo
não experimental/quasi-experimental/experimental. A segunda dimensão,
responsável por 32.9% da variabilidade, contrasta os estudos empíricos não
documentais com os estudos teóricos. De modo concomitante, os conteúdos
metadiscursivos(psicologia geral/psicometria) e, em parte, as problemáticas de
aplicaçãoopõem-se aos processos psicológicos básicos, ao longo da primeira
dimensão, ao passo que as subdisciplinas fundamentais(em especial, a psicologia
sociale a psicologia do desenvolvimento) contrastam com os conteúdos
relacionados com a personalidadee com as respectivas bases biológicase
culturais, ao longo da segunda dimensão (cf. Figura 6).
FIGURA 6
Orientações metodológicas (métodos) edomínios de investigação (conteúdos):
Análise de correspondência simples (representação conjunta dos pontos-linha e
dos pontos-coluna nas duas primeiras dimensões; normalização simétrica)
[TEO=Estudos teóricos; DOC=Estudos documentais; EXP=Estudos experimentais;
QE=Estudos quasi-experimentais; NE=Estudos não experimentais; os domínios de
investigação são os que constam da Figura 2]
Deixando entre parêntesis as orientações temáticas e introduzindo critérios
temporais para o estudo dos métodos, verifica-se que, à semelhança do que
aconteceu com os conteúdos, o panorama global pouco se altera. Com efeito, se
podemos constatar um aumento gradual da percentagem de estudos empíricos não
documentais tomados no seu conjunto (estudos experimentais, quasi-experimentais
e não experimentais), o dado mais marcante é que nem no final do período em
análise as percentagens ultrapassam o limiar de 50% (cf. Figura 7), ou, dito de
outro modo, o rácio estudo empírico//estudo teórico permanece inferior à
unidade. Recorde-se que esse valor para os artigos indexados na PsycINFO é
superior a 13 estudos empíricos por cada estudo teórico. Acresce que o aumento
verificado no conjunto dos estudos empíricos se deve basicamente aos estudos
não experimentais, tal como se pode constatar comparando os dois gráficos da
Figura 7.
FIGURA 7
Evolução dasorientações metodológicas no período de 1967 a 2000: percentagem de
artigos empíricos (experimentais & quasi-experimentais & não
experimentais) e percentagem de artigos experimentais e quasi-experimentais
Autores
Os 2070 artigos em análise são assinados por3193 autores. No conjunto das oito
revistas, a percentagem de artigos assinados por um só autor é de 67.3%. As
percentagens de artigos em co-autoria variam entre 16.9% (Revista Portuguesa de
Psicologia) e 59.1% (Psicologia: Teoria, Investigação e Prática -cf.
Quadro 3).
QUADRO 3
Autores dos artigos publicados nas revistas portuguesas de psicologia: Número
médio deautores por artigo (M) e percentagem deartigos em co-autoria
No que diz respeito ao género, as percentagens apuradas são de 53.9% para o
género masculino e de 42.0% para o género feminino, não tendo sido possível
identificar o género de 4.2% dos autores (cf. Quadro 4, incluindo nota).
Admitindo que a distribuição nos casos não identificados é idêntica à dos casos
identificados, a estimativa final para a população de autores é de 56.2%, para
o género masculino, e de 43.8%, para o género feminino. Estes dados equivalem a
um rácio homem/mulher de 1.28, i.e., no conjunto das revistas portuguesas de
psicologia, publicadas entre 1967 e 2000, por cada artigo assinado por uma
mulher, contam-se 1.28 artigos assinados por um homem. Tal valor é comparável
ao que se pode obter calculando o rácio entre o número médio de publicações dos
homens e das mulheres (Mh/Mm=3.21/2.74=1.17), a partir dos resultados de
Amâncio e Ávila (1995, p. 147), baseados num Inquérito à Comunidade Científica
Portuguesa, realizado pelo CIES//ISCTE, entre Março e Dezembro de 1993, junto
de uma amostra probabilística de 1085 inquiridos.
QUADRO_4
Género egrau académico dos autores dos artigos publicados nas revistas
portuguesas de psicologia (percentagens-linha)
NI= Não identificado: no caso
do género, apenas as iniciais
do(s) primeiro(s) nome(s) e
apelido constavam dos
artigos; no caso do grau
académico, informação omitida
no artigo.
Em consonância com as mutações da comunidade científica portuguesa ao longo das
últimas décadas, verifica-se um aumento gradual da percentagem de autores do
género feminino.Com efeito, se estabilizarmos as flutuações anuais calculando
as médias móveis (intervalo de cincoanos) das percentagens em análise, passamos
de valores abaixo de 20%, no período anterior ao 25 de Abril de 1974, para
valores próximos de 50%, na década de 90 (cf. Figura8). Procedendo de modo
idêntico com os dados relativos aos artigos em co-autoria, assistimos a uma
passagem abrupta das percentagens nulas iniciais para valores entre 20 e 30%,
durante a década de 80, seguidos por um aumento gradual até 50%, no final da
década de 90 (cf. Figura 8).
FIGURA 8
Evolução das percentagens deautoras e deartigos em co-autoria, no período entre
1967 e 2000
Em relação ao grau académico, a elevada percentagem de artigos (40.4%) em que a
informação relevante é omissa não aconselha a que se tratem os dados de modo
semelhante ao que foi feito com o género e com as co-autorias. Para memória
futura, registam-se os valores apurados no Quadro_4. Note-se, de passagem, que
a opção pela não indicação dos títulos/graus académicos dos autores é a opção
maioritária a partir da década de 90.
Da análise das afiliações sobressaem, antes demais, as elevadas percentagens de
"autores da casa", com um máximo de 77.5% para a Revista de
Psicologia e de Ciências da Educaçãoe um mínimode 28.6% para a Análise
Psicológica(cf. valores a negrito no Quadro 5). Por sua vez, a percentagem de
autores ligados a instituições estrangeiras é de15.7% para o conjunto das
revistas, variando o grau de "internacionalização" entre 5.0%
(Revista de Psicologia e de Ciências da Educação) e 22.4% (Análise Psicológica
-cf. antepenúltima coluna do Quadro 5). O padrão de co-ocorrências entre
afiliação dos autores e instituição de referência das revistas, conjugado com
as baixas percentagens de participação de autores estrangeiros, aponta para
"estratégias" de publicação interna que configuram uma acentuada
auto-insularização das comunidades científicas locais.
QUADRO 5
Afiliação dos autores dos artigos publicados nas revistas portuguesas de
psicologia (percentagens-linha)
Port= Outras instituições portuguesas.
Estr=Instituições estrangeiras. NI=Não
identificada (para as restantes siglas,
cf. Quadro_1). A negrito assinalaram-se
as afiliações dos autores coincidentes
com as instituições que editam as
revistas.
CONCLUSÃO
Nas últimas quatro décadas do séc. XX, a avaliar pelo material publicado nas
revistas científicas nacionais, a investigação em psicologia negligenciou o
estudo dos conteúdos nucleares(processos psicológicos básicos), para se
focalizar na psicologia geral/psicometria, a montante, e nas áreas de
aplicação, a jusante. De modo paralelo, privilegiou os trabalhos de revisão e
síntese da literatura, em detrimento dos estudos de natureza empírica. A
inversão acentuada do balanço estudos empíricos/estudos teóricose o "não
investimento" nos conteúdos nucleares constituem marcas distintivas em
relação à produção internacional, tal como esta se encontra documentada nos
registos da PsycINFO. No caso dos estudos empíricos não documentais, o
enviesamento em prejuízo da investigação dita fundamental é correlativo de uma
orientação metodológica não experimental. Tanto em relação aos conteúdos, como
aos métodos, a introdução de critérios temporais não altera o panorama traçado
para o conjunto do período em análise.
Em relação à totalidade dos artigos, o contributo dos homens foi superior ao
das mulheres, ainda que na década de 90 se tenha verificado uma quasi-paridade.
Predominaram as estratégias de "publicação interna",
características de redes de comunicação científica de fraca intensidade, embora
marcadas por sinais de uma progressiva cultura de colaboração, expressos no
aumento sistemático de co-autorias.
O alargamento da base de dados ao período posterior a 2000, com integração de
novas revistas entretanto dadas a público (v.g., Laboratório de Psicologia,
Psicologia e Educação, Psicologia: Saúde & Doenças) e a consideração
simultânea de factores de natureza externa (alterações do contexto
institucional da investigação e do ensino da psicologia em Portugal) e interna
(mutações temáticas e metodológicas das ciências psicológicas nas últimas
décadas) permitir-nos-ão um estudo mais pormenorizado dos domínios de
investigação e das orientações metodológicas nas revistas portuguesas de
psicologia. Adicionalmente, a conjugação dos perfis e afiliações dos autores
com a análise documental das fichas técnicas e dos textos de natureza editorial
possibilitar-nos-á recontextualizar estes resultados no quadro da sociologia e
da psicologia social da ciência. São estas as tarefas que nos propomos realizar
em investigações futuras, em paralelo com a análise das publicações de autores
portugueses em revistas internacionais, da inventariação dos conteúdos e
metodologias das dissertações académicas e do estudo do mercado editorial
português no domínio das monografias científicas e das obras de divulgação da
psicologia.