Incidentes críticos na Polícia Judiciária
Incidentes críticos na Polícia Judiciária
Guida Manuel, Cristina Soeiro
Gabinete de Psicologia e Selecção, Escola de Polícia Judiciária.
ABSTRACT
The aim of this research is to identify and characterise the main critical
incidents experienced by the Portuguese criminal investigation police officers
and the related stress reactions, to organise a critical incidents intervention
program to support those police officers. The data was collected using the
Critical Incidents Questionnaire for Criminal Investigation Police (Manuel
& Soeiro, 2009) through 255 individual interviews. The participants
described two critical incidents involving operational work, firearms,
difficult/violent individuals, evident human suffering and car accidents.
Participants identify as symptoms, cognitive, emotional and physical reactions.
Changes in the organisational policy, psychological intervention and increase
social support were suggested to avoid critical incidents impact.
Key-words:Criminal investigation, Critical incidents, Police work, Stress
reactions.
STRESS E INCIDENTES CRÍTICOS EM CONTEXTO PROFISSIONAL
O termo stress tem surgido nos últimos anos bastante divulgado, quer na
literatura popular, referido com significados diversos conforme a perspectiva
escolhida para a sua abordagem, quer no campo da ciência, onde tem sido objecto
de inúmeras publicações. Segundo Graziani e Swendsen (2007), a ciência tem
focado o stress investindo sobretudo em duas vertentes: uma remete para o
desenvolvimento de teorias explicativas dos efeitos do stress no indivíduo, as
reacções deste ao stress ou o modo como o stress influi as doenças e
perturbações mentais; outra, mais prática e aplicada, tem dirigido a
investigação sobre o tratamento e a prevenção dos efeitos nocivos do stress.
Apesar do interesse e incremento a nível da investigação, ainda se verifica a
impossibilidade de identificar uma definição universal de stress, o sentido do
termo ainda se apresenta complexo e vago. A propósito do estudo do stress nas
organizações, Chambel (2005) salienta que diversos investigadores têm realçado
a variedade de significados atribuídos ao conceito e a imprecisão da sua
utilização.
Segundo Maslach (1986), embora não exista um significado unanimemente aceite
para o conceito de stress, as definições de stress podem encaixar-se em três
categorias. Numa primeira categoria podem incluir-se um conjunto de definições
que entendem o stress como um estímulo, uma segunda como uma resposta e uma
terceira categoria concebe-o como um processo.
Adoptando uma perspectiva que concebe o stress como um processo interactivo ou
transaccional entre estímulos ambientais e as respostas individuais, sublinha-
se a existência das diferenças individuais, a especificidade dos mecanismos
psicológicos, nomeadamente os processos de avaliação cognitiva de cada
indivíduo, bem como o modo como lidam com o stress, i.e., os processos de
confronto utilizados (Cruz, Gomes & Melo, 2000; Lazarus & Folkman,
1984; Vaz-Serra, 2005a).
Segundo Vaz-Serra (2003, 2005a,b) quando o indivíduo desenvolve uma percepção,
que pode ser real ou distorcida, de não ter controlo sobre uma ocorrência ou
circunstância surge o stress, face a tal o indivíduo tende a desenvolver um
conjunto de acções ou estratégias de modo a resolver o problema e atenuar o que
sente.
A busca do equilíbrio surge assim como objectivo de cada organismo vivo. Face a
factores de stress que colocam em causa esse equilíbrio o indivíduo tende a
desenvolver respostas adaptativas quer psicológicas quer físicas, empregando
forças para restabelecer o equilíbrio (Santos & Castro, 1998).
Santos e Castro (1998), baseados em diversos autores, definem stress como
"a condição que resulta quando as trocas (transacções) pessoa/ /meio
ambiente, levam o indivíduo a perceber, sentir uma discrepância, que pode ser
real ou não, entre as exigênciasde uma determinada situação e os recursosdo
indivíduo, ao nível biológico, psicológico ou de sistemas sociais. "(p.
677). Estes autores salientam que, partindo de tais conceitos, se constata que
"os Acontecimentos Traumáticos de Vida ou agentes estressores produzem
tensão nas pessoas ao nível biológico, psicológico e dos sistemas sociais,
surgindo aquilo a que se chama de "Reacções Biopsicossociais ao
Stress." (Santos & Castro, 1998, p. 677).
O facto de existir uma tendência para se enfatizar os aspectos negativos do
stress criou alguma confusão na sua abordagem (Cruz, Gomes, & Melo, 2000),
no entanto, os potenciais efeitos positivos do stress são actualmente aceites e
estão comprovados, "pois as exigências externas colocadas às pessoas
podem constituir desafios e não ameaças, possibilitando a utilização e promoção
das suas capacidades e criatividade para a resolução das dificuldades colocadas
pelas situações, resultando daqui efeitos positivos em termos da satisfação e
auto-estima (Maslach, 1986)." (Cruz, Gomes, & Melo, 2000, p. 14).
Para Vaz-Serra (2000), o stress pode não ser sempre prejudicial, acrescentando
que "confere algum sabor à vida e pode constituir um incentivo de
realização profissional e pessoal." (p. 263), podendo, em contexto
laboral, distinguir-se a diferença entre uma situação de desafio e um estado de
stress. Para este autor são as posições extremadas que podem ser prejudiciais
para a saúde do ser humano, seja de monotonia e ausência de estímulos ou, por
outro lado, de excesso de excitação e de um número elevado de exigências
indutoras de stress intenso e/ou prolongado. O autor realça ainda que, em
situações intermédias, o stress se torna útil, como propulsor na tomada de
decisão, resolução de problemas, melhoramento do funcionamento e das aptidões,
podendo ajudar a motivar o indivíduo para atingir objectivos desejáveis.
O estudo do stress, da qualidade de vida e bem-estar em contexto profissional
parece assumir um relevo inequívoco, considerando a importância que é atribuída
ao trabalho na vida dos indivíduos e na vida em sociedade.
No que respeita a relação entre o trabalho e o stress, Cruz, Gomes, e Melo
(2000) referem que quando o profissional sente incapacidade em controlar as
condições de trabalho, quando as estratégias de confronto ou de copingque
possui não são adaptadas e adequadas à situação e/ou quando não possui o apoio
social suficiente para o ajudar a ultrapassar as dificuldades impostas pela
profissão, pode ser observada uma tendência para reacções disfuncionais por
parte do trabalhador face ao seu trabalho.
Vários autores sublinham, no que respeita ao stress ocupacional, a existência
de diversos factores desencadeadores de stress que, em termos gerais, se podem
relacionar com a tarefa, com o papel na organização, com as relações inter-
pessoais, com o desenvolvimento da carreira, com o próprio clima e estrutura
organizacional e com fontes de stress extra-organizacionais (Cooper &
Marshall, 1982; Cruz, Gomes, & Melo, 2000; Ribeiro & Surrador, 2005).
Não se pretende aqui explorar os modelos explicativos do stress no trabalho,
mas sim deixar a ideia de que tem sido alvo de diferentes abordagens e
conceptualizações. Salientando-se que vários autores têm desenvolvido modelos
de stress ocupacional, uns identificando factores de stress intrínsecos ao
trabalho, os seus efeitos e consequências para o indivíduo e para a organização
(e.g., Cooper & Marshall, 1978, 1982), outros aplicando o modelo
transaccional ao contexto de trabalho (e.g., Lazarus, 1995) outros ainda, como
refere Chambel (2005) têm apresentado algumas concepções e modelos que procuram
integrar a literatura que se debruça sobre o stress e o bem-estar nas
organizações. Segundo Chambel (2005), estes últimos procuram "não só
perceber o que faz com que as pessoas vivam melhor no decurso do exercício da
sua actividade profissional, mas também ajudar a criar organizações que
proporcionem às pessoas essa melhor vivência." (p. 106).
O bem-estar e a qualidade de vida no trabalho podem estabelecer-se como uma
meta, traçada essencialmente pelos custos que o stress representa para as
organizações, quer em termos financeiros, quer em termos de perca de potencial
humano. Alguns estudos apontam para um incremento da produtividade da unidade
de trabalho e uma redução do absentismo quando utilizada a combinação entre um
processo de redução dos factores de stress e a formação em auto-gestão de
stress por parte dos trabalhadores (Munz, Kohler, & Greenberg, 2001).
Chambel (2005) chama a atenção para o facto de existir evidência, quer a nível
teórico quer empírico, de que as situações de stress vividas nas organizações
conduzem a alterações fisiológicas, emocionais e comportamentais no indivíduo,
que favorecem uma diminuição da sua saúde e bem-estar. Para além destas
questões individuais, a autora salienta ainda os efeitos negativos nas
organizações, onde se incluem "os custos económicos decorrentes do
absentismo, do abandono e do tratamento dos trabalhadores que vivem situações
de stress, a par com a diminuição do seu desempenho" (Chambel, 2005, p.
108).
Quando o stress é excessivo é possível distinguir alguns sinais e sintomas, que
se podem considerar comuns e que afectam o indivíduo a diversos níveis, físico
(e.g., suor excessivo, respiração e batimento cardíaco acelerados, tensão alta,
vertigens), cognitivo (e.g., pensamento confuso, dificuldade em tomar decisões,
desorientação), emocional (e.g., choque, culpa, depressão, zanga, desespero,
frieza afectiva) e comportamental (e.g., alterações das rotinas, alterações
alimentares, descura da higiene, afastamento dos outros, silêncios prolongados)
(Mitchel & Everly, 2003). Tais alterações físicas, cognitivas, emocionais e
comportamentais se forem persistentes ou acentuadas, como pode acontecer em
caso de incidente crítico, tornam-se bastante limitadoras para o sujeito,
afectando a sua qualidade de vida e a sua vida familiar e profissional.
A expressão incidente crítico remete para acontecimentos altamente indutores de
stress ou traumáticos, enraizando o seu estudo na investigação do trauma em
situações de crise, do burnoute do Distúrbio de Stress Pós-Traumático (DSPT).
Em termos gerais, ao efeito de um acontecimento externo ou uma mudança interna
que afecta de modo significativo o equilíbrio do indivíduo designa-se crise,
fazendo-se acompanhar por activação acentuada, níveis emocionais elevados e,
eventualmente, por um estado de desorganização funcional.
A crise será a resposta a um acontecimento, verificando-se a disrupção na
homeostasia psicológica individual, paralelamente os mecanismos de
copinghabituais falham e existem evidências de reacção negativa de stress e de
significante prejuízo funcional (Everly & Mitchell, 1999, citado por
Mitchell & Everly, 2003). Segundo Mitchell e Everly (2003) um incidente
crítico será um acontecimento que tem potencial para gerar uma resposta de
crise.
Quando existe a percepção de que a situação consiste numa ameaça à vida ou à
integridade física do próprio ou de outrem, constituindo uma ocorrência que
extrapola a experiência quotidiana, esta pode considerar-se como um
acontecimento traumático.
Pode falar-se de trauma psicológico para designar o impacto de um incidente
crítico altamente stressor, i.e., desencadeador de stress, no funcionamento
psicológico e biológico de um indivíduo, sendo natural que surjam uma série de
reacções que, ao serem sentidas como demasiado perturbadoras ou persistirem
durante um tempo excessivo, podem vir a constituir uma reacção traumática. O
indivíduo pode ter pesadelos, imagens e pensamentos intrusivos, frieza
afectiva, reacções emocionais intensas, irritabilidade, desinteresse, insónia,
dificuldades de concentração, não querer falar ou pensar sobre o sucedido,
podendo evoluir para uma Perturbação Pós-Stress Traumático (cf. Hospital Júlio
de Matos, 2008) ou DSPT.
Segundo Vaz-Serra (2003) certas ocorrências, pela gravidade das suas
características, podem constituir acontecimentos traumáticos pois sob o ponto
de vista psicológico induzem um stress intenso, considerando que "a
gravidade de um acontecimento traumático está associada ao grau de
predictibilidade, controlabilidade e intensidade que possa ter." (Vaz-
Serra, 2003, p. 27).
Para este autor, os acontecimentos traumáticos podem considerar-se
acontecimentos extremos sobre os quais o indivíduo não tem qualquer meio de
controlo ou evitamento, cujas consequências se podem considerar graves,
manifestando tendência a subsistirem ao longo do tempo, mesmo depois do
desaparecimento da causa original. A ocorrência de um trauma modifica a
concepção que o indivíduo tem do mundo, "destrói a compreensibilidade que
a pessoa tem do mundo à sua volta, fá-la sentir-se mais vulnerável, retira-lhe
o sentido de predictabilidade e de controlabilidade das ocorrências e
empobrece-lhe a auto-estima." (Vaz-Serra, 2003, p. 19).
Assim, entendendo-se os incidentes críticos como qualquer situação vivida
causadora de reacções intensas a diversos níveis, interferindo na capacidade de
desempenho no trabalho, poderão supor-se implicações não só a nível
profissional, mas também pessoal, familiar e social, tornando-se o seu
conhecimento e prevenção fundamentais. Tal conhecimento parece então ser um
passo essencial para delinear soluções e intervenções mais adequadas no sentido
de evitar o impacto negativo dos incidentes críticos no dia-a-dia.
Incidentes críticos e investigação criminal
Alguns autores consideram que a profissão de polícia inclui stressores
específicos, integrando situações especiais onde o stress surge com frequência,
tendo consequências negativas para a saúde do profissional (Cunha, 2004; Patten
& Burke, 2001; Soeiro, 2004; Soeiro & Bettencourt, 2003) e que, não
obstante a existência de outros contextos ocupacionais que se apresentam como
potencialmente indutores de stress, a profissão de polícia pode ser considerada
de alto risco (Santos & Soeiro, 2004).
A investigação produzida, em geral, e no nosso país, em particular, pode
considerar-se escassa e com limitações, sendo possível verificar algumas das
críticas que Malloy e Mays (1984) apontaram aquando a sua revisão dos estudos
que incidiam sobre o stress de polícia, nomeadamente no que diz respeito à
ausência de grupos de controlo em estudos que concluíam que a profissão de
polícia tinha stressores específicos e altos níveis de stress, não se podendo,
precisamente pela falta de comparação com outros grupos profissionais,
discernir se tais factores de stress diferem dos apresentados noutras
profissões nem se realmente a profissão de polícia é mais stressante.
O interesse pelas questões que envolvem o stress na profissão de polícia em
Portugal tem sido transversal à Guarda Nacional Republicana, à Polícia de
Segurança Pública e à Polícia Judiciária (PJ). Os estudos produzidos têm-se
debruçado sobre fontes de stress em contexto profissional (Magalhães, 1999;
Soeiro & Betten-court, 2003; Soeiro, Bettencourt, & Samagaio, 2003),
fontes, estratégias de copinge implicação organizacional (Gonçalves &
Neves, 2004), burnout(Passos & Antunes, 2004), vulnerabilidade ao stress
(Costa & Luz, 2004) e incidentes críticos (Manuel & Soeiro, 2009;
Sousa, 2004).
A realidade portuguesa não se coaduna com generalizações quando se aborda a
profissão de polícia, devendo ser estudada a especificidade de cada instituição
pois as nossas instituições policiais diferem a vários níveis, para além dos
sinais exteriores de fácil reconhecimento (e.g., diversos fardamentos,
veículos) distinguem-se nas suas raízes históricas, organização, missão e
competência atribuídas.
Das três forças policiais enunciadas, a PJ é a única que se integra no
Ministério da Justiça e em que os polícias, i.e., os profissionais da carreira
de investigação criminal, não usam farda, não estando tão expostos aos olhos do
público. Por outro lado, é o órgão de polícia criminal responsável pela
investigação do crime que se pode considerar mais violento e/ou de moldura
penal maior.
Tal como se encontra estipulado na Lei de Organização da Investigação Criminal
(Lei nº 49/2008 de 27 de Agosto) a PJ tem competência reservada no que respeita
a investigação criminal de uma série de crimes que se caracterizam pela sua
gravidade (e.g., homicídio, sequestro, rapto, tomada de reféns, associação
criminosa, terrorismo, corrupção, crime informático, tráfico de armas, crimes
sexuais). Face a tal enquadramento profissional podem antever-se factores de
stress específicos e a ocorrência de situações mais complicadas que se podem
designar por incidentes críticos.
Os efeitos do stress dos incidentes críticos entre as forças policiais têm sido
reconhecidos, no que respeita à investigação criminal, alguns autores (e.g.,
Patten & Burke, 2001; Santos & Soeiro, 2004; Soeiro, 2004; Soeiro &
Bettencourt, 2003; Soeiro, Bettencourt, & Samagaio, 2003), deixam
transparecer que os profissionais a ela dedicados, para além de estarem
sujeitos a stressores equivalentes aos dos agentes de patrulha podem ainda
enfrentar stressores específicos e incidentes críticos.
Debruçando-se sobre a profissão de polícia, Kureczka (1996) considera que
qualquer situação que afecte as expectativas pessoais de infalibilidade de modo
repentino pode ser considerada incidente crítico.
Goldfarb e Aumiler (s.d.) consideram que a definição mais simples de stress de
incidente crítico é a que o refere como uma reacção normal face a um
acontecimento anormal e apontam como incidentes críticos típicos do trabalho de
polícia os que envolvem morte, tiroteio, danos/ /ferimentos, suicídio de
parceiro, morte de criança, tentativa de salvamento prolongada falhada,
incidentes casuais em massa e situações em que a segurança do polícia é
colocada em risco de modo invulgar ou quando o profissional percebe que a
vítima é sua conhecida.
Estes autores salientam que nem todas as pessoas expostas a incidentes críticos
apresentam reacções de stress, o que não significa que sejam imunes às pressões
do trabalho de polícia, considerando que o efeito de qualquer acontecimento
resulta de uma mistura das características específicas do acontecimento
propriamente dito, da personalidade de cada profissional e de factores que
envolvem a sua vida, relevando-se as diferenças individuais.
Segundo Vaz-Serra (2003) "o que determina o aparecimento de uma doença
psiquiátrica pós-traumática é o tipo de interacção que se estabelece entre o
meio ambiente e as condições biológicas e mentais do indivíduo." (p. 57).
Salienta-se assim, que o impacto de um acontecimento traumático pode ser muito
variável de indivíduo para indivíduo, e para o próprio indivíduo ao longo do
tempo, podendo não apresentar quaisquer sintomas de natureza psicopatológica
ou, de modo inverso, apresentar os mais diversos transtornos de gravidade
relativa. Mais do que o próprio acontecimento em si coloca-se a ênfase na
avaliação que a pessoa faz do sucedido, sendo que da mesma "surge o
significado que lhe é atribuído, a importância que lhe é conferida e a
percepção de ter ou não controlo sobre a circunstância." (Vaz-Serra,
2003, p. 97).
Nesta relação dinâmica entre o indivíduo e os acontecimentos, considera-se
importante a influência de factores protectores e de risco. Concebendo-se como
factor protector qualquer circunstância que leve à redução ou anulação da
probabilidade de adoecer, seja ela um atributo ou característica individual ou
condição inerente à situação ou ao ambiente e, por oposição, os factores
considerados de risco são-no pelo facto de aumentarem a vulnerabilidade do
indivíduo ou a probabilidade de adoecer (Vaz-Serra, 2000, 2003). Neste âmbito,
releva-se o apoio social, enquanto atenuante das condições de stress, assim
como o seu papel protector e influência no bem-estar e qualidade de vida, e de
características individuais relacionadas com a personalidade, o copinge
resiliência.
A ocorrência de um incidente crítico pode afectar outras pessoas para além do
indivíduo que o vivenciou, produzindo reacções na família, nos pares (colegas e
amigos) ou mesmo em toda a sua rede social, tornando-se vítimas secundárias ou
indirectas, na medida em que a sua vida é afectada, as suas relações alteradas
e perturbadas. Releva-se no contexto particular do trabalho de polícia a
importância dos pares e família e da orientação da acção destes face a um
colega/familiar que acabou de passar por um incidente crítico (Goldfarb &
Aumiler, s.d.; Mitchell & Everly, 2003).
Os profissionais de polícia para além de poderem estar directamente envolvidos
em incidentes críticos como vítimas primárias, podem ainda observar,
testemunhar, estar expostos a diversas circunstâncias que consistem trauma
noutras pessoas, podendo resultar numa traumatização secundária para estes
profissionais, que estão sujeitos a uma espécie de vicarious traumatizationou
traumatismo por procuração (Delbrouck, 2006), resultado do trabalho intenso com
sobreviventes, familiares de vítimas, testemunhas e cenários de situações
traumáticas.
No que respeita à investigação criminal, os crimes que envolvem crianças são os
mais difíceis para os investigadores trabalharem e manterem o seu equilíbrio
emocional e psicológico (Patten & Burke, 2001). Patten e Burke (2001)
efectuaram um estudo sobre o stress de um incidente crítico nos investigadores
de homicídios de crianças, tendo observado que os investigadores experienciam
níveis de stress significativamente mais altos do que os adultos em geral. Os
autores referem que, no seu estudo, a variável predictora de stress mais
significativa é a exposição a estímulos traumáticos numa cena de crime
envolvendo a morte de uma criança. Para Patten e Burke (2001), embora os níveis
de stress que encontraram não se possam considerar debilitantes foram
significativamente superiores ao que esperavam encontrar, sendo claro que os
investigadores de homicídios sofrem efeitos advindos do stress proveniente do
seu trabalho, o que vai, na opinião dos autores, de encontro à concepção de
Henry (1995, citado por Patten & Burke, 2001) que vê o polícia como um
sobrevivente psicológico.
Uma área criminal de existência recente que tem focado o interesse de alguns
estudiosos no que respeita o impacto emocional e as estratégias de
copingutilizadas pelos polícias que a investigam, tem sido a da exploração
infantil através da Internet (Burns, Morley, Bradshaw, & Domene, 2008). Os
profissionais da investigação criminal que investigam este tipo de crime, numa
tentativa de identificar vítimas e agressores, são constantemente expostos, em
termos visuais e auditivos, a imagens de crimes violentos perpetrados contra
crianças (e.g., tortura e violação explicita).
Burns, Morley, Bradshaw, e Domene (2008) realizaram um estudo focando esta
temática, tendo os resultados sugerido que a traumatização secundária
experienciada era relevante em termos da saúde mental destes profissionais. Os
autores salientam ainda que os participantes descreveram estratégias de
copingadequadas e uma resiliência geral para fazer face às exigências inerentes
à sua função, consistentes com as descritas na literatura sobre copinge
resiliência no trabalho de polícia. No entanto, pelo risco de um potencial
trauma, requer-se uma supervisão e um suporte organizacional que providencie
recursos, orientações e disponibilização de intervenções psicológicas para
apoio dos membros das equipas de investigação criminal.
Focando o profissional da carreira de investigação criminal da Polícia
Judiciária, de que é figura central o inspector, com base nos trabalhos de
Soeiro, Bettencourt, e Samagaio (2003) podem considerar-se exemplos de
situações propensas a ser geradoras de incidentes críticos para os inspectores,
as detenções, buscas e rusgas, tomada de decisão sobre a realização de uma
determinada operação, ser alvo de ameaças, confrontos com arguidos que podem
estar armados, ser ferido durante uma operação e planeamento das actividades
operacionais (Santos & Soeiro, 2004).
Pode vislumbrar-se que tais profissionais ao longo do desempenho do seu
trabalho se encontrem expostos a situações de stress intenso que fogem do seu
controlo, a incidentes críticos, com consequências a nível do seu desempenho,
saúde, qualidade de vida e relação familiar, o que nos remete para a
necessidade de uma intervenção concertada no sentido de promover a gestão de
stress em caso de incidente crítico.
A intervenção no que respeita a gestão do stress de incidentes críticos, tal
como referem Sheehan, Everly, e Langlieb (2004), observando a realidade norte-
americana, teve as suas origens na vida militar, nos conflitos armados e
guerras, tendo depois sido alargada a outros contextos profissionais,
nomeadamente o das forças de segurança.
Para os autores, esta intervenção assenta nos três princípios basilares que
formam a fundação histórica da intervenção na crise: proximidade, urgência e
expectativa. A proximidade corresponde à capacidade de providenciar suporte
psicológico no campo, onde quer que seja necessário, a urgência remete para a
capacidade de providenciar apoio rápido e, a expectativa integra o facto das
reacções adversas a um incidente crítico não serem vistas como reacções
patológicas e sim como reacções normais a stress extremo (Sheehan, Everly,
& Langlieb, 2004).
A preocupação com a gestão de stress, incluindo a intervenção precoce, de modo
a suavizar sintomas e reduzir o impacto negativo dos incidentes críticos, tem
sido a base de interesse e desenvolvimento de alguns modelos, embora estejamos
atentos aos desenvolvimentos no que respeita a gestão de stress, em geral, e a
redução dos efeitos traumáticos, em particular, no caso específico da Polícia
Judiciária, não quisemos sugerir a implementação de um programa sem antes
conhecer o fenómeno e suas circunstâncias, quer no que respeita ao tipo de
incidentes críticos, sua prevalência, reacções sintomatológicas, quer em
relação ao que faz sentido em termos de intervenção aos próprios profissionais.
É precisamente no seguimento destas preocupações que se delineou o presente
estudo, com o objectivo de perceber se os polícias da carreira de investigação
criminal da Polícia Judiciária ao longo do desempenho das suas funções estão
sujeitos a situações que se podem considerar incidentes críticos, que tipo de
acontecimentos constituíram incidentes críticos e qual a sua incidência neste
contexto profissional. Tentou ainda averiguar-se qual o impacto dos
acontecimentos relatados como incidentes críticos na saúde dos profissionais da
carreira da investigação criminal e que tipo de intervenção faz sentido a estes
profissionais.
MÉTODO
Participantes
Os participantes deste estudo (N=255) integram a carreira de investigação
criminal da Polícia Judiciária pertencendo a diversas categorias, mais
especificamente 236 são inspectores (92.5%), 15 inspectores-chefes (5.9%), 2
inspectores-estagiários (0.8%), 1 agente-motorista (0.4%) e 1 coordenador de
investigação criminal (0,4%).
A maioria dos participantes exerce funções numa Unidade Nacional (49.4%), 28.2%
numa Directoria, 18% num Departamento de Investigação Criminal e 4.3% na Escola
de Polícia Judiciária. No que respeita o tempo de serviço observa-se uma
amplitude dos 3 meses aos 31 anos (M=12.38; DP=7.54).
Apresentam idades entre os 28 e os 56 anos (M=39.25; DP=6.74), a maioria
encontra-se na faixa etária entre os 35 e os 45 anos de idade (45.9%),
seguindo-se a faixa abaixo dos 35 anos (32.2%), e, por fim, em menor
percentagem os que têm idades superiores a 45 anos (22%).
A maior parte dos participantes pertence ao sexo masculino (78%), o que
reflecte a realidade institucional dos últimos anos pois representa uma
percentagem relativamente próxima da apresentada no total do pessoal de
investigação criminal em 2005 (84,1% são do sexo masculino) (Polícia
Judiciária, 2006), em 2006 (84,2%) (Polícia Judiciária, 2007) e em 2007 (83,5%)
(Polícia Judiciária, 2008).
A maioria dos participantes possui licenciatura (36.9%), seguindo-se o ensino
secundário (29.8%), a frequência universitária (25.5%) e o ensino básico
(7.8%).
No que refere o estado civil, 76,1% são casados, 14.9% solteiros e 9%
divorciados.
Relativamente ao tipo de crime investigado, durante mais tempo e actualmente (à
altura da entrevista), pode observar-se uma distribuição dos participantes
pelos diversos tipos de crime (Tabela 1), no entanto, salienta-se a
investigação dos crimes contra a vida em sociedade e contra o Estado, do
tráfico de estupefacientes e dos crimes contra o património, como os
investigados por uma maior percentagem de participantes.
TABELA 1
Percentagem de participantes por tipo de crime investigado durante mais tempo e
na actualidade
No que diz respeito à duração do tipo de crime investigado durante mais tempo
verifica-se uma amplitude de três meses a 28 anos (M=8.36; DP=5.49), enquanto o
crime investigado actualmente apresenta uma amplitude de um mês a 28 anos
(M=5.63; DP=5.65).
Instrumento
Utilizou-se o Questionário de Incidentes Críticos para a Polícia de
Investigação Criminal (Manuel & Soeiro, 2009), elaborado com base em
trabalhos sobre factores de stress na polícia judiciária (Soeiro &
Bettencourt, 2003; Soeiro, Bettencourt & Samagaio, 2003).
O questionário integra uma primeira parte constituída por uma folha de rosto,
onde se enunciam os objectivos gerais do estudo, e uma secção destinada à
recolha de dados pessoais e profissionais.
Numa segunda parte do instrumento é solicitado ao participante que descreva os
três incidentes críticos mais marcantes que já vivenciou no desempenho do seu
trabalho, por ordem de importância, sendo ainda pedida a especificação de há
quanto tempo ocorreu o incidente e que tipo de crime investigava na altura.
Posteriormente apresenta-se ao participante um conjunto de sintomas
característicos de reacções ao stress, englobando reacções físicas (9 itens),
cognitivas/pensamento (7 itens), emocionais (11 itens) e comportamentais (10
itens), pedindo que indique os que foram por si experienciados nos seis meses
após o incidente crítico mais marcante, bem como os sintomas que vivenciou nos
últimos seis meses.
A terceira parte do Questionário é composta por apenas uma questão aberta em
que é pedida a opinião do participante sobre o que se poderia fazer para evitar
o impacto negativo dos incidentes críticos no seu desempenho.
Procedimento
Os participantes foram contactados pelas respectivas chefias e convidados para
uma entrevista, após se ter efectuado uma breve apresentação do estudo e seus
objectivos de modo coincidente com a folha de rosto, garantindo-se o anonimato
e confidencialidade da informação, procedeu-se à entrevista, preenchendo o
entrevistador o questionário, seguindo os itens pela ordem apresentada.
RESULTADOS
Dos dados recolhidos salienta-se que a maioria dos participantes (80%)
assinalaram a presença de incidentes críticos. Dos participantes que
assinalaram esta presença 64.6% descreveram a ocorrência de dois incidentes
críticos ao longo do desempenho da sua profissão, 29.1% descreveram três
incidentes críticos e 6.3% dos participantes descreveram somente um incidente
crítico.
Os diversos incidentes críticos relatados pelos participantes ocorreram no
âmbito da investigação de diferentes tipos de crime (Tabela 2).
TABELA 2
Percentagem de participantes por tipo de crime e por IC
No sentido de perceber o posicionamento dos participantes em relação aos
incidentes críticos relatados observou-se que a maioria se encontrava presente
no momento do primeiro incidente, mas sem influência directa no mesmo (42.7%),
34.1% se encontravam presentes tendo tido influência no incidente e uma minoria
(3.9%) se encontrava ausente tendo conhecimento da ocorrência por terceiros, o
mesmo tipo de tendência foi observado para o segundo e terceiro incidentes.
Em relação à descrição dos incidentes críticos foi efectuada uma análise de
conteúdo de modo a extrair as principais características do incidente crítico
mais marcante, culminando em diversas dimensões que agrupam as ocorrências por
tipos (diligências operacionais, armas de fogo, factor humano e acidentes de
automóvel), cada dimensão é caracterizada por uma série de variáveis que
definem as ocorrências e que podem sobrepor-se, salientando a complexidade das
situações descritas.
Assim, no que respeita ao primeiro incidente crítico observou-se que se tratam
de situações que envolveram com maior frequência: (61.6%) diligências
operacionais (e.g., buscas, vigilâncias, identificações, notificações e
abordagens a sujeitos, detenções, flagrantes, bairros problemáticos e
perseguições); armas de fogo (44.7%) (e.g., ser ameaçado com arma de fogo,
tiroteio, tiroteio com polícias feridos/mortos, tiroteio com suspeitos feridos/
mortos); situações em que os suspeitos/arguidos foram considerados difíceis ou
violentos (38.4%); situações em que a percepção do sofrimento humano se
evidencia, podendo considerar-se que o factor humano foi o mais marcante
(28.2%) onde se incluem crimes sexuais, homicídios, suicídios, decomposição de
cadáveres, autópsias, situações de pobreza extrema e sofrimento das vítimas;
por fim, situações envolvendo acidentes de automóvel (10.6%).
Em relação às reacções sintomatológicas salienta-se que os participantes
assinalaram sintomas que integravam os diferentes tipos de reacções
apresentadas, tanto no período subsequente ao incidente crítico como nos seis
meses que antecederam a entrevista. Os resultados são cumulativos, podendo um
participante referir sintomas característicos das várias reacções
sintomatológicas ao mesmo tempo, apresentando uma espécie de
"constelação" de sintomas que pertencem aos diversos tipos de
reacções.
Em termos descritivos verifica-se que a sintomatologia assinalada de modo mais
frequente pelos participantes como tendo surgido após o primeiro incidente
crítico é característica das reacções cognitivas e das reacções emocionais. As
reacções físicas e as reacções comportamentais são assinaladas por um maior
número de participantes como tendo surgido nos últimos seis meses (Tabela 3),
no entanto, analisando a sintomatologia que surgiu nos dois períodos referidos
através do teste de aderência do Qui-Quadrado, verificou-se que as diferenças
não se apresentam estatisticamente significativas.
TABELA 3
Percentagem de participantes por conjunto de sintomas
Apresentam-se ainda os itens assinalados com mais frequência pelos
participantes em cada conjunto de reacções sintomatológicas (Tabela 4).
TABELA 4
Itens mais assinaladospelos participantes com sintomatologia
Procedendo ainda à análise descritiva dos dados, salienta-se que a maior parte
dos participantes avançou com sugestões sobre o que poderia ser feito para
evitar o impacto negativo dos incidentes críticos (92.9%). Os resultados são
cumulativos ou seja os participantes sugerem ao mesmo tempo diversas acções/
iniciativas que julgam contribuir para evitar o impacto negativo dos incidentes
críticos no seu desempenho profissional.
A sugestão que surge com maior frequência remete para a alteração nas políticas
organizacionais, onde se incluem sugestões gerais de acompanhamento,
rotatividade de serviço, melhor selecção de inspectores e chefias, colocações
adequadas, reconhecimento e interesse institucional (53.2%), seguindo-se a
intervenção da Psicologia num âmbito mais alargado (investigação, programa e
formação em IC's) (51%), o apoio especializado da Psicologia Clínica
(46%), o apoio dos pares (43%), apoio das hierarquias/ /institucional (43%),
melhor planeamento operacional e treino de competências profissionais (37.1%)
e, por fim, a realização de debriefing's, discussão sobre as operações,
reunião pós-operação (23.6%).
Foram ainda encontradas correlações entre diversas variáveis, onde se salientam
as correlações positivas entre a quantidade de sintomas das diversas reacções
sintomatológicas após o incidente crítico. Observam-se também correlações
positivas entre o total de outras situações problemáticas referidas pelos
participantes (e.g., factores de stress do contexto organizacional, extra-
profissionais, operacionais e ligados à rotina) com o tempo de serviço, com a
idade e com a quantidade de reacções sintomatológicas à altura da entrevista
(Tabela 5).
TABELA 5
Correlações entre variáveis
No sentido de analisar as características descritivas relativas ao primeiro
incidente crítico relatado, referido como o mais importante, realizou-se uma
análise de correspondências múltiplas (ACM), tendo identificado dois grupos
homogéneos, resultando em duas dimensões. A Dimensão 1 agrupa variáveis que
definimos como trabalho operacional e a Dimensão 2 refere acidentes de viação
(Tabela 6; Figura 1).
TABELA 6
Dimensões do primeiro IC
FIGURA 1
Configuração das caracteristicas do 1º IC
Da análise da relação entre as variáveis independentes, e as dimensões obtidas,
observa-se que a Dimensão 1 - trabalho operacional apresenta diferenças
de médias significativas no que diz respeito ao tipo de crime investigado à
data do incidente crítico, F(6,197)=4.10; p≤.001, evidenciando-se essa
diferença quando o inspector trabalha nos recursos estratégicos (M=1.06; DP=0),
nas vigilâncias e quando investiga vários tipos de crime em simultâneo (M=.81;
DP=.35) e o tráfico de estupefacientes (M=-.62; DP=.90). Especificando, o teste
post-hoc de Tukey HSD mostra que em relação à Dimensão 1 - trabalho
operacional as diferenças signiticativas surgiram para os grupos que investigam
o tráfico de estupefacientes e os crimes contra as pessoas (M=-.64; DP=.17), o
tráfico de estupefacientes e recursos estratégicos (M=-1.68; DP=.54).
No que diz respeito ao tipo de crime investigado à altura da entrevista, a
Dimensão 1 apresentou diferenças de médias significativas F(5,249)=2.7, p≤.021,
salientando-se os valores mais elevados na investigação do tráfico de
estupefacientes (M=-.56; DP=.99), nas vigilâncias e quando investiga vários
tipos de crime em simultâneo (M=-.45; DP=1), nos crimes contra as pessoas
(M=.19; DP=.97) e crimes contra o património (M=.15; DP=.87). Analisando o
resultado do teste post-hoc, as diferenças significativas surgiram entre os
grupos que investigam o tráfico de estupefacientes e os crimes contra as
pessoas (M=-.75; DP=.24), tráfico de estupefacientes e crimes contra o
património (M=-.71; DP=.22) e tráfico de estupefacientes e crimes contra a vida
em sociedade e crimes contra o Estado (M=-.61; DP=.21).
A Dimensão 1 - trabalho operacional apresenta ainda diferenças de médias
significativas em relação ao tipo de crime investigado durante mais tempo F
(6,248)=3.95, p≤.001, salientando-se quando o profissional investigou vários
tipos de crime em simultâneo (M=.93; DP=.23), crimes contra as pessoas (M=.29;
DP=.93) e o tráfico de estupefacientes (M=-.48; DP=1.03). Também aqui se
evidenciaram diferenças significativas entre as médias dos que investigaram
durante mais tempo o tráfico de estupefacientes e os que investigaram crimes
contra as pessoas (M=-.77; DP=.19), os que investigaram tráfico de
estupefacientes e os que investigaram crimes contra a vida em sociedade e
crimes contra o Estado (M=-.64; DP=.17).
Foram ainda encontradas diferenças significativas entre a Dimensão 1 -
trabalho operacional e as reacções comportamentais à altura da entrevista t
(253)=2.11, p=.035, observando-se que os participantes que assinalaram
sintomatologia a nível comportamental descreveram mais incidentes críticos
relacionados com trabalho operacional (M=.38; DP=.82) do que os que não
apresentaram reacções comportamentais (M=-.05; DP=1.01).
DISCUSSÃO
Os profissionais da carreira de investigação criminal na Polícia Judiciária,
pelas características da sua profissão podem ver a sua saúde física e mental, a
sua satisfação, rendimento e sucesso profissionais afectados pelo stress no
exercício da profissão, bem como podem experienciar incidentes críticos no
decorrer do desempenho das suas funções. Tal como foi evidenciado ao longo
deste escrito, os incidentes críticos podem ser concebidos como qualquer
situação vivida causadora de reacções intensas a diversos níveis, que
interferem na capacidade de desempenho, com implicações não só a nível
profissional e institucional, mas também pessoal, familiar e social, tornando-
se o seu conhecimento e prevenção fundamentais.
A maioria dos participantes neste estudo assinalou a ocorrência de dois
incidentes críticos ao longo do desempenho da sua profissão, descrevendo
situações que ocorreram sobretudo quando investigavam tráfico de
estupefacientes, crimes contra o património e crimes contra as pessoas. Os
incidentes críticos podem ocorrer a qualquer altura na carreira de investigação
criminal, observando-se que a maioria dos participantes estava presente na
altura do acontecimento, mas não teve qualquer influência directa no mesmo, tal
como havia já sido descrito em Manuel e Soeiro (2009).
No que respeita ao incidente crítico relatado como mais importante, observou-se
que as situações descritas envolviam diligências operacionais, armas de fogo,
arguidos/suspeitos difíceis/violentos, factor humano marcante e acidentes de
automóvel, o que vai de encontro à literatura que prevê que certas actividades
operacionais que caracterizam o trabalho de polícia se podem tornar propensas a
consistir em incidentes críticos (Patten & Burke, 2001; Santos &
Soeiro, 2004).
Algumas tendências assinaladas por Manuel e Soeiro (2009) revelam-se neste
estudo, nomeadamente no que refere a sintomatologia, pode dizer-se que os
participantes reconheceram diversos sintomas que integravam os diferentes tipos
de reacções apresentadas, tanto no período subsequente ao incidente crítico
como no antecedente à entrevista.
A maioria dos participantes disponibilizou sugestões com vista a minimizar os
efeitos dos incidentes críticos no desempenho profissional, remetendo para a
alteração das políticas organizacionais, intervenção da psicologia, apoio de
pares e hierárquico/institucional, melhor planeamento operacional e treino de
competências profissionais e, por fim, a realização de debriefings. O que
salienta a ideia de uma intervenção concertada incluindo quer a redução dos
factores de stress institucionais, o desenvolvimento de respostas adequadas às
características adversas, o desenvolvimento das características individuais
promovendo a resiliência, quer, ainda, o incremento/melhoria do apoio social
(Chambel, 2005).
No que respeita às dimensões observadas em relação ao primeiro incidente,
apenas a Dimensão 1 de trabalho operacional apresentou diferenças de médias
significativas em relação ao tipo de crime investigado, quer à data do
acontecimento, quer à altura da entrevista, quer ainda, ao tipo de crime
investigado durante mais tempo. Salientando-se que os participantes que
investigam o tráfico de estupefacientes são os que menos relatam situações que
se podem enquadrar na Dimensão 1 - trabalho operacional, tal pode dever-
se ao facto destes profissionais terem uma componente operacional muito intensa
e activa no seu dia-a-dia, onde as situações se tornam previsíveis
desenvolvendo a sensação de serem rotineiras e controláveis. O que vai de
encontro à ideia de que as situações que são sentidas como incontroláveis e
impredictíveis são as consideradas mais desgastantes, sendo que a
predictibilidade permite ao indivíduo desenvolver medidas de acção que fomentem
a percepção de controlo (Vaz-Serra, 2000).
Os resultados deste estudo exploratório sugerem que a linha orientadora a
seguir deve visar o investimento na prevenção, reduzindo factores de stress e
preparando melhor os profissionais, fomentando recursos e estratégias de
copingadequadas. O que passa por uma maior sensibilização e responsabilização
dos profissionais de investigação criminal e da Polícia Judiciária, enquanto
entidade empregadora, face a esta problemática (Manuel & Soeiro, 2009).
Tal deve ser definido como uma prioridade mesmo que se admita que os
profissionais possuem ou devem possuir recursos internos para lidar com
situações extremas e que um "acontecimento traumático pode representar
uma ocasião única que contribui para o amadurecimento psicológico da
pessoa" (Vaz-Serra, 2003, p. 55). Em termos práticos, releva-se a
importância do desenvolvimento de um programa de prevenção, detecção,
encaminhamento e tratamento, como parte integrante da gestão de stress e
intervenção em incidentes críticos, que se inicia com a definição de critérios
de recrutamento e selecção, passa pelo processo formativo e pode incluir o
apoio psicológico ao profissional e à sua família.
Sugere-se assim o prosseguimento deste estudo, bem como a formulação de novos
estudos que visem os factores de stress, o burnout, o coping, no sentido de uma
intervenção concertada, visando a saúde, bem-estar e qualidade de vida, que
sirva os inspectores de investigação criminal, pessoal e profissionalmente, em
particular, e a Polícia Judiciária, em geral.