O estudo do universo escolar através da voz dos jovens: o grupo de discussão
Discussion group; Youngs; School universe; Experience
L’étude de l’univers scolaire à travers la voix des jeunes: le groupe de
discussion
Résumé
Ce texte, centré sur une recherche qui a eu lieu dans un certain milieu
scolaire, vise mettre en relief l’importance de l’utilisation de la
méthodologie qualitative dans la recherche et montrer les potentialités
inhérents au groupe de discussion pour la récolte de l’information, surtout
quand les participants ce sont des jeunes élèves du lycée. Cet article a
l’intention de souligner quelques dimensions vues essentielles pour conduire un
travail de recherche en utilisant le groupe de discussion. Après avoir fait une
brève incursion sur quelques auteurs dont les travaux privilégient cette
technique de récolte d’information pour l’étude de différents milieux socio-
éducatifs, on fait une réflexion sommaire à propos de ses potentialités et de
quelques uns de ses limites.
Mots-clé
Groupe de discussion; Jeunes; Univers scolaire; Expérience
Introdução
Este artigo decorre da realização de um trabalho académico, no âmbito de um
projecto de Doutoramento em Educação, na Área de Conhecimento de Sociologia da
Educação, que privilegiou o grupo de discussão como a principal técnica para a
recolha da informação durante o tempo em que decorreu o trabalho de campo.
O nosso estudo teve como principais interlocutores alguns jovens alunos de
Ensino Secundário e, através da nossa experiência no terreno, fomos construindo
e enfortalecendo a convicção de que o grupo de discussão se apresenta como uma
técnica altamente favorável aos estudos sociológicos, nomeadamente aqueles que
procuram compreender os dilemas e as diferentes perspectivas sociais e
escolares dos actores, dando voz a alguns grupos juvenis. Acresce que quando
colocados perante uma situação de diálogo e de confronto de ideias e de
saberes, esses jovens com quem trabalhámos reagiram com entusiasmo e
oportunidade às questões e/ou tópicos aglutinadores da discussão sobre o
universo escolar. Este facto acabou por favorecer a reflexão individual e
colectiva (génese de um processo analítico de (re)construção das suas
experiências), que permitiu chegar a opiniões assumidas por todos e por cada um
em particular. Assim, através do recurso a esta técnica, o grupo de discussão,
as análises heterogéneas e plurais que cada um dos participantes teve ocasião
de levar a efeito sobre determinadas perspectivas, quer subjectivas quer
escolares, transformaram cada abordagem e reflexão individual num sentir
crítico colectivo assumido por todos.
De facto, o trabalho de campo que levámos a efeito permitiu concluir que os
jovens alunos chegaram através do debate de ideias e da reflexão crítica à
construção comum de opiniões acerca dos vários tópicos propostos que nos
interessavam ver discutidos como, entre outros, a experiência escolar, as
expectativas para o futuro, as práticas pedagógicas, a avaliação escolar, a
selecção. Enfim, um conjunto bastante alargado de possibilidades que, numa fase
final da pesquisa, permitiu concluir acerca das vantagens da opção tomada
relativamente à utilização do grupo de discussão. Sobretudo porque se foi
construindo, face-a-face, sessão a sessão, um sentir colectivo sobre os
assuntos discutidos. Por exemplo, foi possível afirmar que um dos principais
dilemas de uma grande maioria dos jovens estudantes do Ensino Secundário
passava pela difícil tarefa de conciliar a vida juvenil e a vida escolar e,
simultaneamente, conseguir obter classificações para ingressar num curso de
Ensino Superior público.
No entanto, no presente artigo, a nossa preocupação incidirá, apenas, sobre a
técnica utilizada, isto é, algumas dimensões que considerámos fundamentais para
se levar a efeito um trabalho de campo utilizando o grupo de discussão. Sendo
assim, após uma breve incursão sobre alguns autores cujos trabalhos têm vindo a
privilegiar o grupo de discussão no estudo de diferentes contextos sócio-
educativos, seguir-se-á uma reflexão sucinta sobre as suas potencialidades e os
seus limites.
1. O Grupo de Discussão – a (re)emergência de uma técnica de investigação
qualitativa para a recolha de informação em contexto escolar
Quando pretendemos levar a efeito uma pesquisa no âmbito do campo específico da
Sociologia da Educação, e chegados ao momento da definição dos contextos
escolares a estudar e dos actores com quem queremos desenvolver o nosso
trabalho de campo (próximo dos estudos que privilegiam a etnografia para
descrever e compreender o "modo de vida" de um grupo de
indivíduos), a escolha e a selecção do tipo de metodologia (de índole
quantitativa e/ou de índole qualitativa) e as técnicas de investigação
(inquéritos, entrevistas, grupos de discussão) a utilizar para chegar à recolha
da informação podem, eventualmente, colocar alguns dilemas ao investigador,
sobretudo quando este sabe, por experiência, que esses contextos são espaços
onde as acções e interacções subjectivas se produzem e se interseccionam com
relativa naturalidade e onde inúmeras dimensões se cruzam configurando mudanças
frequentes
1
.
A complexidade, a diversidade e a interacção de determinadas situações
educativas podem propiciar um terreno propício a determinados enfoques
relativos à teoria e à prática investigativa sobre o universo escolar. Por
outro lado, a pesquisa científica tem vindo a reflectir as mudanças operadas na
sociedade que obrigam os investigadores a procurar dentro da própria ciência
perspectivas inovadoras que respondam com mais acuidade aos estudos de algumas
situações problemáticas.
Neste sentido, trabalhos recentes (por exemplo, Callejo, 2001; Fabra &
Domènech, 2001; Ortega, 2005) têm vindo a acentuar e a valorizar o grupo de
discussão como uma técnica a utilizar e a desenvolver para a recolha de
informação, sobretudo no estudo de situações revestidas de alguma complexidade
como as que são vivenciadas em ambientes escolares, embora, como sublinha
Magdalena Ortega, ao longo do tempo, esta técnica tenha sido pouco utilizada e
valorizada pelos estudos de âmbito sócio-educativo. Assim,
Neste sentido, precisamos de investigações que utilizem o grupo de discussão
como técnica para a recolha de informação que se centrem em determinados campos
ou âmbitos de aplicação. Por exemplo, centrando-nos no âmbito educativo, o
grupo de discussão pode trazer aspectos interessantes se se aplicar ao estudo
de problemáticas que se revistam de complexidade, como o estudo das atitudes
dos estudantes face a reformas dos planos de estudo, a análise da cultura
institucional [...], de problemáticas e/ou necessidades de certos grupos
relativa à inserção socioprofissional... (Ortega, 2005: 20).
Para esta investigadora, no âmbito da intervenção psicopedagógica e sócio-
educativa, o recurso a esta técnica pode permitir responder a alguns objectivos
que se relacionam com a análise e compreensão de situações educativas, com os
processos de ensino/aprendizagem, com a resolução de conflitos, com a qualidade
das instituições não só do ponto de vista dos jovens alunos, mas também de
outros actores educativos como os professores, os pais/encarregados de educação
(cf. Ortega, 2005: 36).
Mas, o grupo de discussão, apesar de ser uma técnica de conversação que faz
parte da família das pesquisas de índole qualitativa e situando-se próxima das
entrevistas em grupo (focus group), distingue-se destas e adquire um carácter
próprio. Ou seja, na esteira de alguns autores, nomeadamente Callejo (2001),
que têm levado a efeito pesquisas utilizando o grupo de discussão, o que
encontrámos de particular e inovador na aplicação desta técnica no nosso
trabalho de campo (e que a poderá distinguir das entrevistas em grupo), reside
no facto de durante o debate, perante um tópico de discussão, cada um dos
elementos do grupo ter tido a possibilidade de apresentar, de defender, de
construir e de descontruir os seus pontos de vista numa lógica de interacção
que, gradualmente, se tornou mais profunda e complexa, chegando-se, por fim,
naturalmente, a um conjunto de opiniões comuns a todos os intervenientes.
George Gaskell, por exemplo, não deixa de aludir à relevância das entrevistas
para a compreensão de contextos sociais específicos, sugerindo:
O emprego da entrevista qualitativa para mapear e compreender o mundo da vida
dos respondentes é o ponto de entrada para o cientista social que introduz,
então, esquemas interpretativos para compreender as narrativas dos atores em
termos mais conceptuais e abstratos [...]. A entrevista qualitativa, pois,
fornece os dados básicos para o desenvolvimento e a compreensão das relações
entre os atores sociais e sua situação. O objectivo é uma compreensão detalhada
das crenças, atitudes, valores e motivações, em relação aos comportamentos das
pessoas em contextos sociais específicos (Gaskell, 2002: 64).
As entrevistas em grupo, denominadas também por grupo focal, podem ser
comparadas ao conceito de Habermas de esfera pública ideal, ou seja, a um
debate aberto, acessível a todos os intervenientes e onde não são valorizadas
as diferenças de estatuto entre os actores. Estes debatem questões do seu
interesse produzindo uma discussão racional atravessada, no entanto, por
emoções e experiências pessoais (cf. Gaskell, 2002: 79).
Observa-se, assim, que a entrevista em grupo parece bastante próxima do grupo
de discussão, o que não deixa, actualmente, de constituir um problema de
complexidade terminológica que pode afectar a definição e até a compreensão do
que se entende por grupo de discussão, pois em algumas traduções da língua
inglesa ou da língua francesa para a língua castelhana o Grupo Focal e o Grupo
de Discussão são considerados sinónimos (cf. Callejo, 2001: 16).
Entretanto, a necessidade de clarificação, de formalização e de justificação
teórica do grupo de discussão começa a impor-se com mais acuidade, facto que
leva alguns investigadores a estabelecer comparações e diferenças com outras
técnicas, anteriormente referidas, que pelas suas características se aproximam
daquele, concluindo-se assim que ora aparece relacionado com a dinâmica do
grupo, ora com o porquê e o como dos discursos produzidos pelos participantes
2
.
Mas, à parte as diferenças teóricas encontradas, parece ter-se chegado a alguns
consensos, por exemplo, entre os autores de língua inglesa, de quem fala Javier
Callejo, quando afirmam que a "situação grupal, real ou imaginária,
facilita o intercâmbio de posições dos indivíduos [que] no grupo estão no
centro da lógica do intercâmbio. [E, assim, partindo da perspectiva dos
actores,] possibilita-se a construção do comum entre os indivíduos"
(Callejo, 2001: 37)
3
.
Por outras palavras, o grupo de discussão (tal como as entrevistas em
profundidade de tipo semi-estruturado com um único respondente e as histórias
de vida) ao trabalhar com a fala, e situando-se dentro das perspectivas do
discurso social, pode permitir chegar a um tipo de informação diferente daquela
a que se chegaria com o recurso a outras técnicas
4
.
Tal como não deixa de chamar a atenção Peter Woods, qualquer investigação
requer uma planificação prévia, mas o que pode distinguir a recolha de dados
num trabalho qualitativo é que essa "se move dentro de uma margem de
flexibilidade e relativamente sem compromisso" (Woods, 1993: 193). Parece
ser também esta uma das dimensões imputáveis à técnica de pesquisa que temos
vindo a realçar. Ou seja, a informação recolhida desvenda e dá a conhecer os
aspectos internos da problemática em debate através da riqueza das
subjectividades partilhadas e assimilados pelo grupo para a construção do seu
próprio discurso, num ambiente onde a autonomia, a liberdade e a reflexão
crítica permitem ajustar, articular e integrar perspectivas individuais e
colectivas num vaivém constante que se estabelece entre os diferentes membros
do grupo (cf. Ortega, 2005: 24).
Na perspectiva dos investigadores anteriormente mencionados, o grupo de
discussão, como prática para a compreensão dos "processos
psicossociais", tem vindo a ser reactivado nos últimos anos (algumas
décadas depois do grande êxito alcançado pelos trabalhos de Merton no âmbito da
investigação de mercados, durante os anos quarenta) como uma ferramenta muito
importante ao serviço da investigação qualitativa, particularmente no estudo de
situações onde as subjectividades e a intersubjectividades se cruzam,
nomeadamente no universo escolar.
Deste modo, dois investigadores chegam à caracterização do grupo de discussão
realçando os seguintes aspectos:
O grupo de discussão é constituído por um conjunto reduzido de pessoas,
reunidas com o propósito de interactuar numa conversa sobre temas objecto de
investigação, durante um período de tempo que oscila entre uma hora e hora e
meia. É precisamente essa interacção que distingue o grupo de discussão e o que
proporciona o seu interesse e a sua força. A discussão, efectivamente, não tem
como objectivo a busca de consenso entre os participantes; o que permite é
recolher um grande leque de opiniões e pontos de vista que podem ser tratados
extensivamente. A situação de grupo produz a deslocação do controlo da
interacção desde o investigador até aos participantes, o que dá uma maior
ênfase [...] aos pontos de vista dos participantes, facto que permite um
aprofundamento dos temas propostos à discussão, o que dificilmente se consegue
de outra maneira (Fabra & Domènech, 2001: 33-34).
1.1. Alguns limites apontados ao Grupo de Discussão
No entanto, apesar das potencialidades que se reconhecem ao grupo de discussão
para a recolha de informação, alguns investigadores não deixam, porém, de
alertar para certos limites e debilidades que podem ser encontrados. Limites
esses que podem conduzir à consideração de que esta técnica carece de
fiabilidade, em virtude do número de pessoas implicadas e da dificuldade de se
chegar à generalização dos dados recolhidos
5
.
Embora, na opinião de Mª Lluisa Fabra & Miquel Domènech e de acordo com a
nossa própria experiência, pareça ser este um falso problema, visto "as
respostas dos membros do Grupo de Discussão não poderem ser consideradas como
um reflexo da 'verdade' ou como uma representação fidedigna da 'realidade', mas
como um desenvolvimento de perspectivas e de valores socialmente disponíveis
recolhidos no conjunto de 'tópicos' que surgem a partir da discussão de
grupo" (Fabra & Domènech, 2001: 40).
Por outro lado, a perspectiva de Javier Callejo sublinha a questão da
fiabilidade relacionando-a directamente com a saturação, ou seja, quando os
discursos começam a ser redundantes, isto pode ser um critério de fiabilidade
das investigações qualitativas. Deste modo, a saturação converte-se no
"elemento que termina o trabalho de campo e portanto o desenho empírico da
investigação; na base para a representatividade e como referência de
fiabilidade" (Callejo, 2001: 161)
6
.
A esta dimensão (que sedimenta a fiabilidade no critério da saturação) pode
acrescentar-se, ainda, que o grupo de discussão é uma técnica que apresenta uma
"alta validade subjectiva" que subsiste no facto de se devolver a
informação ao grupo (cf. Ortega, 2005: 52).
Acrescem, no entanto, outras dimensões que podem, eventualmente, ser
consideradas limitativas para um processo de investigação que seleccione esta
técnica de recolha de informação. Ou seja, o papel do investigador,
simultaneamente moderador, e que pode ter a ver com o maior ou menor grau de
controlo por parte do investigador/moderador face ao desenvolvimento da
discussão em grupo. Por exemplo, poderá, eventualmente, acontecer no decurso
das sessões algum desvio da temática central da discussão por parte dos
elementos intervenientes e, em virtude disso, outros temas irrelevantes para
aquele objecto de estudo poderem ocupar algum tempo da discussão.
Na nossa perspectiva, a experiência resultante do trabalho de campo acabou por
demonstrar que este é um aspecto que não pode ser descurado, embora se
reconheça que a sua (ir)relevância para a prossecução da pesquisa dependerá
sempre dos referentes que queremos perseguir ao longo do trabalho de campo e,
sobretudo, dos actores com quem trabalhamos. Caberá, então, à experiência e aos
conhecimentos do investigador e moderador um papel crucial para minimizar e
diluir algumas das dificuldades imprevisíveis e inesperadas (cf. Ortega, 2005:
52).
Por outro lado, a escolha do lugar, a preparação do grupo, a selecção dos
participantes são, ainda, dificuldades que se colocam ao investigador quando
pretende avançar para o terreno para recolher os seus dados. De facto, durante
o nosso trabalho tivemos ocasião de verificar algumas dessas dificuldades, pelo
que corroboramos da perspectiva expressa por esta investigadora relativamente à
necessidade de se seleccionar um espaço adequado para o decurso das sessões do
grupo de discussão, sobretudo porque a liberdade de expressão e a
confidencialidade assumem muita relevância não só para o investigador, mas,
sobretudo, para os participantes, particularmente no que respeita à garantia
inequívoca de poderem expressar livremente as suas opiniões críticas sem
constrangimentos.
O Quadro 1 a seguir apresentado pretende ilustrar algumas das potencialidades
desta técnica de investigação, ora sinalizados pelos autores a cujos trabalhos
tivemos acesso, ora de acordo com a nossa própria experiência e, ainda, algumas
limitações possíveis de serem encontradas no decurso do trabalho de campo.
Quadro 1 - Potencialidades e Limites do Grupo de Discussão
1.2. Papel e funções do investigador/moderador
O papel e as funções do investigador/moderador assumem uma relevância
incontornável no desenvolvimento satisfatório do grupo de discussão. A este
propósito, um trabalho de Robert G. Burgess sublinha a importância crucial do
estabelecimento de relações entre o investigador e aqueles que estão a ser
investigados, pelo que considera, por exemplo, ser "essencial que o
investigador conduza ele próprio as entrevistas, em vez de 'entregar' a tarefa
a pessoal remunerado, que não está familiarizado com o contexto e com as
pessoas" (Burgess, 1997: 117).
Assim, para que o grupo de discussão possa ter sucesso (e chegar ao fim
conservando a totalidade dos elementos com que se iniciou) convirá referir e
sublinhar alguns vectores essenciais que dizem respeito ao investigador e que
passam, em primeiro lugar, por promover a confiança de todos os participantes,
estimular, compreender e aceitar as ideias de todos de modo a integrá-las sem
manipular ou cortar o discurso dos actores envolvidos e, em segundo lugar,
manter uma postura que, gradualmente, passe de uma não directividade explícita
a uma directividade implícita.
Na nossa opinião, será muito importante ter em consideração essas dimensões,
sobretudo quando o grupo é composto por jovens participantes. Neste caso,
sublinhar que
[...] não há respostas correctas ou incorrectas às perguntas que se fazem e
insistir, portanto, que tudo o que disserem será considerado valioso. O que se
lhes pede são pontos de vista, opiniões, comentários sobre experiências
passadas, relatos de casos de que tenham conhecimento... sempre com o objectivo
de recolher informação, nunca de avaliar (Fabra & Domènech, 2001: 44).
Aliás, nós próprios, em sintonia com o que afirma uma outra autora,
consideramos esta prática de investigação qualitativa um processo não
directivo, no qual se vai desenvolvendo uma conversa assente num guião,
estruturalmente maleável, basicamente constituído por uma "lista de
temas". No entanto, todo este processo acaba por exigir do investigador/
moderador determinadas características pessoais e humanas para não se impor em
demasia exercendo apenas um controlo "suave e não intrusivo".
Também um outro investigador que temos vindo a seguir acaba por considerar o
seguinte:
A dinâmica do grupo de discussão se move entre o fomento da reagrupação e o
impedimento da consolidação do grupo. O grupo consolida-se face ao observador,
face ao que representa o observador-moderador e face a uma situação que é, em
princípio, inconsistente, na qual os participantes aguardam instruções. O
moderador é o dispositivo da dinâmica quem tem que estar continuamente a
analisar o grupo para regular os seus consensos e, de alguma maneira, o
processo de reagrupação (Callejo, 2001: 131).
À parte estes requisitos que parecem ser indispensáveis e que estão
directamente relacionados com o investigador/moderador, como referíamos, o
grupo de discussão exige, para além dos conhecimentos relativos ao processo de
investigação, outras características pessoais, de entre as quais destacamos a
flexibilidade, a capacidade de observação do grupo, a perspicácia e subtileza
para ajudar a desabrochar a interacção entre todos os participantes, a promoção
da coesão dentro do grupo, a capacidade de síntese e de recondução de temáticas
relevantes que possam surgir aquando da discussão, (cf. Ortega, 2005: 49-50).
No mesmo sentido, outros autores reportando-se à importância da flexibilidade e
do carácter aberto das questões, afirmam que, com esta técnica não se pretende
[...] obter respostas a perguntas concretas, mas facilitar o intercâmbio de
opiniões e pontos de vista à volta de questões consideradas relevantes e à luz
dos objectivos da investigação. [Nesta ordem de ideias,] o guião deve ser uma
ajuda, não uma exigência pesada que ate de pés e mãos a pessoa que modera.
[...] Preferivelmente, as questões devem ser abertas para não condicionar o
tipo de resposta que se pode dar. Não se pode esquecer que o objectivo do grupo
é recolher o máximo de pontos de vista, e estes aparecem mais facilmente quando
não existem modelos para responder às perguntas que se lançam (Fabra &
Domènech, 2001: 42-43).
Assim, a pessoa que conduz o grupo de discussão assume uma função essencial,
particularmente no que respeita à responsabilidade de criar um bom ambiente
alicerçado na confiança e na confidencialidade que permita o desabrochar
natural das intervenções de todos os participantes. Por isso, na perspectiva
destes últimos investigadores, as respostas não devem ser avaliadas de
correctas ou incorrectas, pois tudo o que for dito, isto é, os comentários, os
pontos de vista, as opiniões, as experiências devem ser sempre considerados
valiosos para a pesquisa que se pretende levar a cabo (cf. Fabra &
Domènech, 2001: 44).
Concluindo
Da nossa experiência e do trabalho de campo que elegeu o grupo de discussão
para a recolha de informação, poderemos concluir, num primeiro momento, acerca
da importância do projecto em que nos envolvemos. Este afigurou-se como um
processo altamente dinâmico, alicerçado e enriquecido na e pela escuta das
vozes dos jovens alunos que contribuíram, mais uma vez, para se chegar à melhor
compreensão dos diferentes contextos escolares. Num segundo momento, cabe
realçar que algumas dimensões trabalhadas nos grupos de discussão permitiram
evidenciar, ainda que provisoriamente, a existência de uma crescente
heterogeneidade discente, facto esse verificável não só ao nível social e
cultural, mas sobretudo ao nível das atitudes, das motivações e das
expectativas pessoais face à escolaridade e ao futuro profissional.
Notas
1
Apesar da discussão epistemológica continuar actual acerca das clivagens entre
metodologias quantitativas e metodologias qualitativas, julgamos que uma
pesquisa de índole qualitativa, mais crítica e com potencialidades formativas
poderá potenciar a análise e o tratamento do objecto de estudo, dando-lhe poder
e voz, em vez de o encarar como simples objecto amorfo e quantificável. Embora
saibamos que alguns autores sublinham a necessidade de, adequadamente, se saber
"compreender as interpretações que os atores sociais possuem do mundo,
pois são estes que motivam o comportamento que cria o próprio mundo social. [E,
deste modo,] substituirmos acriticamente nossos próprios pressupostos, pelos
dos informantes" (Bauer, Gaskell & Allum, 2002: 32-33). Também dois
autores castelhanos destacam a metodologia qualitativa como um instrumento
privilegiado para a investigação social: "Al trabajar com métodos
cualitativos, como la etnografia o el análisis del discurso, se subraya cómo
éstos, en contraste com los métodos cuantitativos, permiten atender a los
significados intersubjetivos, situados social e históricamente, que se dan en
la interacción humana, obviando, así, todo intento de buscar hechos objetivos o
leys que los expliquen" (Fabra & Domènech, 2001: 27).
2
Magdalena Ortega afirma, por exemplo, que: "Desde este marco teórico
sobre el que reflexionamos, intentamos buscar una definición acertada para el
grupo de discusión. Esta tarea carece hoy en día de precisión y de
formalización. Tal és así que para definir dicha técnica se utilizan aspectos
manifiestos que caracterizan las situationes grupales. Ello lleva a que
encontremos una diversidad de definiciones según el autor que se refiera a
ella, y a que se le de un enfoque distinto en función de la orientación teórica
de partida. Normalmente a la hora de definir la técnica se utilizan las
características principales que comparte" (Ortega, 2005: 21).
3
A relevância que assume, neste tipo de técnica a perspectiva dos actores é
explicada por Javier Callejo do seguinte modo: "Se debe estudiar la
perspectiva de los actores porque forma parte da realidad social, de las
relaciones sociales. Haciendo una arriesgada sintixis, tan realidad social es
lo que existe como lo que los sujetos creen que existe [...]. La forma de ver
los actores las cosas es parte de las cosas, construyéndolas. Los actores
constituyen la realidad social en que actúan. La realidad social es, en cada
caso, la que señalan los actores como su percepción. Para intervir: cambiar el
comportamiento de los sujetos implica cambiar la percepción de los sujetos
(actitudes, estruturas cognitivas), lo que exige conocerlas, tanto en su
identificación como en su intensidad y profundidad, con lo que se desemboca en
la importancia del vínculo con lo que se cree y lo que se dice. Algo difícil de
observar a través de la encuesta" (Callejo, 2001: 38).
4
Magdalena Ortega, no seu trabalho, em virtude da diversidade de técnicas
existentes para a recolha de informação (entrevista em grupo, entrevista em
profundidade e histórias de vida) que podem confundir-se com o grupo de
discussão, aponta algumas características distintivas inerentes a estas
técnicas. Em síntese, sublinhamos as seguintes: "A diferencia más
importante desta técnica [entrevista em grupo] com el grupo de discusión radica
en que, en esta última, los/las participantes se preguntan, intercambian
opiniones, puntos de vista, aclaran dudas... la discusión va así progresando y
haciéndose cada vez más compleja y profunda. Se produce una interiorización y
se va adquiriendo y construyendo un significado ‘compartido’. Esto no llega a
darse en la entrevista de grupo. [Na entrevista em profundidade não existe o
processo de escuta mútua, a partir do qual] se construye el resultado del
discurso, lo que no implica, por tanto, un habla (o diferentes hablas)
indivuduales, sino una única con carácter grupal. [A história de vida] nos
ofrece la visión diacrónica, cronológica o temporal, que no nos da el grupo de
discusión. Éste se realiza en un único momento y en un determinado espacio de
tiempo. [No entanto, esta autora é de opinião que estas técnicas] podem
complementar de manera adecuada a la obtenida mediante el grupo de
discusión" (Ortega, 2005: 41-43).
5
Convirá, contudo, acrescentar que em articulação com a utilização desta
técnica pode sempre recorrer-se a outros indicadores sociais e fontes
documentais ou outros dados que sirvam para explicar e complementar o contexto
que se pretende estudar, no sentido de ajudar à compreensão dos
"significados sociais" da realidade que se estuda e que o grupo vai
construindo (cf. Ortega: 35).
6
Também alguns investigadores ingleses quando aludem à construção do corpus
para a pesquisa referem-se ao critério da saturação. Assim, "saturação é o
critério de finalização: investigam-se diferentes representações, apenas até
que a inclusão de novos estratos não acrescente nada de novo" (Bauer,
Gaskell & Allum, 2002: 59).