Editorial
Editorial
Maria de Lourdes Dionísio
Com este segundo número do ano da Revista Portuguesa de Educação inaugura-se
mais um ciclo de três anos de um projecto editorial que, apesar de quadros
sociais e académicos pouco favoráveis à dedicação a actividades que extrapolam
o individual, tem sido mantido e acarinhado pelos investigadores do Centro de
Investigação em Educação, da Universidade do Minho. A nova imagem, as novas
normas de colaboração, mas particularmente o alargamento da estrutura editorial
não traduzem, contudo, mudanças nos propósitos com que a Revista foi criada e
que, ao longo dos seus 23 anos de existência, foram paulatinamente reforçados.
Pelo contrário. A reconfiguração da estrutura directiva e o alargamento do
Conselho Editorial, particularmente, apenas visam reforçar condições capazes de
continuar a assegurar o estatuto académico que a Revista foi construindo.
Sabemos como, hoje em dia, a pressão que se coloca aos Autores para
apresentarem produção regular acaba por se reflectir também no modo de conceber
e, em consequência, de conduzir a actividade das publicações periódicas. O
projecto editorial que a RPE assume para o próximo triénio não deixará, ainda
assim, de ter como missão primeira a de continuar a dar cumprimento aos
princípios de qualidade científica, de relevância social dos textos e de
abertura à pluralidade das vozes envolvidas no campo da Educação que, desde
sempre, se impôs.
Estamos convictos que os textos deste número cumprem todos aqueles requisitos.
No primeiro texto, José Eustáquio Romão revisita vozes científicas e
epistemológicas silenciadas, na assumpção da missão de tornar visível esta
hipótese tão atraente: a existência de Razões Oprimidas que tenham desenvolvido
epistemologias alternativas', que são competentes para a superação da crise da
gnosis e da episteme que são hegemônicas, mas que não têm legitimidade
científica.
Já Carlota Boto, no segundo texto, apresenta um estudo sobre os livros
didácticos portugueses dos meados do século XIX e primeiros anos do século XX,
demonstrando como ensinar a ler vai muito para além desse iniciar na técnica
das letras. Como a Autora desvela, ensinar a ler é igualmente o processo
mediador da formação em valores de pátria, família, de criança e de disciplina,
entre outros aspectos de civilização.
No terceiro texto, Deise Mancebo discute as políticas para a educação superior
no Brasil, situando-as em quadros mais amplos, como Bolonha ou o Banco Mundial,
cujos conceitos organizadores tornam a gestão das universidades cada vez mais
parecidas com a empresa. Entre as conclusões, a Autora realça a dificuldade de
acções de oposição e resistência colectiva, mostrando como acções isoladas
mesmo que exemplares são insuficientes para a necessária reforma radical da
universidade.
Armando Loureiro, partindo de uma distinção entre conhecimento e saber,
apresenta, no quarto texto, um estudo de base etnográfica, levado a cabo junto
de uma equipa técnica de educação de adultos. Visando compreender o saber
desses profissionais, o Autor conclui que a relação dos práticos com o saber é
dinâmica, transformando, recriando e usando o saber colectivamente construído e
que, apesar de se integrarem numa comunidade de saber, a sua heterogeneidade
não é rasurada.
O quinto texto, de Ana Maria Costa e Silva, Ana Paula Caetano, Isabel Freire,
Maria Alfredo Moreira, Teresa Freire e Ana Sousa Ferreira, visa contribuir para
a definição do perfil socioprofissional dos mediadores socioeducativos, bem
como caracterizar contextos e práticas destes novos actores do trabalho em
educação. As Autoras salientam a natureza multidisciplinar e complexa da
mediação que se assume como conceito aberto e actividade mobilizadora de
diferentes perfis e competências pessoais e profissionais. Relevam ainda
aspectos que apontam para a importância da continuidade da investigação no
sentido da definição de um perfil especializado de formação e desempenho para
uma actividade cada vez mais fundamental na educação par uma cidadania
responsável.
A partir da análise de experiências pessoais e profissionais, Zenólia
Figueiredo discute, numa abordagem sociológica, o lugar das experiências e da
formação ampla na constituição de formas identitárias dos docentes de educação
física. Conclui sobre a não existência de uma formação ideal, mas apenas
evidências de que os professores estão a buscar um tipo de formação coerente
com as identificações construídas por eles. Visando igualmente apresentar as
principais singularidades desta formação do professor de educação física, a
autora destaca a influência significativa da crise epistemológica da área nos
processos de aprendizagem e de r(re) construção de formas identitárias
docentes.
Carmen Lúcia Silva e Neiva Santos, no âmbito da pedagogia na graduação em
enfermagem, apresentam os resultados de um estudo qualitativo que visou
compreender os entendimentos dos estudantes sobre cenários de aprendizagem na
facilitação da construção de conhecimento. Reforçando a relevância do recurso
aos cenários de aprendizagem, as autoras concluem sobre a necessidade de
repensar a enfermagem sob o condão da cidadania não dissociada das questões do
poder.
O oitavo texto, de Vera Lúcia Silva e Vilma Nista-Picolo, sobre dificuldades de
aprendizagem de estudantes brasileiros do ensino fundamental, apresenta uma
investigação sobre intervenções pedagógicas orientadas segundo a perspectiva
das inteligências múltiplas. Tais intervenções visaram estimular a pluralidade
intelectual dos estudantes e a sua análise permitiu identificar práticas
escolares que podem ter contribuído para as dificuldades de aprendizagem. Do
estudo, as Autoras destacam aspectos como a motivação, a disciplina e a
expressividade, em que os estudantes evidenciaram significativas mudanças.
No texto de Sílvia Monteiro, Leandro Almeida, José Cruz e Rosa Vasconcelos,
analisam-se as percepções que alunos de engenharia, considerados de excelência,
têm dos seus professores. Os Autores concluem que os aspectos mais focados
dizem respeito a dimensões da instrução, do ambiente de aprendizagem e das
características pessoais dos professores. O Professor é assim visto como
bastante além da figura que transmite conhecimentos. Neste sentido, entre
outras implicações, os Autores apontam as necessidades e exigências que se
colocam a estes alunos, nomeadamente de mais incentivos e oportunidades para
além do curricularmente estipulado.
No último texto, Pedro Álvarez e Pedro Vega discutem uma estratégia didáctica
no âmbito da educação para a sustentabilidade, integrando dois eixos: o da
Educação Ambiental e da Educação para o Consumo. A análise permite concluir que
a estratégia, apesar de necessitar de um desenvolvimento mais amplo no tempo,
favoreceu o desenvolvimento de atitudes pró-ambientais por parte dos alunos do
ensino secundário, a par de um envolvimento mais activo nas actividades
escolares.
Centro de Investigação em Educação
Instituto de Educação
Universidade do Minho - Campus de Gualtar
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