Novos actores no trabalho em educação: os mediadores socioeducativos
Introdução
A crescente valorização social do trabalho em rede e da participação dos
cidadãos e das comunidades na busca de soluções para os seus problemas favorece
o aparecimento de novas práticas sociais promotoras de coesão social. A
mediação formal, tendo (re)nascido nos anos 70, é uma delas, tendo vindo a
afirmar-se em âmbitos sociais muito distintos, a partir de uma diversidade de
concepções e modelos de mediação. Assim, podemos identificar uns modelos mais
orientados para a co-construção e para o reconhecimento da individualidade e da
autonomia de cada um, partindo das suas perspectivas para as reconceptualizar
no jogo comunicacional (modelo hermenêutico), outros modelos mais orientados
para a transformação social, através de uma consciência crítica ' e de uma
determinação no sentido da emancipação relativamente a condicionamentos sociais
' e do reconhecimento e capacitação de todos e de cada um (modelo
transformativo).
A mediação, enquanto prática socioprofissional, e a figura do mediador,
enquanto actor interveniente no restabelecimento de laços e interacções
inexistentes ou fragilizadas, ou mesmo na prevenção de conflitos potenciando
uma cultura de não violência (Xáres, 2002) e de participação responsável, tem-
se tornado simbólica e socialmente relevante.
As características da sociedade actual, a (re)conceptualização das práticas de
mediação e a receptividade das sociedades contemporâneas a este tipo de
intervenção social têm feito com que a mediação, enquanto conceptualização
teórica e prática socioprofissional, venha conhecendo uma expansão crescente.
Hoje em dia, a mediação é muito mais do que uma técnica alternativa de
resolução de conflitos, constituindo uma modalidade de regulação social,
promotora da emancipação e da coesão social. Aplicada ao campo da educação, a
mediação é ainda um meio de educação para a participação das novas gerações na
construção da democracia e de educação para a paz.
A noção de mediação tem vindo a ser amplamente mobilizada encontrando-se
associada a uma multiplicidade de práticas. Podemos, no entanto, encontrar
nelas um denominador comum: o serem fundamentalmente sociais e educativas. A
mediação é uma actividade fundamentalmente educativa, pois o objectivo
essencial é proporcionar uma sequência de aprendizagem alternativa
(nomeadamente entre pessoas em conflito, explícito ou implícito) superando o
estrito comportamento reactivo ou impulsivo, contribuindo para que os
participantes no processo de mediação adoptem uma postura reflexiva. Neste
sentido, podemos também assumir a mediação como uma cultura de mudança social
(Munné & Mac-Cragh, 2006; Torremorell, 2008) que promove a compreensividade
entre os diferentes participantes no processo de mediação, defende a
pluralidade, as diferentes versões sobre a realidade e fomenta a livre tomada
de decisões e compromissos, contribuindo para a participação democrática. As
práticas de mediação orientam-se, assim, no sentido da coesão social (Bonafé-
Schmitt, 2009) ' dimensão social ' e da cidadania activa ' dimensão educativa.
A mediação socioeducativa é aquela em que nos centramos no âmbito deste estudo,
e incide preferencialmente nos contextos escolares, associativos e
comunitários, enquanto método de resolução e gestão alternativa de conflitos,
meio de regulação social e de recomposição pacífica de relações humanas. É uma
prática que ocorre em contextos educativos, tanto escolares, como de educação
não formal e informal, cuja acção se pode centrar em indivíduos ' e no seu
desenvolvimento e inserção social ' ou em grupos e comunidades ' com uma
dimensão colectiva e de coesão social (Luison & Velastro, 2004).
As potencialidades da mediação para facilitar a ligação entre a escola, a
família e a comunidade centram-se na valorização da comunicação com vista ao
(r)estabelecimento das relações e interacções inexistentes ou fragilizadas, à
aceitação e assumpção das diferenças, trabalhando no sentido do desenvolvimento
de competências sociocomunicacionais e sinergias mútuas.
Neste sentido, o papel do mediador é o de accionar redes de interacção e
comunicação, proporcionar as pontes, as passereles, que promovam a aproximação
daqueles que não conseguem ou têm dificuldade em comunicar(-se) (Freire, 2006).
Tal implica, por parte do mediador socioeducativo, uma polivalência de funções,
que permita a melhoria do acesso aos recursos humanos e materiais, o apoio e
articulação com outros profissionais e a criação de redes comunitárias. Trata-
se, assim, de um entendimento do papel social e político da mediação, pelo que
extravasa largamente a dimensão técnica em que alguns a circunscrevem. Neste
sentido, convivência e coesão social não podem significar colonização e
homogeneização, mas participação e heterogeneização, num quadro de reposição da
confiança social (Freire & Caetano, 2008).
Neste quadro de intervenção socioprofissional, as situações de trabalho em que
os mediadores se inscrevem são, sem dúvida, contextos de (auto)reconhecimento e
satisfação pessoal e profissional. Conforme salienta Divay (2009: 243),
"os mediadores encontraram o seu lugar junto de diferentes trabalhadores
com quem interagem e que demonstram amplamente a sua utilidade". No
entanto, como sublinha esta autora, não podemos ignorar o facto de que eles se
tornaram partenaires indispensáveis, entre outras razões, porque o seu campo de
intervenção é bastante elástico, o que permite recorrer-se-lhes para lhes
delegar o trabalho menos agradável ' du sale boulot' de acordo com Hughes
(1996) ' ou o trabalho que existe em excesso para os outros profissionais '
boulot en trop' como o define Cadet (2005). Serão, porventura, estas razões '
causas e/ou consequências ' que subjazem às situações instáveis e precárias de
emprego em que se encontram ' em Portugal, como noutros países europeus ' e até
um certo isolamento, que não tem impulsionado "a força colectiva
necessária que lhes permita reivindicar um mandato para definir os
comportamentos que deverão adoptar as outras pessoas face ao seu trabalho'
[Hughes, 1996: 9]" (Divay, 2009: 243). Contudo, apesar da fragilidade do
seu estatuto profissional, no caso do estudo que realizámos, os mediadores
manifestam uma auto-imagem colectiva pública bastante positiva, como será
salientado mais à frente.
Uma profissão define-se a partir de um corpo especializado de trabalhadores,
que dominam determinado conhecimento (prático e/ou teórico), considerado
socialmente relevante, e que se sentem identificados entre si, considerando-se
parte integrante desse colectivo. No caso dos mediadores, poderemos dizer que
existe um saber com raízes sociológicas e antropológicas ancestrais,
reinvestido, alargado e enquadrado no pensamento contemporâneo. Mas, em nosso
entender, a sua especificidade radica mais no agir, no desenvolvimento de uma
praxis, ou seja, na actividade do mediador e que, para além de uma importante
componente técnica, implica uma forte componente ética e reflexiva.
As técnicas e as competências mobilizadas para a mediação são comuns a outras
actividades, como a terapia, por exemplo. No entanto, na mediação elas surgem
enquadradas por outras finalidades, tanto educativas como sociais.
O campo da mediação surgiu e desenvolveu-se num quadro de raízes
multidisciplinares que, como dizem Highton e Álvarez (1999: 191), enriqueceram
a profissão, mas também conseguiram confundir seu sentido de identidade; e, na
forma como o mediador vê a profissão, tem um papel importante o próprio
conhecimento como tal, mas também há elementos que variarão dependendo de sua
própria profissão de origem.
Assim se questiona muitas vezes: será que a mediação é apenas uma função,
desempenhada por diversos profissionais, como os psicólogos, os sociólogos, os
juízes, os assistentes sociais, os professores ou os animadores culturais? Ou
será que trabalhadores com estas múltiplas formações, que trabalham em
mediação, poderão constituir um novo grupo profissional ' o dos mediadores?
Será que um sociólogo que se dedica à mediação de conflitos laborais passa a
ser um mediador? Será que um psicólogo que se dedica à mediação das relações
interpessoais num agrupamento de escolas se identifica como mediador? Será que
cada um destes profissionais se identifica mais com a sua actividade de
mediador do que com a actividade de sociólogo, de assistente social ou de
psicólogo? Até que ponto se identificam como fazendo parte de uma mesma
profissão? Até que ponto aqueles que se consideram mediadores socioeducativos
se sentem próximos dos mediadores de outras áreas? O que contribuiu ou pode
contribuir para uma maior identificação?
Cada vez é mais evidente e presente, nas sociedades contemporâneas
desenvolvidas, a actividade de mediação formal em contextos institucionais
diversificados. Os mediadores são trabalhadores com formações muito
diferenciadas; no campo mais restrito, que aqui designamos de socioeducativo,
também assim acontece.
Neste artigo pretendemos caracterizar este corpo de trabalhadores sociais,
discutindo, a partir dos dados recolhidos e analisados, algumas das questões
que emergem deste estudo e que dizem respeito à formação, à definição de um
perfil de competências e aos contextos de trabalho, procurando identificar
linhas orientadoras reconceptualizadas a partir das práticas sociais dos
mediadores socioeducativos, pertinentes para a sua formação especializada.
Os mediadores socioeducativos: identidade socioprofissional, contextos e
práticas de mediação
Metodologia do Estudo
A recolha de dados empíricos do estudo que aqui apresentamos foi realizada
durante o ano de 2008 (entre Maio e Setembro), envolvendo uma equipa de
investigadoras da Universidade do Minho e da Universidade de Lisboa.
O estudo centra-se nos contextos de mediação e no perfil dos mediadores
socioeducativos em Portugal, sendo de natureza exploratória e predominantemente
descritiva. Tem dois objectivos fundamentais: i) identificar e definir o perfil
socioprofissional dos mediadores socioeducativos e ii) identificar contextos e
práticas de mediação socioeducativa que permitam sinalizar e aprofundar os
conhecimentos, as capacidades e competências relevantes a integrar e
desenvolver na formação de mediadores.
Para o cumprimento destes objectivos recorremos a dois instrumentos: o
questionário Perfil do Mediador Socioeducativo (anexo 1), construído
especificamente para este estudo, e a Escala de Auto-Estima Colectiva(Luhtanen
& Crocker, 1992, versão para investigação de Freire, 2006) (anexo 2).
O questionário, composto por questões fechadas, questões abertas e uma escala
tipo Likert, teve como objectivo identificar o perfil socioprofissional dos
mediadores socioeducativos em cinco dimensões: i) Identificação; ii)
Caracterização Socioprofissional; iii) Percurso de Formação; iv) Perfil
Profissional e v) Trajectória Profissional. A escala de auto-estima colectiva
teve como objectivo avaliar a identidade social dos participantes relativamente
à sua pertença ao grupo social de mediadores. Adaptou-se a escala original, que
avalia a pertença a grupos em geral, para a pertença a um grupo específico (os
mediadores), tal como já realizado anteriormente por outros autores em relação
a outros grupos sociais específicos (cf. Crocker et al. 1994). A escala é
composta por um conjunto de 16 itens, avaliados numa escala tipo Likert de 7
pontos (1- Discordo totalmente; 7- Concordo totalmente) organizados em quatro
subescalas (integrando 4 itens por subescala): i) Auto-estima relativa à
pertença ao grupo, que avalia o julgamento individual acerca de si enquanto
membro do grupo; ii) Auto-estima colectiva privada, que avalia os julgamentos
pessoais acerca de quão bom é pertencer ao grupo em questão; iii) Auto-estima
colectiva pública, que avalia as percepções pessoais acerca de como as outras
pessoas avaliam o grupo de pertença em questão e iv) Importância para a
identidade, que avalia a importância da pertença ao grupo social para o auto-
conceito da pessoa.
Foram distribuídos 530 questionários por diversas instituições e projectos
cujos responsáveis consideraram ter mediadores socioeducativos, ou seja,
mediadores a desempenharem funções no domínio da mediação escolar, comunitária
e/ou intercultural. Neste sentido, a distribuição dos questionários foi
intencional, procurando abranger a máxima diversidade de contextos e cobrir
geograficamente todo o país. Apesar de considerarmos que a amostra recolhida é
bastante expressiva, reconhecemos que existem outros contextos não considerados
e que são significativos neste domínio de intervenção
[1]
..
Foram devolvidos 225 questionários, pelo que a taxa de retorno se situa nos
42%. Destes, apenas um número reduzido de participantes não respondeu à
totalidade das questões, optando-se por não invalidar os seus questionários.
Assim, todos os questionários devolvidos foram considerados, identificando-se
sempre para cada um dos resultados em análise o total de respondentes em causa.
Os dados recolhidos foram tratados no programa SPSS, versão 16,0 para Windows,
visando uma análise predominantemente descritiva dos resultados: frequências de
resposta (dados brutos e/ou percentagens), médias e desvios padrões, consoante
o tipo de medida em análise no questionário.
Resultados
1. Perfil demográfico e profissional dos mediadores socio-educativos
Os mediadores socioeducativos que constituíram a amostra do nosso estudo são
predominantemente do sexo feminino (81,3%) e situam-se maioritariamente no
intervalo de idades entre os 22-35 anos (91,1%). São mais solteiras/os (64,6%)
que casadas/os ou divorciadas/os e com prevalência da zona de residência e de
trabalho em Lisboa e Vale do Tejo, onde trabalham e residem 39,3% dos
respondentes. As zonas que se seguem são, respectivamente, Entre Douro e Minho
com 21,7%, Beira Litoral com 6,9%, Alentejo com 6,4%, Beira Interior e
Estremadura e Ribatejo com 4,6%, Algarve com 3,7% e Açores com 0,4%. É de
salientar a proximidade entre o local de residência e de trabalho e que, para a
maioria, se localizam no mesmo concelho e/ou distrito.
Da análise do perfil demográfico e profissional dos participantes no estudo,
podemos ainda concluir que a grande maioria tem uma ligação recente ao trabalho
que está a desenvolver actualmente, ou seja, 80% dos respondentes exerce este
tipo de trabalho desde 2006, sendo que o vínculo é precário, mas com contrato
de trabalho (72,4%), embora esse contrato seja inferior a 2 anos (apenas 28,7%
dos sujeitos têm um contrato com mais de 2 anos). A grande maioria dos
inquiridos (62,9%) encontra-se no 1º emprego (dado consistente com a juventude
da amostra). Este facto pode ter a ver com a ainda emergente prática
socioprofissional da mediação e com a precariedade profissional que lhe está
associada (recibos verdes, contratos de trabalho temporário e a termo, em
função da durabilidade dos projectos que os integram e suportam). Na sua
maioria, foram convidados ou nomeados para exercer funções de mediação (47,6%),
mas alguns foram por concurso (24,5%) ou por candidatura (6,9%). Este retrato
confirma o panorama, tanto nacional como europeu, relativamente à situação
socioprofissional e perfil não específico dos mediadores sociais, sendo a
mediação nestes contextos uma prática largamente informal e da qual ainda se
sabe muito pouco (Oliveira e Galego, 2005).
2. Contextos de trabalho e práticas dos mediadores socio-educativos
Os participantes neste estudo desenvolvem a sua actividade profissional,
enquanto mediadores socioeducativos, em diferentes contextos de trabalho:
instituições públicas e privadas e programas interministeriais.
Os programas com maior expressão na nossa amostra são o Programa Escolhas
(39,6% respondentes) e o Programa para Prevenção e Eliminação da Exploração do
Trabalho Infantil (PETI) e, dentro dele, o Plano Integrado de Educação e
Formação (PIEF, 20% respondentes). Das instituições, destacamos o Instituto de
Apoio à Criança (IAC, 23,1% respondentes) e o Centro de Apoio ao Imigrante
(CNAI, 13,8% respondentes), integrado no Alto Comissariado para o Diálogo
Intercultural (ACIDI). Também a Associação Consensus (2,7% respondentes),
situada no centro do país, tem uma expressiva intervenção no campo da mediação
(em contexto comunitário e escolar). Tivemos ainda um respondente do Projecto
SOS Professor e um que não se enquadrava em nenhum programa e/ou instituição
específicos.
Os mediadores respondentes intervêm em diferentes contextos sócio-
organizacionais, embora o contexto escolar seja o que tem maior
representatividade, à excepção do CNAI. Este facto decorre, por um lado, das
características da mediação socioeducativa e, por outro lado, dos programas e
instituições que acolhem os mediadores e que legitimam a sua intervenção. No
entanto, devemos salientar que tanto os mediadores do Programa Escolhas, como
do IAC, intervêm noutros contextos sócio-organizacionais, nomeadamente
associativos, municipais ou outros, enquanto os mediadores do CNAI evidenciam o
contexto associativo como aquele em que mais incide a sua acção.
Estes dados podem ser complementados com os que apresentamos na tabela 1, e que
indicam as frequências de resposta relativamente à população-alvo da
intervenção dos mediadores com maior expressão nos diferentes contextos de
trabalho, assim como o tipo de mediação privilegiado junto dessa população.
Tabela 1 – Frequências de resposta relativamente ao tipo de mediação e
população-alvo da intervenção dos participantes no estudo (N=216)
Assim, os mediadores do CNAI inserem as práticas da mediação predominantemente
no contexto associativo e com incidência no tipo de mediação intercultural,
dado que a população-alvo de excelência com quem trabalham são imigrantes.
Apesar disso, alguns mediadores reconhecem que, para além da mediação
intercultural, fazem também mediação de conflitos, comunitária ou outro tipo de
mediação.
A população jovem e os jovens alunos são, claramente, os que mais concentram o
alvo da intervenção dos mediadores socioeducativos, concretamente os que
trabalham no âmbito do Programa Escolhas, do PETI/PIEF e do IAC. Este facto,
estará, em grande medida, relacionado com o objectivo fundamental dos programas
e das instituições, assim como a forte atenção e combate ao insucesso e
abandono escolar, em que as políticas socioeducativas se têm vindo a concentrar
ao longo desta década, particularmente a partir de 2004/2005, em consequência
do mandato da Estratégia de Lisboa. É igualmente nesta estratégia que se
inserem as reedições do Programa TEIP em 2006/2007 e 2008/2009, o qual
contempla a integração de mediadores nas escolas/agrupamentos de escolas.
Os contextos e modos de intervenção dos mediadores dão visibilidade ao que
Luison e Velastro (2004) definem como mediação socioeducativa enquanto método
de resolução e gestão alternativa de conflitos, meio de regulação social e de
recomposição pacífica de relações humanas. Estes autores salientam diferentes
modalidades da mediação nesses contextos. São modalidades que incidem em
aspectos culturais da comunicação, como é o caso da mediação (inter)cultural;
na construção de modalidades alternativas de gestão das relações sociais e de
socialização; na dinamização de uma cultura de participação e aquisição de
instrumentos capazes de recriarem os laços sociais; ou ainda, na prevenção e
gestão dos conflitos e problemas como oportunidade de melhorar as relações
sociais.
Com um mandato muito específico, para conciliarem os jovens alunos com a
escola, os mediadores parecem ser actores essenciais nos contextos escolares.
No domínio da sua intervenção recorrem, não só a diferentes tipos de mediação,
como também a diferentes tipos de intervenção que evidenciam, precisamente, e
na óptica dos inquiridos, a representação da mediação não apenas enquanto
técnica específica e alternativa de resolução de conflitos, mas ainda enquanto
estratégia comunicacional de gestão social, tal como podemos ler na tabela 2.
Tabela 2 – Frequências de resposta relativamente ao tipo de mediação e tipo de
intervenção dos participantes no estudo (N=216)
A intervenção dos mediadores socioeducativos distribui-se por um continuum
relacional e comunicacional. Neste contexto de interacção, o diagnóstico, a
informação e a orientação são modalidades de intervenção menos expressivas do
que o acompanhamento ' emocional e psicológico e na resolução de conflitos ou
problemas ', a intervenção socioeducativa, familiar, social e profissional e a
promoção de pontes e elos de intercompreensão entre os jovens, a escola e a
família.
Apesar da mediação de conflitos ter bastante expressão, particularmente no
contexto escolar, a mediação comunitária e intercultural parecem ser igualmente
mobilizadas no âmbito da intervenção sociopedagógica dos mediadores, conforme
sistematizamos na tabela 3.
Tabela 3– Frequências de resposta relativamente ao contexto de mediação e tipo
de mediação (N=216)
Neste sentido, os mediadores recorrem a abordagens e estratégias educacionais
que, mesmo quando situadas em contextos escolares, procuram desenvolver
dinâmicas comunicacionais de compreensão e intercompreensão, de pontes e
(re)conciliações que as pedagogias estritamente escolares parecem não
conseguir, ou simplesmente não definir como prioritárias na sua acção.
Esta diversidade de intervenções é assumida pelos diferentes mediadores,
independentemente das funções que desempenham ' de coordenadores da equipa,
mediadores especializados ou outro ' como se pode ver na tabela 4.
Tabela 4– Frequências de resposta relativamente à função desempenhada e ao tipo
de intervenção (N=216)
É igualmente relevante salientar que, independentemente dos contextos em que
ocorre a mediação, a modalidade de intervenção em equipa é aquela que mais é
mobilizada pelos mediadores.
O facto de intervirem fundamentalmente em equipa, embora nalguns casos também
individualmente, parece evidenciar a mobilização de distintos recursos humanos.
Intervêm, com frequência, distintos profissionais e instituições diversas, já
que a intervenção em equipa multidisciplinar em rede é igualmente identificada
com uma razoável incidência.
Esta característica é mais um indicador de que a sua intervenção mobiliza
outros recursos, para além da simples técnica de resolução alternativa de
conflitos ' esta última preferencialmente implementada individualmente por
mediadores especializados. Traduz a natureza multidisciplinar e multifuncional
da mediação socioeducativa, que se assume como actividade complexa,
mobilizadora de diferentes perfis e competências pessoais e profissionais.
Relativamente às razões que movem este grupo de mediadores para trabalharem no
âmbito da mediação socioeducativa, estas dividem-se entre as de ordem
institucional (42,1%) e/ou pessoal/ profissional (48,1%): as primeiras agrupam
motivos tais como entender a mediação como instrumento organizacional
essencial, decorrentes do cargo e função que desempenham, do contexto de acção
(escola ou outros), de uma necessidade institucional e filosofia do projecto.
De referir, ainda, que estas razões de ordem institucional surgem relacionadas
com modalidades de intervenção junto de jovens, alunos e famílias, de natureza
socioeducativa e de resolução de conflitos. As segundas, de ordem pessoal/
profissional, agrupam motivos tais como estar a desenvolver formação, ter
interesse pela área, partilhar valores pessoais e profissionais condicentes com
a prática da mediação, ou ainda encarar a mediação como uma nova experiência e
oportunidade de aprendizagem, merecedora de promoção e divulgação. As funções
de coordenação (22,6%) surgem relacionadas com uma combinação de ambas as
ordens de razão ' interesse pela mediação e necessidades institucionais/
filosofia do projecto, ou ainda pela natureza do cargo desempenhado.
Podemos, assim, perceber razões associadas ao reconhecimento das
potencialidades da mediação tanto do ponto de vista mais instrumental, como do
ponto de vista filosófico e ético. Noutros casos, embora em muito menor número,
são razões circunstanciais, nomeadamente de último recurso no acesso ao
emprego. Todavia, e apesar da diversidade de motivos que levam estes sujeitos a
exercerem funções de mediação socioeducativa, a grande maioria dos inquiridos
(77,3%) manifesta interesse em continuar a exercer funções na área da mediação
pelos seguintes motivos: identificação com a área (24%); constituir uma
gratificação pessoal e profissional (14,3%); ser uma área aliciante,
desafiadora e motivadora (12,5%) e ser uma prática importante para o bem comum
(12%).
Estas razões, apresentadas como as mais significativas e representativas,
apontam para um forte compromisso social dos respondentes, que estará na base
do sentimento de gratificação pessoal e profissional. Esta gratificação e
(auto)reconhecimento parece ser mais de ordem moral (julgamento de utilidade:
do que fazem e quanto fazem; e de beleza: como fazem), do que material
(expresso em espécie: vencimento ou promoção) (Déjours, 1993). A forte
identificação com a sua área de trabalho, associada à percepção de um trabalho
em prol de um bem colectivo, parece ser a motivação maior destes sujeitos para
a prática da mediação, não obstante a precariedade laboral, a fragilidade do
vínculo profissional, ou a falta de reconhecimento material no trabalho que
realizam, como coloca Déjours (1993).
Contudo, estes mediadores vêem-se a cumprir uma função social relevante, de
recomposição pacífica de relações humanas (Luison e Valastro, 2004) e
configuradora de uma cultura de mudança social (Torremorell, 2008), que actua
em prol de níveis elevados de satisfação pessoal e profissional.
Assim, as suas expectativas para o futuro são, claramente, continuar a exercer
a sua actividade profissional nesta área ou em área afim, conforme referem
41,2% dos respondentes. Todavia, um número significativo (9,7%) indica não ter
expectativas profissionais, possivelmente por reconhecer a provisionalidade da
função e a sua instabilidade profissional.
3. Percurso de formação e expectativas
Os mediadores socioeducativos que participaram neste estudo têm na sua maioria
uma formação académica de nível superior (92,1%), sendo que 25,3% possuem
habilitações ao nível da pós-graduação, como mestrado e doutoramento (8,4% dos
mediadores). Trata-se, portanto, de uma população que tendo, é certo, bastante
heterogeneidade ao nível das habilitações académicas (do 9º ano ao
doutoramento), é maioritariamente de qualificação superior.
A formação dos mediadores que possuem habilitações académicas e
profissionalizantes de nível médio ou superior é bastante diversificada,
salientando-se a formação em Psicologia (37,6%), em Educação (20,5%) e em
Serviço Social (18,9%). Também as especializações em cada uma destas áreas são
múltiplas, havendo mediadores licenciados em Psicologia Social, Clínica,
Criminal, da Justiça e da Reinserção Social, no caso da Psicologia. Na área da
Educação, verificam-se também especializações variadas, como as licenciaturas
em Ensino, Ciências da Educação, Educação Social ou Educação Física e Desporto.
As habilitações de pós-graduação são igualmente muito diversificadas, sendo as
mais frequentes, mais uma vez, em Psicologia, e também em Gestão de Diversidade
e Comunidades de Prática. Com formação em mediação de conflitos surgem dois
mediadores.
No que respeita ao nível académico de mestrado, mais uma vez o destaque vai
para a formação em Psicologia (12 dos 18 mediadores com mestrado).
A preparação para o exercício da função destes mediadores apresenta-se, assim,
muito diversa, tendo como áreas nucleares aquelas que preparam para a
intervenção psico-sócio-educativa. Contudo, também se verifica a presença de
mediadores com outros tipos de formação, como Ciência Política, Estudos
Europeus, Geografia e Planeamento, para dar alguns exemplos. Uma das
explicações para esta realidade será a carência de trabalho no nosso país para
os jovens qualificados com formação superior, mas naturalmente que o conceito
aberto de mediador e a falta de definição de um perfil quer de formação, quer
de desempenho também ajudam a explicar esta multiplicidade de formações.
Por outro lado, em relação à formação profissionalizante para o exercício da
mediação, apenas 15% dos respondentes afirmam terem-na adquirido, sendo as mais
frequentes nas áreas de Mediação (18 respondentes), Animação Sociocultural (6
respondentes) e Gestão de Recursos Humanos (4 respondentes).
A formação específica em mediação surge como predominante, seguida da animação
sociocultural. Dos respondentes com habilitações profissionalizantes, oito
afirmam ter realizado estágio e cinco não o ter feito.
Estas formações são relativamente recentes, na medida em que 6% dos
respondentes mencionam terem-nas realizado entre 2001 e 2005, e outros 6% de
2006 a 2008, o que revela que, de facto, a formação nesta área começa agora a
dar os seus primeiros passos.
Há, ainda, outras formações consideradas relevantes para 32% dos respondentes,
com destaque para a formação de formadores (14 respostas), e formação
relacionada com a imigração (8 respostas). De realçar ainda a referência a
formação em terapia familiar e parentalidade feita por 5 mediadores inquiridos.
Questionados acerca das suas perspectivas sobre a formação futura, verifica-se
que a maioria dos mediadores prefere uma formação especializada (72,4%),
nomeadamente na área da mediação (26,6%), embora também alguns se pronunciem a
favor de uma formação pós-graduada (20%) e outros por cursos de curta duração
(26,6%). Para 4 dos mediadores, constitui perspectiva preferencial de formação,
a conclusão da formação académica básica. Sem apontarem preferências; 9% dos
respondentes referem ter expectativas de realizar formação ao nível de mestrado
(6,6%) e de doutoramento (3%); 4 respondentes perspectivam investir noutra área
de formação.
No que respeita às áreas de actuação onde gostariam de receber formação, há uma
grande diversidade de respostas, embora se destaquem as relativas à mediação de
conflitos, familiar e educativa (41,7%), à interculturalidade (4%), às
problemáticas de risco (5,7%), às relações interpessoais (3,5%) e à animação
socioeducativa (2,2%).
Numa tentativa de compreensão da relação entre as expectativas de formação e os
contextos de trabalho, os dados apontam para a preferência por formação
especializada em mediação para o conjunto dos respondentes (34%). Contudo, e
apesar de as diferenças não serem estatisticamente significativas, observa-se
uma tendência para essa preferência ser mais forte no caso dos mediadores do
CNAI, do IAC e do PIEF, enquanto que os do Programa Escolhas tendem a preferir
uma formação especializada de curta duração.
Estes resultados parecem apontar para necessidades e interesses no quadro da
formação específica em mediação, dimensão central na intervenção deste conjunto
de trabalhadores que, neste aspecto, parecem estar bastante sintonizados,
apesar da variedade de contextos de acção. Este colectivo de mediadores
desempenha, como vimos, funções bastante diversificadas, decorrentes das
exigências do contexto de trabalho e do enquadramento institucional do mesmo,
mas também dependendo da própria interpretação que cada mediador faz do seu
papel e das suas funções, muitas vezes associada à sua formação de base. Parece
existir uma consciência alargada a um grande grupo de respondentes de que
necessitam e desejam formação para o desenvolvimento das suas competências para
a mediação.
É de salientar a frequência relevante de respondentes que deseja realizar
formação pós-graduada especializada (27%). Toda a informação relativa à
formação realizada e desejada denota que este conjunto de mediadores, não
obstante a sua elevada qualificação académica, apresenta uma predisposição para
a formação no sentido de uma especialização.
4. Competências, saberes e cuidados do mediador
No questionário que serviu de base a este estudo, pretendemos ainda captar a
valorização que os respondentes fazem de um conjunto de aspectos ligados ao
desempenho dos mediadores. Para tal, apresentou-se um conjunto de itens, de
resposta tipo likert (escala de 4 pontos, para além da resposta "sem
opinião"), construídos a partir da revisão da literatura e também a partir
da análise de entrevistas exploratórias a mediadores realizadas em estudos
prévios (Freire e Caetano, 2008; Caetano e Freire, 2006). Na tabela 5,
apresentamos os resultados obtidos, por item, considerando os pontos da escala
(de importância).
Tabela 5 – Frequências de resposta por item relativamente a aspectos ligados ao
desempenho dos mediadores (N=216)
Como se pode verificar, dos 36 itens, a maior parte (20) apresentam a moda no
ponto cinco da escala (muito importante). Destes 20 itens, oito estão
claramente associados aos processos de comunicação interpessoal (estar
disponível para os outros; ser capaz de ouvir os outros; ser flexível; ser
assertivo; ser empático na relação com os outros; ser imparcial; promover o
diálogo entre pessoas ou grupos; ser capaz de gerir a comunicação
interpessoal), que referenciam o mediador a alguém que ajuda os outros a
encontrar formas de comunicação que conduzam a patamares mais elevados de auto
e de hetero-conhecimento. Para tal, o mediador tem de ser alguém que domina
técnicas de comunicação, como a escuta activa, a assertividade, a empatia, a
imparcialidade, a gestão da dinâmica de grupos, etc. Um outro núcleo de itens,
também considerados muito importantes pela maior parte dos respondentes, pode
ser associado à capacidade de observar e analisar os contextos, para uma acção
adequada (ser bom observador/estar atento ao que o rodeia; ser capaz de
identificar problemas; conhecer traços culturais dominantes da população com
quem trabalha; conhecer os códigos linguísticos da população). Surge um outro
conjunto de itens, igualmente valorizados pela maioria como muito importantes,
conotado com qualidades pessoais dos mediadores, como a responsabilidade, o
autocontrolo, a motivação, a paciência, a resistência às adversidades e a
capacidade de inspirar respeito junto dos outros. Finalmente, dois itens, cuja
moda se situa no ponto cinco da escala, valorizam a dimensão ética do trabalho
do mediador, ao sublinharem o valor do respeito pelo outro e o do interesse
pelo bem comum. Registe-se que na lista dos 36, o item "respeitar o
outro" é um dos que acolhe mais respostas no nível cinco da escala (168).
Num nível mais elevado da escala apenas se situam dois itens: "ser capaz
de ouvir os outros" (183) e "estar motivado para aquilo que faz"
(170). Digamos que, para estes mediadores, o que mais é valorizado nas
qualidades do mediador é o saber ouvir, a motivação para a acção e o ser capaz
de respeitar o outro, onde se cruzam a dimensão comunicacional, a dimensão
volitiva e a dimensão ética, parecendo constituir estas três dimensões, o
"coração" da mediação.
A análise destes dados indicia, contudo, que neste colectivo de mediadores
estudado, também se revela, para muitos, uma interpretação do papel do mediador
ligada a um desempenho mais imediatista e pragmático, o que se pode inferir a
partir do peso que tem a soma das frequências das respostas no nível 4
(importante) e 5 (muito importante) nos itens: tentar resolver os problemas o
mais depressa possível (144); saber resolver os conflitos dos outros (158); ser
muito activo (189).
5. Auto-estima colectiva do mediador
A escala utilizada para medir a auto-estima colectiva dos participantes permite
um conjunto de análises acerca da sua identidade social, em relação à sua
pertença a grupos sociais. Para efeitos deste estudo, apenas se considerou uma
análise descritiva no sentido de caracterizar o grupo de respondentes, em
termos das quatro dimensões que compõem a escala, relativamente à sua pertença
ao grupo de profissionais da mediação. Para tal, analisaram-se os valores
médios de cada uma das subescalas. Nesta versão adaptada ao grupo de
mediadores, as subescalas que apresentam valores de consistência interna '
alpha de Cronbach ' aceitáveis (Almeida & Freire, 2009) são as relativas à
auto-estima privada e pública (respectivamente 0.71 e 0.77), tal como definidas
anteriormente neste artigo. Quanto às outras duas subescalas, os valores
obtidos foram de 0.57 para a escala relativa à pertença ao grupo e de 0,58 para
a subescala relativa à importância da pertença ao grupo para o auto-conceito,
pelo que apenas são apresentados os dados relativos às escalas de auto-estima
colectiva privada e pública.
Atendendo aos valores médios obtidos por sub-escala, os resultados mostram que
os participantes deste estudo apresentam julgamentos pessoais positivos (N=
214, M= 5.91, SD= .93) no sentido da sua pertença ao grupo em questão (auto-
estima colectiva privada), bem como consideram igualmente positivos (N=219, M=
5.93, SD= .85) os julgamentos que os outros fazem acerca do seu grupo de
pertença (auto-estima colectiva pública). Ou seja, podemos concluir acerca da
positividade associada à auto-estima colectiva destes participantes, quer
pública, quer privada, sendo no entanto de realçar que não podemos tecer
considerações acerca dos julgamentos e percepções relativos à sua pertença como
membros do grupo social de mediadores, nem a influência dessa pertença em
termos do seu auto-conceito pessoal. No entanto, os resultados obtidos são sem
dúvida, importantes, sobretudo quando está em causa a análise da emergência e
consequente identificação social de um determinado grupo profissional, como é o
caso dos mediadores. Tal processo de análise implica necessariamente
considerações acerca dos aspectos que são comuns e, simultaneamente,
diferenciadores entre o grupo de mediadores e outros grupos profissionais,
tentando compreendê-los à luz dos processos sociais de categorização,
individuais e colectivos, que estão na base da representação de grupos sociais,
nomeadamente dos grupos profissionais, num determinado contexto societal.
Conclusões
A análise dos resultados obtidos no estudo realizado permite salientar alguns
aspectos relevantes, que apontam para a importância da continuidade da
investigação nesta área a fim de melhor ser cartografado um território ainda
largamente desconhecido, bem como para o investimento neste domínio de
intervenção.
Neste sentido, salientam-se as principais conclusões relativamente ao perfil,
demográfico e profissional dos mediadores socioeducativos. Pode afirmar-se que
os mediadores que participaram neste estudo são sobretudo mulheres, solteiras,
jovens, a viver e a trabalhar na área de Lisboa e Vale do Tejo, a exercer a
actividade de mediação por motivações variadas, que abarcam as de ordem
pessoal, profissional ou institucional, embora na sua grande maioria sem
vínculo laboral estável. Revelam níveis elevados de satisfação pessoal e
profissional com o exercício destas funções e trabalham em contextos e com
populações muito diversificados.
Relativamente à sua formação, apresentam habilitações académicas bastante
heterogéneas, com predomínio das habilitações de nível superior e com uma
incidência relevante de mediadores com cursos de pós-graduação. Observa-se, não
obstante, uma carência de formação especializada, designadamente no domínio
específico da mediação.
O grupo estudado encontra-se a trabalhar sobretudo no âmbito de projectos e
programas de mediação dirigidos a populações jovens e no âmbito escolar, dando
forte atenção e combate ao insucesso e abandono escolar (Programa Escolhas,
Programa para a Prevenção e Eliminação da Exploração do Trabalho Infantil e
Instituto de Apoio à Criança). Estes mediadores desenvolvem o seu trabalho em
equipa, percepcionando-se a efectuar mediação de conflitos, intercultural e
comunitária, com uma intervenção de natureza variada: socioeducativa, familiar,
profissional e social. Aliás, a diversidade caracteriza a amostra de mediadores
deste estudo: desde a diversidade de percursos académicos e formações, à
diversidade de contextos, de tipo de intervenção, e da população junto de quem
intervêm. Apesar desta diversidade (e talvez exactamente pela sua presença) e
da precariedade do exercício da função de mediador, este grupo identifica-se
fortemente com a mesma, revelando ter interesse pessoal e profissional no
desenvolvimento de competências e na aquisição de formação especializada, bem
como na continuidade do trabalho. A explicar os níveis elevados de satisfação
com a função, estes mediadores vêem-se a cumprir uma função social relevante,
de transformação dos contextos sociais e educativos, colocando-se ao serviço de
um bem social que transcende lógicas e interesses individuais e institucionais.
Os contextos e modos de intervenção revelam que a mediação socioeducativa é
assumida, nas práticas dos mediadores respondentes, enquanto método de
resolução e gestão alternativa de conflitos, meio de regulação social e de
recomposição pacífica de relações humanas (Luison e Velastro, 2004) e
configuradora de uma cultura de mudança social (Torremorell, 2008).
Quanto às competências, saberes e cuidados a ter na mediação, a leitura dos
dados indica uma interpretação dominante do papel do mediador, orientado para a
facilitação dos processos de comunicação junto das pessoas ou grupos com que
trabalha, a partir de uma observação e análise dos contextos e orientado por e
para uma dimensão ética. Porém, também se denota alguma valorização de modos de
agir e de interpretar o papel do mediador numa linha mais imediatista e
pragmática.
De salientar os valores pouco significativos relativos às subescalas de
pertença ao grupo e à importância da pertença ao grupo para o auto-conceito,
que podem estar associados ao facto de a grande maioria dos respondentes ter
uma formação de base específica, podendo essa ser dominante na sua
identificação ao grupo profissional de pertença, secundarizando o seu sentido
de pertença ao grupo dos mediadores. Este resultado vem corroborar o panorama
de alguma indefinição das fronteiras da actividade e da sua clara delimitação
relativamente a outras actividades que com ela se confundem e sobrepõem, dado
que também tomam os valores da comunicação, emancipação, coesão e integração
social como cruciais à sua função.
Os aspectos da identidade social, relacionados com a auto-estima e auto-
conceitos colectivos, emergem como relevantes e fundamentais neste estudo,
revelando os respondentes julgamentos pessoais positivos acerca do grupo social
de mediadores a que pertencem, bem como acerca dos julgamentos que os outros
fazem do seu grupo. Todavia, salienta-se a necessidade de continuar a
exploração destes dados para uma crescente compreensão dos aspectos
individuais, sociais e estruturais associados a estes novos actores no trabalho
em educação.
O número elevado de mediadores que se manifesta satisfeito com a actividade de
mediação e a sua receptividade em continuar a intervir nesta área, associado à
reduzida formação especializada na área da mediação que têm, são elementos a
ter em consideração para o investimento e oferta de formação especializada
pelas instituições de formação, nomeadamente de nível superior, mas também ao
longo da vida, de natureza profissionalizante e em contexto de trabalho.
Há necessidade de um efectivo investimento, não só na criação de condições de
continuidade laboral para este conjunto de trabalhadores, como na sua formação
abrangente e especializada, multidisciplinar e contextualizada, nomeadamente em
áreas de desenvolvimento de competências de comunicação, conhecimento
intrapessoal e relacionamento interpessoal. Apontamos ainda o desenvolvimento
de capacidades de resolução de problemas e de conflitos, e o aprofundamento de
saberes relacionados com o conhecimento dos contextos em que os mediadores
actuam, no quadro de uma formação de natureza profissionalizante ou
especializada. Neste sentido, a formação no domínio específico da mediação deve
ter, igualmente, em atenção a contextualização da intervenção dos mediadores
socioeducativos que, de acordo com os resultados deste estudo, se integram em
contextos institucionais, programas e áreas diversas de intervenção. Estes
dados parecem apontar, pois, para a necessidade de um maior fortalecimento do
corpo de saberes considerado básico para o exercício da mediação, não só
técnicos mas também éticos e sistémicos, mas também se faz pela multiplicação e
diversificação de níveis e de áreas de formação, num contexto de
desenvolvimento profissional ao longo da vida, alicerce para a construção de
uma identidade profissional que se fortalece na complexidade e diversidade de
contextos e trajectórias (Caetano, 2009).
Só um efectivo investimento na formação destes agentes educativos reconhecerá,
social e legalmente, a natureza multidisciplinar e complexa da mediação, que se
assume como conceito aberto e actividade mobilizadora de diferentes perfis e
competências pessoais e profissionais, mas onde podemos destacar o papel da
qualificação e da formação, bem como critérios ajustados às exigências dos
contextos no seu recrutamento e selecção (cf. Oliveira e Galego, 2005). Em
nosso entender, a falta de definição de um perfil especializado, quer de
formação quer de desempenho, não favorecem o reconhecimento social e legal de
uma actividade cada vez mais fundamental na educação para uma cidadania
responsável e pacífica nas sociedades contemporâneas.
O desafio pode situar-se, precisamente, em encontrar respostas onde unidade e
diversidade se conciliem. Tal pode passar pela definição de um perfil
abrangente, que reconheça um núcleo comum de funções, competências e saberes,
ao mesmo tempo que abre e inclui a necessidade da diversidade, decorrente da
multiplicidade de contextos e tipos de intervenção requeridos. A procura de
respostas a estas e outras questões requer a continuação de uma abordagem
investigativa que envolva os próprios mediadores, nomeadamente em processos de
investigação-acção, o que poderá constituir uma via com muitas potencialidades
transformadoras.
Nota
[1]
Não integram esta amostra os mediadores que se encontravam a trabalhar em
escolas TEIP (Territórios Educativos de Intervenção Prioritária), sabendo a
equipa que a nível nacional existiam 21 mediadores neste âmbito nos 35
Agrupamentos de Escolas abrangidos, tendo já sido iniciada a recolha de dados
junto destes mediadores. Não foram ainda integrados os mediadores pessoais e
sociais que trabalham no âmbito da Educação e Formação de Adultos
(habitualmente denominados como Mediadores EFA). Não tendo sido contemplados na
fase do estudo a que nos reportamos, consideramos ser essencial inclui-los numa
fase posterior, pela representatividade crescente em contextos específicos no
domínio da mediação socioeducativa.