Percepções de alunos de excelência relativamente ao papel dos professores: um
estudo com alunos de engenharia
Introdução
A investigação na área da aprendizagem e do rendimento académico está
tendencialmente focada, por um lado, em torno das características dos
estudantes e, por outro lado, em torno dos factores associados ao ambiente
educativo. Ramsden (1992, 1997) refere que os pensamentos e acções dos alunos
são profundamente afectados pelo contexto educativo ou ambiente de
aprendizagem, considerando as percepções dos alunos acerca do contexto de
aprendizagem como parte integrante da sua própria experiência de aprendizagem.
Neste sentido, reflectir sobre o sucesso académico dos alunos implica também
reflectir sobre as variáveis contextuais que envolvem os alunos e os seus
processos de aprendizagem.
Um dos aspectos mais importantes, quando reflectimos acerca das variáveis
contextuais associadas à aprendizagem, relaciona-se com a figura e o ensino do
professor. O ensino e a aprendizagem constituem, com efeito, processos
dinâmicos e recíprocos, estreitamente inter-relacionados. Na perspectiva de
Ramsden (1992), os conceitos de "bom ensino" e de "boa
aprendizagem" estão intrinsecamente relacionados, sendo que a avaliação do
ensino praticado pelos professores deverá ter sempre em consideração o ponto de
vista e a experiência dos alunos neste processo.
Importa mencionar que, com a emergência da Humanistic Based Teacher Education
(HBTE) nos anos 70, originado no movimento da psicologia humanista, passou-se a
dar maior atenção à pessoa do professor e ao seu desenvolvimento pessoal,
sugerindo-se a importância das características pessoais do professor, como o
entusiasmo, a flexibilidade ou a paixão pelos alunos, na qualidade da sua
instrução. O bom professor não surge, por conseguinte, simplesmente descrito em
termos das suas competências científicas isoladas. Na perspectiva de Korthagen
(2004), existe um outro conjunto de competências que dizem respeito aos
comportamentos, crenças, percepção de identidade e missão do professor que, em
interacção com o ambiente, definem o bom professor.
Partindo destas ideias, vários autores têm-se debruçado sobre as
características que os alunos consideram importantes nos professores,
destacando-se de uma forma geral factores de natureza instrutiva e sócio-
afectiva. Procurando sintetizar as principais características apontadas na
literatura em torno da influência do professor no processo de aprendizagem e
desenvolvimento dos alunos, salientamos a capacidade de explicar, comunicar e
de tornar compreensíveis os conteúdos (Ramsden, 1992, 1997; McLeod &
Cropley, 1989; McLean, 2001; Alweshahi, Harley & Cook, 2007; Skeff,
Stratos, Berman & Bergen, 1992; Onwuegbuzie, Witcher, Collins, Filer,
Wiedmaier & Moore, 2007; Lustick & Xue, 2008), o domínio das matérias
que leccionam (Lustick & Xue, 2008; Smith & Strahan, 2004; Krauss,
Brunner, Kunter, Baumert, Blum, Neubrand & Jordan 2008), a capacidade de
organizar, estabelecer e comunicar objectivos, ser trabalhador e orientado para
o rendimento (Ramsden, 1992; McLeod & Cropley, 1989; Skeff et al., 1992), o
providenciar avaliação e feedback apropriado (Ramsden, 1992, 1997; Menges &
Austin, 2001; Laurillard, 1996) e o estímulo à participação activa do aluno
(Ramsden, 1992; Menges & Austin, 2001). Em relação ao ambiente de
aprendizagem, os autores chamam ainda a atenção para a capacidade dos docentes
estimularem o interesse dos alunos para os conteúdos e o serem entusiásticos em
relação ao trabalho (Ramsden, 1992, 1997; McLeod & Cropley, 1989;
Onwuegbuzie et al., 2007), realçando que tais características desenvolvem uma
abordagem ao estudo mais profunda, com uma intenção de compreensão dos
conteúdos, por parte dos alunos (Ramsden, 1992, 1997). No domínio mais sócio-
afectivo, os autores fazem referência a algumas características pessoais do
professor, nomeadamente, demonstrar preocupação e respeito pelos alunos
(Ramsden, 1992, 1997), ser flexível (McLeod & Cropley, 1989; Laurillard,
1996), ter sentido de humor (McLeod & Cropley, 1989), e estabelecer uma
relação de proximidade/diálogo com os alunos (McLean, 2001; Alweshahi, Harley
& Cook, 2007; Pascarella & Terenzini, 1991; Laurillard, 1996; Morrow,
1991).
A nível nacional, um estudo realizado na Universidade do Algarve (Jesus, 2002)
refere as estratégias inadequadas de ensino de alguns professores, a percepção
de incompetência e de desmotivação de alguns professores, a falta de incentivo
da parte dos professores e a grande distância na relação entre os professores e
os alunos como factores determinantes da menor motivação académica dos
estudantes. Por sua vez, relativamente às estratégias que os alunos identificam
como susceptíveis de aumentar a sua motivação, foi referida a assiduidade do
professor, aulas mais dinâmicas, realização de trabalhos práticos, maior
clareza na apresentação dos conteúdos programáticos a desenvolver e a
disponibilidade dos professores para clarificarem as dúvidas dos alunos. Um
outro estudo nacional (Morais, 2005) apresenta uma revisão da literatura
relativamente às percepções do ensino por parte dos alunos de ensino superior,
identificando um conjunto de variáveis que influenciam a avaliação que os
alunos fazem dos professores. De entre estas variáveis que parecem estar
relacionadas com uma avaliação mais favorável dos professores, destaca-se a
motivação e o interesse dos alunos, a nota/classificação obtida, o interesse
prévio na disciplina e sua frequência, e as características de personalidade
(energia, entusiasmo, auto-estima positiva). Por outro lado, os questionários
de avaliação do desempenho docente tendem a estabelecer correlações moderadas
com o rendimento académico dos alunos, sendo que os professores que exigem mais
trabalho são aqueles que apresentam melhores resultados na avaliação feita
pelos alunos.
As características percepcionadas pelos alunos como sendo as mais importantes
no professor parecem, deste modo, ir para além da competência para a instrução,
entendida como capacidade de ensinar e de transmitir conhecimento, de fazer os
alunos aprender. O ambiente de aprendizagem ' o quando, onde e como os alunos
aprendem ' parece assumir também um peso relevante nos estudos encontrados
nesta área, chamando a atenção para aspectos como o entusiasmo do professor, o
interesse transmitido aos alunos, como forma de os envolver na própria
aprendizagem e de estimular abordagens ao estudo do tipo mais profundo, indo
para além da mera reprodução de informação ou de um tipo de estudo centrado, em
demasia, nas classificações escolares. Por último, as características pessoais
do próprio professor, na sua vertente mais afectiva, aparecem também
valorizadas pelos alunos, ou seja, a pessoa com quem os alunos aprendem,acaba
por marcar diferenças no percurso académico dos alunos.
O papel do professor na literatura em torno da excelência
Os professores parecem constituir um marco importante no desenvolvimento dos
alunos em geral, particularmente acrescido quando pensamos nos alunos que mais
se diferenciam positivamente da "média", como é o caso dos alunos de
excelência. O conceito de excelência, apesar de carecer, na literatura actual,
de uma definição precisa, tem surgido frequentemente associado a outros
conceitos que traduzem, de um modo geral, a ideia de superioridade ou de
desempenho superior. É o caso do conceito de sobredotação que, ao nível da
investigação e da prática em contextos educativos, tem surgido muito próximo do
conceito de excelência, e que foi operacionalizado por Pereira (2000) através
de sete dimensões: a área de expressão (geral ou específica); o grau (ligeiro,
moderado ou profundo); a idade (criança ou adulto); o nível de motivação (alto
ou baixo); o modo de tratamento da informação (assimilador eficaz ou criativo);
e a relevância social (na escola ou fora dela). Em função da conjugação das
diversas variáveis, o autor diferencia também terminologias próximas como
sobredotação, precocidade, talento, genialidade ou excelência. De um modo
geral, e partindo da revisão dos modelos teóricos que procuram explicar o
desempenho superior em contexto académico, podemos conceptualizar a excelência
como um conceito que implica a interacção entre factores de índole individual '
elementos de natureza psicológica como a motivação, as capacidades e a
personalidade ' e factores de índole contextual ' como os ambientes de
aprendizagem e a influência da família e dos professores (Monteiro, 2007;
Monteiro, Castro, Almeida, & Cruz, 2009).
Importa, assim, compreender de modo mais profundo o que distingue estes alunos
em termos das suas próprias características pessoais, mas também as
características dos seus contextos educativos. Shushok e Hulme (2006)
apresentam um trabalho que ilustra a importância da identificação dos atributos
pessoais positivos no desenvolvimento dos alunos, acreditando que, quando os
alunos começam a reconhecer as próprias capacidades, estas acabam por ser
rentabilizadas nas situações de aprendizagem, no quotidiano extracurricular e
nas suas opções vocacionais. O resultado é, segundo os autores, uma nova fonte
de energia e paixão pela aprendizagem, seja nas áreas curriculares, seja em
actividades paralelas. Os estudos desenvolvidos com alunos excepcionais,
acompanhando o seu percurso educativo, demonstraram igualmente a importância do
enfoque positivo por parte das instituições, promovendo o potencial dos alunos
(Winner, 2000; Larson, 2000; Reis & Renzulli, 2004; Gagné, 2004; Castelló,
2005; Morrow, 1991; Hoy, Tarter, & Hoy, 2006). De facto, tem-se assistido a
uma preocupação crescente com a qualidade das respostas educativas oferecidas a
estes alunos. Em 2007, num artigo da Gifted Child Quartertly, VanTassel-Baska e
Johnsen chamam a atenção para a necessidade de programas de qualidade e para a
importância do contexto social no desenvolvimento dos talentos, salientando ser
necessário considerar as diferenças individuais na aprendizagem e a necessidade
de estratégias instrutivas diferenciadas, destacando ainda que os professores
devem estar receptivos às necessidades afectivas destes alunos.
A literatura em torno da excelência tem enfatizado o papel das figuras de
incentivo e de apoio na promoção e desenvolvimento do talento. Estudos mais
antigos, como o de Kaufmann, Harrel, Millan, Woolverton e Miller (1986), já
referiam o papel dos mentores (frequentemente representados no professor) na
vida de adultos sobredotados, enquanto figuras de modelo, suporte e
encorajamento, assim como na transmissão de qualidades pessoais, hábitos de
trabalho, atitudes e valores. Mais recentemente, o Modelo Diferenciado de
Sobredotação e Talento de Gagné (2004), focando-se em três tipos de
catalizadores ' intrapessoais (como características físicas, motivação,
volição, auto-gestão e personalidade); ambientais (meio sociodemográfico em que
o indivíduo está inserido, programas de estimulação em que o sujeito é
envolvido) e a sorte (como por exemplo, as características genéticas
transmitidas ou as oportunidades disponíveis no contexto educativo) ' salienta
a importância da estimulação do potencial para que este se possa concretizar em
talento. Neste processo de desenvolvimento dos "dons" dos indivíduos
sobredotados, o professor assume um papel relevante, nomeadamente na orientação
dos alunos para os programas mais adequados ao seu nível de desenvolvimento e
de conhecimento, com respeito pelas diferenças individuais. Segundo o autor, é
importante que os alunos sobredotados obtenham as respostas adequadas, quer em
termos de estimulação quer em termos curriculares, com definição de objectivos
sistematicamente auto-orientados (Gagné, 2007). Do mesmo modo, Renzulli, no seu
Modelo dos Três Anéis (1986, 2002), faz referência à necessidade de envolver os
alunos mais capazes em programas de estimulação de modo a promover a sua
evolução contínua, desenvolvendo as suas capacidades e interesses. O seu modelo
de enriquecimento escolar (Renzulli, 2005) alerta para a importância do apoio e
encorajamento de experiências de aprendizagem, para o tempo de aprendizagem com
outras pessoas com interesses e motivações semelhantes e para o treino
sistemático com mentores, entre outros. Para Renzulli (1992), o envolvimento
cognitivo dos alunos nas tarefas decorre do seu nível de interesse associado ao
acto de aprender, pelo que é essencial que se promova o envolvimento do aluno
em actividades que considerem os seus interesses, destacando que essa
preocupação é mais frequente nos professores mais entusiastas com o seu ensino
e que recorrem a técnicas instrutivas mais diversificadas.
O papel do professor/mentor surge igualmente representado nos modelos mais
associados ao desenvolvimento da perícia. De entre estes, destaca-se a
perspectiva do desempenho perito de Ericsson e Lehmann (1996) que, contrapondo
os modelos mais centrados em torno do "talento inato", valoriza a
prática intensiva e deliberada, o esforço e a persistência na tarefa. O próprio
conceito de "prática deliberada" destaca a figura do professor no
trabalho do aluno, como forma de desenvolvimento progressivo do talento. Aliás,
a prática deliberada entende-se como "o treino individualizado, preparado
por um treinador ou professor para aumentar aspectos específicos do desempenho
de um indivíduo, através da repetição e refinamentos sucessivos" (Ericsson
& Lehmann, 1996: 278). Por sua vez, os modelos ligados ao conceito de
sabedoria apontam a junção de características pessoais com contextos
experienciais específicos como ingredientes para a aquisição da mestria e para
se atingir a excelência em áreas pragmáticas fundamentais da vida (Baltes &
Staudinger, 2000).
Por último, alguns estudos longitudinais salientam da mesma forma a importância
dos contextos de estimulação na promoção das capacidades dos indivíduos.
Subotnik e Olszewski-Kubilius (1996) chamam a atenção para o papel das
experiências educativas e contextos sociais, para o acesso ao conhecimento
tácito através de mentores e pais, ou, ainda, para as redes de suporte
apropriadas, entre outros, como factores determinantes do desenvolvimento do
talento. Lubinski e Benbow (2000), também com base num estudo longitudinal,
desenvolveram um quadro teórico e explicativo com vista a compreender que tipo
de características diferencia os indivíduos que atingem o expoente máximo de
talento e a forma como pode ser desenhado um ambiente óptimo de aprendizagem
para alunos intelectualmente talentosos. A principal conclusão sugere que os
alunos colocados em ambientes de aprendizagem e de trabalho adequados às suas
características pessoais estão propensos a experienciar mais situações de
reforço e menos situações aversivas, como o aborrecimento. Estes ambientes
encorajam o desenvolvimento maximal positivo e oferecem experiências de bem-
estar, atenuando a probabilidade de ocorrência de experiências negativas.
Em suma, e apesar da divergência teórica em torno do conceito de excelência,
grande parte dos autores na área apontam a importância dos contextos de
estimulação, especificando nalguns casos a figura do mentor, tutor, professor
ou treinador no desenvolvimento das capacidades e promoção do talento dos
alunos. Os professores parecem, deste modo, funcionar como promotores de
talentos, recorrendo à sua experiência e competências de ensino, e, também, à
criação de um ambiente que seja o reflexo de cuidado pessoal e elevadas
expectativas (Gentry, Hu, Peters, & Rizza, 2008). Neste quadro teórico, o
presente artigo analisa as percepções de alunos de excelência, em termos de
rendimento académico em cursos de Engenharia, relativamente ao papel dos
professores. Pretende-se perceber em que medida os professores terão tido, na
percepção destes alunos, um papel importante na estimulação e desenvolvimento
dos seus níveis superiores de desempenho.
Método
Participantes
Os participantes deste estudo são cinco alunos de excelência, quatro do sexo
masculino e um do sexo feminino, a concluírem as suas licenciaturas em
engenharia biomédica (2), engenharia de sistemas e informática (2) e engenharia
electrónica industrial e computadores (1), com idades compreendidas entre os 22
e os 28 anos. Como critério de operacionalização de "alunos
excelentes" na engenharia, considerou-se a média de curso igual ou
superior a 16 valores. O número de alunos nesta situação corresponde a um valor
de 1 a 2% do número total de alunos matriculados em cursos de engenharia nos
anos em que se inserem os participantes deste estudo, o que coloca estes alunos
no nível de classificação A (excellent), que abrange até 10% dos alunos na
escala de classificação do European Credit Transfer and Accumulation System
(ECTS Key Features, 2003).
A identificação dos alunos foi realizada a partir do levantamento da lista de
alunos nomeados para prémios por mérito pela sua Universidade. Optou-se por
alunos já na fase final da formação, de modo a poder-se assegurar a análise de
um padrão de desempenho estável ao longo do tempo e a minimizar o impacto de
possíveis variáveis associadas à transição para o ensino superior. De modo a
assegurar as condições de anonimato dos participantes, serão utilizados
pseudónimos na apresentação dos resultados.
Procedimentos
Os alunos foram contactados via correio electrónico, sendo apresentados os
objectivos do estudo e solicitada a sua participação no projecto de
investigação, através da realização de uma entrevista com duração estimada
entre 40 a 60 minutos. Obtiveram-se cinco respostas positivas a este contacto,
tendo sido posteriormente agendadas e realizadas as respectivas entrevistas, em
salas de aula da própria Universidade previamente reservadas para o efeito, de
modo a assegurar as condições de privacidade dos participantes. As entrevistas
foram realizadas pela mesma entrevistadora, licenciada em Psicologia, com
preparação prévia a partir de leituras sobre metodologias qualitativas e
realização de entrevistas. As entrevistas foram gravadas em áudio e transcritas
verbatim, de modo a assegurar o registo completo da informação, bem como outros
elementos importantes da interacção entre entrevistador e entrevistado.
A análise das entrevistas procurou encontrar comunalidades e especificidades
entre os sujeitos e recolher informação acerca da natureza dos casos, do
background histórico e de outros contextos significativos da vida dos sujeitos,
importantes na compreensão do fenómeno em análise e identificados por Stake
(2007) como frequentes na investigação em estudos de caso.
De forma a uniformizar as várias entrevistas realizadas e a minorar um possível
viés, foi construindo um guião de entrevista. Este guião foi desenvolvido a
partir da revisão da literatura actual em torno da excelência e avaliado por
psicólogos supervisores, apreciando a validade, clareza e adequação aos
participantes e aos objectivos do estudo. Em particular, o guião contempla
tópicos emergentes da síntese teórica, permitindo explorar o percurso
biográfico e avaliar a reflexão do sujeito sobre o mesmo percurso. O início da
entrevista consistiu na recolha de dados genéricos dos participantes,
abordando-se seguidamente questões relacionadas com o percurso académico
anterior e actual, questões relacionadas com o auto-conceito e percepção de
competência, concluindo com questões mais relacionadas com os projectos futuros
dos participantes. Dentro da abordagem específica ao papel dos professores
nesta entrevista, procurou-se perceber de que forma os professores possam ou
não ter marcado e constituído uma referência para estes alunos ao longo do seu
percurso. As questões que orientaram as respostas dos participantes para o tema
dos professores foram: "Recorda-se de algum professor que o tenha
influenciado ou marcado de alguma forma?" e "Que características
considera importantes num professor?" ou "O que é para si um bom
professor?". Os dados apresentados correspondem às respostas obtidas
nestas questões específicas.
Análise dos dados
Após a transcrição verbatim das entrevistas, foram seleccionados todos os
excertos das entrevistas que abordavam ou de alguma forma faziam referência aos
professores, sendo posteriormente estes excertos analisados através do software
MAXQDA (Verbi, 2007). Este programa permite realizar análise de dados assistida
por computador, funcionando como uma ferramenta facilitadora da organização,
visualização e sistematização dos dados (em texto ou multimédia) (García-Horta
& Guerra-Ramos, 2009). De acrescentar que foi realizada uma codificação
aberta, que se iniciou com a decomposição dos dados em unidades de análise. A
definição das unidades de análise seguiu o critério proposto por Tesch (1990),
correspondendo portanto aos segmentos de texto compreensíveis por si próprios e
contendo uma ideia, um episódio ou uma informação, podendo esta ter qualquer
tamanho, desde que represente um tema ou informação importante para as questões
de investigação. Os dados foram seguidamente questionados (O que é que isto
significa? O que é que isto representa? Que categoria está subjacente a esta
ideia?) e comparados, a partir do estabelecimento de relações de similaridade,
em que se procede a uma comparação sistemática entre a informação a codificar
com a informação já codificada, de modo a obter uma maior compreensão da
natureza das categorias. Este procedimento de codificação teve por base a
metodologia de Strauss e Corbin (1990), seguindo uma análise indutiva dos
dados.
Resultados
Seguidamente, apresentamos um conjunto de categorias que emergiram das
respostas dos participantes às questões relacionadas com os professores e à sua
importância no percurso dos entrevistados. Estas categorias representam, por
conseguinte, os aspectos que emergiram directamente das questões colocadas (e
apresentadas anteriormente). Não foi portanto preocupação dos investigadores
perceber o peso relativo de cada categoria face ao conjunto total de todas as
categorias, mas antes perceber quais os aspectos que os entrevistados evocaram
quando livremente questionados acerca dos professores. A nomeação das
categorias decorreu da sensibilidade teórica dos investigadores, emergindo sete
categorias ' componente afectivo-emocional; motivação; elogio/reconhecimento;
incentivo/estímulo; instrução; figura modelo; disciplina/exigência ' cujos
resultados da análise apresentamos seguidamente. Para cada uma das categorias
criadas, é apresentada uma breve definição e descrição dos principais dados
obtidos, assim como as transcrições que melhor representam a informação
recolhida na categoria correspondente para os participantes entrevistados. Nas
categorias em que se diferenciaram especificidades, são apresentadas
transcrições que permitam a sua ilustração. Os dados apresentados representam
portanto todos os aspectos evocados nas entrevistas.
Componente afectivo-emocional ' aspectos relativos à qualidade da interacção
entre professor-aluno e que suscitam afectos e emoções (positivas ou negativas)
nos alunos. Um dos aspectos que se salienta no discurso dos participantes
prende-se com as questões afectivas e emocionais na relação que estabeleceram
com alguns professores ao longo do seu percurso educativo, parecendo estas
assumir um impacto significativo na forma como os alunos percepcionam o seu
desenvolvimento. Dentro desta componente emergiram aspectos mais específicos
como o interesse e a preocupação dos professores em relação aos seus alunos:
[Quem marcou pela positiva foram os professores que tinham mais
importância, o director de turma... No 5º e 6º ano tive uma óptima
directora de turma, incentivava-nos sempre e claro que mandava as
reprimendas quando as notas eram baixas, mas era uma professora muito
interessada nos seus alunos...] (Nelson)
O diálogo e a disponibilidade dos professores também foram aspectos
referenciados pelos entrevistados como característica importante num professor.
Os participantes manifestaram algum sentimento de insatisfação face à falta de
disponibilidade e de oportunidades de estabelecer discussões com os professores
para além do conteúdo das aulas:
[Não dá para explorar muito mais digamos, a nível de aprender mais
coisas, por exemplo, de dialogar com os professores sobre coisas que
a gente ache mais interessantes. É um bocado, pronto, fiz a cadeira,
agora vou fazer outra...] (Tomás)
[Quais são as características que acha importantes nos docentes?
Os que se mostram disponíveis para ajudar nos trabalhos e em dúvidas
para testes. Já tive docentes que começam logo o ano a dizer que à
disciplina deles só passam meia dúzia de alunos... esses, como é
óbvio, não são muito agradáveis...] (Gabriela)
A postura do professor parece ainda desempenhar uma influência importante na
motivação destes alunos para a própria disciplina, na medida em que impulsiona
emoções nos alunos face à disciplina:
[Estudava muito para Matemática, tirava na mesma bons resultados, mas
não eram tão bons como no 12º. Porque... na altura não gostava muito
da professora de Matemática e já ia assim com um bocado de medo para
os testes. Filosofia, nunca gostei muito de Filosofia por causa dos
professores...] (Gabriela)
Esta componente afectivo-emocional expressa-se de formas bastante diversas
entre os participantes, mas assenta sobretudo na vertente pessoal do docente,
nas suas próprias características e valores transmitidos no dia-a-dia para os
alunos e na relação que com eles estabelece. O envolvimento dos alunos nas
actividades de aprendizagem parece influenciado quer pela percepção que os
alunos têm do professor, quer directamente pelos comportamentos do professor. O
professor parece assim desempenhar um papel fundamental na dinâmica de
envolvimento motivacional do aluno, sendo que o suporte do professor favorece o
envolvimento académico dos alunos.
A interacção afectiva e emocional entre professores e alunos tem sido
referenciada na literatura registando-se uma correlação positiva entre o
envolvimento emocional do professor e o envolvimento académico do aluno
(Skinner & Belmont, 1993) ou as suas percepções de competência (Skinner,
Furrer, Marchand, & Kindermann, 2008). Também os nossos entrevistados
destacam os aspectos afectivo-emocionais na relação que estabelecem com os seus
professores e o seu reconhecimento para os seus desempenhos académicos. Realce-
se, contudo, a sua necessidade singular de estabelecer um contacto com os
professores que lhes permita dialogar e aprofundar conteúdos. Neste sentido, a
falta de envolvimento e disponibilidade dos professores (não apenas no sentido
logístico como, por exemplo, tirar dúvidas, mas também no sentido emocional,
mostrando-se disponível para apoiar os alunos) afectam o envolvimento académico
destes alunos.
Motivação ' aspectos relativos aos professores que afectam a forma como os
participantes se motivam face às tarefas, aos conteúdos a aprender, à
disciplina ou ao curso. Estreitamente ligada à componente afectivo-emocional,
descreve-se agora o papel que os professores desempenham na motivação dos
alunos. A postura do professor neste aspecto parece influenciar o nível de
investimento dos alunos entrevistados:
[ mas muita da motivação não tem tanto a ver com a matéria em si mas
com a forma como os professores dão a aula, com a postura. É uma das
principais causas da desmotivação, quando eu não gosto de um
professor, posso deixar automaticamente de me sentir motivado para
fazer qualquer coisa ( ) têm de ter gosto no que estão a fazer.
Muitos professores estão ali porque... porque estão.] (José)
O ambiente de aprendizagem parece ser determinante para o envolvimento que os
participantes apresentam face aos conteúdos a aprender e para a decisão de
investimento no curso. A análise desta componente motivacional deve considerar
as características individuais nas situações específicas, uma vez que a
motivação pessoal ' crenças e comportamentos ' resulta de transacções
contextuais (Paris & Turner, 1994). Deste modo, a interacção entre os
participantes e o contexto ' neste caso, através da figura do professor '
determinam as consequências afectivas e as acções dos alunos, sendo também os
participantes claros na expressão desta associação entre a postura e o
comportamento dos professores e a motivação suscitada face à disciplina. De
referir o contributo de alguns trabalhos mais recentes que colocam o professor
como um importante modelo para os seus alunos, seja ao nível do desenvolvimento
da paixão e motivação para a aprendizagem seja enquanto futuros profissionais
(McKeachie, 2002; Carbonneau, Vallerand, Fernet, & Guay, 2008). Neste
sentido, o professor capaz de despertar a motivação em alunos de maior
potencial e/ou desempenho acaba por funcionar como importante catalisador do
desenvolvimento destes alunos.
Elogio/Reconhecimento ' aspectos relativos às situações de elogio ou de
reconhecimento (verbal ou não verbal) do valor ou trabalho por parte dos
professores em relação aos participantes. Associado à motivação dos
participantes, o reconhecimento das capacidades/desempenho por parte dos
professores parece ser bastante importante para estes alunos, sendo um dos
parâmetros mais verbalizados ao longo das entrevistas:
[ saber que os professores sabem do que eu sou capaz, pelo que eu
mostrei nas aulas e no meu próprio projecto que estou a desenvolver
( ) penso que a maior parte dos professores sentiram que era uma
pessoa que estava interessada nas matérias que havia para estudar.
Posso dar o exemplo do meu orientador actual e do meu director de
curso actual que penso que me têm em boa consideração.] (Nelson)
[Nos trabalhos práticos na minha área costumo tentar descobrir
qualquer coisa que possa fazer, que eles olhem para lá e digam
"está ali qualquer coisa que se evidencia, alguma coisa bem
feita".] (Tomás)
[ tive uma disciplina no semestre passado com o professor e agora
este semestre convidou-me para fazer um projecto paralelo sobre
Engenharia Biomédica em Portugal ( ) e agora uma proposta de
doutoramento também.] (Gabriela)
Isto parece significar que não basta a estes alunos reconhecerem as suas
próprias capacidades ' percepções pessoais de competência positivas ', precisam
também que o seu potencial seja reconhecido por outros significativos,
funcionando este reconhecimento externo quase como motor de desenvolvimento
pessoal. Este feedback da parte dos professores parece sobretudo ser valorizado
numa vertente mais de reconhecimento do potencial e desempenho dos
participantes do que propriamente numa vertente centrada na aprendizagem em si.
Especificamente, as formas de reconhecimento verbal parecem demonstrar um
efeito positivo nas atitudes expressas face à tarefa. Para além das formas de
reconhecimento verbal, o reconhecimento do potencial destes alunos surge também
concretizado no envolvimento em projectos paralelos, que permitem de certa
forma oferecer um ambiente mais estimulante e correspondente às necessidades
individuais deste tipo de alunos (Gagné, 2004, 2007; Renzulli, 1986, 2002,
2005; Subotnik & Olszewski-Kubilius, 1996; Lubinski & Benbow, 2000).
Por outro lado, a oportunidade destes alunos participarem em projectos
dirigidos pelos docentes permite-lhes demonstrar o próprio potencial,
oferecendo espaços de exercício de autonomia e de incremento dos seus níveis de
motivação intrínseca, nomeadamente quando daí decorre uma maior aproximação dos
conteúdos da aprendizagem aos próprios interesses dos estudantes.
Incentivo/estímulo ' aspectos relativos a situações de incentivo e/ou estímulo
(verbal ou não verbal) realizadas por professores em relação aos participantes.
Neste quadro, e relacionado com o reconhecimento das capacidades dos alunos,
surgem verbalizações de situações de incentivo/estímulo ao próprio
desenvolvimento:
[ os professores foram percebendo do que eu era capaz e de alguma
maneira me influenciaram a fazer sempre o melhor.] (Nelson)
A expressão crítica por parte dos alunos acerca do incentivo/estímulo como
característica importante num professor também foi reflectida:
[ os professores de Filosofia acho que não faziam aquilo que os
professores devem fazer, que era incentivar os alunos a pensar sobre
os assuntos, iam para as aulas e debitavam matéria.] (Gabriela)
Este incentivo/estímulo parece ser importante para mobilizar os alunos para o
trabalho de forma positiva e quase entusiástica. A ideia da estimulação
progressiva e do incentivo à aprendizagem dos alunos tem sido abordada na
literatura, havendo autores que consideram a mestria como o resultado de uma
sequência de estádios de desenvolvimento progressivo de competências (Marten
& Witt, 2004). Esta ideia vem de encontro à necessidade de se ajustar os
ritmos de aprendizagem às características intra e inter-individuais dos alunos.
Por outro lado, os alunos de alto rendimento pensam e aprendem de modo
diferente dos seus colegas, usando estratégias auto-regulatórias com maior
eficiência e frequência (Risemberg & Zimmerman, 1992).
Instrução ' aspectos relativos ao domínio dos conteúdos programáticos por parte
dos professores e à qualidade de transmissão de conhecimento do professor para
o aluno. Trata-se de um aspecto também bastante enfatizado no discurso dos
participantes, assente nos conteúdos e na capacidade de instrução por parte dos
professores:
[ penso que é o seu conhecimento da matéria, porque de facto já
comprovei, também foi meu professor noutras disciplinas, que ele sabe
muito do que está a leccionar, e pronto tento aprender o que puder ]
(Nelson)
O oposto, o relato de situações em que não se verifica esta característica,
esteve igualmente presente, sendo reflectida com sentido crítico por parte dos
participantes:
[ tem que dominar a matéria. Por incrível que pareça, já nos
apareceram professores que basicamente não sabem aquilo que nos estão
a ensinar. Eles estão a ler os acetatos e, se fizer uma pergunta que
saia um bocadinho fora, eles não sabem. Já aconteceu um professor,
nas aulas práticas, mandar fazer um exercício para casa e ele tentar
fazer o exercício no quadro e não o conseguiu fazer, e estas coisas
não podem acontecer na universidade ( ) um professor que sabe ensinar
é aquele que consegue explicar as coisas de maneira diferente quando
nós colocamos uma dúvida ( ) acho que os professores têm de ter a
capacidade de explicar as coisas de maneira diferente ] (Tomás)
Os alunos entrevistados manifestaram-se bastante exigentes no que respeita à
instrução, discutida aqui como o conhecimento que os professores têm dos
conteúdos que leccionam e reflectida na capacidade de ensinar, que, na
perspectiva destes estudantes, resulta de uma combinação desejável entre
conhecimentos dos conteúdos a leccionar e conhecimentos de índole pedagógica.
Esta ideia vai aliás de encontro àquilo que alguns autores têm apontado como a
junção de duas capacidades ' domínio dos conteúdos a ensinar e domínio das
metodologias para os ensinar ' descritivas dos professores experts (Krauss et
al., 2008; Smith & Strahan, 2004).
Figura modelo ' aspectos relativos à admiração que os participantes sentem em
relação aos professores ou situações em que os participantes se identificam com
os professores. Os professores parecem ainda, nalgumas situações, funcionar
como figuras-modelo para os alunos de excelência entrevistados:
[ eu admiro, sei que é uma pessoa que sabe muito da área em que eu
estou a trabalhar, de electrónica, nomeadamente comunicações, e tento
aprender ao máximo o que puder ] (José)
[ há professores que gostei, que foi quase tipo modelo porque eu
gostei deles não é ] (Bruno)
Nos casos em que os participantes parecem sentir alguma admiração face a
determinado professor, este assume um papel de figura modelo, que influenciou
ou influencia os alunos e com o qual estes se identificam e procuram seguir
como exemplo para o seu próprio percurso profissional. Parece, assim, que as
experiências vicariantes, em que os professores funcionam como modelos
competentes para os seus alunos, se reflectem na motivação e percepção de
eficácia dos alunos entrevistados.
Disciplina/Exigência ' aspectos relativos à manifestação por parte dos
participantes da preferência por ambientes com maior disciplina e/ou exigência.
Os participantes demonstram valorizar a disciplina e exigência nos contextos de
aprendizagem, tomando estes aspectos como uma característica importante nos
professores:
[ os professores que não mantinham a disciplina, as aulas tendiam a
ser complicadas, complicadas no sentido de não se aprender nada. E
perdiam o controlo da sala de aula e depois pronto, depois já não se
fazia mais nada ( ) qualquer professor que não conseguia manter a
disciplina dentro da sala de aula não conseguia ensinar nada. Quando
muito conseguia pôr umas coisas no quadro para nós passarmos para o
caderno.] (Tomás)
[ acho que também deve ser um bocado exigente para nos fazer mexer,
por assim dizer.] (Bruno)
Esta exigência parece relacionar-se, por um lado, com a necessidade dos alunos
entrevistados terem condições favoráveis à aprendizagem e, por outro lado, com
a necessidade e vontade de serem estimulados pelo professor para poderem
progredir continuamente. Isto vem realçar, mais uma vez, a importância de um
ensino adaptado às características de cada aluno, favorecendo um
desenvolvimento óptimo dos alunos, tal como tem sido referido na literatura
(Heller, 2004; Tomlinson, Brighton, Hertberg, Callahan, Moon, Brimijoin,
Conover, & Reynolds, 2003). Pensando especificamente nos alunos com maiores
capacidades, a questão do "sentimento de desafio" proporcionado
assume particular relevância. De facto, estudos anteriores têm demonstrado que
o desafio e a percepção de competência potenciam bem-estar em termos cognitivo,
emocional e motivacional (Csikszentmihalyi, Rathunde, & Whalen, 1993), pelo
que estes alunos apreciam um ensino que promova a estreita correspondência
entre desafio e competência. Por outro lado, e pensando especificamente em
alunos com melhor desempenho, as tarefas complexas e desafiantes oferecem maior
oportunidade para a aprendizagem auto-regulada do que as actividades muito
tipificadas pelo professor (Paris & Turner, 1994).
Considerações finais
Contrariamente à expectativa inicial, os alunos participantes não centraram
tanto o discurso no impacto de determinados professores no seu próprio
desenvolvimento, mas antes numa análise reflexiva da postura dos seus
professores, quanto a experiências positivas e negativas. Tal como refere
Csikszentmihalyi e colaboradores (1993), os alunos talentosos parecem ser mais
sensíveis à qualidade dos professores, podendo dar mais detalhes acerca dos
estilos de ensino e acerca daquilo que os motiva, que os aborrece, que "os
desliga" ou os torna particularmente animados, quando evocam as suas
memórias acerca dos seus melhores e piores professores.
Procurando sintetizar os principais resultados obtidos, e organizando o
discurso dos participantes relativamente às percepções sobre os professores,
identificámos sete categorias, que englobam (i) a aprendizagem propriamente
dita ' centrada na capacidade do professor transmitir conhecimento e de fazer
os alunos aprender e categorizada como "instrução"; (ii) o ambiente
de aprendizagem, ou seja, o modo como os alunos aprendem, que se relaciona com
as categorias "motivação", "incentivo/estímulo" e
"disciplina/exigência; e (iii) as características pessoais do professor '
com quem os alunos aprendem, representado nas categorias "componente
afectivo-emocional" e "figura-modelo". Parece, deste modo, que o
papel dos professores para os alunos de excelência vai bastante além da figura
que transmite conhecimentos, associando a esta função mais "óbvia" do
professor aspectos de cariz afectivo e relacional, assim como aspectos
específicos do ambiente de aprendizagem que parecem determinantes para o
investimento e desenvolvimento dos alunos.
Emergem daqui algumas implicações práticas para os professores que, de facto,
assumem um papel privilegiado, e simultaneamente de grande responsabilidade,
face ao futuro pessoal e profissional dos seus alunos. Constituindo uma
referência no percurso dos alunos, é importante que os professores, enquanto
educadores, possam tomar consciência dos seus próprios pontos fortes e da forma
como os usam na criação do próprio sucesso académico, funcionando como modelos
significativos na vida destes alunos. Na verdade, e como referem Araújo, Cruz e
Almeida (2007), o professor excelente pode representar um importante recurso,
cujo talento deverá ser capitalizado e encorajado, nomeadamente em função da
vasta gama de competências de vida e forças psicossociais que podem ensinar e
encorajar nos seus estudantes em prol da sua excelência. Salienta-se, ainda, a
importância dos professores se tornarem mais sensíveis às diferenças
individuais, procurando responder adequadamente às especificidades dos alunos.
Numa altura em que o ensino superior se encontra cada vez mais massificado e
composto por uma elevada heterogeneidade do corpo estudantil, a tendência
natural tem sido para se "estandardizarem" práticas de ensino, sem
atender à natural diferenciação dos alunos, prejudicando sobretudo os alunos
que mais se diferenciam da "média" e que não obtêm as respostas
ambientais mais ajustadas e favoráveis à promoção do próprio potencial.
Tal como refere Ramsden (1992), os alunos adaptam-se às exigências
percepcionadas nos contextos de aprendizagem. Neste sentido, as características
de tais contextos determinam, em grande parte, a sua postura e investimento
face à aprendizagem. Vermetten, Vermunt e Lodewijks (2002) apelam para a
importância dos ambientes de aprendizagem incluírem contextos realistas,
métodos de aprendizagem cooperativa, explicitação de estratégias cognitivas,
possibilidades de aplicar conhecimentos, oportunidades para o envolvimento
activo do aluno e metodologias de avaliação que estimulem a compreensão
profunda e a capacidade de transferência dos conhecimentos para diversas
situações. Por outro lado, é de estimular a promoção do sentimento de desafio
através da concessão de uma maior autonomia e flexibilidade, que pode ser
concretizada através do envolvimento destes alunos em projectos de serviços e
pesquisa da própria universidade. Isto permitiria a expressão das próprias
competências em tarefas concretas, o que vai para além dos resultados de
avaliação de uma disciplina. Note-se que estes alunos tendem a manifestar
objectivos centrados na aprendizagem e necessidade de aplicar os conteúdos
aprendidos (Monteiro, 2007), podendo ser esta uma interessante forma de
promover a sua aprendizagem e realização pessoal.
O envolvimento activo do aluno no processo de ensino-aprendizagem vem de
encontro a uma abordagem construtivista da aprendizagem, justificando uma
atenção acrescida na intervenção educativa junto dos alunos brilhantes. O
estímulo à construção do próprio conhecimento, fazendo o aluno sentir-se um
elemento integrante, activo e responsável pela sua aprendizagem, induzindo a
reflexão e a exploração das suas próprias capacidades, representa um importante
e, certamente, produtivo desafio para estes alunos.
Como vimos a partir das dimensões categoriais que emergiram dos dados
analisados, o papel dos professores ultrapassa amplamente o ensino na sua
componente instructiva. O ambiente de aprendizagem, traduzido nas interacções e
no modo como os alunos aprendem, aparece de forma significativa no discurso
destes alunos. Confrontando os dados obtidos com a literatura, destacaríamos as
necessidades e as exigências colocadas por estes alunos, reclamando dos
contextos académicos mais incentivos e oportunidades ao seu desenvolvimento e
progresso contínuos, indo para além do curricularmente estipulado. Neste
sentido, e como refere Richardson (1997), o bom professor vai muito além da
simples transmissão de conhecimento, acrescentando aspectos emocionais,
volitivos e comportamentais para além dos cognitivos (Korthagen &
Lagerwerf, 1996; Korthagen, 2004). No fundo, as funções cognitivas são
implementadas no quadro de um "fundo emocional", ao serviço da
regulação de objectivos em boa medida autodeterminados. A relação entre emoção,
cognição, tomada de decisão e funcionamento social providencia, aliás, uma nova
perspectiva de entender o papel da emoção na aprendizagem. Não parece pois
suficiente incutir conhecimento de mestria e competências de raciocínio lógico;
os alunos têm de ser capazes de efectuar escolhas e de seleccionar as
competências e o conhecimento a transferir para fora do contexto escolar. Sendo
que estas escolhas têm por base a emoção e o pensamento emocional, a filosofia
da emoção e o consequente processo de sentimento têm imensas repercussões na
forma como aprendemos, consolidamos e acedemos ao conhecimento (Immordino-Yang
& Damásio, 2007). Tal como refere Neumann (2006), num ambiente de
verdadeiro suporte à aprendizagem, os professores devem aprender a falar e a
pensar não apenas em termos de objectivos e resultados curriculares, mas
atender à complexa rede de trabalho, pensamento e emoção presente entre um
determinado objectivo e resultado.