Editorial
Editorial
Fátima Antunes e Maria de Lourdes Dionísio
Este primeiro número de 2011 da Revista Portuguesa de Educação reúne um
conjunto de textos que exprime bem a sua missão editorial: estudar a educação
como campo heterogéneo de políticas, discursos e práticas, cuja pluralidade
exige uma correspondente diversidade de abordagens e problemáticas, condição
radical de produção de um conhecimento científico relevante e capacitante da
acção dos sujeitos e comunidades no terreno educacional.
O percurso proposto é sustentado pelos diversos olhares a partir dos quais são
abordadas as complexas missões atribuídas aos sistemas de ensino, oferecendo-
nos um objecto de estudo poliédrico e caleidoscópico. Ainda que a saliência de
tópicos como o sucesso académico sugiram tendências fundas destes nossos
tempos, a natureza polifacetada e controversa dos projectos societais para a
educação é também revelada pela investigação a que aqui se dá voz. A unidade do
itinerário desenhado é uma pergunta imperfeita e uma construção inacabada,
argumentada pelas editoras e partilhada em diálogos potenciais envolvendo
autores e leitores.
A abrir este volume, Joana Cadima, Teresa Leal e Joana Cancela discutem a
relevância dos processos interactivos na sala de aula para o desempenho
escolar, mobilizando investigação recente e apresentando um modelo conceptual
que se apoia num conceito multidimensional de qualidade. As autoras sublinham
que constituindo a interacção entre professor e alunos uma componente crucial
de dinamização da aprendizagem e desenvolvimento das crianças, a
heterogeneidade de perspectivas de análise daquele objecto permite construir um
conhecimento mais rico da sala de aula como espaço de intervenção educativa, ao
lado da acção política, social e científica direccionada para a mudança social.
Paulo Coelho Dias apresenta também uma pesquisa empírica que procura relacionar
características do professor, estratégias de estudo e resultados escolares dos
alunos, mobilizando uma metodologia do processo-produto. Verificando a
correlação entre nível relacional e resultados escolares, o autor discute a
relevância da dimensão normativa para constituir o que refere como uma prática
pedagógica eficaz, face à insuficiência, também revelada pela pesquisa
apresentada, da dimensão relacional. Algumas estratégias pedagógicas aparecem,
de acordo com os dados, como particularmente produtivas na sustentação da
aprendizagem dos alunos.
A discussão em torno da construção de práticas democráticas de gestão das
escolas, nas suas conexões com o discurso e a dimensão instituinte da cultura,
constitui um dos diversos eixos da problemática que o artigo de Luciana Marques
desenvolve a partir de uma pesquisa em três escolas pernambucanas. A
especificidade dos processos gerados em cada contexto e as dimensões de
singularidade cultural da instituição escolar são empiricamente apreendidas e
mobilizadas para sustentar o argumento de que, de modos complexos e
conflituais, mudanças dinamizadas nas práticas escolares podem constituir
elementos de estímulo à democratização das sociedades.
Debater o cosmos educacional como "espaço coletivo de culturas e
conhecimentos" em construção por comunidades e redes colaborativas,
potenciada pela "enorme presença das tecnologias digitais", é o
desafio prosseguido por Nelson de Luca Pretto. Abordando as políticas públicas
brasileiras para o campo digital e argumentando para os professores um papel de
"liderança científica, cultural e ética", o autor constrói e
fundamenta a questão que, no final do texto, polariza a sua discussão: como
pode ser potenciado, em perspectiva democrática, o projecto educacional
(labiríntico?) de sociedades contemporâneas, em face da pluralidade, agora
dramaticamente aumentada, de dinâmicas (e possibilidades) de construção de
saberes e sentidos que configuram outras educações'?
Alexsandro da Silva e Artur Gomes de Morais questionam as irregularidades da
mudança educacional, focando agora o ensino da gramática, observado a partir de
manuais escolares brasileiros. Projectando um olhar que procura deixar-se
sensibilizar pelos meandros e rugosidades das realidades educacionais,
argumentam que o estudo revela "tentativas de mudança em tempos de
transição", que se manifestam, por exemplo, enquanto "mudanças na
estabilidade" e "estabilidades na mudança". A adopção de
"coerência pragmática" coloca os professores novamente como actores
cruciais para fazer e conhecer a mudança educacional: transposição didática',
construção original' ou acomodação' entre o novo e o antigo, eis o debate
lançado pelos autores em torno do ensino de "gramática" ou
"análise linguística" na escola.
A sala de aula, agora quase metaforicamente configurada e reconstituída como
ambiente de aprendizagem, ressurge pela mão de Margarida Pinheiro, Cláudia
Sarrico e Rui Santiago para explorar relações, já prolongadamente debatidas,
numa tradição científico-pedagógica aqui retomada no contexto do ensino
superior, entre motivação, aprendizagem e resultados académicos. A educação
profissional e os desafios (e inquietações) despertados por modelos inspirados
em propostas de aprendizagem baseada em problemas ou em projectos (PBL), a
questão da transferabilidade de competências, as perspectivas dos docentes e a
satisfação dos estudantes, eis alguns dos tópicos explorados através da
investigação discutida pelos autores. A produção do conhecimento, a conexão
entre teoria e prática profissional, a autonomia e a iniciativa constituem
aspectos em torno dos quais os autores procuram "estimular o debate
teórico" e suscitar pistas de investigações futuras.
Em linha com a crescente focagem do campo educacional e das sociedades actuais
no sucesso académico, João Paulo Saraiva e Luís Paulo Rodrigues fazem o balanço
da investigação recente sobre as relações entre os domínios das aprendizagens
cognitivas e o das aprendizagens motoras, para discutir a visão sociocultural
dominante quanto à fundamentação de opções curriculares. Num estudo incidente
sobre o impacto do ensino superior no desenvolvimento cognitivo do estudante,
realizado numa instituição portuguesa, Emília Martins e Joaquim Ferreira
discutem "resultados contraditórios e aparentemente paradoxais" na
"cognição epistémica (pensamento)", em contraste com subidas
estatisticamente significativas no que respeita a "realização cognitiva
(raciocínio numérico e verbal) e académica (desempenho)". Os autores
argumentam no sentido da integração destas preocupações na reflexão sobre o
papel do ensino superior no desenvolvimento integral dos indivíduos,
designadamente para interpelar as mudanças, também de modelos de formação,
currículos e metodologias de ensino, que o Processo de Bolonha vem
desencadeando.
As Notas de Leitura proporcionam a discussão crítica de dois trabalhos recentes
de análise e balanço das tendências de mudança educacional, no quadro das
reformas do Estado e das políticas públicas ao longo das últimas décadas,
marcadas por dinâmicas de globalização e europeização das sociedades e sistemas
políticos europeus e portugueses. Com a rubrica Publicações Recebidas
encerramos este périplo de debate científico e académico de alguma da
investigação e preocupações educacionais que vêm marcando o nosso viver comum.
Às comunidades e leitores do campo entregamos agora o fio de diálogo e
confronto críticos que, segundo entendemos, nos cumpre alimentar.
Centro de Investigação em Educação
Instituto de Educação
Universidade do Minho - Campus de Gualtar
4710 Braga - Portugal
rpe@iep.uminho.pt