The State, Civil Society and the Citizen - Exploring Relationships in the Field
of Adult Education in Europe
BronJr, Michal; Guimarães, Paula e Castro, Rui Vieira de (Eds.).
(2009). The State, Civil Society and the Citizen ' Exploring Relationships in
the Field of Adult Education in Europe.
Frankfurt am Main: Peter Lang (229 páginas).
Rosanna Barros
Universidade do Algarve
Este é um livro que junta à qualidade e rigor científicos, habituais da
colecção European Studies in Lifelong Learning and Adult Learning Research
(Estudos Europeus em Investigação sobre Aprendizagem ao Longo da Vida e
Aprendizagem dos Adultos) que a ESREA European Society for Research on the
Education of Adults (Sociedade Europeia de Investigação em Educação de Adultos)
activamente promove, todo um conjunto de problematizações, abrangentes e
criticamente orientadas, incontornáveis para quem se propuser desconstruir e
desmistificar o mandato, politicamente hegemónico, atribuído hoje ao sector da
Educação e Formação de Adultos.
O livro resulta da selecção (com revisão de pares) dos textos fundamentais
apresentados na Conferência da Active Democratic Citizenship and Adult Learning
Research Network (Rede Europeia de Investigação em Cidadania Activa Democrática
e Aprendizagem nos Adultos), realizada em 2007, pela Unidade de Educação de
Adultos na Universidade do Minho. Na introdução os editores apresentam a lógica
de organização das três partes desta obra, que oferece, através de 12 artigos,
um olhar múltiplo do campo da educação de adultos, alicerçado em interpretações
propostas por 18 investigadores e educadores de distintos países europeus. Aqui
o denominador comum é a leitura crítica da realidade social, na qual se
redefiniu o Estado Providência, e a preocupação com o actual rumo dado,
exogenamente, ao sector pelas políticas transnacionais de aprendizagem ao longo
da vida, que abandonaram, no trato da questão social, os valores da justiça
social, da solidariedade e do desenvolvimento social e pessoal dos cidadãos.
Por representarem, quanto a nós, uma meta-narrativa de nível político-
filosófico, os três textos da primeira parte situam o racional do livro. Fazem-
no convergindo na ideia-chave de ser hoje necessário construir uma nova
educação de adultos, agora radicalizada num projecto que afronte, e confronte,
a lógica da globalização neoliberal em curso. Atribui-se assim, aos actores do
campo, a responsabilidade e a oportunidade de participar activamente numa
agenda que contribua para democratizar a democracia, valorizando o bem público
comum e a garantia dos direitos sociais já adquiridos. Trilhando caminhos
autónomos (que vão desde a ideia de cosmopoliticidade, de uma pedagogia
cosmopolítica, ou de uma cidadania republicana e cívica), o que sobressai é a
sofisticação teórica comum a estes autores (Crowther com Martin, Estevão e
Barbosa), que está patente no diálogo que desenvolvem com a herança de autores
já clássicos no pensamento social como são Gramsci, Freire e Archibugi. Ao
contrário de Nylander, também ele autor de uma recensão crítica sobre esta
Obra1, o mote deixado por este conjunto inicial de artigos não nos parece
irrealista mas sim criador de sinergias que cada um, em latitudes diversas,
pode directa ou indirectamente usar, como comprovam, no nosso entender,
precisamente os testemunhos e dados empíricos das várias investigações
apresentadas nos artigos da segunda e terceira partes do livro.
Os cinco artigos da segunda parte focam, a partir de pontos de observação bem
demarcados entre si, os discursos públicos das políticas actuais de educação de
adultos. Ora, se qualquer política social, onde se situam as políticas
educacionais por excelência, envolvem na sua governação uma inter-relação entre
os níveis nacional, supranacional e subnacional, como temos vindo a sublinhar2,
nada obsta a que se centralize a análise em um desses níveis por questões de
inteligibilidade, mas sem se perder nesse exercício a lógica complexa que um
estudo de sociologia política pressupõe. É isto precisamente que ocorre nesta
parte do livro.
Assim, tanto Fejes como Walker escolhem tecer questionamentos a partir do
trabalho de análise documental de textos oficiais, num caso produzidos pelo
Ministério da Educação da Suécia, pelo Conselho da Europa e pela Comissão
Europeia, e no outro caso produzidos pela OCDE. Fejes, baseado nos conceitos
foucaultianos de governamentalidade e genealogia, tece considerações críticas à
essência das relações de poder, evidenciando que o Estado neoliberal emergente,
sem deixar de exercer o seu governo, o tornou, porém, menos visível ao
distanciar-se das práticas directas de exercer a arte de governação'. Já
Walker, operacionalizando uma análise crítica do discurso', percorre quatro
textos oficiais recentes da OCDE, produzidos no influente âmbito dos seus
educational think-tanks onde maioritariamente se fabricam os pressupostos do
paradigma da aprendizagem ao longo da vida, lançando interrogações que, quanto
a nós, poderiam ser mais arrojadas, mas que apesar de tudo possibilitam
desafiar a retórica de uma pretensa não-retórica (beyond rhetoric) disseminada
aos vários Estados europeus pela OCDE.
De uma maneira relativamente encadeada com a temática de fundo destes dois
artigos, seguem-se os textos de Guimarães e de Äberg. Ambos os autores
investigam as políticas de educação de adultos a partir de um estudo de caso
centrado no papel actual das organizações da sociedade civil, operando tanto a
nível nacional como a nível transnacional, respectivamente. No seu artigo,
Guimarães começa por fazer a análise diacrónica geral da agenda política para a
construção do sector em Portugal, salientando os aspectos inovadores (e
promissores face às restritas características deste cenário) do novo modelo
pedagógico proposto pelo lançamento recente dos Cursos de Educação e Formação
de Adultos, implementados segundo lógicas de partenariado, também elas
inovadoras a nível nacional. A autora reflecte criticamente quer acerca do
papel das entidades da sociedade civil, que de mediadoras passam a
extensionistas da acção do Estado e que da inter-colaboração passam para a
inter-competição, quer acerca do papel do cidadão face às tensões e
contradições existentes no actual discurso da aprendizagem ao longo da vida,
que enquadra a lógica adaptativa desta nova oferta apresentada como
emancipadora. Äberg, por seu turno, ilustra com o seu estudo, na nossa opinião,
a educação de adultos cosmopolita de que se fala na primeira parte deste livro,
apresentando alguns dos traços basilares da acção transfronteiriça das
organizações não-governamentais, para o caso ilustrada através dos projectos de
cooperação desenvolvidos entre a Associação dos Trabalhadores da Educação da
Suécia e a Associação da Educação Aberta da Estónia. Assentes no modelo sueco
das Folkbildning, o principal resultado dos projectos realizados entre estas
associações viria a ser, segundo o autor, a disseminação além-fronteiras de
métodos e pedagogias da educação de adultos de cariz emancipador e a
consequente conscientização, geograficamente alargada, acerca da função social
que a educação popular pode desempenhar no desenvolvimento da democracia e da
cidadania activa.
No quinto e último capítulo desta parte do livro, Larsson reelabora os
pressupostos tradicionais com que se caracteriza o conceito nórdico de
Folkbildning, expandindo-o enquanto ideologia organizacional directamente
implicada nas práticas organizacionais e nas práticas de liderança. Ora,
sabendo-se que, a partir dos pressupostos do Folkbildning e dos círculos de
estudos suecos, a forma como se faz a educação de adultos prevalece essencial
face aos conteúdos que possam ser tratados, o autor identifica, com base nos
dados de uma investigação exploratória por si conduzida, as três dimensões e as
três funções que no seu argumento fundamentam que se pense este conceito/modelo
enquanto ideologia organizacional potenciadora de um alargamento das práticas
democráticas da participação cidadã.
De um certo modo, pelos desafios que deixa, este texto abre caminho para os
questionamentos que se seguem nos quatro artigos que constituem a terceira e
última parte deste livro, e que aborda mais particularmente as mudanças que
ocorrem nos papéis, tempos e espaços da cidadania, que tanto aqui como no
conjunto da obra é pensada como conceito em transição. Assim, ancorados num
referencial teórico alinhado com o pensamento de Gransci, Bordiga e Freire, os
autores do primeiro texto (Ramos, Fragoso e Florindo) reflectem acerca da
importância dos novos movimentos sociais para tornar a cidadania numa
cidadania participatória'. Fazem-no ancorados nos dados obtidos pelo estudo
das Escolas de Cidadania e Participação' (resultantes de um acordo assinado
entre a Câmara Municipal de Sevilha e o Instituto Paulo Freire de Espanha) que,
segundo os autores, logram expandir a sociedade civil pelo alargamento às bases
sociais marginalizadas de uma literacia participatória' que, na essência, usa
a ferramenta do orçamento participativo para tornar a cidade mais humana e a
educação mais libertadora. Pelo caminho entende-se, a partir daqui, que é a
própria educação de adultos e os seus principais actores (educadores e
educandos) que vão contrariando, contextualmente, a lógica de uma globalização
neoliberal redutora do bem-estar social.
O contexto português serve de cenário para os dois artigos que se seguem. O
primeiro trata especialmente do papel da empresa na promoção da literacia em
contexto profissional, apontando questionamentos que têm como inscrição de
fundo os pressupostos da teoria social da literacia'. Aqui, Dionísio e Castro
apresentam dados de um projecto bietápico que implicou começar por negociar com
a fábrica as condições e ferramentas para a realização da investigação, para
posteriormente co-construir em contexto laboral, usando como metodologia os
círculos de leitura, um programa de intervenção educacional, de tipo
experimental, que permitiu, de acordo com os autores, construir práticas
endógenas de literacia' saindo expostas, neste processo, as contradições
pedagógicas com a lógica, mais instrumental, do conceito restrito de
literacia' presente no discurso da indústria. Já o segundo texto, de Armando
Loureiro e Artur Cristóvão, tendo também o contexto laboral como pano de fundo,
debruça-se no trabalho quotidiano dos técnicos de um Centro de Educação e
Formação de uma Associação de Desenvolvimento Local, para analisar o uso feito
pelos agentes e organizações da sociedade civil (em que existem ofertas de
educação de adultos) do discurso pedagógico oficialmente produzido pelo poder
central. Recorrendo ao modelo proposto por Bernstein, os autores retiram dos
dados obtidos que, embora seja visível uma dimensão importante em que ocorre
sobretudo a reprodução do discurso hegemónico, há, não obstante, também lugar
para a recontextualização local do mesmo. Neste caso opera, segundo os autores,
uma 'epistemologia prática' que a partir do conhecimento local usa, embora de
forma autolimitada pela dependência da actual lógica de candidaturas aos
financiamentos, o seu espaço de manobra' face ao Estado e ao discurso
pedagógico oficialmente difundido.
Evans é o autor do artigo com que encerra a terceira parte do livro, e na falta
de um prólogo é, também, o seu derradeiro texto. Nele o autor explora os dados
de uma investigação realizada através de uma abordagem biográfico-discursiva
sobre narrativas de aprendizagem do eu', no contexto pós-Wende, isto é, no
âmbito do impacto social do processo de reunificação da Alemanha. Com base nas
práticas discursivas e representações manifestas numa amostra de docentes
universitários da ex-Alemanha de leste, Evans perscruta as lacunas textuais'
das suas histórias de vida, interpretando-as à luz das mudanças estruturais
ocorridas nesta sociedade, que desvalorizaram o conhecimento biográfico' dos
indivíduos inscritos em culturas educacionais' concretas, criando o que o
autor designa de biografias de transição', onde a nova gramática social' das
mentalidades colectivas impera, neste caso, obrigando os indivíduos a realinhar
os termos sociológicos com que construíram as suas identidades até então,
concebendo novas trajectórias em ruptura com o percurso anterior.
De um certo modo, esta é uma forma particular de encerrar um livro, que
escolhe, como escrevem os editores na introdução, como temática transversal o
tema da acelerada mudança (social, económica, política e educacional) que desde
o final do século vinte vivemos globalmente. É particular, no nosso entender,
porque neste artigo o analista social confronta-se com dados empíricos que
relembram, ao leitor, o peso que a estrutura pode ter sobre a acção. No campo
das actuais políticas transnacionais de aprendizagem ao longo da vida que
estão, como também referem os editores, a atribuir novas responsabilidades e
deveres individuais ao cidadão, agora redefinido enquanto consumidor (para o
caso de bens e serviços educacionais) isto sugere, quanto a nós, que há uma
importante tensão por resolver, que é ideológica na sua base: é que, se a
educação não pode tudo', pode contribuir para reforçar uma estrutura social
crescentemente excludente e injusta, mas pode também contribuir para lhe
resistir.
O interesse deste livro é, portanto, significativo, porque pode ajudar a
conscientizar a nossa comunidade alargada de práticas, na esfera da educação de
adultos, acerca dos limites e constrangimentos da transformação social, mas
também acerca das possibilidades que um pensar global e crítico e um agir local
e engajado podem atingir.
Notas
1 Ver Nylander, E. (2010). Book Review. European Journal for Research on
the Education and Learning of Adults, Vol. 1, No.1-2, pp. 147-149.
2 Ver Barros, R. (2009). Políticas para a Educação de Adultos em Portugal '
A Governação Pluriescalar da «Nova Educação e Formação de Adultos» (1996-2006).
Braga: Universidade do Minho [Tese de Doutoramento].
Centro de Investigação em Educação
Instituto de Educação
Universidade do Minho - Campus de Gualtar
4710 Braga - Portugal
rpe@iep.uminho.pt