Construir a relação escola-comunidade educativa: uma abordagem exploratória no
concelho de Almada
Nota Introdutória
Este artigo explora a temática da relação entre escola e comunidade educativa,
a qual assume grande relevância social e científica na atualidade, tendo em
conta as tendências de evolução que vêm sendo identificadas no plano da
organização e funcionamento do sistema educativo português.
Como sublinha Ferreira (2003), nas últimas três décadas tem-se assistido à
proliferação de noções como autonomia, contrato, projeto, participação e também
comunidade, assim como à emergência de práticas e políticas de gestão da escola
que envolvem a parceria entre instituições, serviços e profissionais de
educação, saúde e serviço social. Tendo em conta este panorama, o objetivo
geral deste artigo é o de produzir uma reflexão sobre os contornos da relação
entre escola e comunidade educativa, mobilizando dados empíricos referentes a
um contexto territorial específico: o concelho de Almada. Numa primeira parte,
a temática é enquadrada e problematizada à luz, quer da evolução de modelos de
organização do sistema educativo português, quer de diversos contributos de
reflexão e pesquisa, produzidos sobretudo em Portugal, mas também noutros
países. Numa segunda parte, apresentam-se dados empíricos resultantes de um
inquérito por questionário respondido por todas as escolas do concelho de
Almada, o qual constitui a etapa exploratória de uma pesquisa de doutoramento1.
Por fim, na nota conclusiva, para além da sistematização dos resultados da
reflexão produzida no artigo, apontam-se pistas de investigação futuras que
permitam aprofundar a exploração da temática em análise.
Contextualização e perspetiva evolutiva da relação escola-comunidade
A relação entre escola e comunidade educativa vem assumindo uma centralidade
crescente nas últimas décadas, quer enquanto alvo de atenção dos debates
sociais e políticos, quer como objeto de pesquisa educativa. Esta situação tem
origem em tendências de evolução na organização do sistema educativo, as quais,
por seu turno, são indissociáveis de resultados da pesquisa educativa. Neste
sentido, a relação entre escola e comunidade configura, simultaneamente, uma
área de ação educacional e uma temática de investigação educativa que hoje se
revestem de significativa relevância social e científica.
Tendências evolutivas no plano internacional
Como sublinham diversos autores (Epstein & Sanders, 2000; Ferreira, 2003;
Canário, 2005) reportando-se à evolução registada na América do Norte e em
vários países europeus, a emergência do objeto de estudo escola' ocorre na
década de 1980. Por um lado, constatava-se, na época, que a sociologia da
educação estava muito frequentemente restrita ao escolar, mas sem considerar o
próprio estabelecimento escolar como um objeto científico e como um nível de
análise a explorar (Canário, 2005). Por outro lado, um conjunto de problemas
emergentes nos sistemas de ensino massificados e a tendência para valorizar a
ação dos estabelecimentos escolares nas suas especificidades para a resolução
desses problemas originavam a necessidade de explorar este nível de intervenção
e de análise.
Com efeito, na década de 1980 verificou-se que a expansão dos sistemas
educativos, que se havia intensificado após o final da 2ª Guerra Mundial,
coexistia com a permanência de desigualdades sociais no seu interior, ao mesmo
tempo que aumentavam as taxas de insucesso e abandono escolares. Na verdade, na
opinião de Zay (1996), a massificação da escola originou novos problemas,
nomeadamente com a entrada de gerações de jovens provenientes de meios que
contestam a cultura que a escola transmite e com problemas gerais da sociedade
pelos quais se tende a imputar a responsabilidade à escola, como seja o
insucesso escolar ou as dificuldades de inserção social e profissional dos
jovens. No sentido de ultrapassar estes constrangimentos, seguiu-se uma
evolução geral fazendo apelo à parceria, designadamente entre escola e pessoas
e instituições das comunidades locais, de modo a suplantar problemas
excessivamente complexos para serem resolvidos pela escola sozinha.
Assim, a expressão "escola em parceria" traduz uma mudança de paradigma
relativamente à expressão "abertura à comunidade", revelando uma passagem da
lógica burocrática baseada no cumprimento dos normativos para uma lógica de
parceria baseada na negociação entre atores sociais a quem é reconhecido o
poder de estabelecer contratos. Revela, ainda, a passagem de um paradigma
linear e causal a um paradigma sistémico, reconhecendo que os problemas das
escolas não podem ser tratados isoladamente de outros, tanto internos como
externos ao sistema educativo (Zay, 1996). Noutros termos, trata-se de
argumentar (como também defende Dias, 2003) que a abertura ao "meio" ou "à
comunidade" marca o primeiro período da relação escola-comunidade, constituindo
um esforço de aproximação entre a cultura escolar e as culturas dos alunos e
suas famílias, sem contudo alterar a forma de a escola se organizar e
funcionar. Ora, ao conceito de "escola aberta à comunidade", dominante durante
mais de 20 anos, foi sucedendo o de "escola em parceria", no sentido de sugerir
relações mais horizontais, aumentando o grau de responsabilização e de
participação local e gerando novas formas de regulação social (Dias, 2003).
Neste sentido, a escola não pode mais ser entendida como uma organização social
isolada, a qual se valida e justifica internamente. A escola deve ser encarada
como uma organização social que se insere numa determinada comunidade, a qual
tem de ser tida em conta na enunciação dos seus objetivos e perante a qual tem
de se responsabilizar em termos de resultados. Assim, uma perspetiva atomística
da educação é substituída por uma perspetiva sistémica, considerando-se a
escola como um sistema aberto, que resulta de uma dissolução das fronteiras
entre a escola e a comunidade envolvente (Branco, 2007). A expressão "envolver
para desenvolver", adotada por Marques (2003) no seu estudo sobre parcerias
educativas, é também ilustrativa desta tendência evolutiva.
Com efeito, no plano europeu, a partir da década de 1980, foram sendo
implementadas reformas em matéria de autonomia, com ritmos e intensidades
diversas nos vários países, sublinhando-se a necessidade de as escolas se
abrirem mais à comunidade e valorizando práticas de participação democrática
(Eurydice, 2007). Por exemplo, em Espanha, a Lei Orgânica do Direito à Educação
de 1985 estabelece a necessidade de estarem presentes, no processo de decisão
da escola, todas as partes da comunidade educativa, ao mesmo tempo que, em
França, o regime jurídico de 1985 estabeleceu normas para a abertura da escola
à comunidade educativa.
Durante os anos 90, continuou em aberto a concessão de uma maior abertura aos
participantes locais, acrescendo a esta preocupação uma outra centrada na
gestão eficiente dos fundos públicos. Deste modo, a autonomia encerra uma dupla
vertente, englobando, por um lado, a necessidade de descentralização de
responsabilidades para um nível mais próximo do campo de ação, apelando à
intervenção da comunidade educativa, e, por outro, a lógica de numa nova gestão
pública que garanta uma melhor utilização dos recursos públicos (Eurydice,
2007). Neste cenário, em países como República Checa, Polónia, Eslováquia,
Estados Bálticos e do Norte da Europa, as reformas relativas à autonomia
passaram a estar fortemente ligadas aos princípios da prestação de contas e
avaliação dos resultados, garantindo que as decisões tomadas asseguram a melhor
utilização dos recursos públicos, para além da concessão de novas liberdades
aos participantes locais (Eurydice, 2007).
No início do novo milénio, constata-se o reforço de políticas de autonomia em
países que já as haviam implementado, procurando-se ultrapassar as resistências
encontradas pelas primeiras reformas educativas desenvolvidas (veja-se os
exemplos de Espanha, Letónia, Eslovénia e França, entre outros), enquanto
outros país, como a Alemanha, Lituânia, Luxemburgo e Roménia, começam neste
período cronológico a ponderar o reforço da autonomia escolar (Eurydice, 2007).
Em síntese, a mudança educacional impôs uma redefinição do entendimento do
estabelecimento escolar, de uma unidade administrativa que prolongava a
administração centralizada da educação para uma organização singular com
especificidades locais em função das quais são reconstruídas as normas e a
cultura do sistema educativo em que se insere.
Do ponto de vista da investigação, privilegiar a escola como objeto de estudo
insere-se "quer numa tendência de alargamento do campo de investigação (que
ultrapassa as fronteiras do escolar), quer numa nova perspetiva de ler e
interpretar os fenómenos escolares" (Canário, 2005, pp. 52-53). Ou seja,
significa admitir o pressuposto de que em cada escola, pela ação dos atores
nela intervenientes e em função das particularidades do respetivo contexto, são
reconstruídas as orientações globais do sistema educativo.
O caso português
A evolução em matéria de modelos de gestão escolar em Portugal enquadra-se nas
tendências identificadas a nível europeu. A autonomia e a abertura à comunidade
educativa têm vindo a constituir palavras-chave de uma organização do sistema
educativo que se pretende mais descentralizada, democrática e com melhores
resultados educativos, desde a mudança política portuguesa de 1974. Se, durante
o período do Estado Novo (1926-1974), a administração da educação em Portugal
assumiu fortes características centralizadoras, constata-se que, no período
após o 25 de abril de 1974, apesar dos apelos à democraticidade e à
participação dos diversos atores no processo educativo, a alteração da lógica
centralizadora revelou-se difícil, não tendo correspondido plenamente a um
processo de descentralização e partilha de poderes que se considera necessário
e amplamente justificado (Lima, 1998). Ou seja, o processo de abertura à
comunidade encontra diversas resistências, não traduzindo ainda um verdadeiro
processo de estabelecimento de parcerias entre as escolas e as comunidades
locais que as envolvem.
Em meados da década de 1980, quando, a nível europeu, se verifica o início da
intensificação das tendências para a autonomia das escolas, é promulgada em
Portugal a Lei de Bases do Sistema Educativo (1986), na qual também se
estabelece que o sistema de ensino deverá "descentralizar, desconcentrar e
diversificar as estruturas e ações educativas, de modo a proporcionar uma
correta adaptação à realidade, um elevado sentido de participação das
populações, uma adequada inserção no meio comunitário, contribuindo para a
correção das assimetrias de desenvolvimento regional e local" (alíneas g e h do
artigo 3.º). Simultaneamente, estudos levados a cabo pela Comissão de Reforma
do Sistema Educativo (CRSE) sugeriram alterações na administração escolar, no
sentido de serem transferidos determinados poderes e funções do nível central
para o local, reconhecendo a escola como centro nevrálgico do sistema educativo
e a comunidade local como parceiro indispensável na tomada de decisões (Sousa,
2000). Na opinião de Afonso (1999), a aplicação desta intenção de
descentralização foi limitada pela excessiva normalização do poder central,
originando, com o passar dos anos, a desmobilização dos atores locais escolares
e justificando as tomadas de decisão a nível central. Algumas pesquisas
educativas publicadas neste período realçaram, igualmente, a fraca intensidade
das relações entre escola e comunidade no caso português.
Para Alves et al. (1997), no nosso país, tanto o envolvimento das famílias, das
autarquias, dos movimentos associativos e das empresas na escola é considerado
deficiente, como também é escasso o conhecimento que as comunidades científicas
e educativas têm sobre as práticas reais das escolas. Num estudo realizado na
Gafanha da Nazaré, Arroteia, Pardal, Costa, Martins, e Neto Mendes (1997)
procuraram conhecer a interação escola-comunidade tendo em conta a
identificação das características e dinâmicas sociais do território e a
adequação das respostas escolares aos interesses socioeconómicos da comunidade
local. Os autores verificaram a existência de uma escola concebida sem
atendimento à especificidade da população local, não se verificando articulação
com as necessidades próprias de uma sociedade em mudança e não se observando
qualquer indício de transformação por parte das empresas locais que apelasse a
possíveis ligações entre o mundo do trabalho e a educação/formação.
Apesar disso, do ponto de vista legislativo, é a partir dos anos 80 que a
relação escola-comunidade educativa emerge como uma dimensão relevante no
quadro normativo que regulamenta o sistema educativo português. Neste sentido,
segundo Branco (2007), é no Decreto-Lei n.º 115-A/98, de 4 de maio, que é
feita, pela primeira vez, referência explícita a um conceito mais alargado de
comunidade educativa afirmando a "representatividade dos órgãos de
administração e gestão da escola, garantida pela eleição democrática de
representantes da comunidade educativa" (artigo 4, alínea c). Este decreto de
1998 previa a introdução de um órgão de administração intitulado Assembleia de
Escola, o qual deveria ser constituído em partes iguais por representantes do
pessoal docente e por outros representantes (pais e encarregados de educação,
alunos, pessoal não docente e autoridades locais), através do qual se
assegurava a presença de elementos da comunidade educativa envolvente na
organização escolar. É que, de acordo com Formosinho (2007), este decreto
procurou reconciliar as diferentes posições sobre participação e autonomia das
escolas em debate durante a década anterior à sua promulgação. Uma das
posições, defendida pelas Associações de Pais, sublinhou a necessidade de
ultrapassar o modelo de administração das escolas públicas apenas por
professores e, consequentemente, enfatizou a necessidade de se criarem órgãos
de administração compostos por representantes de pais e da comunidade e com o
poder de selecionar/nomear o Diretor da escola pública. Outra posição, também
originária do período após 25 de abril e defendida pelos sindicatos dos
professores, acentuava a necessidade de as escolas públicas serem administradas
pelos respetivos professores que entre eles elegem o Diretor da escola.
A avaliação do processo de implementação do Decreto-Lei 115-A/98 evidenciou as
dificuldades de reforço de autonomia, apontando para um excesso de intervenção
da administração regional e central, com grande controlo nos textos dos
regulamentos internos, modificados na larga maioria (90%) das escolas
inquiridas e com a quase inexistência de assinaturas de contratos de autonomia
(Barroso, 2001, cit. por Lima, Pacheco, Esteves, & Canário, 2006). Lima et
al. (2006) argumentam que em 2001 as escolas portuguesas se encontravam no grau
zero de autonomia contratualizada, situação que consideram congruente com uma
política de educação de tipo centralizado-desconcentrado. Algumas pesquisas
educativas publicadas após a implementação deste modelo de gestão escolar
evidenciaram as potencialidades do estreitamento das articulações entre escola
e comunidade envolvente, ainda que também refiram as dificuldades e
resistências nesse relacionamento.
Num estudo que teve como objetivo implementar uma proposta de cooperação entre
diferentes parceiros locais, reconfigurando a organização educativa e social
com forte intervenção das políticas locais, Lopes (2003) concluiu ser possível
desenvolver práticas socioeducativas, organizadas em cooperação e com
diferentes parcerias, as quais produzem alterações concretas na proteção e
reedificação de património artístico e cultural local e, também, na melhoria
das condições físicas na escola. Numa outra perspetiva, Tavares (2007) procurou
construir e dinamizar, num estudo local, uma ligação entre a escola velha
esquecida e a nova escola recriada, procurando garantir que não se perca a
memória associada aos sítios e pessoas que lhe deram forma e vida. Concluiu que
o conhecimento endógeno do lugar e a sua valorização através de projetos
envolventes são vias conducentes ao desenvolvimento do local.
Já o estudo de Rodrigues (2008) se baseou numa tentativa de aprofundar e
compreender a dinâmica da estratégia em parceria em contexto local, procurando
investigar se a mesma é um instrumento eficaz e articulador das medidas de
intervenção local e se contribui para o fomento de mecanismos de cooperação e
interajuda entre os atores envolvidos no processo de desenvolvimento local.
Concluiu que o envolvimento da sociedade civil e a maior autonomia de
desenvolvimento local só poderão produzir resultados eficazes e adequados se os
atores tomarem consciência do trabalho em parceria e o interiorizarem nas suas
culturas organizacionais e nas suas práticas. Constatou ainda que o
envolvimento e dinamização das estratégias delineadas na parceria dependem da
coordenação, requerendo um envolvimento e capacitação dos parceiros locais
intervenientes. O planeamento das ações de melhoria e a delineação de
estratégias envolvem os atores, num esforço de cumprimento das metas e
objetivos a que se propuseram.
Também estudando e analisando parcerias num contexto local, Marques (2003)
evidencia o modo como as parcerias, embora vejam formalmente reconhecido o seu
papel social e educativo, continuam a ocupar um lugar secundário na vida da
escola, apresentando um dinamismo entorpecido por limitações legislativas e por
autonomias não assumidas, constituindo-se mais como complementos do que como
orientadoras da vida da escola e da comunidade. Num outro estudo (Branco, 2007)
com o objetivo de saber até que ponto o ideal de educação democrática exige o
aprofundamento da comunidade escolar, no sentido da comunidade educativa,
concluiu-se que, apesar do novo regime de autonomia conceder à escola um lugar
central, incentivando a construção de uma autonomia de escola baseada no
diálogo com a comunidade educativa envolvente, não se vislumbram dinâmicas
escolares com efeitos a nível da comunidade local.
Na avaliação que a OCDE (2007) produziu das relações da escola com a comunidade
envolvente, em Portugal, considera-se também que a representação dos diferentes
grupos da comunidade educativa, nomeadamente pais e encarregados de educação, é
bastante resumida e que o recrutamento dos seus representantes é feito,
essencialmente, junto de grupos sociais reduzidos e, não raro, de pais e mães
que são professores. De facto, embora assinale a inexistência de dados
extensivos (mesmo que apenas de mera descrição estatística), Silva (2006)
sustenta, a partir das suas pesquisas, que em múltiplas situações se verifica
que são pais que exercem atividade profissional como docentes que assumem mais
frequentemente e intensamente a participação das famílias nas escolas,
designadamente como protagonistas na liderança de Associações de Pais.
Por outro lado, a OCDE (2007) refere que o envolvimento com empresas está
relacionado essencialmente com o desenvolvimento da formação profissional, de
que é exemplo a articulação das escolas com ensino secundário com empresas da
região tendo como objetivo a escolha da oferta de cursos e a concretização de
estágios para os alunos. É também frequente o estabelecimento de relações com
vista ao desenvolvimento de estratégias de angariação de fundos e de apoio aos
projetos da escola, junto dos pais, das autarquias locais e empresas, criando
por vezes uma rede ativa de colaboração e parceria entre a escola e o meio
social envolvente.
Assim, globalmente, infere-se que não basta salvaguardar a participação formal
dos vários elementos da comunidade educativa prevendo o seu assento nos órgãos
de gestão das escolas e a sua participação na elaboração do projeto educativo,
sendo necessária alguma liderança na implementação de dinâmicas que
potencializem as relações entre as escolas e as instituições das comunidades
locais envolventes e que promovam a mobilização dos recursos existentes.
Mais recentemente, veio a ser promulgado, em Portugal, no ano de 2008, o atual
regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da
educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, que procura reforçar a
participação das famílias e comunidades na direção estratégica dos
estabelecimentos de ensino. Pretende-se concretizar este objetivo através da
instituição de um novo "órgão de direcção estratégica em que têm representação
o pessoal docente e não docente, os pais e encarregados de educação (e também
os alunos, no caso dos adultos e do ensino secundário), as autarquias e a
comunidade local, nomeadamente representantes de instituições, organizações e
atividades económicas, sociais, culturais e científicas" (Decreto-Lei n.º 75/
2008, de 22 de abril - Preâmbulo). A este órgão colegial de direção ' designado
Conselho Geral ' cabe a aprovação das regras fundamentais de funcionamento da
escola (regulamento interno), as decisões estratégicas e de planeamento
(projeto educativo, plano de atividades) e o acompanhamento da sua
concretização (relatório anual de atividades). Além disso, confia-se a este
órgão a capacidade de eleger e destituir o Diretor, que, por conseguinte, lhe
tem de prestar contas. Globalmente, as principais alterações introduzidas por
este Decreto-Lei são a substituição da Assembleia Geral pelo Conselho Geral,
com reforço na representação da comunidade educativa, e a alteração da lógica
de gestão escolar, que de colegial passa a unipessoal (centrada na figura do
Diretor).
Ora, na perspetiva de Lima (2009), esta redução do princípio da colegialidade,
associando-a sobretudo a órgãos de natureza consultiva e concentrando poderes,
é interpretada como uma evolução negativa, a qual origina uma autonomia de tipo
gerencial e técnico-administrativo desvinculada da democratização do governo
das organizações escolares. Para o autor, temos vindo a assistir, desde o
período que se seguiu ao 25 de abril de 1974, a uma perda de protagonismo e
legitimidade da categoria "gestão democrática das escolas" especialmente a
favor da categoria "autonomia das escolas".
Na perspetiva do Conselho Nacional de Educação também se indica que, no atual
modelo da avaliação externa, a participação dos representantes do poder local
está reservada à reunião inicial, onde são apresentados os pontos fortes e
fracos das unidades de gestão, e à reunião com o Conselho Geral, onde os
autarcas têm também assento (CNE, 2010). Para o CNE, este distanciamento não
resulta exclusivamente do modelo utilizado, sendo também reflexo de um certo
afastamento da comunidade envolvente, existente em muitas escolas. Assinala-se,
no entanto, que as estruturas representativas dos encarregados de educação,
nomeadamente as Associações de Pais e Encarregados de Educação (APEE), parecem
ter algum envolvimento na vida escolar em geral, embora ainda aquém do
desejável.
Contextualização da pesquisa
Tendo em conta o panorama traçado, diversas interrogações emergem. O nosso
objetivo, neste artigo, é contribuir para refletir sobre os sentidos atribuídos
à relação entre escola e comunidade educativa, mobilizando dados empíricos
recolhidos junto das escolas do concelho de Almada. Trata-se, portanto, de
explorar a perspetiva das próprias escolas na voz dos seus Diretores, cientes,
por um lado, de que estes são atores fulcrais da relação escola-comunidade,
mas, por outro, de que as escolas não são o único ator a configurar esta
relação, a qual depende também das dinâmicas e instituições locais, assim como
dos quadros macro de orientações de política educativa.
Apresentam-se dados que respeitam, pois, a um contexto territorial específico e
circunscrito, o que assenta em dois pressupostos. Um pressuposto corresponde à
nossa concordância com a afirmação de que o estudo do local, em educação,
necessita de um contexto concreto, que possa funcionar como plataforma de
observação das políticas públicas e das dinâmicas socioeducativas locais
(Ferreira, 2003). O outro pressuposto é o de que privilegiamos abordagens, no
estudo da regulação dos sistemas educativos, que permitam explorar o modo como
as orientações globais de política educativa são reconstruídas e
reinterpretadas a nível local. Em trabalho de pesquisa anterior, centrado num
outro tema educativo, tivemos oportunidade de argumentar, precisamente, que as
políticas educativas são, afinal, um resultado contingente das inter-relações
entre vários atores individuais e coletivos em diversos níveis (internacionais,
nacionais, locais e institucionais) de decisão (Alves, 2010).
Neste artigo apresentam-se dados resultantes de um questionário aplicado no
final do ano letivo 2009/10, tendo sido nesse mesmo ano que a maioria dos
Conselhos Gerais e Diretores eleitos iniciou funções ao abrigo do Decreto-Lei
de 2008 que configura o atual modelo de gestão escolar. Por isso, convém
salientar que o questionário é aplicado num contexto de mudança em que a
atenção sobre a temática da relação escola-comunidade educativa é reforçada, na
medida em que a presença de membros da comunidade nos órgãos de gestão escolar
é valorizada, contribuindo para promover a participação de comunidade das
autonomias escolares.
A relação escola-comunidade educativa: a perspetiva das escolas do concelho de
Almada
Nesta segunda parte do artigo, apresentam-se os dados resultantes do
questionário respondido por todas as escolas do concelho de Almada. Começamos
por explicitar brevemente os procedimentos metodológicos adotados na aplicação
do questionário para, em segundo lugar, caracterizar genericamente as escolas,
os alunos, a oferta formativa, bem como os órgãos de gestão das escolas
inquiridas. Por fim, a apresentação de dados organiza-se de modo a responder às
questões: O que entendem as escolas por relação com a comunidade? E como a
praticam? Que articulações existem entre cultura organizacional e tipo de
relação com a comunidade educativa?
Breve nota metodológica
Os dados empíricos que em seguida se apresentam resultam de um inquérito por
questionário respondido por todos os Agrupamentos e Escolas Não Agrupadas (A/
ENA) do concelho de Almada, constituindo um estudo exploratório da relação
entre escola e comunidade educativa neste território específico. Não obstante,
os dados permitem levantar questionamentos e enunciar reflexões que podem ser
pertinentes relativamente a outros territórios.
O questionário foi aplicado on-line em abril de 2010 e respondido por todos os
Diretores dos A/ENA do concelho de Almada, sendo que as escolas participantes
no estudo coincidem com o universo das escolas públicas do concelho. Foi
enviado um e-mail explicitando o objetivo do questionário, o modo de
preenchimento e a garantia da confidencialidade. No tratamento dos dados foram
utilizados procedimentos estatísticos descritivos, que consistiram no cálculo
de frequências absolutas e relativas, de medidas de tendência central, de
medidas de dispersão e cruzamentos simples. O programa informático utilizado
foi o SPSS (Statistical Package for Social Science), versão 18.0 para Windows.
As escolas, os alunos e a oferta formativa
Constata-se que no concelho de Almada existe uma forte presença dos
Agrupamentos Verticais, os quais constituem mais de metade (13) das 20 escolas.
A maior parte dos A/ENA (12) têm mais de 1000 alunos, sendo que 7 têm entre
1000 a 1500 alunos e 5 podem ser considerados A/ENA de grande dimensão, por
serem frequentados por mais de 1500 alunos. Os restantes (8) são frequentados
por menos de 1000 alunos. O Agrupamento com o corpo discente mais reduzido
apresenta 681 alunos.
Utilizando o número de alunos como instrumento de medida, os dados recolhidos
permitem, ainda, caracterizar o peso relativo de cada nível ou ciclo de ensino,
por tipologia. Naturalmente, nos Agrupamentos Verticais, os sectores do pré-
escolar e do 1º ciclo abrangem 48,6%, constituindo-se como o setor com maior
expressão, ultrapassando o 2º e o 3º ciclos, quer isoladamente, quer o conjunto
de ambos, que perfaz 46,6%. Estes dados coincidem, como era expectável, com os
que são divulgados pela Câmara Municipal de Almada2, a qual apresenta,
relativamente ao total de alunos do jardim de infância ao ensino secundário,
uma maior percentagem até ao final do 1º ciclo (37,5%), relativamente ao 2º
ciclo (17%) e 3º ciclo (24,5%), em 2008/09. Também a nível nacional3 os setores
do pré-escolar e 1º ciclo abrangem 59,5% do total de alunos matriculados até ao
final do 3º ciclo. Constata-se, ainda, que a componente do ensino secundário no
Agrupamento Vertical é muito reduzida, registando apenas 4,8%, o que
corresponde a três unidades de Agrupamentos/Escolas Não Agrupadas de ensino,
sendo que duas destas integram no seu projeto curricular todos os ciclos de
estudo. Nas escolas com 2º e 3º ciclo e ensino secundário, observa-se algum
desequilíbrio, sendo o número de alunos do 2º ciclo bastante reduzido (2,7% do
total). É interessante observar que é superior a expressão do ensino secundário
nestas escolas (84,3%), relativamente às escolas secundárias com 3º ciclo
(55,0%).
Na oferta formativa, constata-se a oferta de Cursos de Educação Formação (CEF)
em catorze unidades de ensino. Estes cursos "destinam-se, preferencialmente, a
jovens com idade igual ou superior a 15 anos, em risco de abandono escolar ou
que já abandonaram antes da conclusão da escolaridade de 12 anos, bem como
àqueles que, após conclusão dos 12 anos de escolaridade, não possuindo uma
qualificação profissional, pretendam adquiri-la para ingresso no mundo do
trabalho" (Despacho conjunto n.º 453/20044). Observa-se, ainda, que, em oito
agrupamentos, foram criadas turmas de Percursos Curriculares Alternativos
(PCA), compostas por alunos até aos 15 anos que se "apresentem em qualquer das
seguintes situações: problemas de integração na comunidade escolar; Ameaça de
risco de marginalização, de exclusão social ou abandono escolar; Registo de
dificuldades condicionantes da aprendizagem nomeadamente: forte desmotivação,
elevado índice de abstenção, baixa autoestima e falta de expectativas
relativamente à aprendizagem e ao futuro, bem como o desencontro entre a
cultura escolar e a sua cultura de origem", com o mesmo tipo de objetivos
(Despacho normativo nº 01/20065).
Os órgãos de gestão da escola e as Associações de Pais e Encarregados de
Educação
Relativamente aos órgãos de gestão, constata-se que a totalidade das escolas do
concelho de Almada é dirigida por um Diretor (cumprindo a legislação em vigor,
designadamente o Decreto-Lei n.º 75/2008), tendo todos eles entrado em função
em 2009/2010, com exceção de um, que está em exercício desde 2008.
Reportando-nos aos anos anteriores, constata-se que dezasseis dos atuais
Diretores tiveram anteriormente funções de gestão, ou como Presidentes de
Conselho Executivo (12), ou como Presidentes da Comissão Administrativa
Provisória (2), ou como Vice-Presidentes (1), ou ainda como Assessores da
Direção (1). Apenas quatro dos atuais Diretores não têm qualquer experiência
prévia no exercício de funções de direção e gestão.
Verifica-se, assim, uma certa estabilidade ao nível dos órgãos de gestão,
característica comum a quase todas as unidades participantes no estudo e que
revela um certo nível de continuidade e um eventual gosto pela administração
educacional: seis dos atuais Diretores encontram-se em funções de gestão há
mais de 15 anos, dois exercem-nas há entre 11 e 15 anos, e seis há entre 5 e 10
anos.
O Conselho Geral é composto por um número de elementos estabelecido por cada
Agrupamento/Escola Não Agrupada, nos termos do respetivo regulamento interno,
devendo ser um número ímpar não superior a 21, cumprindo também o que está
previsto no art.º 12 do Decreto-Lei n.º 75/2008. Constata-se que o número de
elementos que constituem o Conselho Geral varia de 19 (3 A/ENA) a 21 (17 A/
ENA).
No que respeita às Associações de Pais e Encarregados de Educação, os dados
recolhidos permitem-nos concluir que este tipo de associação foi constituída
durante o ano letivo anterior em cinco das unidades participantes neste estudo.
Em dez outros A/ENA, as respetivas APEE foram criadas entre 1988 e 2008. Nos
casos restantes, os atuais Diretores não referem ou desconhecem o ano da
constituição da APEE do seu A/ENA. Em quase todas as unidades, indica-se que a
APEE participa em algumas atividades que constam do Plano Anual de Atividades
do Agrupamento/Escola. Ainda que treze dos Diretores afirmem apoiar a
constituição de APEE e onze declarem disponibilizar sempre os recursos
necessários ao funcionamento da mesma, constata-se que só uma pequena parte dos
pais e encarregados de educação estão associados, variando o número de pais
associados nos A/ENA participantes entre 8 e 81 (sendo em média de 24,5). Estes
dados indiciam uma frágil representatividade dos associados das APEE face ao
número (muito mais elevado) de alunos das escolas.
O que entendem as escolas por relação com a comunidade? E como a praticam?
Tendo em conta os dados recolhidos, constata-se que as escolas entendem a
relação com a comunidade educativa numa lógica de abertura, como um conjunto de
práticas partilhadas com alguns elementos da comunidade, preferencialmente pais
e encarregados de educação. Apenas quatro dos Diretores afirmam envolver sempre
a comunidade educativa na avaliação interna e apenas cinco procuram auscultar
sempre da possibilidade de parcerias com instituições e empresas da região, de
acordo com o projeto educativo do Agrupamento. Esta situação poderá não ser
específica do território de Almada, uma vez que o Conselho Nacional de Educação
(2010), no parecer sobre a avaliação externa, indica que a participação dos
representantes do poder local está habitualmente reservada apenas à reunião
inicial, onde são apresentados os pontos fortes e fracos das unidades de
gestão, e ainda à reunião com o Conselho Geral, onde os autarcas têm também
assento. Considera a mesma entidade que este distanciamento não resulta
exclusivamente do modelo de avaliação, sendo também reflexo de um certo
afastamento da comunidade envolvente existente em muitas escolas.
Importa ainda salientar que as respostas à questão sobre o modo como a escola
realiza a auscultação das necessidades de articulação com o meio envolvente são
bastante variadas. Assim, esta auscultação é realizada pela equipa responsável
pelo projeto educativo em cinco Agrupamentos/ Escolas Não Agrupadas, num
pequeno conjunto (3) apenas pelo Diretor ou por alguém por ele indicado, também
num pequeno conjunto (3) pela equipa dos cursos CEF e cursos profissionais
(CP), e nos restantes A/ENA (9) por vários destes protagonistas em simultâneo.
Daqui se depreende que nem sempre a comunidade local e a autarquia são
envolvidas na construção de um plano de articulação entre a escola e o meio,
estando as decisões aparentemente centradas na escola, ou isoladamente na
figura do Diretor, ou em grupos de trabalho responsabilizados para essa tarefa.
Enquanto órgão responsável pela decisão de estabelecimento de parcerias com a
comunidade envolvente, os responsáveis pela gestão indicam: apenas o Diretor
(7); o Diretor e o Conselho Geral (1); o Diretor e o Conselho Pedagógico (1); o
Diretor, o Conselho Local de Educação e o Conselho Pedagógico (1); e o Diretor,
o Conselho Geral e o Conselho Pedagógico (10). Verifica-se, assim, que onze dos
vinte A/ENA envolvem o Conselho Geral nesta decisão, mas que em alguns a mesma
é realizada de forma isolada.
Os documentos orientadores do estabelecimento relativamente a parcerias e
protocolos com a comunidade educativa são, essencialmente, o projeto educativo
do Agrupamento/Escola Não Agrupada (5), o projeto educativo em conjunto com o
projeto de intervenção do Diretor (5), estes documentos associados ao projeto
curricular de escola (4) ou a outro tipo de documentos produzidos internamente,
como sejam o relatório da avaliação interna, relatório dos cursos profissionais
e relatório dos cursos de educação e formação (3). Num pequeno número de casos,
o documento orientador corresponde exclusivamente ao projeto de intervenção do
Diretor (3).
A forma como as escolas praticam a relação com a comunidade educativa
manifesta-se preferencialmente junto das APEE, que, em quase metade (9) das
escolas, são a entidade promotora das atividades de enriquecimento curricular
do 1º ciclo (AECs) e da Componente de Apoio à Família (CAF) no pré-escolar.
Também em quase metade (9) dos A/ENA se afirma que os pais e encarregados de
educação participam nas atividades da escola.
Algumas escolas, numa lógica de parceria, desenvolvem formas de articulação com
empresas locais, que respondem à necessidade de colocação em estágios de alunos
dos cursos profissionais e dos cursos de educação e formação (10) ou à
necessidade de apoio, com recursos materiais e técnicos, aos alunos com
Necessidades Educativas Especiais (NEE) (4).
Que articulações existem entre cultura organizacional e tipo de relação com a
comunidade educativa?
De acordo com Sousa (2006, p. 160), pode definir-se cultura organizacional como
"o cimento que dá significado e coerência a um grupo/organização e orienta as
suas ações presentes e futuras". A cultura concede uma identidade própria à
organização, norteia a variedade individual para comportamentos conciliáveis
com um objetivo comum, responde às necessidades de ordem, previsibilidade e
segurança por parte dos indivíduos e dos grupos e possibilita lidar com a
incerteza, quer no cumprimento das tarefas em comum, quer quanto ao
posicionamento face ao exterior. Assim, o tipo de cultura predominante numa
organização influencia o desenvolvimento de temas comportamentais como o tipo
de autoridade considerado legítimo, o tipo de motivação para o trabalho, o tipo
de liderança dominante, o relacionamento entre grupos, a forma de lidar com o
conflito, com as regras e as prioridades para os novos membros.
Sousa (2006) identifica quatro tipos de cultura organizacional: autocrática
(poder); burocrática (papel); realização; e apoio. A organização orientada por
uma cultura de poder baseia-se na desigualdade de acesso aos recursos
(privilégios, condições de trabalho, segurança), sendo este controlado por quem
manda. Na cultura burocrática, o poder do líder é substituído por um conjunto
de estruturas e procedimentos. Estes protegem os subordinados e dão
estabilidade à organização. Os deveres e recompensas dos membros estão
definidos e são objeto de um contrato explícito entre a organização e o
indivíduo. Tanto a cultura autocrática como a burocrática dependem do uso de
penalizações e de recompensas externas ao trabalho, em si, para motivar as
pessoas.
Na cultura de realização, o gosto pelo trabalho e a interação com colegas e
clientes constituem recompensas intrínsecas, mais qualitativas que
quantitativas, e advêm da natureza das tarefas e do contexto em que têm lugar.
É uma cultura centrada no cumprimento de objetivos e orientada para a execução
de tarefas. Por fim, a cultura de apoio é mais orientada para as pessoas,
baseando-se num clima de confiança mútua entre o indivíduo e a organização.
Neste tipo de cultura, as pessoas acreditam que são valorizadas como seres
humanos, e não como peças de uma máquina ou meros contribuintes para uma
tarefa.
Procurou-se, em seguida, e de acordo com o modelo descrito, que adota a
metodologia proposta por Sousa (2006), conhecer o tipo de cultura
organizacional predominante no concelho de Almada. Constata-se que, em doze dos
A/ENA do concelho de Almada, sobressai uma cultura de realização da
organização, orientada essencialmente para a consecução de objetivos, os quais
são participados e partilhados. Em seis Agrupamentos/Escolas Não Agrupadas, a
escolha predominante relaciona-se com uma cultura burocrática, orientada
essencialmente para cumprimento dos diplomas legais, pouco apelativa à
participação e inovação. Por fim, em dois dos Agrupamentos/Escolas Não
Agrupadas, os dados recolhidos denotam a existência de uma cultura de apoio,
orientada principalmente para a satisfação dos profissionais. Em nenhum dos A/
ENA se verificou a existência de uma cultura de tipo autocrático, fortemente
assente no exercício do poder.
Comparando a percentagem de escolha da opção "sempre" nas questões de
sinalização de dinâmicas com a comunidade6, verifica-se que os A/ENA com um
tipo de cultura de realização apresentam valores superiores (29,2%),
contrastando com aqueles caracterizados por uma cultura de apoio (5,4%) ou por
uma cultura burocrática, nos quais a sinalização de relacionamento com a
comunidade é quase inexistente (0,8%). Ou seja, a afirmação mais intensa de
promoção de relações com a comunidade parece tender a ser mais frequente nas
organizações com uma "cultura de realização".
Constata-se ainda a existência de uma relação entre: por um lado, a tipologia
das unidades orgânicas e o número de escolhas relacionadas com a realização de
projetos, atividades e parcerias locais; e, por outro, aquela tipologia e a
intensidade com que estas realizações são implementadas. De facto, é no
conjunto das escolas secundárias que mais frequentemente os inquiridos declaram
procurar "sempre" estabelecer articulações, seja com a autarquia, seja com
outras instituições de ensino e instituições locais. Do mesmo modo, verifica-se
que os A/ENA com cursos de educação e formação e cursos profissionais têm
dinâmicas mais frequentes de articulação com a comunidade, nomeadamente no que
respeita a: divulgação da sua imagem e oferta junto da comunidade;
concretização de fontes de financiamento alternativo junto da comunidade;
desenvolvimento de projetos em conjunto com a autarquia; coordenação de
atividades com a rede social local; e intenção de reforço do relacionamento com
a comunidade.
Contudo, é nos A/ENA inseridos no programa dos Territórios Educativos de
Intervenção Prioritária (TEIP), localizados em meios socioeconómicos
desfavorecidos, que se verifica de um modo mais intenso a sinalização da opção
"sempre" pelos inquiridos, no sentido do estabelecimento mais ativo de
dinâmicas com a comunidade e respetivas instituições. Salientam-se, neste
domínio: o incentivo para a constituição da APEE; a disponibilização de
recursos com vista ao funcionamento da APEE; a coordenação com instituições
visando a sinalização e intervenção junto de jovens em situação de risco; e a
solicitação de instalações (a instituições, por parte das escolas) para a
concretização de atividades. Este facto justifica-se, à luz do Despacho 147-B/
ME/96, porque, ao criar os TEIP, se propõe como medida o estabelecimento de
relações de parceria, por parte da escola, "com outras entidades que concorram
para a existência de uma efetiva articulação de espaços e recursos e para a
construção de uma efetiva igualdade de oportunidades de formação" (Bettencourt
et al., 2000, p. 179).
Por fim, sublinhe-se que não se verificou existir qualquer relação entre a
antiguidade em cargos de gestão e a intensidade da dinâmica estabelecida com a
comunidade.
Em síntese, o estabelecimento de interações com a comunidade educativa, para
além de se relacionar com uma cultura de escola centrada no cumprimento dos
objetivos e na realização das tarefas, parece ser fortemente influenciado, nuns
casos, pela inclusão das escolas em medidas políticas específicas que permitem
usufruir de recursos adequados à potencialização daquelas (por exemplo, os
TEIP), sendo, noutros casos, o resultado da dinâmica das próprias escolas para
assegurar atividades e projetos em articulação com a comunidade congruentes com
a oferta formativa específica dessas mesmas escolas.
Nota Conclusiva
Tal como se referiu anteriormente, o presente artigo reporta dados da fase
exploratória de uma pesquisa de doutoramento, constatando-se que a estrutura de
Agrupamento/Escolas Não Agrupadas (inquiridas) parece convergir com o perfil
geral a nível nacional se tivermos por referência o número de alunos e sua
distribuição pelos diferentes níveis e ciclos de escolaridade.
Na fase exploratória, torna-se possível evidenciar, relativamente às escolas do
concelho de Almada, alguns traços caracterizadores da relação das escolas com
as comunidades envolventes. Começamos por destacar que a maioria dos Diretores
aprecia a presença da comunidade no Conselho Geral, reconhecendo a estes
elementos um envolvimento significativo e um contributo para a potencialização
de parcerias educativas. Genericamente, todas as escolas manifestam a intenção
de reforçar a relação com a comunidade educativa, embora não considerem esta
linha de atuação uma prioridade, apesar das alterações de gestão estratégica
introduzidas pela legislação. Consequentemente, apenas um número reduzido de
escolas afirma pretender que estas sejam também um recurso educativo da
comunidade local.
Os dados recolhidos permitem também evidenciar que o estabelecimento de
relações da escola com a comunidade envolvente parece ter origem,
essencialmente, na atuação da Direção das escolas, não surgindo frequentemente
como um plano assumido e delimitado pelos órgãos de gestão escolar na sua
globalidade. É também relevante referir que os principais atores da comunidade
educativa considerados pelas escolas são os pais e encarregados de educação,
individualmente considerados ou nas suas estruturas associativas de
representação. Por um lado, consideramos que este resultado pode indiciar a
existência de um entendimento muito circunscrito da diversidade de grupos,
recursos e atores inerentes a qualquer comunidade envolvente de uma escola. Por
outro lado, assinalamos que as Associações de Pais e Encarregados de Educação
têm vindo a constituir-se de modo mais intenso recentemente e na sequência,
quer do novo modelo de administração e gestão das escolas portuguesas, quer da
necessidade de assegurar e dinamizar atividades de enriquecimento curricular e
componente de apoio à família, sobretudo no pré-escolar e 1º ciclo.
Adicionalmente, verificou-se que o tipo de cultura organizacional, a tipologia
da escola, as dinâmicas de funcionamento e a oferta formativa inerentes a cada
um dos tipos de escola estão relacionados com a iniciativa das escolas em se
articularem mais intensamente com a comunidade envolvente, assim como a
inclusão da escola em medidas específicas de política educativa como os TEIP
contribui para a promoção desse tipo de relacionamento entre escola e
comunidade.
Este conjunto de traços caracterizadores da relação das escolas com as
comunidades envolventes converge com as tendências identificadas na primeira
parte deste artigo, nomeadamente configurando, em termos globais, uma lógica de
abertura à comunidade possivelmente em transição para uma lógica de parceria
entre escola e comunidade que não é (ainda?) claramente identificável. Ou seja,
existem indícios que apontam para a valorização deste tipo de relações por
parte dos Diretores de escolas do concelho de Almada, mas constata-se o caráter
ténue e circunscrito dessa relação, adivinhando-se a existência de
significativas dificuldades e obstáculos nestas dinâmicas.
Assim sendo, torna-se pertinente, em nosso entender, desenvolver uma abordagem
de um caso específico que permita a caracterização e compreensão mais
aprofundada das dificuldades e resistências à dinamização das relações escola-
comunidade, assim como a exploração de modalidades de promoção dessa mesma
relação. Nesse sentido, teve já início uma segunda etapa da pesquisa de
doutoramento, centrada no caso de uma escola situada no concelho de Almada.
Pretende-se, por um lado, produzir um conjunto de recomendações que possam ser
úteis para dinamizar a relação escola-comunidade, a partir do estudo de um caso
concreto e da análise das resistências, dificuldades, potencialidades e
possibilidades que esse mesmo caso encerra. Por outro lado, pretende-se
evidenciar que estes processos se configuram como oportunidades educativas
(formais, não-formais e informais) para os vários atores envolvidos na relação
escola-comunidade.
Na nossa perspetiva, a relação entre escola e comunidade educativa, para além
de constituir uma questão de gestão e administração escolar, podendo ser
abordada numa perspetiva de compreensão da(s) lógica(s) territorial(is) de
inscrição espacial das políticas e práticas educativas, constitui ainda uma
temática que deve ser explorada no plano dos seus sentidos e efeitos para a/na
experiência e trabalho educativo de professores, alunos e outros atores
envolvidos, tal como também parece sugerir Canário (2005). O trabalho de
pesquisa relatado neste artigo constitui, afinal, o ponto de partida de um
projeto de investigação educativa mais amplo e em desenvolvimento.