Editorial
Editorial
Maria de Lourdes Dionísio e Fátima Antunes
A Revista Portuguesa de Educação inicia mais um ano da sua existência com um
volume constituído por doze textos, os quais, como é sua característica, têm
origem nos múltiplos campos do pensar e fazer Educação. É também um número
inaugural, desta vez porque inicia a sua divulgação em edição online, no
sistema OJS, propiciado pelo Serviço de Alojamento de Revistas Científicas
(SARC), do Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (RCAAP). Com
esta medida, reforça-se o estatuto de máxima excelência que a revista quase
artesanalmente foi construindo para si, ao mesmo tempo que, de forma mais
cabal, se concretizam os seus objetivos de sempre, nomeadamente o de difundir
conhecimento original e atual e fomentar o desenvolvimento de redes científicas
nacionais e internacionais.
Abre o número com um texto de Susana Gonçalves no âmbito dos efeitos do sexo,
do estilo educativo parental e da experiência no ensino superior sobre as
variações nas escolhas dos estudantes quanto aos valores sociomorais, inferidos
a partir dos seus modelos sociais de excelência. Se os atributos de natureza
sociomoral parecem contribuir mais para essa avaliação de excelência moral,
outros são também considerados relevantes. Por outro lado, confirma-se a
decisiva influência dos processos de socialização durante a infância e
adolescência nas preferências dos estudantes, mesmo se os professores e outros
profissionais assumem um papel importante na sua organização e formação
sociomoral. Se os valores e os modelos de excelência variam de acordo com os
papéis sociais e os contextos em que são avaliados, também o género e os
estilos educativos parentais afectam as escolhas de valores, que apenas de
maneira difusa aparecem influenciados pela experiência no ensino superior.
Tiago Ribeiro Santos e Rita de Cássia Marchi, posicionados na interface da
sociologia da educação com a história da educação, instituem um romance
brasileiro, publicado originalmente em 1888, como objeto de análise dos ritos
de instituição de um colégio de elite da época: o Ateneu. Tendo como objetivo
destacar as condições simbólicas que permitem a reprodução da ordem interna, e
assumindo, na esteira de Bourdieu, que a literatura constrói realidades, os
Autores concluem que as práticas constitutivas dos ritos nessa instituição,
para além de se apresentarem como o expoente máximo da educação do seu tempo,
consagram a escola, na medida em que ratificam e reproduzem a crença que lhe
é atribuída.
A criação da Agência Nacional de Educação e Formação de Adultos (ANEFA) em
Portugal, em 1999, é analisada por Rosanna Barros, no quadro da emergência da
europeização das políticas e da governação pluriescalar para o sector.
Argumenta-se que um entendimento paliativo para a missão da educação e
formação dirigidas a adultos foi expressão da força do mandato europeu de
articulação entre educação, formação e emprego, que inscreveu o setor na agenda
política do governo e promoveu a reconcetualização das suas temáticas
tradicionais no âmbito das novas políticas de EFA. De acordo com a autora, a
ANEFA desempenhou um papel chave no arranque das novas estratégias políticas de
emprego e formação de ativos, contribuindo para legitimar uma mais vasta
reformulação do papel do Estado de bem-estar (cada vez mais mitigado) na
produção de políticas sociais.
O quarto texto, da autoria de Patrícia Sá e Fátima Paixão, problematiza o
conceito de competência, integrando e sistematizando elementos diversos,
entendidos pelas Autoras como capazes de contribuir para a compreensão de um
conceito tão complexo como este é. Da análise de divergências e consensos,
concluem que o termo é impreciso, o que acaba por ter um impacto negativo em
vários lugares de decisão e práticas, nomeadamente nos discursos internacionais
sobre as reorganizações curriculares com enfoque nas competências. Neste
sentido, defendem a necessidade da continuação da investigação sobre a temática
de modo a garantir a eficácia num ensino assim orientado e de acordo com os
princípios de Bolonha.
Situados explicitamente no quadro do processo de Bolonha, os Autores do texto
Implementação de novas práticas pedagógicas no Ensino Superiorapresentam a
fundamentação e o desenvolvimento do projeto Construção da Aprendizagem,
tomando como referências o ensino centrado no estudante e baseado na
aquisição de competências, numa instituição de ensino superior portuguesa,
desde 2010/2011. Tendo sido já desenvolvido ao longo de várias fases, foi
possível recolher informação de natureza diversa e reformular quer os processos
quer os instrumentos de registo e avaliação, bem como sistematizar e comunicar
algumas das suas realizações.
Álvarez Arregui, Rodriguez Martín e Gonçalves, adotando uma perspetiva
biológica de ecosistema, apresentam dados no âmbito de uma investigação
longitudinal sobre formação blended learning, opção educativa que aproveita as
vantagens das tecnologias e do ensino presencial. Com o objetivo de conhecer
como valorizam os estudantes o ecosistema de formação desenhado e quais os
efeitos nos estilos de aprendizagem, o estudo exploratório realizado permitiu
identificar pontos fortes e fracos do modelo, entre outros e respetivamente, o
uso de metodologias ativas e a necessidade de aperfeiçoar os sistemas de apoio
como, por exemplo, as tutorias entre pares.
O sétimo texto, de Preciosa Silva, Ana Maria Morais e Isabel Pestana Neves,
toma como objeto de análise vários documentos reguladores do Ensino de Ciências
no 1º ciclo do Ensino Básico. Sustentada na teoria do Discurso Pedagógico de
Basil Bernstein, a análise sobre o que se ensina e sobre a forma como se ensina
dá conta das diferenças nas mensagens desses documentos. Tais diferenças,
segundo as Autoras, podem influir negativamente tanto nas práticas dos
professores como na concepção dos manuais escolares.
Na continuidade da linha de investigação do texto anterior, aliás já longamente
desenvolvida pela equipa em que se situam as Autoras, Vanda Alves e Ana Maria
Morais discutem em que medida a prática pedagógica de professores de Ciências
Naturais recontextualiza o Discurso Pedagógico Oficial veiculado no currículo
da mesma disciplina. Construindo um percurso metodológico que combina as
abordagens qualitativa e quantitativa, a investigação apreendeu processos de
recontextualização quer ao nível do campo de recontextualização oficial quer
entre este e o campo de reprodução pedagógica. Os sentidos desses processos
suscitam, de acordo com as Autoras, fundadas questões, em particular no que
toca a formação de professores e a promoção do desenvolvimento profissional em
contextos de maior autonomia pedagógica, com vista ao favorecimento da
literacia científica de todos os alunos.
Igualmente situadas na sala de aula, particularmente nos recursos para o ensino
da Matemática, Dilaila Botas e Darlinda Moreira apresentam um estudo que teve
por objetivo conhecer os materiais didáticos mais frequentes na prática
pedagógica de um agrupamento de escolas do 1º ciclo e que concepções
pedagógicas presidem a esse uso. Apresentando-os como materiais que ajudam os
alunos na aprendizagem, os professores do estudo valorizam estes recursos
sobretudo pelo seu lado motivador e, confirmando outras investigações, encaram-
nos como imprescindíveis para a aprendizagem matemática e compreensão de
situações abstratas
Com o título Projetos de Educação para a saúde em meio escolar: da avaliação às
práticas de referência, o artigo seguinte explora um modelo avaliativo
desenvolvido num estudo multicasos e analisa práticas de referência no campo.
Foram considerados cinco projectos em curso em 2009/10 em outras tantas
escolas/Agrupamentos de 2º e 3º CEB, um por cada Direção Regional de Educação.
O estudo permitiu construir um referencial de avaliação externa, capaz de
complementar o processo de avaliação interna, assim como de caraterizar
práticas de referência como contributo relevante para contextualizar e analisar
as dinâmicas das intervenções e sustentar a reflexão sobre as problemáticas
evocadas.
Cláudia Colaço e Isabel Sanches, no âmbito de uma investigação-ação realizada
numa escola de 1º ciclo do ensino básico, e que teve como objetivo promover a
aprendizagem de um grupo de alunos que contava no seu seio com uma criança
considerada com necessidades educativas especiais de carácter permanente,
apresentam os dados de uma intervenção que pretendeu criar um ambiente
inclusivo para cada aluno. Por recurso a estratégias de aprendizagem
cooperativa, aumentaram a qualidade e quantidade das aprendizagens das
crianças, ao mesmo tempo que promoveram uma outra forma de olhar' a
diferença.
No último texto, Eduardo Alves discute como tem vindo a desenhar-se na Madeira,
em paralelo com a evocação legitimatória do discurso da competitividade e da
implementação da lógica do mercado, quer o sistema educativo regional quer o
debate em torno da centralização/descentralização. O artigo aborda a
problemática e o processo de autonomia no contexto português pós-25 de Abril,
com destaque para a Região Autónoma, a fim de analisar visões e tempos
políticos da educação na Madeira. O Autor argumenta a favor de perspetivas
futuras na senda de uma regulação autónoma educativa e de um projeto e
subsistema educativos regionais próprios, em sintonia com um horizonte de
desenvolvimento endogenamente referenciado e articuladamente construído.
Encerra o número com duas recensões, uma da autoria de Dora Luís sobre uma obra
de Rosanna Barros, Genealogia dos Conceitos em Educação de Adultos: Da Educação
Permanente à Aprendizagem ao Longo da Vida ' Um estudo sobre os fundamentos
político-pedagógicos da prática educacionale outra de Silvania Colaço e Cândida
Pinto sobre a obra coletiva Projetos de letramentos: debates e aplicações.
Centro de Investigação em Educação
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