Gerir a diversidade: contributos da aprendizagem cooperativa para a construção
de salas de aula inclusivas
Introdução
O trabalho de investigação que desenvolvemos emergiu de uma inquietação que tem
vindo a acompanhar a nossa prática pedagógica, enquanto docente de educação
especial: a de procurar respostas educativas cada vez mais eficazes para, em
colaboração com os docentes de ensino regular, conseguir uma efetiva inclusão
social e académica dos alunos considerados com necessidades educativas
especiais (NEE), promovendo aprendizagens significativas em contexto escolar e
na construção dos seus projetos de vida. A diversidade de alunos que passou a
frequentar a escola provocou um redimensionar do próprio conceito de diferença
e uma impossibilidade de continuarmos (professores) indiferentes a tantas
diferenças individuais e à persistência de um insucesso escolar generalizado
que, como refere Perrenoud (2001), parece continuar a ser comodamente explicado
como a fatalidade do fracasso (p. 17).
Ao obtermos uma visão mais alargada dos conceitos de diferença' e educação de
qualidade', compreendemos que a verdadeira inclusão só pode ser concretizada na
sala de aula. Não é retirando o(s) aluno(s) desse espaço, como se de um ser-
problema-indesejado' se tratasse, mas retirando, sim, o professor do centro da
aula. Tal mudança será viabilizada através da implementação de metodologias
ativas que permitam a cada aluno, com ou sem NEE, construir o seu percurso em
interação permanente com as pessoas que pertencem ao seu grupo e com ele
vivenciam situações de aprendizagem, delas retirando conhecimento e experiência
para a vida.
Por conseguinte, e na tentativa de inovar também nas nossas práticas, desde
sempre contextualizadas em escolas de ensino secundário e de 2º/3º ciclos do
ensino básico, onde a intervenção do docente de educação especial é
tradicionalmente realizada junto do professor da disciplina (apoio indireto aos
alunos) ou em contexto extra-sala de aula, colocámos intencionalmente o enfoque
da nossa investigação na turma e no trabalho em sala de aula. Foi nosso
objetivo promover a inclusão educativa de todos os alunos e não só da aluna com
maiores dificuldades de participação, aprendizagens e interação com os colegas,
como tradicionalmente é feito. A partir deste enfoque, emergiu a seguinte
questão de partida: Poderemos tornar esta sala de aula mais inclusiva, através
de uma efetiva parceria pedagógica e da criação de situações de aprendizagem
assentes em métodos da aprendizagem cooperativa?
No sentido de operacionalizar a nossa questão de partida, estipulámos os
seguintes objetivos gerais para o nosso projeto:
- promover a socialização de saberes académicos na turma, através de
estratégias de diferenciação pedagógica baseadas no trabalho cooperativo entre
os alunos;
- promover a inclusão da aluna caso' através do desenvolvimento de
competências pessoais, sociais e académicas no seio da turma;
- alterar as dinâmicas da sala de aula, centradas no discurso do professor e
no trabalho individual do aluno;
- aumentar a confiança da encarregada de educação da aluna caso' nos
agentes educativos que trabalham com a sua educanda e a aceitação das
características cognitivas da mesma;
- desenvolver a capacidade autocrítica e autorreflexiva, quer nos alunos,
quer nas docentes.
Contextualização teórica
Educação inclusiva: Uma escola de todos e para cada um
O movimento inclusivo iniciado nos finais do século XX, impulsionado por
conferências, acordos políticos e declarações mundiais, como sejam a
Conferência de Jomtien (1990), a Declaração de Salamanca (1994), a Declaração
de Madrid (2002), a Convenção sobre os Direitos das pessoas com deficiência
(2007), entre outras, ainda não está consubstanciado em práticas consistentes
no quotidiano da docência. No entanto, ajudou a questionar alguns dos
princípios, tradicionalmente aceites, entre eles o de que ensinar a todos como
se apenas de um se tratasse (Teodoro, 2006) não mais poderá continuar a
competir, por um lado, com a heterogeneidade e diversidade dos clientes' das
nossas escolas de hoje e, por outro, com os princípios de equidade e
responsabilidade partilhada, defendidos pelas sociedades mais evoluídas. Se tal
continuar a acontecer por mais tempo, corre-se o risco de, tal como refere
Sanches (2005), em breve, serem mais os excluídos que os incluídos (p. 133),
dadas as elevadas taxas de insucesso escolar a que continuamos a assistir nas
nossas escolas. Não têm resolvido este problema as frequentes reorganizações
curriculares, a panóplia de mecanismos, planos nacionais e planos educativos de
reforço das aprendizagens, atualmente montados no sistema educativo português.
O termo inclusão, que encerra em si um conjunto de princípios e direitos
consagrados por lei, exige, sobretudo, a preparação da escola para atender
todos os alunos, respeitando cada um na sua singularidade, sejam eles
considerados ou não com NEE, únicos nas suas características físicas,
psicológicas, raciais ou culturais. Como se encontra bem patente na Declaração
de Salamanca (UNESCO, 1994), as escolas devem ajustar-se
a todas as crianças independentemente das suas condições físicas,
sociais, emocionais, linguísticas ou outras. Neste conceito, terão de
incluir-se crianças com deficiência ou sobredotados, crianças da rua
ou crianças que trabalham, crianças de populações remotas ou nómadas,
crianças de minorias linguísticas, étnicas ou culturais e crianças de
áreas ou grupos desfavorecidos ou marginais (p. 6).
O mesmo será dizer que, ao contrário do modelo tradicional que exige, por parte
do aluno, a sua adequação à norma vigente, é à escola do século XXI que cabe
outrar-se', isto é, flexibilizar-se e adequar-se, indo ao encontro das
características individuais dos alunos, das suas necessidades e potencialidades
e fazendo da diferença uma mais-valia para o desenvolvimento de cada um, com
benefícios claros para todos. A verdade é que a escola, na sua atitude de
(mera) aceitação dos diferentes', tolerando a sua presença no mesmo espaço
físico dos outros alunos, tem teimado em não chamar a si as atribuições causais
do insucesso de alguns, querendo perpetuar a ideia da inadequação' do aluno
diferente' ao sistema, cuja estrutura, de alguma forma, se mantém securizante
e sem riscos para os que a ela se vão conseguindo ajustar. De tal forma o
conceito de inclusão tem sido maltratado' que alguns autores, como Correia
(2008), chegam a advogar que é tempo de deixarmos de tratar a inclusão em
termos de classes inclusivas, escolas inclusivas ou mesmo de alunos incluídos
(p. 11). Embora considerando que o facto de falar em inclusão é, por si só, um
ato exclusivo, esse facto não nos pode impedir, neste momento, de combater a
exclusão, não só com o discurso, mas também com mudança de culturas, de
políticas e de práticas (Ainscow, 1999; Both, Ainscow, Black-Hawkins, Vaughan,
& Shaw, 2000; Rodrigues, 2003; Gardou, 2003; entre outros), fazendo desse
processo o grande desafio da educação de hoje, como nos diz Sanches (2005):
A mudança geradora de uma educação inclusiva é um dos grandes
desafios da educação de hoje porque imputa à escola a
responsabilidade de deixar de excluir para incluir e de educar a
diversidade dos seus públicos, numa perspectiva de sucesso de todos e
de cada um, independentemente da sua cor, raça, cultura, religião,
deficiência mental, psicológica ou física (p. 128).
Educar, incluindo, passa pela reorganização do processo de ensino-aprendizagem,
descentrando das problemáticas individuais, dos planos educativos individuais e
dos apoios especializados para a qualidade do processo educativo (Leitão,
2007). A perspetiva de resposta individual, a dominante na maioria dos países
(Mittler, 2000), e que tenta ocultar diferentes razões (culturais, sociais,
entre outras), tem de ser substituída por uma resposta coletiva, obrigando a
medidas mais estruturantes e mais abrangentes. A estratégia poderá passar por
não ir atrás da deteção das dificuldades/défices, mas, proativamente, ir ao
encontro das soluções que têm vindo a ajudar a resolver os problemas, os
desafios que se colocam às comunidades, sociais e educativas, caracterizadas
pela diversidade dos seus públicos, mobilizando, corresponsabilizando e fazendo
interagir todos os intervenientes e os próprios contextos (Sanches, 2011b).
O caminho para a construção de escolas verdadeiramente inclusivas
Diferenciação pedagógica: A inclusão em ação
Diferenciar não significa necessariamente incluir. Como refere Rodrigues
(2003), a diferenciação ou flexibilização curricular encontra-se ( ) há muito
tempo presente nos nossos sistemas educativos, só que não necessariamente numa
perspectiva inclusiva (p. 92). A criação de turmas especiais (turmas de
percursos alternativos e os Cursos de Educação e Formação, por exemplo) ou,
como denuncia Rodrigues (2003), o sistema paralelo de educação especial, seja
em escolas especiais ou em salas de apoio, extra sala de aula, são exemplos
claros de tentativas de diferenciação curricular. Também Roldão (2003) destaca
que a diferenciação curricular acabou por se estruturar historicamente como
uma solução curricular não inclusiva (p. 156), o que vai ao encontro da
organização de currículos diferentes para classes sociais e grupos de alunos
diferentes. Ora, como aponta Rodrigues (2003):
a diferenciação que se procura na inclusão é a que tem lugar num meio
em que não se separam os alunos com base em determinadas categorias,
mas em que se educam os alunos em conjunto, procurando aproveitar o
potencial educativo das suas diferenças, em suma, uma diferenciação
na classe assumida como um grupo heterogéneo (p. 92).
Para Heacox (2006), o ensino diferenciado significa alterar o ritmo, o nível
ou o género de instrução que o professor pratica, em resposta às necessidades,
aos estilos e aos interesses dos alunos (p. 10).
Diferenciar passa, então, por conceder a cada aluno, de acordo com as suas
potencialidades, a oportunidade de ter um lugar que é o seu, bem desenhado' no
espaço do aprender, uma voz que é audível por todos e uma participação que se
vê com nitidez e contribui para o crescimento cognitivo e social, próprio e dos
seus pares. Diferenciar, incluindo, passa por uma estratégia de organização de
grupos ou pares de níveis de aprendizagem diversos, a trabalharem numa tarefa
organizada para rendibilizar essa diversidade (Roldão, 2003); passa por tirar
partido das diversidades (experiências, culturas ou outras) para aprendizagens
destinadas a toda a turma; passa, ainda, por potenciar e desenvolver o que cada
um pode pôr ao serviço' do outro, para atingir um objetivo coletivo.
Aprender cooperativamente: Eu ajudo-te, tu explicas-me, nós aprendemos
A aprendizagem cooperativa tem sido descrita pela comunidade científica como a
forma mais eficaz para colocar em ação uma efetiva diferenciação na sala de
aula. Sprinthall e Sprinthall (1993) definem-na, não como uma única técnica,
mas uma mistura de técnicas de trabalho em pequenos grupos com objectivos de
cooperação (p. 311). Os mesmos autores explicam que a tónica deve ser colocada
na interdependência entre os membros da aula atribuindo notas e reforços aos
desempenhos do grupo, na medida em que a meta individual só pode ser alcançada
quando todos os indivíduos do grupo alcancem as metas. Como afirma Deutch (s/d,
cit. por Sprinthall & Sprinthall, 1993):
A probabilidade de recompensa está positivamente associada de forma
que, à medida que a situação pessoal de cada um melhora ou piora, o
mesmo acontece em relação aos outros a ponto de se eu ganhar, tu
ganhas e se eu perder, tu perdes (p. 516).
Sanches (2005, p. 136), citando Meijer (2003), apresenta como ingredientes
importantes para a implementação de abordagens cooperativas à aprendizagem
objetivos bem determinados, métodos de ensino/aprendizagem alternativos, um
ensino flexível e a constituição de subgrupos ' na sua opinião, os meios mais
eficazes para gerir a diferença e ajudar a aprender os mais e os menos
capazes. Estes e outros autores defendem, assim, que tais procedimentos
encorajam a participação de todos os alunos e têm como resultado um melhor
desempenho académico. Para além dos ganhos cognitivos para todos, sublinha-se
que quanto mais cooperativas forem as tarefas em grupo, mais positivo será o
ambiente geral da sala de aula e que as mesmas conduzem a níveis mais altos
de motivação intrínseca, especialmente entre as crianças menos capazes
(Sprinthall & Sprinthall, 1993, p. 516). Outro aspeto relevante prende-se
com os ganhos, a nível social, possibilitados pelo aumento das interações entre
os pares na sala de aula, levando os alunos, com a ajuda do professor, enquanto
mediador, a aplicar os princípios da aceitação e do respeito mútuo.
A aprendizagem cooperativa, bem defendida em termos discursivos, como prova o
grande número de registos presentes no acervo científico educacional (Freinet,
1975; Johnson, Johnson, Johnson, & Anderson, 1976; Slavin, 1991; Bessa
& Fontaine, 2002a; Freitas & Freitas, 2002; Fontes & Freixo, 2004;
Sanches, 2005; Leitão, 2006; Lopes & Silva, 2009; entre outros), não o é
por todos os que defendem uma sociedade neoliberal, com uma escola vocacionada
para a seleção dos melhores, onde o individualismo e a competição são
princípios muito enraizados. O nosso sistema educativo e seus agentes,
privilegiando um sistema de avaliação centrado na norma, visando diferenciar os
indivíduos entre si e fazendo, por vezes, com que o sucesso de uns dependa do
insucesso dos restantes, insurge-se contra a aprendizagem cooperativa,
apelidando-a de facilitista, indiferenciadora e geradora de ignorantes, o que
não tem sido confirmado nas largas investigações feitas sobre esta temática
(cf. autores suprarreferenciados).
Professores cooperativos: Refletir, partilhar e criar
Para que o professor seja de facto um mediador das aprendizagens e interações
no grupo, terá necessariamente de corresponder a um novo modelo de professor e
um novo modelo de comunidade de professores', principais agentes da mudança em
contexto educativo. A este propósito, Leitão (2007) afirma saber-se que as
escolas em que os professores trabalham em parceria pedagógica, na sala de
aula, são aquelas em que se verificam maiores mudanças, que proporcionam
melhores condições de aprendizagem e que mais facilitam a inclusão das crianças
e dos jovens com deficiência. Também Toledo e Vitaliano (2010) concluem da sua
investigação sobre a formação de professores, usando um modelo colaborativo
(professor do ensino regular e professor de educação especial), que o trabalho
colaborativo desenvolvido entre ambos, incluindo a sala de aula, favorece o
processo de inclusão de alunos com deficiência intelectual.
Nesta perspetiva de mudança, Morgado (2005, p. 47) defende as ideias de
Stenhouse (1987), colocando a tónica no ensino como prática reflexiva e na
classe docente como colectivo profissional reflexivo, devendo os professores
assumir-se como agentes activos de investigação da sua própria prática. O
autor advoga que, para que tal aconteça, é necessário fazer das práticas
docentes lugares estratégicos de investigação, onde a reflexão sobre a sua
ação adquire um papel preponderante (p. 46). Nesta medida, cada situação-
problema emergida do seu quotidiano concreto poderá ser sentida, pelo
professor, como um desafio e despoletar a sua capacidade autocrítica e
reflexiva, num desejo de se superar, encarando as situações problemáticas como
oportunidades de inovação pedagógica.
O abandono da postura do professor solitário, pela partilha das suas
experiências com outros docentes, constituindo equipas cooperativas de
trabalho, que abram espaço a uma reflexão/experimentação conjuntas, afigura-se
como a mudança mais premente no seio das nossas escolas e que mais eco terá nas
salas de aula. Pelo exposto, concordamos com Sanches (2001) quando refere que
a escola inclusiva somos todos nós e cada um a cooperar para uma escola mais
justa, mais humana, em que cada um tem um espaço e um tempo que são seus para
usufruir e partilhar (p. 93).
Enquadramento metodológico
Para a consecução dos nossos objetivos de investigação, utilizámos a abordagem
qualitativa, consubstanciada numa investigação-ação, processo desencadeado a
partir de um problema real, experienciado e identificado como tal, sobre o qual
interviemos com vista a gerar mudanças e melhorar a realidade observada.
O projeto em causa desenvolveu-se ao longo das três fases apresentadas no
Quadro_1.
Fase I ' Pré-intervenção
Na primeira fase, inserimo-nos no contexto educativo que selecionámos a fim de
o caracterizar para tomar decisões quanto às ações a desenvolver no sentido da
mudança. Para tal, foram recolhidos dados de caráter estrutural, através da
pesquisa documental, e dados de caráter dinâmico, com aplicação das técnicas
qualitativas de investigação apresentadas: entrevista semiestruturada à docente
titular da turma; questionário sociométrico aos alunos da turma; e observação
naturalista não participante, num momento de leitura e interpretação de texto
(dois textos diferentes/dois anos de escolaridade diferentes). Procedemos à
análise compreensiva da situação e ao cruzamento de todos os dados obtidos,
utilizando a análise de conteúdo, nos casos da entrevista e da observação
naturalista, e, no caso da sociometria, a elaboração de matrizes sociométricas
(escolhas/rejeições/reciprocidades nas escolhas e nas rejeições dos alunos, em
diferentes situações de interação). Tal análise possibilitou-nos caracterizar,
quer o contexto educativo, quer o grupo-turma e os casos específicos
pertencentes ao mesmo, nomeadamente a criança com NEE nele inserida, quer ainda
as dinâmicas daquela sala de aula e o perfil da docente relativamente aos
aspetos relacionados com a inclusão em geral e a desta aluna em particular.
Assim, partimos do contexto educativo de uma turma de quinze alunos (doze
rapazes e três raparigas), de 2º e 3º anos de escolaridade, com idades
compreendidas entre os seis e os oito anos. Sete alunos encontravam-se
matriculados no 2º ano (duas raparigas e cinco rapazes) e oito alunos
pertenciam ao 3º ano (uma rapariga e sete rapazes). Uma aluna do terceiro ano,
a MA1, apresentava uma retenção, no 2º ano de escolaridade, tratando-se de uma
criança considerada com necessidades educativas especiais de caráter
permanente, de natureza física e cognitiva, abrangida pelo decreto-lei n.º 3/
2008, de 7 de janeiro2, tendo como professora de educação especial uma das
autoras deste artigo e do trabalho de projeto.
As informações recolhidas no Projeto Curricular da Turma permitiram-nos afirmar
que, a nível do comportamento em contexto de sala de aula, se tratava de uma
turma globalmente satisfatória. Quanto às competências académicas, foi
possível apurar que os alunos do 2º ano tinham adquirido os conteúdos do 1º
ano, em todas as áreas curriculares; relativamente aos alunos do 3º ano,
constatámos que cinco dos oito alunos apresentavam bastantes dificuldades de
compreensão e aplicação de conhecimentos, sobretudo nas áreas curriculares de
Língua Portuguesa e Matemática, evidenciando problemas ao nível da compreensão
e expressão sobretudo escritas, raciocínio lógico e cálculo aritmético. Dois
alunos do 3º ano destacavam-se de todo o grupo-turma por apresentarem
resultados bastante mais abaixo do que o esperado para o ano de escolaridade
anterior (2º ano), um deles a MA.
De acordo com os dados da primeira entrevista realizada à docente titular de
turma, corroborados pelos dados da pesquisa documental, os alunos do 2º ano
foram referenciados como sendo um grupo com um bom nível de aproveitamento em
todas as áreas académicas: o 2º ano é um grupo bom, dinâmico, trabalhador
empenhado. Pelo contrário, os do 3º, na opinião da professora, apresentavam
fraco rendimento, também em todas as áreas: o 3º ano deixa muito a desejar
porque eles têm imensas dificuldades.
Quanto ao comportamento, as unidades de registo apontam sobretudo para a boa
qualidade dos relacionamentos entre os alunos. Foi possível confirmar estes
dados, quer pela observação naturalista, quer pelos dados obtidos nas matrizes
sociométricas. Todos os alunos foram escolhidos pelos colegas; verificou-se um
número elevado de reciprocidades nas escolhas; oito alunos foram rejeitados;
houve reciprocidade nas rejeições. De salientar que, embora a docente da turma
se referisse sempre a dois grupos distintos dentro da turma, essa divisão não
se encontrou presente nas suas relações e escolhas, sendo totalmente
irrelevante o critério de ano nas escolhas/rejeições por eles registadas no
questionário sociométrico. Pelos dados obtidos na observação realizada, foi
possível compreender também, a este respeito, que, embora a turma apresentasse
uma boa qualidade dos relacionamentos interpessoais, esta potencialidade do
grupo não estava a ser maximizada ou devidamente canalizada para as situações
de aprendizagem em contexto de sala de aula, tendo em conta que foi o diálogo
vertical aquele que dominou por completo as interações no espaço pedagógico.
Na segunda fase, encontradas as fragilidades' passíveis de serem
intervencionadas, traçámos um Plano de Ação em diversas áreas, para alcançar
uma situação mais desejável' do ponto de vista pedagógico e inclusivo, de
acordo com os objetivos de investigação inicialmente traçados. A tomada de
decisões concretizada no referido Plano esteve na base da intervenção realizada
durante o período que decorreu entre fevereiro e junho de 2010. Interviemos não
só com a turma, através de sessões semanais de trabalho cooperativo na área da
Língua Portuguesa, mas também com a docente titular, planificando as atividades
e refletindo em conjunto, e ainda com a mãe da aluna considerada com NEE,
através de reuniões periódicas.
Tratando-se a investigação-ação de um processo dinâmico e contínuo de ação-
reflexão-ação', a condução da nossa intervenção, apesar de previamente
estruturada, integrou, no seu decurso, reflexões sistemáticas sobre as ações em
desenvolvimento e suas repercussões a curto prazo, semanalmente (cf. Quadros_II
e Quadro_III, exemplificação de uma das 16 sessões, todas elas registadas e
documentadas). Estes procedimentos implicaram reajustamentos em relação ao
planeamento inicial (planeamento global da intervenção), tendo este funcionado
como uma matriz de caráter flexível, com alteração de alguns aspetos à medida
que se verificou a necessidade de integrar novos dados colhidos do próprio
processo de intervenção.
A terceira fase do nosso projeto consistiu em nova recolha de dados, com
aplicação das mesmas técnicas de recolha utilizadas no período de pré-
intervenção, com vista a verificar as mudanças operadas, nas diferentes áreas
de intervenção, e a redação do respetivo relatório. Os procedimentos utilizados
para a análise dos dados de recolha dinâmica seguiram as mesmas metodologias
(análise de conteúdo e elaboração e análise de matrizes sociométricas).
Fase II ' Intervenção
Depois de uma planificação global, devidamente fundamentada em toda a
investigação empírica, cotejada com a informação teórica, partimos para a
intervenção em sala de aula, que decorreu nos 2º e 3º períodos de 2010, entre
fevereiro e junho, com a realização de sessões semanais, exemplificadas nos
Quadros_II e Quadro_III, 16 no total. Cada atividade pedagógica variou, na sua
duração, entre 90 minutos e duas manhãs, em função da natureza da atividade em
causa e do grau de complexidade e exigência da mesma. Antes da concretização
das atividades foram elaboradas as respetivas planificações e preparados os
materiais necessários à sua realização. Cada uma das planificações elaboradas
contemplou, para além de aspetos mais genéricos como data, número da(s) sessão/
sessões, área curricular, metodologia utilizada, objetivos gerais e específicos
e recursos materiais, um resumo da atividade e ainda um roteiro detalhado com
todos os passos da sessão, desde o seu início até ao final. Tendo em conta que
os recursos humanos, para além dos alunos, foram sempre as duas docentes em
cooperação na sala de aula, não verificámos a necessidade de explicitar tal
informação em cada planificação.
Após a concretização de cada atividade, foi feito um balanço com os alunos.
Posteriormente, as duas docentes trocaram impressões, refletindo em conjunto,
aspetos que surgem expressos em cada quadro que se apresenta a seguir a cada
planificação e que se refere à avaliação e reflexões sobre a atividade em
causa. Nesta avaliação, procurámos apresentar uma reflexão o mais abrangente
possível acerca de todos os aspetos que são colocados em ação quando se trata
de realizar uma atividade pedagógica: desde as questões relacionadas com
alterações necessárias à planificação até à forma como os alunos acolheram a
atividade, participaram e a desempenharam, as interações sociais que dela
emergiram, situações imprevistas e soluções encontradas pelas docentes. Foram
ainda apresentadas reflexões sobre os aspetos positivos que mais ressaltaram de
cada atividade, bem como aquelas questões que, em nosso entender e pelo balanço
feito, necessitavam de ser melhoradas. Apresentamos de seguida o exemplo de
duas das 16 sessões realizadas, nas suas várias componentes (Quadros_II e III).
Fase III - Pós-intervenção
Os resultados: O antes e o depois
Foram diversas as preocupações de investigação iniciais que nos lançaram neste
processo de mudança: a questão das metodologias utilizadas na sala de aula e o
seu real contributo para uma aprendizagem com significado para os alunos e para
uma efetiva inclusão educativa da MA, social e académica; a forma como a
docente titular perspetivava o apoio a prestar a esta aluna pela docente de
educação especial; a maneira como os alunos interagiam nas situações de
aprendizagem; e ainda o modo como a encarregada de educação da MA se
posicionava face à escola e à problemática da sua educanda. Todos estes aspetos
nos conduziram à problematização da situação inicial, a qual norteou os
objetivos do nosso trabalho. Assim, partimos da questão que para nós se
afigurou como central: se, através do nosso projeto de investigação-ação,
poderíamos tornar aquela sala de aula mais inclusiva e estimulante para a MA e
para todos os alunos, aumentando as interações entre si através da criação de
situações de aprendizagem baseadas na cooperação e na diferenciação positiva.
Era nosso propósito: promover a socialização de saberes académicos na turma,
através de estratégias de diferenciação pedagógica inclusiva, baseadas no
trabalho cooperativo; promover uma maior inclusão da MA através do
desenvolvimento de competências pessoais, sociais e académicas no seio da
turma; alterar as dinâmicas da sala de aula; desenvolver uma parceria
pedagógica com a docente titular de turma; desenvolver uma capacidade
autocrítica e autorreflexiva em nós e na docente; e, ainda, aumentar a
confiança da encarregada de educação da MA nos agentes educativos e a aceitação
das características cognitivas da mesma.
Neste sentido, e com o intuito de avaliar o alcance dos objetivos acima
referidos, os resultados que a seguir se apresentam incidem em três eixos do
Plano de Ação traçado: 1) intervenção focalizada nos alunos; 2) intervenção
focalizada na parceria pedagógica entre as docentes e na dinâmica de sala de
aula; 3) intervenção focalizada na mãe da MA. De salientar ainda que os
resultados obtidos decorrem dos dados recolhidos no final da intervenção (junho
e julho de 2010), através de nova aplicação do questionário sociométrico aos
alunos e elaboração e análise das respetivas matrizes sociométricas, da
realização de nova entrevista à docente titular de turma, de uma segunda
observação naturalista em contexto de aula e ainda da informação contida nas
atas das reuniões realizadas com a mãe da MA. Também as avaliações e reflexões
feitas ao longo da intervenção nos forneceram informação importante para
sustentar os resultados que a seguir se apresentam.
1. Intervenção focalizada nos alunos
Os dados obtidos pelas técnicas utilizadas, após a intervenção, apontam para
resultados significativos ao nível dos desempenhos sociais e académicos dos
alunos, do seu envolvimento nas atividades, quer dos alunos em geral, quer dos
casos particulares, uns identificados no início pela docente titular de turma,
outros identificados como tal ao longo do processo de intervenção. Para além
dos dados evidenciados nas avaliações e reflexões sobre cada sessão
(devidamente registados), são expressos, aqui, os dados mais significativos da
recolha dinâmica, quer pela entrevista, quer pela observação naturalista, cuja
síntese se apresenta nos Quadros_IV e Quadro_V.
Comparando os dados obtidos após a intervenção com a recolha inicialmente
realizada, podemos reafirmar que a situação caracterizada apontava para
necessidades de mudança ao nível das interações horizontais em situações de
aprendizagem, passando a aproveitar melhor o seu bom potencial relacional,
revelado nas primeiras matrizes sociométricas, aliado à questão da separação
considerada como não benéfica dos dois grupos dentro da mesma sala de aula (2º
e 3º anos) e ao desequilíbrio' académico entre os dois anos de escolaridade e
cujo trabalho em separado pouco parecia contribuir para a melhoria da qualidade
das suas aprendizagens.
Pela intervenção realizada, com a organização dos alunos em grupos heterogéneos
em termos cognitivos e não separados por ano de escolaridade, conforme se pode
verificar quer pelas sessões realizadas, quer pelos dados da segunda observação
naturalista, conseguimos colocar os alunos em diálogo horizontal permanente nas
situações de aprendizagem, trocando experiências curriculares' na área da
Língua Portuguesa. Este aspeto é bem visível ao compararmos os dados da
primeira observação ' 15 unidades de comportamento da categoria Interações
horizontaisapontam para a ausência dessas mesmas interações ' com as 41
unidades que constituem a categoria Interações horizontais nos grupos, os quais
evidenciam, não só uma cooperação entre os elementos de cada grupo, mas também
uma interação intergrupos. Destas 41 unidades, 12 referem-se à subcategoria
Interações horizontais para com os casos particulares, assinalando o espírito
de entreajuda e cooperação dos alunos com melhor rendimento escolar em relação
aos quatro colegas considerados como casos particulares e alvo de diferenciação
nos objetivos ao longo da intervenção.
No que se refere ainda aos resultados do ponto de vista social, pudemos
constatar, pela segunda observação e pela segunda entrevista, e ainda pelas
grelhas de avaliação dos desempenhos dos alunos, que os mesmos se envolveram
nas tarefas propostas, cooperaram entre si, partilharam ideias, escutaram e
ajudaram os outros, distribuíram tarefas entre si e tomaram decisões em
conjunto ' tiveram que aprender a lidar com o colega do lado, a saber
perder, a saber respeitar (entrevista final à professora). A este propósito,
na mesma entrevista, a docente salientou a experiência como muito positiva para
todos os alunos, com mais e menos dificuldades, e o facto de terem percebido
que não podem ser tão egocêntricos e que também têm que partilhar e que
ganharam alguma consciência das suas dificuldades em grupo. Outro aspeto
salientado pela docente foi a forma como reagiram os melhores alunos da turma,
que, na sua opinião, demonstraram mais dificuldades em trabalhar em grupo,
embora apenas uma (AM) tenha demonstrado uma evolução mais lenta e menos
significativa do que os outros alunos igualmente bons.
Pelos dados sociométricos da segunda aplicação do questionário, e comparando
com os dados obtidos na primeira aplicação, verificou-se que existiam alguns
atritos dentro de alguns grupos. Isto poderá ser explicado pelo facto de os
alunos não estarem habituados a partilhar os seus saberes e a confrontarem-se
de uma forma mais intensa e direta com as suas diferenças cognitivas e
comportamentais ' o que nos pareceu igualmente enriquecedor pelo crescimento
que neles provocou. Apesar disso, a qualidade dos relacionamentos/amizades não
foi afetada, havendo apenas pequenas alterações nas escolhas dos colegas de
carteira e de trabalho de grupo, pouco relevantes. Manteve-se o número bastante
elevado de reciprocidades nas escolhas dos alunos. A nível das rejeições, as
reciprocidades surgem em número bastante reduzido (4 no total); registaram-se 3
rejeições recíprocas a mais, comparativamente com a matriz das rejeições da
primeira aplicação do questionário, duas delas em relação a alunos que
pertenciam ao mesmo grupo (DS/MM e VF/MF), o que será um facto a ser analisado,
na continuação do projeto, embora possamos adiantar que, no decorrer das
sessões, os alunos se iam revelando cada vez mais críticos e conscientes do seu
papel e do dos outros.
No que diz respeito ao desempenho académico, de acordo com o que refere a
docente titular da turma na segunda entrevista, os alunos aprenderam a
construir textos, aprenderam muita coisa assim em grupo, ao trabalhar desta
forma; a docente salientou ainda que esta experiência os ajudou muito na
Língua Portuguesa e que, se fosse feita com mais frequência, tinham feito
mais progressos. Outro dado relevante, em relação a uma das situações-problema
detetadas ' separação dos alunos em termos de anos de escolaridade e acentuação
da discrepância cognitiva entre 2º e 3º anos, pelo método utilizado
inicialmente ', é o facto de, tal como refere a docente na segunda entrevista,
os alunos de ambos os anos terem saído enriquecidos em termos cognitivos, pela
partilha de saberes em grupos cooperativos: sim, acho que deu para o 3º ano
se aproximar mais do grupo do 2º; os do 3º, tendo mais dificuldades,
acabaram por ser ajudados pelo 2º ano; e eles puderam partilhar e trabalhar
competências de 3º ano que o 2º ainda não tinha aprendido e isso motivou-os
bastante.
No que se refere aos casos particulares, salientam-se sobretudo os alunos MA,
AM, VF, RR, DS, por diferentes motivos.
Em primeiro lugar, de referir a evolução da aluna MA, considerada com
necessidades educativas especiais, evolução que se encontra referenciada em
todo o discurso proferido pela professora titular de turma na segunda
entrevista, nas avaliações dos seus desempenhos sessão a sessão, bem como
também na segunda observação naturalista ' dados que contrastam com os da
recolha inicial. O Percurso da MA foi registado com uma frequência de setenta e
uma (71) unidades de registo na categoria. A docente referiu, assim, os
resultados positivos do trabalho realizado com a aluna ' este projeto foi
muito bom para ela; ela deu um salto, que a mim me deixa extremamente
satisfeita; eu fiquei muito contente com os progressos da MA.
Particularmente no que se refere aos aspetos sociais/relacionais, patentes na
primeira subcategoria da segunda entrevista, as 25 unidades de registo apontam
para o aumento da sua capacidade de reagir às situações mais adversas, em
grupo. De uma criança insegura, apática, nervosa, que tentava passar
despercebida, a aluna foi gradualmente assumindo uma postura autoconfiante e
uma maior capacidade em se relacionar com os seus colegas: deixou de esfregar
as mãos com aquele nervosismo, passou a ser mais segura, a marcar a posição
dela, passou a refilar, a ter segurança nela própria. Este facto encontra-
se igualmente bem visível na aula observada, onde se vê a aluna interagir com
os seus dois colegas de grupo: A MA repete: Olha este está mal'; A MA diz,
batendo no braço do DL para o chamar: Olha, és tu!' e apronta-se logo para
escrever. O facto de a aluna ter alargado o seu leque de amizades é visível
nas três técnicas de recolha dinâmica de dados pós-intervenção, verificando-se
na relação empática que estabeleceu com o seu colega DL (reciprocidade na
escolha), pautada pela cooperação havida ao longo das sessões, no trabalho
entre os dois, e pela compreensão e respeito do DL em relação ao ritmo da
colega. Este facto é confirmado pela docente, ao referir que ela até conseguiu
descobrir, com este método, amizades que ela não sabia sequer que tinha e que
conseguiu construir ali amigos.
Relativamente aos desempenhos académicos da MA, destacam-se os resultados
obtidos quer nas tarefas desenvolvidas no âmbito do projeto, quer na sua
avaliação final do ano, em Língua Portuguesa, ao nível do Bom. A docente opinou
que a aluna evoluiu e que esta forma de trabalho a ajudou a apreender melhor
os conteúdos de Língua Portuguesa, opinião que se torna consistente pela
quantidade de unidades de registo (14) que se integram na subcategoria
Progressos ao nível académico, onde é salientado, a título de exemplo, que se
tivesse sido sempre de uma forma tradicional, estou a falar dos verbos
concretamente, por exemplo, que é um conteúdo difícil para ela, ela se calhar
não tinha conseguido adquirir como adquiriu assim.
No que se refere à sua Inclusão educativa, as 32 unidades de registo da
subcategoria referida remetem para melhorias significativas no que se refere à
forma como os seus pares passaram a olhá-la', na sequência da sua participação
mais interventiva nas atividades. Novamente comparando com os dados obtidos
inicialmente, os aspetos que mais relevam dos dados apurados remetem para o
facto de a intervenção realizada ter contribuído para que a aluna se sentisse
uma igual entre os seus pares, referindo a docente, na segunda entrevista, que
nesses dias, então, do projeto, ela sentia-se meeeeeesmo igual aos outros,
passando de uma situação inicial em que ela no início era vista como a
coitadinha para uma situação em que os outros também aprenderam mais a
respeitá-la e viram que ela também conseguia dar ideias, em que ela própria
se mostrava automotivada, participando, colocando o dedo no ar, puxando' os
colegas para o trabalho, querendo ser porta-voz em frente a toda a turma e
desempenhar outros papéis no grupo, como por exemplo o de escriba.
No que diz respeito a outros casos com perfis mais diferenciados, salienta-se o
aluno VF com uma evolução positiva. Os dados obtidos na entrevista e na
observação iniciais, concretamente 8 unidades de registo da subcategoria
relativa à sua ausência de envolvimento na atividade observada, contrapõe-se
com um maior envolvimento e participação nas tarefas: Contribuiu com ideias
para a construção de histórias, em grupo; em grupo, essa característica do VF
foi realçada, funcionou muito bem (opinião da docente). As 9 unidades de
registo relativas ao VF, identificadas na subcategoria Casos particulares/
categoria Envolvimento dos alunos na atividade, corroboram a sua evolução.
A AM apresentou-se, ao longo da intervenção, também como um caso particular, na
medida em se verificaram dificuldades ao nível das competências sociais, na
aceitação e respeito pelas opiniões/ideias dos outros, sobretudo dos que
percecionava como sendo menos fortes do que ela cognitivamente. Conforme as
avaliações que dela foram feitas ao longo das sessões, ao nível das
competências sociais e de acordo com a docente titular da turma, a trabalhar
em grupo foi uma diferença e aí ela mostrou toda a faceta que ela tem em casa,
na relação com os colegas, muito conflituosa, não deixava que as outras
pudessem também dizer o que sabiam e não aceitava a opinião de determinados
colegas, principalmente dos que tinham mais dificuldades. Fez uma pequena
evolução, mostrando-se um pouco mais diplomática e solidária e admitindo as
qualidades de alguns com quem não empatizava inicialmente: a mim surpreendeu-
me ela ter funcionado assim tão bem com ele [VF] (registo da docente titular
de turma). Não se verificaram todos os resultados esperados relativamente a
esta aluna, tendo ainda, como refere a docente na entrevista e como se pode ver
na observação e nas suas avaliações das sessões, um percurso pessoal a fazer
neste domínio: ela percebeu qualquer coisa mas precisa de mais.
Quanto aos alunos RR e DS, ambos com comportamentos instáveis e algo excluídos
pelos colegas ao longo das sessões de intervenção (embora apenas rejeitados por
três colegas numa única opção, no caso do DS, e por dois colegas no caso do RR,
na primeira matriz sociométrica de rejeições), verificou-se alguma evolução,
mais significativa no aluno RR do que no aluno DS. Verificou-se uma maior
aceitação do RR por parte dos colegas do grupo onde permaneceu mais tempo. Este
aspeto é visível na observação final realizada, onde o RR participou na
realização da atividade no seio do seu grupo: O RR colabora na tarefa; o RR
conversa com o colega sobre o trabalho. Verificam-se 9 unidades de
comportamento deste tipo de dados, na subsubcategoria RR, integrada na
categoria Envolvimento dos alunos na atividade da grelha de análise da segunda
observação. No caso do DS, a situação não teve uma evolução tão favorável,
embora o grau de exclusão não tivesse nunca atingido proporções muito negativas
no seio dos grupos que integrou. Pudemos, contudo, constatar, pelos dados da
segunda observação (9 unidades na subsubcategoria DS/categoria Envolvimento dos
alunos na atividade), a sua maior entrega, presença' na atividade e esforço em
contribuir com a sua parte para a realização da tarefa em causa: O DS regista
as opções, questiona os colegas.
De salientar que o facto de os alunos terem tido objetivos diferenciados ' o RR
em ambas as áreas (social e académica) e o DS na área social ' poderá ter
contribuído para a ligeira melhoria, sobretudo nas sessões finais da
intervenção, visto que, tal como refere a docente, estes alunos não se
conseguiam concentrar e alheavam-se um bocado, aspeto que foi bem notório nos
primeiros dois terços da intervenção. No quadro abaixo encontra-se exposto, de
forma esquemática, o percurso de mudança evidenciado pelos dados recolhidos nas
duas fases distintas.
2. Intervenção focalizada na parceria pedagógica e na dinâmica de sala de aula
Tendo em conta os objetivos traçados para este domínio, e no que diz respeito
concretamente à parceria pedagógica, verificou-se a construção gradual de uma
efetiva parceria pedagógica entre nós e a docente titular de turma, visível
pelas reflexões feitas sobre as sessões, pela forma como foi articulada a
preparação das atividades e a reflexão conjunta sobre os desempenhos dos
alunos, o decorrer das sessões e os aspetos a melhorar. Progressivamente, a
docente assumiu o projeto como uma mais-valia para a sua prática profissional,
apropriando-se dele como algo que a envolvia diretamente, e foi-se verificando
uma tomada de decisões cada vez mais partilhada, relativamente a alterações a
efetuar, na sala de aula ou na programação, atividades a realizar ou
estratégias a implementar.
Apresentamos, de seguida, nos Quadro_VII e VIII, os dados mais relevantes dos
enfoques em questão, recolhidos a partir da segunda aplicação das técnicas da
entrevista e da observação naturalista.
Das 56 unidades de registo da primeira categoria da entrevista em causa, 27
apontam para um bom trabalho de cooperação entre as duas docentes e uma
articulação, quer na tomada de decisões, quer na concretização das atividades
em sala de aula. A docente salienta que foi muito positivo, dizendo aliás,
eu queria desde já dizer que acho que funcionámos muito bem as duas, e
manifesta, por diversas vezes, o desejo de continuar a mesma parceria no ano
letivo seguinte: o que era bom era que pudéssemos continuar a trabalhar juntas
com a turma que vou ter no próximo ano. Refere ainda que, inicialmente, as
ideias não partiam tanto das duas, mas que depois as ideias já iam fluindo de
parte a parte e que já iam sendo de uma forma mais antecipada e em conjunto.
Um dos aspetos valorizados pela docente nesta parceria foi a experiência da
docente de educação especial ser professora de todos os alunos e não apenas da
aluna com necessidades especiais: também depois houve partilha de dicas tuas
em relação a outros alunos que não eram propriamente, à partida, teus alunos;
tu vias que era preciso fazer alguma coisa e essas dicas foram sempre todas
dadas e foram também muito boas para mim; fomos falando sempre também acerca
deles, daqueles casos mais particulares e não foi só centrado na MA. Estas
unidades de registo mostram que, de facto, existiu um par pedagógico a
trabalhar em conjunto com toda a turma e que se verificou um crescimento
profissional de ambas as docentes, no sentido da autorreflexão e
autoquestionamento sobre as suas práticas pedagógicas e as atuações em relação
a cada aluno em particular.
Quanto à introdução de uma dinâmica de trabalho diferente em contexto de sala
de aula, como se apresenta no Quadro_VII, também é possível concluir que a
docente percecionou a aprendizagem cooperativa como uma metodologia vantajosa
para todos os alunos e como uma experiência enriquecedora para si própria,
considerando-a uma experiência bastante positiva. Referiu que se sentiu
bastante motivada e que se trata de uma metodologia que promove a inclusão não
só de alunos com necessidades educativas especiais mas de outros alunos também:
Favorável, não! Eu acho que é excelente para a inclusão!; Aliás, eu acho que
esse método é benéfico para qualquer aluno. Acrescentou que as metodologias
utilizadas permitiram trabalhar competências de uma forma diferente e obter um
conhecimento dos alunos também de um modo diferente, o que muitas vezes não é
possível com métodos mais tradicionais: Sim, acho que é um meio mais eficaz
para trabalhar essas competências.
Os dados da observação são concordantes com os obtidos na entrevista no que se
refere à dinâmica de sala de aula: 1) pelo papel assumido pela docente enquanto
mediadora das aprendizagens: Eu vou andar a circular pelos grupos; 2) pela
natureza das interações, promovendo um clima cooperativo e inclusivo: Há
grupos que demoram mais tempo, está bem?; Aproveitem as ideias dele que ele é
muito criativo! ' referindo-se ao DS, um dos casos mais particulares; 3) e
ainda pelo tipo de estratégias pedagógicas que desenvolve, promovendo a
criatividade, a autonomia e a reflexão dos alunos sobre as suas atitudes e o
trabalho desenvolvido: A P ajuda o grupo 2 na construção da história,
colocando questões para eles desenvolverem as suas próprias ideias.
Comparando estes dados com os inicialmente recolhidos, foi possível verificar
alterações significativas na gestão dos dois anos de escolaridade: na categoria
Dinâmica da sala de aula de ambas as observações, subcategoria Gestão do
trabalho com dois anos de escolaridade, as 25 unidades da primeira observação
apontam para o trabalho em separado com os dois anos de escolaridade,
contrastando com as 17 unidades da mesma subcategoria na segunda observação,
que evidenciam o grupo-turma como um todo, em trabalho cooperativo
independentemente do ano de escolaridade em que se encontrava cada um dos
alunos. Também na subcategoria Natureza das interações verticais, na primeira
observação as 25 unidades de comportamento que apontam para questões fechadas e
instruções demasiado dirigidas contrastam com as 15 unidades da mesma categoria
da segunda observação, evidenciando uma abordagem mais centrada nos alunos e
nas suas potencialidades. Por último, os dados comparativos entre as duas
observações na subcategoria Estratégias pedagógicas são reveladores de
mudanças: 30 unidades de comportamento na primeira observação revelam uma
tendência para responder às próprias perguntas e para colocar questões de
exploração do texto conjugadas com as experiências pessoais dos alunos; na
segunda observação, apurámos 21 unidades, registando estratégias mais
estimuladoras do pensamento criativo e reflexivo nos alunos, fazendo-os
questionar-se sobre o porquê, o como e o para quê das situações em análise.
Por último, salientamos um dado que nos parece relevante e revelador de algumas
das mudanças conseguidas e que se prende com o impacto que teve, na docente, a
metodologia implementada. A docente titular da turma expressou, por mais do que
uma vez, na entrevista final, a intenção de implementar esta metodologia com a
sua turma do ano letivo seguinte, ainda que considerando muito mais
gratificante se pudesse fazê-lo em par pedagógico connosco, docente de educação
especial: Vou ver se se não estiveres na minha sala para o ano, vou ver se
faço isso com a minha turma.
O quadro abaixo apresenta um confronto entre os dados inicialmente recolhidos e
os resultados obtidos no final do ano letivo relativamente ao percurso feito ao
nível do trabalho de parceria pedagógica conseguido e da dinâmica de trabalho
em sala de aula antes e após a intervenção.
3. Intervenção focalizada na mãe da MA
A intervenção a este nível teve como principal objetivo conduzir a mãe da MA a
uma maior aceitação do perfil cognitivo da sua educanda e a uma maior confiança
no trabalho dos agentes educativos responsáveis pela aprendizagem escolar. Os
dados relativos a este enfoque da nossa intervenção foram obtidos através de
duas técnicas: entrevistas à docente titular da turma e reuniões realizadas com
a encarregada de educação. O quadro abaixo apresenta uma síntese comparativa
entre os dados da primeira entrevista e os dados da segunda entrevista,
mostrando a evolução ocorrida entre as duas fases de recolha dinâmica dos
dados.
Da recolha inicialmente realizada, quer pela primeira reunião, quer pela
primeira entrevista à docente titular da turma, verificava-se que a encarregada
de educação apresentava dificuldade em aceitar as dificuldades da MA.
Sobrevalorizava as terapias de que a mesma usufruía, desvalorizando um pouco o
trabalho feito pela escola, mostrando uma atitude de pouca confiança no
trabalho realizado na sala de aula. Mantinha algum evitamento do diálogo com a
docente titular da turma, tendo esta salientado, na entrevista, que a mãe não
encara a professora titular, escondendo alguns factos do percurso da sua
educanda, nomeadamente, segundo a docente, alguns relatórios importantes: Eu
acho que, no fundo, ela tenta camuflar o problema da filha e não a ajuda.
Verificou-se ainda que a encarregada de educação tentava colmatar as limitações
da MA em casa, ajudando-a e trabalhando arduamente com ela, durante várias
horas por dia. A elevada frequência de unidades de registo elencados (33)
levou-nos à consciencialização da situação-problema a este nível e a direcionar
uma parte da intervenção para este âmbito.
Assim, através das reuniões e conversas informais realizadas com a encarregada
de educação, onde foi sendo explicada a forma como as docentes atuavam com a
MA, foi possível percecionar o modo como a mesma ia recebendo o feedback da sua
educanda em casa, sobre as sessões de intervenção, e como ia reagindo ao
trabalho com ela realizado pelas docentes. A este nível, conforme pudemos
comprovar, na segunda entrevista, pelas 18 unidades de registo da primeira
subsubcategoria integrada na categoria Efeitos da intervenção realizada com a
mãe (reuniões), verificou-se um percurso de aceitação das limitações cognitivas
da sua educanda: fazer o luto e aceitar a filha da maneira que ela é, que em
parte já fez este ano; pelo menos agora, acho que isso ela já aceitou mais;
a própria mãe concordou que de facto se tratava de uma grande dificuldade da
aluna e que, por vezes, mesmo em casa, parecia que já sabia e no dia seguinte
esquecia tudo.
Verificou-se, igualmente, por parte da mãe da MA, uma progressiva abertura face
às propostas de trabalho que foram sendo apresentadas pelas docentes, não só em
relação ao trabalho em grupos cooperativos sobre os conteúdos de Língua
Portuguesa, como também à forma como iam sendo realizadas as adequações
curriculares, ajustamentos nas suas fichas de avaliação, estratégias
curriculares e didáticas implementadas no dia-a-dia da sala de aula: a mãe
respondeu que entendia que, para já, as coisas estavam a correr bem e que se
iria vendo ao longo do tempo se haveria algo mais a fazer. A docente titular
de turma salientou que perante nós, eu acho que ela evoluiu da noite para o
dia, que ela percebeu que tinha uma equipa a trabalhar com a filha, que a
equipa estava a funcionar e que havia um elo de ligação, tanto na psicóloga,
como na professora titular, como na professora de educação especial. A docente
referiu ainda que a mãe acabou por confiar no trabalho realizado pelas docentes
' acho que ela se sentiu apoiada e compreendida por nós ' e que, face a essa
mudança, a mãe já fala mais. Este processo de confiança na escola acabou por
ter repercussões na maior valorização do trabalho nesse contexto em detrimento
de uma das terapias de que a aluna iria voltar a beneficiar no 3º período e,
por coincidência de horário, a mãe decidiu deixar a MA na escola à quinta-
feira, desejo expresso numa das reuniões realizadas, em que referiu que talvez
fosse melhor para a MA ficar na escola já que também acabavam por trabalhar
aquelas competências de grupo e pelo menos estava a trabalhar ao mesmo tempo os
conteúdos de Língua Portuguesa.
Relativamente ao impacto, na encarregada de educação, da intervenção com a MA
na sala de aula, nas sessões desenvolvidas no âmbito do projeto, também se fez
sentir e é constatado pelos dados obtidos, quer pela entrevista à docente ' 12
unidades de registo são reveladoras da satisfação da mãe perante a forma como a
MA se sentia ', quer pelas reuniões e conversas realizadas, referindo a própria
mãe que a sua educanda estava mais solta, que nesses dias, ia muito satisfeita
e que a notava mais entusiasmada com as tarefas que realizava, contando o que
tinha estado a fazer. A docente referiu, na sua entrevista, que a mãe foi no
fundo, o espelho e o reflexo daquilo que a filha sentiu e que a mãe sentiu
que a filha estava mais igual aos outros, salientando, como reflexo do bem-
estar de ambas, o agradecimento da mãe no final do ano letivo: aquele
agradecimento no fim, eh foi todo esse reflexo. Outro aspeto relevante
prende-se com o facto de a mãe ter demonstrado interesse em que, no ano letivo
seguinte, fosse dada continuidade ao projeto, na área da Matemática:
demonstrando interesse em que fossem trabalhados conteúdos de Matemática; a
ideia agradou à encarregada de educação que referiu que é muito bom para eles
este tipo de trabalho, pois eles sentem-se mais motivados. Mesmo o JM [irmão da
MA], apesar de ser bom aluno, também se mostra interessado naquelas
atividades.
Por último, de referir que, apesar de se terem verificado os resultados
positivos no que se refere aos objetivos traçados, a mãe da MA ' como sugerem
as 9 unidades de registo da subsubcategoria Ausência de progressos, da segunda
entrevista ' ainda não conseguia assumir totalmente a sua filha perante a
sociedade em geral, referindo a docente que a incomoda o olhar dos outros
relativamente às limitações da sua educanda: ainda não conseguiu dar esse
salto, não tem aquela estaleca para, se vir alguém a olhar para a filha,
dizer qual é o problema, é a minha filha, deixando perceber que, na sua
opinião, se trata de uma mãe difícil e que ainda tem muito para dizer.
Discutindo e concluindo
Enveredar por um processo de mudança orientado por uma metodologia de
investigação-ação é, inevitavelmente, chegar ao fim de um percurso com a ideia
de que muito existe ainda para concretizar. É, também, uma contínua reflexão
sobre a ação e ação para nova reflexão, num processo cíclico e em espiral, num
aprender fazendo, construtor de professores capazes de fazer/experimentar,
para dar resposta ao arco-íris das suas salas de aula (Sanches, 2011a).
Consideramos que, apesar de maioritariamente alcançados os objetivos a que nos
propusemos inicialmente, a mudança implementada, para além de ter tido algumas
limitações, que explicitaremos ao longo desta reflexão, apela a novos desafios
de mudança. Por um lado, melhorar o que foi feito, e, por outro, chegar mais
longe, todos os dias, mudando mentalidades, cooperando com os colegas no
sentido da inclusão educativa, melhorando a qualidade das aprendizagens de
todos os alunos, em geral, e dos alunos com necessidades educativas especiais,
em particular.
No que se refere ao processo de intervenção em sala de aula, conseguimos
implementar uma pedagogia diferenciada, tentando atender ao máximo às
necessidades de cada aluno, quer fossem académicas ou de carácter social,
introduzindo, a partir da sessão número 5, objetivos e avaliação diferenciados
não só para a MA, como também para aqueles alunos que se nos foram afigurando
como casos mais particulares. Através da observação, gestão das atividades e
dos alunos e das reflexões que fomos realizando, verificámos a necessidade de
proceder a ajustamentos, os quais foram sendo realizados sessão após sessão,
nomeadamente: ajustamentos pontuais na constituição dos grupos, quando se
verificou ser mais vantajoso para determinados alunos, por motivos diversos;
alterações de estratégias como o passar a registar as regras de trabalho
cooperativo no quadro e os objetivos da sessão, enquanto os mesmos não fossem
interiorizados pelos alunos, em vez da sua verbalização inicial, apenas;
solicitação, aos alunos, de relembrarem por si próprios os objetivos do
trabalho cooperativo, numa fase já mais adiantada da intervenção; alteração dos
procedimentos na auto e heteroavaliação dos alunos e dos grupos; entre outros.
Contudo, parece-nos que, em intervenções futuras, será necessário pensar
noutras estratégias mais objetivas e construir instrumentos mais eficazes para
melhor promover a capacidade de reflexão crítica (auto e heteroavaliação) nos
alunos, sobretudo quando se trata de crianças de faixas etárias mais baixas,
como era o caso da nossa turma, item em que se verificou uma menor evolução dos
alunos em geral. Por outro lado, e embora Lopes e Silva (2009) salientem que
qualquer tarefa, de qualquer matéria e de qualquer programa de estudos pode
organizar-se de forma cooperativa (p. 21), consideramos que há que ajustar o
grau de complexidade das atividades em função, quer da experiência dos alunos
neste tipo de metodologia, quer da sua maturidade/idade. Embora, pelo percurso
realizado, tenhamos verificado que as atividades mais complexas tenham sido
aquelas que mais estimularam os alunos, consideramos que, para um professor
menos experiente neste tipo de metodologias, será mais cauteloso começar por
atividades menos exigentes para si e para os alunos, tendo em conta que as
variáveis a gerir no momento da concretização aumentam em número e em grau de
dificuldade e podem comprometer o sucesso da atividade em causa, ainda que a
mesma seja objeto de uma rigorosa planificação.
Quanto à articulação do trabalho com a docente titular de turma, tratou-se de
um processo de mudança gradual, em que a mesma passou de uma atitude passiva,
diríamos mesmo alheia ao que se ia passando na sala de aula, nas primeiras
sessões, para uma postura empenhada e totalmente envolvida no processo. Acabou,
ela própria, por se deixar integrar como destinatária deste processo de
mudança, alterando as suas práticas pedagógicas, tendo em conta que, algumas
vezes, as atividades das sessões foram terminadas/realizadas exclusivamente
pela docente titular da turma, tornando-se mais reflexiva sobre as dinâmicas
que promove na sua sala de aula e desejando ir mais longe no seu percurso
profissional, tal como preconizam Leitão (2007), Toledo e Vitaliano (2010) e
Sanches (2011a), entre outros. Foram realizados, em conjunto com a docente
titular de turma, os passos considerados essenciais a implementar pelo
professor numa dinâmica cooperativa em sala de aula (Lopes & Silva, 2009).
Foram tomadas decisões antes da concretização da aula, em cada sessão foram
explicitados os objetivos da atividade e do trabalho cooperativo, explicada a
tarefa aos alunos, distribuídos entre si os papéis de cada um, supervisionada a
aprendizagem dos mesmos, através de uma intervenção contínua junto dos grupos,
apoiando na realização das tarefas, avaliados os desempenhos dos alunos e, por
fim, promovida a reflexão sobre o grau de eficácia com que os grupos haviam
funcionado.
Deste modo, muito embora nem tudo tenha sido conseguido como seria desejável,
com o nosso projeto de investigação pudemos constatar que a diferenciação
pedagógica e a inclusão educativa são, de facto, concretizáveis, desde que
orientadas por estratégias e posturas não discriminatórias, isto é, envolvendo
todos os alunos em metodologias onde a diferença cabe, não como uma
discriminação negativa, mas como uma mais-valia de rendibilização da
diversidade (Roldão, 2003). Verificámos que a aprendizagem cooperativa no seio
de uma turma constitui um dos meios eficazes para colocar em prática essa
diferenciação positiva, permitindo respeitar ritmos, estilos e capacidades de
aprendizagem diversos e desenvolver diferentes tipos de competências nos
alunos, enriquecendo-os como pessoas e preparando-os melhor para a vida,
enquanto futuros cidadãos ativos, tal como afirmam Slavin (1991) e Bessa e
Fontaine (2002a), entre outros.
As metodologias ativas, de que a aprendizagem cooperativa é um dos exemplos,
favorecem um crescimento do ponto de vista pessoal e social, uma vez que, pela
própria natureza das estratégias, é exigido aos alunos que trabalhem recursos
internos, como o auto e heteroconhecimento. Permitem-lhes, ainda, aprender a
fazer cedências e a tornar-se mais flexíveis, a respeitar as diferenças e as
ideias dos outros, tornando-se mais solidários e menos competitivos entre si, e
a saber ser assertivos na negociação e tomada de decisões em conjunto,
percebendo que o sucesso de cada um depende do sucesso do grupo (Bessa &
Fontaine, 2002b) e de uma boa gestão de todos estes aspetos conjugados. Daqui
decorre toda a evolução positiva que os alunos poderão fazer em termos das suas
aprendizagens académicas, já que tais dinâmicas de trabalho se constituem como
uma via para trabalhar competências curriculares diversas, independentemente da
área de conhecimento em questão ou da faixa etária/nível de escolaridade dos
alunos. Como referiu a docente titular da turma, na intervenção realizada
trabalhámos na mesma as competências de Língua Portuguesa necessárias e
adequámos às necessidades da turma.
Verificámos que as práticas cooperativas inclusivas têm um impacto positivo a
diversos níveis, não se restringindo, pela sua natureza abrangente, à inclusão
dos alunos com necessidades educativas especiais. A este nível, pensamos que se
encontra bem fundamentado, pelos dados recolhidos, todo o percurso positivo
efetuado pela aluna MA com a intervenção realizada, independentemente das
dificuldades que persistem e constituem uma característica permanente do seu
perfil cognitivo. Referindo-nos ao impacto nos alunos em geral, com ou sem
dificuldades escolares, os ganhos que se obtêm refletem-se em todo o grupo e em
cada aluno individualmente, como se verifica nas avaliações e reflexões das
sessões semanais. Obrigam, como refere a docente titular de turma, a observar
de forma mais eficaz e a recolher informação mais completa sobre os alunos.
Assim, a intervenção é mais direcionada para as necessidades de cada um: em
grupo nós vemos neles o que não conseguimos ver se a aula for de uma forma mais
individual; foi engraçadíssimo ver determinado tipo de coisas, que eu não
consigo ver, lá está, se estiver a trabalhar individualmente.
Pela experimentação realizada, verificámos o contributo válido da aprendizagem
cooperativa para o trabalho de aceitação das diferenças por parte das crianças,
mostrando ser uma metodologia facilitadora da inclusão educativa. Somos levados
a concordar com Lopes e Silva (2009, p. 10) no que se refere à eficácia dos
múltiplos métodos que a compõem, na aquisição, pelos alunos ( ) de
competências sociais a par da realização de aprendizagens cognitivas,
aplicáveis a inúmeras situações educativas e conteúdos das diferentes áreas do
saber, constituindo-se, na sua opinião, como uma boa alternativa para
ultrapassar as limitações da metodologia tradicional muitas vezes
estimuladora da exclusão e da competitividade entre pares no contexto escolar.
Burden (s/d, cit. por Lopes & Silva, 2009), entende que a cooperação é a
convicção plena de que ninguém pode chegar à meta se não chegarem todos (p.
3). Sabemos, pela experiência que desenvolvemos, que não só essa convicção deve
estar bem presente na formação e atuação de professores, mas também os alunos
devem ser contagiados com essa mesma convicção para que, de facto, a cooperação
seja uma realidade na concretização de aprendizagens académicas; sabemos,
também, que tal convicção apenas poderá emergir de uma experimentação efetiva e
continuada, que vá muito para além de um projeto de intervenção limitado no
tempo. Da frequência com que se implementam estas dinâmicas cooperativas/
inclusivas numa turma depende o maior ou menor progresso dos alunos e o sucesso
da metodologia, devendo salientar-se que, no âmbito do projeto realizado, uma
das suas principais limitações apontará para o facto de apenas ter sido
possível desenvolvê-lo uma vez por semana, em termos médios e durante um curto
espaço de tempo (5 meses). A maior frequência/sistematicidade da implementação
da metodologia, bem como a sua aplicação com outros conteúdos curriculares,
poderia ter proporcionado a obtenção de melhores resultados sociais e
académicos na turma.
Uma outra questão que nos parece relevante no que se refere ao impacto das
metodologias utilizadas é o facto de as mesmas irradiarem aspetos positivos
para além dos próprios alunos. Por exemplo, a sua implementação poderá provocar
no professor, conforme verificámos na parceria pedagógica estabelecida, não só
uma automotivação, pela implementação de estratégias mais estimulantes, das
quais o docente poderá colher uma maior gratificação e satisfação
profissionais, mas também o abandono da postura de transmissor de informação e
a assunção de um papel ativo como mediador de aprendizagens. Por outro lado, é-
lhe exigida uma maior capacidade de reflexão sobre o seu próprio desempenho em
sala de aula, o que o ajudará a progredir profissionalmente e a ter uma maior
acuidade na observação das aprendizagens realizadas pelos alunos na aula, as
quais, muitas vezes, apenas são apuradas através dos momentos de avaliação
formal escrita, sujeitos aos condicionalismos da data marcada', para perceber
o que o aluno compreendeu/não compreendeu, valorizando-se mais o produto e
descurando-se todo o processo de construção de saberes, no quotidiano da sala
de aula. Este projeto contribuiu para que, tanto nós como a docente titular de
turma, assumíssemos mais o papel de mediadoras do que de transmissoras, para
que tenhamos observado com maior qualidade as necessidades, posturas e
desempenhos dos alunos, para obter uma maior capacidade autocrítica/reflexiva
sobre as nossas próprias intervenções nas aulas e para fazer dos alunos os
sujeitos ativos das suas aprendizagens.
Gostaríamos de salientar também que, pela intervenção que realizámos com a mãe
da MA, pela observação dos factos iniciais, pelo seu progressivo acolhimento
positivo das sugestões e estratégias implementadas, pela gradual diminuição da
sua ansiedade perante o percurso escolar da sua educanda, retiramos uma
reflexão que nos parece consistente e passível de ser testada em estudos
posteriores: é nosso entendimento que a forma como os pais se relacionam com a
escola, com os docentes e com o processo de aprendizagem dos seus educandos
parece ser orientada e filtrada pela forma como os próprios filhos interagem
com a escola, nos seus relacionamentos com colegas e professores e com os seus
sucessos/insucessos escolares. As atitudes dos pais face à escola são muitas
vezes o reflexo do bem-estar, ou da ausência dele, nos seus educandos,
relativamente à sua vida escolar. Neste sentido, pensamos poder afirmar que o
trabalho desenvolvido na sala de aula com o grupo, e em particular com a MA,
facilitou uma certa inflexão no olhar desta encarregada de educação face à
escola e ao suporte que nela pode encontrar para lidar com as dificuldades da
sua educanda, mas também com as suas próprias dificuldades em relação às
limitações da mesma. Esta experiência, que não pôde ser extensiva a todos os
encarregados de educação, veio confirmar a necessidade, por nós sentida, de
implicar ativamente os encarregados de educação no processo educativo dos seus
educandos.
Cooperar e diferenciar para incluir, para tornar o ato educativo acessível a
todos e com todos, é tão sonhável' quanto concretizável, ou não fosse o sonho
quem comanda a vida, como nos diz A. Gedeão (1956), ou Perrenoud (2001),
quando afirma: mesmo quando não levam a nada, mesmo quando a renúncia deixa o
professor insatisfeito, os sonhos de diferenciação fazem avançar a sua
reflexão (p. 41).