Avaliação do Programa Nacional de Ensino do Português (PNEP) 1.º ciclo: As
perceções dos alunos
Introdução
O Programa Nacional de Ensino do Português (PNEP) foi uma iniciativa de
formação contínua de professores desenhada pelo Ministério da Educação
português e implementada de acordo com as linhas centrais da metodologia de
investigação-ação (Pereira, 2010a). A principal finalidade perseguida consistiu
na "melhoria das condições de ensino e aprendizagem da língua portuguesa
como meio de melhorar os níveis de compreensão de leitura e de expressão oral e
escrita em todas as escolas do 1.º ciclo" (Despacho n.º 546/2007, p. 899).
Para justificar a necessidade desta intervenção à escala nacional, em
particular, os baixos resultados em literacia revelados pelas crianças do 1.º
ciclo nas provas nacionais de aferição dos anos 2000 a 2005, mas também nos
exames nacionais do 9.º ano de 2005 e em estudos internacionais em que Portugal
tinha participado (Reading Literacy - IEA, 1992; Programme for
International Student Assessment - PISA 2000 e 2003). Estes resultados
foram ainda enquadrados pela referência ao baixo nível em literacia revelado
pela população adulta no Estudo Nacional de Literacia (Benavente, Rosa, Costa,
& Ávila, 1995, 1996). Para justificar o investimento na formação docente,
assumiu-se o pressuposto de que "o desenvolvimento profissional dos
professores afecta o desempenho de aprendizagem dos alunos num processo em
cadeia" (Sim-Sim, 2011, p. 13; cf. Yoon, Duncan, Lee, Scarloss, &
Sharpley, 2007). Para tal, no âmbito do PNEP, os professores estudaram a sua
atividade de ensino de português nos contextos práticos de implementação sobre
os quais intervieram com o fim de assim os melhorarem e de edificarem
conscientemente o seu desenvolvimento profissional (Day, 2001; Elliott, 1991;
Kemmis & McTaggart, 1987; Latorre, 2003; Marcelo García, 1999; Winter,
1993).
O PNEP foi um programa complexo e singular (Pereira, 2010a). Uma dessas
singularidades foi a implicação e a promoção da interação de diferentes
sujeitos: professores-formandos, professores-formadores e coordenação sedeada
em instituições de ensino superior. A estas últimas coube a formação de
formadores, bem assim como o acompanhamento pedagógico da consecução do
processo formativo. No ano prévio ao início das suas funções, os (então
futuros) professores-formadores receberam, nas instituições de ensino superior,
uma formação intensiva de 80 horas nas temáticas que trabalhariam no terreno,
acrescida de "experimentação (...) de materiais pedagógicos e de avaliação
nas escolas e [d]o trabalho autónomo de reflexão e de aprofundamento
profissional" (Sim-Sim, 2011, p. 19). Durante o ano letivo de formação,
cada professor-formador, então dispensado da sua atividade letiva, conduziu,
quinzenalmente e para o seu grupo de formandos constituído por pares do
agrupamento de escolas, 12 Oficinas de formação, constituídas por 12 Oficinas
Temáticas subordinadas a um tema (com uma duração de 2 horas e 30 minutos
cada), no âmbito das quais veicularam saberes de forma sistemática e linhas
orientadoras para a sua operacionalização prática, e com base nas quais foram
realizadas 12 tutorias individuais (de 2 horas e 30 minutos cada), que
consistiram na planificação conjunta de aulas com os professores-formandos,
assistidas em sala de aula e posteriormente âmbito de reflexão conjunta e de
trabalho de reflexão autónomo por parte dos formandos. A formação incluiu
também a assistência a uma Sessão Plenária Regional (SPR) de 6 horas, que
reuniu todos os professores-formandos e formadores de cada núcleo de formação.
Durante o decurso da formação nos agrupamentos de escolas, os formadores
continuaram a ser acompanhados pelas entidades de ensino superior: cada
formador recebeu um acompanhamento individualizado (num total de 20 horas),
complementado pelo seu trabalho autónomo, e todo o grupo assistiu a 3 Sessões
de Aprofundamento Regional (SAR), planificadas de acordo com as necessidades
formativas diagnosticadas no grupo de formadores.
Ao desenhar este ambicioso plano formativo, o Ministério da Educação criou
espaços e agentes de 'mediação' do plano geral centralmente delineado,
permitindo assim a sua interpretação, mobilização e interiorização por cada
professor-formador e professor-formando de forma participada e situada na
atividade quotidiana concreta, sendo, em última instância, a aprendizagem
profissional configurada por e emergindo dessa mesma prática (Pereira, 2010a).
Aliou investigação e ação, teoria, planificação, execução e reflexão com a
finalidade de revalorizar as competências de ensino de língua dos professores e
potenciar as aprendizagens dos alunos (cf. Despacho n.º 546/2007). Tratou-se de
um processo formativo amplamente informado, colaborativo e reflexivo, com
enorme potencial técnico, prático e crítico das conceções e práticas de ensino
de português no 1.º ciclo dos professores participantes (cf. McKernan, 1996).
O PNEP funcionou em Portugal entre os anos letivos de 2006-2007 e 2009-2010, e,
durante esse período, as unidades de ensino superior que coordenaram os
diversos polos de operacionalização deste processo encontraram nos contextos de
formação um espaço oficialmente autorizado de realização de investigação sobre
o ensino do português no 1.º ciclo do ensino básico. Na verdade, para além de
pretender elevar o nível das aprendizagens linguísticas dos alunos através da
melhoria das suas experiências educativas, o PNEP também foi criado com o
objetivo de "estimular nas instituições de ensino superior a produção de
investigação no ensino da língua na faixa etária visada, de modo a que a
formação inicial de professores seja alimentada pela investigação e
desenvolvida em estreita relação com a formação contínua, especializada e pós-
graduada em áreas relevantes para a finalidade em questão" (Comissão
Nacional de Coordenação e Acompanhamento do PNEP - CNA, 2006, p. 3).
Este artigo resulta do compromisso, assumido pelo núcleo de coordenação sedeado
na Universidade do Minho, de desenvolver "investigação no domínio do
ensino e da aprendizagem da língua no 1º ciclo do Ensino Básico" (CNA,
2006, p. 4). Apresenta a análise dos resultados de um inquérito realizado aos
alunos que frequentaram o último ano de funcionamento do PNEP, dando assim a
conhecer as perceções das crianças sobre os conteúdos aprendidos e os processos
pedagógicos de aprendizagem de português proporcionados pelas aulas PNEP. A
nossa principal finalidade é a de contribuir para o desígnio inicial de
alimentar a formação inicial de professores de 1.º ciclo "pela
investigação e desenvolvida em estreita relação com a formação contínua,
especializada e pós-graduada em áreas relevantes" (CNA, 2006, p. 3),
procurando nos resultados obtidos contributos que sustentem uma discussão da
pedagogia da língua nesse nível escolar. Em última instância, é também nossa
finalidade contribuir para o conhecimento da eficácia do PNEP e dos processos
formativos contínuos de professores.
O texto está organizado do modo que a seguir se apresenta. Depois desta
introdução, caracterizamos os conteúdos e as linhas pedagógicas estruturadores
do programa de conteúdos do PNEP, tal como concretizado no núcleo de
coordenação sedeado na Universidade do Minho, e equacionamos a principal
questão de investigação que norteou o estudo. Na secção 3 descrevemos a
metodologia de investigação seguida, caracterizando a população-alvo e
apresentando os procedimentos de recolha e de análise de dados. Na secção 4
detalhamos os resultados da análise e, na secção 5, apresentamos as conclusões
e a discussão das implicações daí resultantes.
O Programa Nacional de Ensino do Português - Um sentido de visão
O Ministério da Educação produziu um plano sistemático de conteúdos para a
intervenção nas áreas prioritárias identificadas no ensino do português no 1.º
ciclo. Os conteúdos incluíram as temáticas referentes aos seguintes domínios: O
desenvolvimento da linguagem oral; O ensino da leitura; O ensino da expressão
escrita;eA utilização do computador como recurso de aprendizagem da língua por
adultos e por crianças. O Ministério produziu materiais informativos,
fundamentados em resultados de investigação, que disponibilizou em papel para
todos os formandos e que ainda presentemente se encontram disponíveis online
(http://www.dgidc.min-edu.pt/outrosprojetos/
index.php?s=directorio&pid=188). Ainda de referir que, no ano letivo de
2009-2010, o PNEP também assumiu oficialmente a função de formar para o novo
programa de português do 1.º ciclo, que então foi aprovado e publicado (CNA,
2009; Reis, 2009).
Dando cumprimento ao estabelecido no Despacho n.º 546/2007, onde se pode ler
que "os estabelecimentos de ensino superior asseguram (...) o envio ao
Ministério da Educação, para homologação, do plano das acções a realizar"
(p. 899), em 2008-2009 e 2009-2010, no núcleo de formação da Universidade do
Minho o plano de conteúdos foi reorganizado em cinco grandes módulos. O
primeiro incluiu a apresentação do programa de formação e das ferramentas TIC
de apoio ao ensino e aprendizagem da língua; o segundo ocupou-se da iniciação e
domínio do código escrito (identificação de palavras escritas, incluindo
questões de literacia emergente e consciência fonológica, e ortografia); o
terceiro tratou do processo de leitura, escrita, audição e produção oral de
textos; o quarto incidiu sobre o conhecimento explícito da língua (gramática);
e o último sobre a avaliação das aprendizagens linguísticas dos alunos (cf.
Pereira, 2010b). Esta reorganização resultou da intenção de assim criar
condições para o desenvolvimento gradual, junto dos formandos, de um
conhecimento profissional de base (Shulman, 1986, 1987), sistematizado e
explícito, que permitisse ao professor fazer da sua profissão "the
exercise of reasoned judgment rather than the display of correct
behaviour" (Shulman, 1986, p. 12). A este respeito, Day (2001) fala do
papel de um 'sentido de visão' e Marcelo García (1999) de uma 'epistemologia da
prática', e foi justamente uma compreensão holística, neste caso, do processo
de ensino de língua no 1.º ciclo, que se procurou edificar, construindo as
respostas para perguntas centrais como: por que razão ensinar língua?; para quê
ensinar língua?; o que ensinar e como ensinar? (Pereira, 2010b).
A resposta à pergunta O que ensinar na aula de língua? foi construída com base
na ideia de que, tal como todos os restantes conteúdos a aprender na escola
(Alonso, 2005), também no caso da área curricular da língua o que está em
aprendizagem é uma (complexa) dimensão cultural desse conteúdo (Pereira,
2010b). Muito embora as crianças possam chegar à escola com um desenvolvimento
linguístico básico considerável (ainda que inacabado, tendo a escola
necessariamente de promover o seu aperfeiçoamento), foi progressivamente
discutida a ideia de que o que está verdadeiramente em questão em contexto
escolar é a aprendizagem de uma dimensão cultural da linguagem, que na
literatura se tem vindo a designar de 'linguagem especializada'.
A existência da dimensão cultural da linguagem é uma consequência inevitável do
desenvolvimento histórico-cultural das comunidades humanas (Halliday, 1978;
Halliday & Martin, 1993; Heath, 1983). O desenvolvimento da cultura humana
traduziu-se e traduz-se na (re)configuração de significados cada vez mais
especializados, que vão desde as descrições e classificações, explicações e
discussões, progressivamente mais abstratas, nas múltiplas ciências;
elaborações, cada vez mais simbólicas, sobre as complexidades da realidade
humana, na literatura; ou os mais diversos 'regulamentos' que condicionam a
nossa vida social, para dar apenas alguns exemplos. Em resposta, a língua tem
configurado possibilidades de significação renovadas, em algumas dimensões
desenvolvidas a partir dos recursos linguísticos mais básicos (como, por
exemplo, o código alfabético, desenvolvido sobre a dimensão fónica da língua,
ou o uso da nominalização para condensar informação nos textos especializados
da ciência); noutras, desenhados de raiz a partir de novas práticas culturais
(de que os géneros textuais são exemplares) (Halliday & Martin, 1993). Na
escola, e como refere Halliday (1993), "aprender é também aprender a
significar" neste sentido, quer dizer, na escola, a construção dos novos
significados culturais implica também a expansão dos recursos de significação
que os veiculam, neste caso a 'linguagem da cultura especializada',
a 'linguagem da escola' (Christie, 1998; Christie & Mission,
1998; Gee, 1996, 2001, 2004; Halliday, 1993; Martin & Rose, 2005; Pereira,
2008a, 2008b, 2010b, 2014; Schleppegrell, 2004), configurando-se assim a
principal razão por que se assume a dimensão cultural da língua como objeto de
aprendizagem da aula de língua.
Foram de dois tipos os conteúdos da linguagem especializada trabalhados durante
a formação (Alonso, 2005; Coll, Pozo, Sarabia, & Valls, 1992; Pereira,
2010b): um, constituído pelo conjunto de conteúdos de natureza declarativa,
referentes ao conhecimento das características da linguagem especializada em
aprendizagem (o código escrito, os géneros de texto literários e géneros não
literários e suas características linguísticas) e ao conhecimento especializado
sobre o saber linguístico mais básico, já dominado à entrada da escola (o saber
implícito, âmbito de reflexão gramatical [Duarte, 2008]); o outro, pelos
conteúdos de natureza procedimental, isto é, o conhecimento dos processos que
se desencadeiam na mente de um leitor-ouvinte-escritor-falante para construir
os significados dos textos, e que incluem os processos implicados no uso do
código escrito para identificar palavras escritas e para as representações
ortográficas das palavras (no caso de textos escritos) (Baptista, Viana, &
Barbeiro, 2011; Coltheart, Curtis, Atkins, & Haller, 1993; Sim-Sim, 2009),
e os processos de construção dos significados textuais na leitura e escrita de
textos (Barbeiro & Pereira, 2007; Giasson, 1993; Hayes & Flower, 1980;
Irwin, 1986 2007; Sim-Sim, 2007), procedimentos também culturalmente motivados
(isto é, motivados pela utilização da linguagem especializada). Pretendeu-se
assim conduzir os professores ao reconhecimento da necessidade de conceber
estes conteúdos como objeto de aprendizagem a construir pelos alunos a partir
da sua entrada na escolarização formal e a aula de língua como espaço de
expansão desse potencial de significação.
Tendo o objeto de aprendizagem na aula de língua uma natureza eminentemente
sociocultural, foi assumida a ideia de que esse objeto de aprendizagem deve ser
aprendido de acordo com os princípios implicados na construção de ciclos
vygotskianos de interiorização de qualquer saber de ordem cultural (Alonso,
2005; Neuwman & Wehlage, 1993; Wells, 2001). Assim, no que concerne à
pergunta Como ensinar língua?, foram gradualmente explicitados os princípios
pedagógicos fundamentais que sustentam o trabalho do professor, nomeadamente: o
princípio de 'prática situada da língua especializada', que define a realização
da aprendizagem da língua de modo integrado e autêntico em situações
socioculturais reais de construção de significados especializados,
colaborativas (i.e., envolvendo interação entre os participantes e negociação
dos significados construídos), ainda que apenas simuladas na sala de aula; o
princípio de 'ensino explícito da língua especializada', que estabelece a
necessidade de que os objetos culturais de aprendizagem sejam visibilizados
para os alunos de modo a facilitar o seu reconhecimento consciente e refletido;
e o princípio da 'prática situada transformada' de uso da língua, que
estabelece a necessidade de que as aprendizagens linguísticas sejam
mobilizadas, transferidas e conscientemente aplicadas em novas situações reais
para assim terminar o ciclo da sua interiorização (Cope & Kalanzis, 2009,
2010; Pereira, 2008b, 2010b; The New London Group, 2000; Wells, 2001).
Destes princípios pedagógicos, vale a pena destacar o da aprendizagem
explícita. Este princípio, que constituiu uma preocupação constante nas
orientações oficiais que definiram o PNEP ("A formação dos professores
visa a utilização de metodologias sistemáticas e estratégias explícitas no
ensino da língua na sala de aula" [Despacho n.º 546/2007, p. 899]), é
parte destacada do ciclo vygotskiano de aprendizagem (Vygotsky, 1979, 1995),
sobretudo na construção das zonas de desenvolvimento próximo (Wells, 2001),
assumindo-se como componente crucial da interação dialógica que se estabelece
entre professores e alunos em ambientes educativos. É através da intervenção
explícita do professor que o aluno presta atenção a saberes relativos a um
objeto cultural específico, que tem de passar a reconhecer e interiorizar, de
onde também facilmente se depreende que todo o conhecimento especializado da
língua a aprender na escola assume um potencial caráter explícito. Afigura-se
ainda relevante dizer que Vygotsky defende que o desenvolvimento das funções
mentais superiores, que caracterizam o comportamento humano consciente, é
alimentado por processos conscientemente aprendidos:
Los años de escuela, en su conjunto, son el período óptimo para la instrucción
en operaciones que requieren conciencia y control deliberado; la instrucción en
estas operaciones fomenta al máximo el desarrollo de las funciones psicológicas
superiores mientras están madurando. Esto se aplica también al desarrollo de
los conceptos científicos en los que la instrucción escolar introduce al niño
(Vygotsky, 1995, pp. 182-183).
A aprendizagem da linguagem especializada é disso paradigmática: o ensino
explícito do professor adquire especial importância dado que a linguagem
especializada é um instrumento 'exterior' (cultural) que se tem de aprender por
ser fundamental no desenvolvimento cultural e das funções mentais superiores (e
de cujo desenvolvimento também depende) e que é essencial às aprendizagens
escolares.
Procurou-se veicular a ideia de que, tal como em qualquer outra área de saber
escolar, se pretende que o conhecimento a construir na aula de língua capacite
o futuro cidadão para diferentes domínios de atuação linguística, no âmbito dos
quais: constrói progressivamente o seu saber cultural (quando lê, escreve,
quando se expressa em e escuta textos orais); avalia e regula, de uma forma
consciente e autónoma, a construção desses significados, recorrendo ao seu
conhecimento consciente (que assim se revela estratégico) para ultrapassar
situações exigentes ou mesmo problemáticas; e pensa, fala e escreve sobre a
própria língua. Dito de outro modo, aprofundou-se a ideia de que a finalidade
da aula de língua é a de capacitar as crianças para as práticas de literacia
(Pereira, 2008a, 2008b, 2010b), ideia que se edificou sobre a atual teoria
curricular, no âmbito da qual se entende que a preparação do processo de
construção da aprendizagem, em vez de no tradicional 'estado de
saber', constitui a grande meta da educação (Alonso, 2005; Comissão
Europeia, 1996; Day, 2001).
Foi discutida a ideia de que, ao ensinar a linguagem especializada com as
finalidades explicitadas, o professor do 1.º ciclo pode ser decisivo na
prevenção das dificuldades que os alunos portugueses revela(va)m na utilização
da linguagem especializada para construção de significado em diversas situações
sociais e que, no fundo, justificaram a conceção e implementação do PNEP. De
entre essas dificuldades, foi discutida a do fourth grade slump (fosso do
quarto ano), por dizer especificamente respeito ao ciclo escolar em questão e
pelas implicações daí decorrentes para a prossecução da aprendizagem escolar.
Consiste na dificuldade que os alunos enfrentam quando começam a usar textos
escritos numa linguagem especializada de tipo académico para construir
significados, que começa a manifestar-se no final do 1.º ciclo (Gee, 2004;
Pereira, 2008b) e que é atribuída à pouca atenção dada ao desenvolvimento da
linguagem especializada nesse mesmo ciclo de escolaridade.
No núcleo de coordenação da Universidade do Minho pretendeu-se que a formação
contribuísse para a construção deste sentido de visão de forma gradual e
transversal a todas as temáticas em estudo (Pereira, 2010b). Ao longo de um ano
de formação e nas salas de aula, os professores-formandos realizaram sequências
de 'ciclos singulares' de investigação-ação previstos no âmbito de cada uma das
temáticas estudadas, tendo-se esta visão na sua linha de horizonte.
O PNEP foi sistematicamente avaliado a nível nacional através da aplicação (em
cada núcleo regional de coordenação e a todos os formandos) de questionários
centralmente concebidos, cujos resultados foram sistematizados e detalhados
pela coordenadora da CNA em 2011 (Sim-Sim, 2011). Aparecem distribuídos em dois
eixos principais: níveis de eficiência interna e indicadores de qualidade da
formação na perspetiva dos formandos (Sim-Sim, 2011). Quanto ao primeiro eixo,
a conclusão foi a de que o elevado "número de professores atingidos pela
formação e a taxa de sucesso nessa mesma formação são indicadores da eficiência
interna conseguida no programa de formação" (Sim-Sim, 2011, p. 25).
Relativamente ao segundo, Sim-Sim (2011) refere que "os resultados [nos]
permitem (...) confirmar o alto grau de satisfação revelado pelos formandos nos
inquéritos" (p. 55). Foi no contexto desta avaliação, que incidiu nas
aprendizagens dos professores-formandos e na dos professores-formadores, que se
configurou a questão central que orientou este estudo, cuja resposta, tal como
reconhece Sim-Sim (2011), "é um aspeto lacunar significativo na apreciação
da qualidade do programa de formação" (p. 56), ao não ter sido procurada
pela coordenação central deste programa de formação de professores: Que
avaliação fizeram os alunos das aulas PNEP?
O estudo
As investigações dos resultados de inovações educativas, comummente designadas
de avaliação de programas educativos(San Fabián, 2014), tomam como referência a
visão da administração educativa, dos professores ou dos agentes dinamizadores,
de que a avaliação reportada em Sim-Sim (2011) é um exemplo. Todavia, no nosso
estudo avaliativo do PNEP quisemos tomar em consideração os seus principais
destinatários: os alunos.
A pertinência da realização de uma investigação destinada a conhecer as
representações que os alunos construíram do processo pedagógico experimentado
pareceu-nos indiscutível, na medida em que a principal finalidade do PNEP era,
justamente, a de melhorar as experiências educativas, dando o estudo, pelo
menos, uma 'medida' do impacto que o PNEP possa ter tido nas consciências dos
alunos. O estudo pareceu-nos ainda hoje relevante, pois, tanto quanto nos foi
possível determinar, é a única investigação desta natureza e que vai além do
que foi possível realizar e publicar aquando da realização do programa, na
medida em que "não foi possível, senão de uma forma impressionista,
avaliar os efeitos deste programa nas aprendizagens escolares dos alunos, o que
teria sido desejável e muito útil" (Sim-Sim, 2011, p. 55). O estudo de
Pinto (2010) aponta no sentido da existência de algum impacto do PNEP nas
aprendizagens dos alunos que o frequentaram, que contudo conclui a partir da
análise dos resultados das Provas Nacionais de Aferição de um único agrupamento
de escolas.
Pareceu-nos também que a resposta àquela pergunta central nos permitiria uma
aproximação a outra pergunta, nomeadamente O que é possível concluir acerca das
representações construídas pelos alunos no âmbito das aulas PNEP?. Aí
procurámos nós aí algum indício, ainda que muito indireto, da medida em que o
PNEP, e, em particular, a visão do ensino de língua efetivamente concretizada
no núcleo da Universidade do Minho, encontra fundamento nos resultados obtidos
pelos alunos, para além de considerações sobre o PNEP como processo de
desenvolvimento profissional dos professores.
Para dar resposta à pergunta central da investigação, foi preparado, no final
do último ano de funcionamento do programa de formação, um estudo, que agora se
apresenta, detalha, e cujos resultados se analisam e discutem. No desenho e
implementação do estudo foram tidas em consideração linhas metodológicas e
éticas da investigação com crianças (Shaw, Brady, & Davey, 2011).
A recolha de dados foi feita através de um inquérito por questionário aos
alunos (população alvo: n= 7887; 1.º ano de escolaridade: n=1893; 2.º ano:
n=2095; 3.º ano: n=1880; 4.º ano: n=2019), provenientes de escolas públicas dos
distritos de Braga e Vila Real. Os alunos facilmente identificavam as aulas
PNEP por haver sempre um professor-extra presente (o formador), que passou a
ser referido como o professor do PNEP. Os formadores reportavam que os alunos
os reconheciam e que falavam aberta e muito veemente das aulas PNEP, que
identificavam como diferentes. Por isso, foi assumido que, no fim do processo,
os alunos sabiam bem o que estavam a avaliar. O inquérito (cf. Anexo_1) foi
construído para obter respostas para quatro subperguntas:
1. Qual a representação geral dos alunos sobre a forma como aprenderam nas
aulas PNEP?
As perguntas de 1 a 7 no inquérito foram pensadas para, em conjunto, darem
resposta a esta pergunta. Contudo, elas também foram pensadas com objetivos
específicos diferentes:
− as perguntas 1 e 2, centradas no interesse e no desafio das aulas PNEP,
foram pensadas como potencialmente reveladoras das representações relacionadas
com a motivação para aprendizagemdesencadeada pelas aulas do PNEP. Esta
preocupação tem que ver com o facto de se ter oficialmente assumido que uma das
obrigações do professor de turma era a de "tornar a aprendizagem da língua
escrita um desafio interessante para si próprio e para as crianças" (CNA,
2006, p. 5);
− as perguntas 4 e 5 foram pensadas como potencialmente reveladoras das
representações relacionadas com a operacionalização de dois princípios
pedagógicos centrais de construção da aprendizagem, nomeadamente o do ensino
explícito (pergunta 4) e o da aprendizagem colaborativa (pergunta 5);
− as perguntas 3, 6 e 7 foram pensadas como potencialmente reveladoras da
representação geral sobre a forma como foi experimentada a aprendizagem
construída nas aulas PNEP, perguntando sobre a dificuldade, as dúvidas e a
perceção de boa aprendizagem, respetivamente. As perguntas 3 e 6 são de
natureza invertida, construídas para verificar a consistência.
2. Qual a representação dos alunos acerca da sua aprendizagem dos conteúdos
temáticos que estruturaram as aulas do PNEP?
As perguntas 8 a 20 na segunda parte do inquérito foram pensadas para darem
resposta global a esta pergunta. Contudo, elas também foram pensadas com
objetivos específicos diferentes, na medida em que estão centradas nas diversas
áreas de conteúdo do programa:
− as perguntas 10 a 14 foram pensadas como potencialmente reveladoras das
representações relacionadas com a área temática da leitura. As perguntas de 10
a 13 incidem sobre leitura de texto, nomeadamente sobre rapidez, compreensão
geral, reconto, ideias principais; a 14 sobre leitura de palavras novas;
− as perguntas 15, 17, 18 e 19 foram pensadas como potencialmente
reveladoras das representações relacionadas com a área temática da escrita. A
pergunta 15 incide na escrita de palavras (ortografia)e as restantes na escrita
de texto, mais concretamente sobre textualização, planificação e revisão;
− a pergunta 16 foi pensada como potencialmente reveladora das
representações relacionadas com a área temática da oralidade especializada,
mais concretamente a apresentação de trabalhos orais;
− as perguntas 8, 9 e 20 foram pensadas como potencialmente reveladoras das
representações relacionadas com a área temática do conhecimento explícito da
língua - gramática, nomeadamente sons das letras (consciência fonológica
[Freitas, Alves, & Costa, 2007]), géneros de texto e conhecimento sobre a
língua. Estas eram as únicas perguntas que versavam sobre conteúdos de natureza
declarativa; todas as restantes versavam sobre conhecimentos de natureza
procedimental.
3. Qual a representação geral dos alunos acerca da qualidade das aulasPNEP?
A última pergunta do inquérito foi pensada para dar resposta a esta questão.
4. Como são estas representações quando considerados os anos de escolaridade?
Esta pergunta foi pensada para aferir a perspetiva das aulas PNEP construída em
cada ano escolar. O PNEP foi desenhado para fazer chegar todas as temáticas a
todas as salas de aulas de todos os anos de escolaridade, na assunção de que a
visão de ensino assumida seria operacionalizável em qualquer momento da
escolaridade. Para tal, solicitou-se a cada respondente que indicasse o ano de
escolaridade frequentado. O inquérito não incluiu nenhuma questão relativa ao
uso das TIC na aprendizagem da língua, em função da variação das condições
práticas nas escolas a este respeito.
A construção do inquérito foi alvo de uma reflexão detida, dada a exigência
cognitiva que a compreensão e a resolução deste tipo de procedimentos de
recolha de dados significa para as crianças que frequentam o 1.º ciclo de
escolaridade básica (de Leeuw, 2011; Shaw et al., 2011).
Na construção das questões foi importante a consideração de três princípios
básicos no âmbito do processo de construção de inquéritos e que traduzem a
convicção de que não existe uma forma perfeita e única de fazer um
questionário, mas sim questionários situados no contexto de utilização e de
acordo com os fins a que se destinam (Converse & Presser, 1986; Fowler,
1995; Ghiglione & Matalon, 1993). Trata-se do princípio da clareza (as
questões devem ser claras, concisas e unívocas); do princípio da coerência (as
questões devem materializar a intenção subjacente à própria pergunta); e do
princípio da neutralidade (as questões não devem induzir uma dada resposta, mas
sim libertar o inquirido do referencial de juízos de valor ou do preconceito do
próprio autor do questionário). Estes princípios são genericamente assumidos na
literatura especializada sobre construção e uso de inquéritos por questionário
com crianças a partir dos 7 anos de idade (de Leeuw, 2011), no âmbito da qual
se destaca que "questionnaires should be tailored to the cognitive and
social maturity of the child" (de Leeuw, 2011, p. 9). Para a faixa etária
dos 7 aos 10 anos, recomenda-se a utilização de frases curtas e de estrutura
sintática simples, fazendo um uso literal do vocabulário na construção das
questões, recomendações justificadas em função da relativa limitação de
processamento estrutural (frásico), da (ainda) imatura capacidade de leitura,
das limitações de memória de crianças destas idades e da sua incapacidade de
lidar com ambiguidades lexicais (de Leeuw, 2011).
Tivemos estes princípios e recomendações igualmente em consideração na
construção da escala de respostas, no âmbito da qual atendemos também à
recomendação de que, nos inquéritos destinados a crianças de 7 a 10 anos, se
faça uso de um número limitado de opções de resposta - "not more
than two or three response categories are a workable number (de Leeuw, 2011,
p. 18) -, bem assim como à possibilidade de não construir escalas
numéricas, substituindo-as por escalas verbais. Em conformidade, a escala de
opções de resposta usada foi pensada para não colocar demasiadas dificuldades
linguísticas e cognitivas no momento de as crianças fazerem a sua escolha. As
opções foram formuladas numa linguagem clara, não ambígua, e próxima da do
público-alvo do inquérito. Procurámos não multiplicar as opções de escolha, que
mantiveram um formato igual em todo o questionário (sim; não; não sei
responder), com exceção da última questão, para a qual as possibilidades de
resposta variaram entre más; nem más nem boas; boas. Em todos os casos, a
inclusão da categoria 'neutra' (não sei responder; nem boas nem más), uma
formulação claramente próxima das nossas representações do respondente-tipo mas
nada habitual em inquéritos destinados a adultos (dada a perigosidade de assim
o respondente evitar o comprometimento com uma resposta assertiva), obedeceu à
nossa expectativa, fundamentada no nosso conhecimento do decurso do processo,
de que, em cada uma dessas opções, os resultados não seriam os dominantes (em
termos de frequências). A inclusão da opção não sei responderobedeceu também à
nossa perceção da possibilidade de crianças de diferentes anos escolares
poderem efetivamente não saber responder por não terem estudado algum tópico
referente aos conteúdos aprendidos (perguntas 8 a 20). Razões de uniformização
da escala determinaram a sua utilização no contexto das perguntas destinadas a
aferir as suas perceções sobre o modo como aprenderam (1 a 7).
Ainda de acordo com recomendações especializadas (de Leeuw, 2011), a
monitorização da adequação das instruções, das questões formuladas, do tipo de
opções contemplado e da extensão do guião do inquérito, foi realizada antes da
aplicação da versão final. Decorreu em três sessões com três alunos que tinham
frequentado o PNEP no ano de 2008-2009 em diferentes agrupamentos de escolas,
identificados pelos professores (através dos formadores) como detendo um perfil
para colaborar na investigação. As sucessivas versões foram sendo informadas
pelos ajustes motivados pelas reações de cada um dos alunos, que leram o
questionário em voz alta perante o investigador, disseram se entendiam bem o
que estava a ser perguntado e se consideravam que tinham uma resposta para dar
(e efetivamente a deram).
Os questionários foram aplicados no final da formação, em maio de 2010, pelos
professores titulares de turma, na sala habitual de aulas, na presença e com a
colaboração dos formadores. Os alunos foram informados da natureza anónima do
questionário e da sua finalidade (não para avaliar os alunos nem os
professores, mas sim para "conhecer melhor o resultado das aulas do
PNEP", tal como consta do cabeçalho do questionário), sendo-lhes
apresentado como uma solicitação para contribuírem para as melhorar no futuro
(quer pelo professor quer pela Universidade). Foram providenciadas aos
aplicadores instruções escritas para a aplicação do questionário, de que
destacamos a indicação de que o aplicador lesse o inquérito em voz alta,
abrisse a possibilidade de se esclarecerem dúvidas em voz alta mas que exigisse
respostas individuais e dadas em silêncio, para assim evitar
'contaminação' de perceções' entre pares, acautelando que o
tempo fosse suficiente para os alunos pensarem. Estas preocupações tiveram em
vista a minimização de efeitos negativos implicados na realização de inquérito
por questionário, que por isso são pouco frequentes com crianças desta idade
(Shaw et al., 2011). Em função da natureza do inquérito, parte de um programa
no qual os alunos tinham estado a participar ativamente como integrante do seu
processo educativo, não foi requerida autorização para a realização desta
avaliação (Shaw et al., 2011, p. 32).
Os questionários foram dirigidos aos alunos dos 2.º, 3.º e 4.º anos, ficando ao
cargo dos professores que lecionavam o 1.º ano a decisão de passar o inquérito
aos seus alunos em função da sua apreciação da autonomia para o realizar e da
justificação da sua realização, dado que o 1.º ano não é, por tradição, um ano
em que se trabalhem todos estes saberes de modo explícito, nem tão-pouco um ano
em que os alunos desenvolvam consciência de uma tão grande panóplia de
aprendizagens, centrados que estão nas aprendizagens relacionadas com o código.
Para a análise estatística dos dados recolhidos foi utilizado software da IBM
SPSS Statistics versão 22.0. A metodologia estatística utilizada está de acordo
com a natureza das variáveis envolvidas. Foram utilizadas tabelas sumárias
descritivas em relação a cada item de resposta, assim como gráficos para
ilustrar a distribuição das respostas. Para avaliar a associação entre
variáveis nominais foi utilizado o teste de qui-quadrado de Pearson. A regra de
decisão utilizada consiste em detetar evidência estatística para um nível de
significância de 5%.
Resultados
Responderam ao inquérito 4626 alunos, o que perfaz uma taxa de
representatividade de 58,65%. A análise da amostra por anos de escolaridade
(cf. tabela_1) revela que apenas a amostra de alunos do 1.º ano não pode ser
considerada representativa dessa população: 13,63%. Nos restantes anos, as
amostras são representativas: 2.º ano: 66,35%; 3.º ano: 75,37%; 4.º ano:
77,32%.
Os resultados revelaram que em nenhum caso as respostas dadas surpreenderam
expectativas nem tão-pouco incidiram predominantemente na opção neutra da
escala de respostas, sendo os valores obtidos nesse caso invariavelmente muito
distantes dos valores mais elevados em todas as questões. Tomamos estas
constatações como indício de adequação das perguntas e, em particular, da
escala construída para os fins da nossa pesquisa.
Os resultados da análise das respostas ao questionário indicam que a
representação geral dos alunos sobre a forma como aprenderam nas aulas PNEP
(subpergunta 1) foi muito positiva. As respostas dos 4626 alunos, distribuídas
de acordo com as questões referentes à forma como aprenderam nas aulas de PNEP,
encontram-se na Figura_1.
As respostas às perguntas 1 e 2 revelam que as aulas PNEP foram motivadoras
para a aprendizagem das crianças. O valor das respostas à questão 1, referente
ao interesse das aulas, é, de resto, o mais elevado em todo o questionário
(98,9%). O teste qui-quadrado mostra que o tipo de resposta dado à questão 1
está relacionado com o tipo de resposta dado à questão 2 (desafiantes) (χ2
(4)=12,58, p < 0,05). As respostas às perguntas 4 e 5 revelam que as crianças
construíram a ideia de terem aprendido de modo explícito (pergunta 4) e de
forma colaborativa (pergunta 5). Os dados mostram a existência de uma
associação sempre positiva entre as respostas à pergunta 4 (aprendizagem
explícita) ou as respostas à pergunta 5 (aprendizagem colaborativa) e as
respostas 8-20 (p < 0,0001), ganhando força a ideia de que as representações
construídas sobre a aprendizagem explícita e colaborativa estão relacionadas
com as aprendizagens construídas no âmbito das temáticas estudadas ao longo do
ano letivo. As respostas às perguntas 3, 6 e 7 revelam que as crianças
construíram uma representação positiva geral sobre a forma como foi
experimentada a construção da aprendizagem nas aulas PNEP, incluindo a resposta
à pergunta 3, uma pergunta invertida construída para verificar consistência. A
resposta à pergunta 6, outra pergunta invertida, mostra que as crianças
revelaram consciência de ter ficado com dúvidas nas aulas PNEP, o que tomamos
como indício de consciencialização da complexidade e densidade do objeto de
aprendizagem. O teste qui-quadrado de Pearson mostra que o tipo de resposta
dado à questão 3 está relacionado com o tipo de resposta dado à questão 6 (χ2
(4)=207,252, p < 0,05) e com o tipo de resposta dado à questão 7 (χ2
(4)=253,029, p < 0,05). Quando considerados os anos escolares (subpergunta 4),
os dados revelam informações relevantes sobre estas representações. A
distribuição das respostas segundo o ano de escolaridade encontra-se na Figura
2.
Analisou-se a possível associação das respostas questão a questão com os anos
de escolaridade através de testes de independência do qui-quadrado. Os
resultados obtidos encontram-se na tabela_2.
Os resultados mostram que a perceção sobre o interesse, a colaboração e a boa
aprendizagem são independentes do ano de escolaridade, sendo a perceção sobre o
desafio, a dificuldade, a aprendizagem explícita e a representação de ter tido
dúvidas dependentes do ano de escolaridade. É especialmente interessante
verificar que o 4.º ano apresenta valores mais altos no que toca à consciência
do desafio (80,6%); que o 1.º ano apresenta valores mais altos quanto à
consciência do que estava em aprendizagem (91,1%), seguido do 4.º ano, com
87,5%; e também que é o 1.º ano o que apresenta maior consciência de ter
experimentado dificuldade na aprendizagem, com 13,25%, mas menor consciência de
ter tido dúvidas durante a sua aprendizagem, com 63,2%.
A representação dos alunos acerca da sua aprendizagem dos conteúdos temáticos
que estruturaram as aulas do PNEP (subpergunta 2) foi muito positiva. O
conjunto de respostas implicado nesta análise mostra uma boa consistência
interna, com um valor de 0,732 no teste Alpha-Cronbach. É de resto muito
significativo o valor das respostas à última questão deste bloco (Ficaste a
conhecer mais... coisas sobre a Língua Portuguesa?), que obtém o valor mais
alto em termos absolutos neste bloco de perguntas (96,9%). A análise por
temáticas (leitura, escrita, oralidade especializada e conhecimento explícito/
gramática) ilustra a tendência positiva das respostas, esclarecendo também
áreas de maior perceção de aprendizagem.
No âmbito da leitura, as crianças revelaram a perceção de ter aprendido a
compreender melhor os textos lidos, que é o valor mais alto nos itens
relevantes; os dados mostram também que os valores mais baixos recaem na
rapidez de leitura, que é de resto o valor mais baixo neste bloco de perguntas;
o reconto das histórias, a identificação das ideias mais importantes e a
leitura de palavras novas apresentam valores semelhantes, acima dos 84%:
Figura_3
As respostas às perguntas sobre as perceções de aprendizagens relacionadas com
a escrita de textos diferentes revelam perceções muito positivas (89,4%),
apresentando contudo a escrita de palavras (ortografia) os segundos valores
mais baixos desta parte do inquérito; as respostas às perguntas sobre as
perceções de aprendizagens relacionadas com planificação e revisão de texto
apresentam valores altos e semelhantes (Figura_4).
As respostas mostram representações muito positivas relacionadas com saberes
sobre sons das letras, conhecimento de textos diferentes e em geral sobre a
língua, que obtém os segundos valores mais altos de todo o questionário
(96,9%), sendo todos estes valores relacionados com a área temática do
conhecimento explícito/gramática (Figura_5).
Os dados revelam que as representações de aprendizagem relacionadas com a área
temática da oralidade especializada têm valores mais baixos relativamente aos
restantes conteúdos (Figura_6).
Verifica-se que as áreas percecionadas como de maior construção de aprendizagem
são a leitura de palavras e compreensão de textos, escrita de textos e
conhecimento sobre a língua. Quando considerados os anos escolares (subpergunta
4), os dados revelam informações de relevo sobre estas representações. A
distribuição, questão a questão, está ilustrada na Figura_7.
Analisou-se a possível associação questão a questão com os anos de escolaridade
através de testes de independência do qui-quadrado. Os resultados obtidos
encontram-se na tabela_3.
Os resultados mostram que a resposta dada às perguntas sobre apresentação oral
(oralidade especializada), escrita de tipos de textos (escrita), conhecimento
de tipos de textos e conhecimento de mais coisas sobre a língua (conhecimento
explícito-gramática) é independente do ano de escolaridade. Mostram também que
a resposta dada às restantes perguntas, incidentes em aprendizagens
relacionadas com o código (e conhecimentos afins) e com a leitura e escrita de
texto, depende do ano de escolaridade. São proeminentes os valores referentes
ao conhecimento dos sons das letras nos 1.º e 2.º anos (acima dos 90%); à
ortografia nos 1.º, 2.º e 4.º anos (acima dos 78%); e à leitura rápida no 1.º
ano (acima dos 80%), seguida do 2.º ano (acima dos 72%); os valores de
compreensão dos textos lidos, reconto, ideias principais e leitura de palavras
novas nos 1.º, 2.º e 4.º anos (acima dos 85%); planificação escrita texto nos
1.º, 2.º e 4.º anos (acima dos 80%); e revisão de texto no 4.º ano (acima de
85%). O 3.º ano, que não apresenta os valores mais elevados em nenhum item,
apresenta os valores mais baixos em 5 itens, distribuídos entre leitura e
escrita: compreensão dos textos lidos(88,7%), reconto (80,5%), ideias
principais (80,0%), leitura de palavras novas (83,1%), ortografia (76,6%) e
planificação (79,4%). Neste bloco de perguntas, o valor mais baixo é o do 4.º
ano, no item rapidez de leitura (66,8%).
A representação geral dos alunos acerca da qualidade das aulas PNEP
(subpergunta 3) segue a tendência geral, com 94,6% das respostas a recaírem na
opção boas, 5,3% nem más nem boas e 0,2% na opção más. Efetuado o teste do qui-
quadrado de independência, verificou-se não existir associação estatisticamente
significativa entre o ano de escolaridade dos respondentes e a questão que
avalia a qualidade das aulas PNEP (χ2(6)=8,628, p=0,196>0,05), mostrando uma
tendência de resposta homogénea entre os respondentes. Não houve, portanto,
qualquer diferença de perceção atribuível a diferença maturacional/idade/nível
de escolaridade, o que tomamos como indicador de robustez dos resultados.
Conclusões do estudo e discussão
A primeira conclusão que cabe ressaltar é a da operatividade do instrumento
utilizado para conhecer as perceções dos alunos acerca do processo pedagógico
por si experienciado. Nesse sentido, a resposta à pergunta central que conduziu
o estudo, construída com base nos resultados da análise das respostas ao
questionário, é a de que os alunos fizeram uma avaliação muito positiva das
aulas PNEP. Concluímos que as suas representações sobre a forma de construção
das aprendizagens foram muito positivas, tendo a análise apontado para a
existência de um conjunto de representações independentes do ano de
escolaridade (sobre o interesse, a colaboração e a perceção de boa
aprendizagem), assim como para a existência de uma maior motivação ou
implicação com as aulas PNEP no 4.º ano (que foram desafiantes), de uma maior
consciência das aprendizagens (aprendizagem explícita) nos anos limítrofes (1.º
e 4.º), de uma maior consciência de ter experimentado dificuldade na
aprendizagem no 1.º ano, que também revelou uma relação mais incipiente com a
aprendizagem (menos dúvidas). Consideramos estes valores coerentes com o que é
esperado destes anos escolares.
Concluímos também que as representações das crianças sobre os conteúdos das
aprendizagens foram muito positivas, tendo a análise apontado para a existência
de um conjunto de saberes construídos com independência dos anos (oralidade
especializada, conhecimento de tipos de textos, escrita de diferentes tipos de
texto e conhecimento sobre a língua) e de outros saberes construídos com
dependência de ano frequentado. Assim, verificou-se uma perceção de ganho
idêntica em todos os itens referentes à capacidade de construção de
significados na leitura de textos (compreensão dos textos lidos, reconto,
ideias principais e leitura de palavras novas) e na planificação da escrita de
textos nos 1.º, 2.º e 4.º anos e alguma distribuição complementar na construção
de outras aprendizagens, com os anos iniciais a revelar maior perceção nos
valores relativos à aprendizagem do código (sons das letras e ortografia) e
rapidez de leitura, e o 4.º maiores valores relativos à revisão textual (de que
a ortografia é componente destacado) e menores relativamente à rapidez de
leitura. Consideramos esta distribuição igualmente coerente com as
aprendizagens curriculares mais esperadas em cada um destes anos escolares,
assumindo-a como indício da adequação das aulas PNEP. Os conteúdos de natureza
declarativa, apesar de menos representados no inquérito, receberam
sistematicamente valores mais altos que os de natureza procedimental, o que
pode ser indício da maior dificuldade destes últimos. Por fim, pode concluir-se
que o 3.º ano é o de menor perceção de construção de aprendizagens, indiciando
ser um ano de menores conquistas (possivelmente, um ano de sedimentação de
aprendizagens feitas) e, portanto, de menor efeito nas consciências dos alunos.
Não sendo possível conhecer o impacto real que o PNEP possa ter tido na
prevenção do fourth grade slump dos alunos implicados, nem sendo possível
verificar se as finalidades centradas nas aprendizagens dos alunos foram
efetivamente atingidas, é-nos contudo possível afirmar, com base nestas
conclusões, que o PNEP teve um impacto muito considerável nas consciências dos
alunos que nele participaram. A julgar pelo que discutimos acerca do papel da
tomada de consciência e reflexão sobre o objeto de aprendizagem, os nossos
resultados podem ser tomados como um indício de aprendizagem efetivamente
construída e de uma atuação linguística mais estratégica, apontado, ainda que
de outra perspetiva, no mesmo sentido da eficácia do PNEP tal como indiciado
por estudos pontuais como o de Pinto (2010).
A interpretação que fazemos do efeito positivo que o PNEP teve nos alunos é, em
nosso entender, reforçada com a convocação dos resultados do estudo PIRLS
(Progress in International Reading Literacy Study) 2011 para esta discussão.
Trata-se de uma avaliação internacional de competências de literacia em leitura
dos alunos do 4.º ano de escolaridade, na qual Portugal participou pela
primeira vez em 2011. Considerando os cuidados de representatividade a que o
PIRLS obedece (ProjAvi, 2012) e dada a amplitude territorial abarcada pelo PNEP
(Sim-Sim, 2011), é lícito assumir que entre os implicados no PIRLS 2011
estiveram alunos que frequentaram o PNEP até 2010, e que o possam ter
experienciado em mais do que um ano letivo e mesmo depois de o programa ter
acabado, nas práticas transformadas dos professores participantes. Os
resultados do PIRLS 2011 revelaram que os alunos portugueses avaliados se
situaram "entre os 19 países com melhor desempenho em leitura para o 4.º
Ano" (ProjAvi, 2012, p. 2), num total de 45 países participantes, um
resultado claramente positivo, sendo interessante notar os valores
relativamente elevados dos resultados parciais em leitura informativa (ler para
adquirir e utilizar informação): "Os alunos Portugueses do 4.º ano tiveram
desempenho acima da média global nacional (...) quando a finalidade de leitura
era informativa" (p. 6, destacado original). Trata-se, naturalmente, de um
resultado alentador, atendendo às circunstâncias de partida que motivaram a
realização do PNEP, assumindo uma relevância particular no âmbito desta
discussão por ser congruente com as perceções que os alunos revelaram no nosso
estudo sobre a sua experiência do programa, em particular as relativas às
aprendizagens por si construídas ao nível da leitura de textos.
A construção da resposta à pergunta central que conduziu a nossa investigação
permitiu-nos também equacionar duas respostas à pergunta O que é possível
concluir acerca das representações construídas pelos alunos no âmbito das aulas
PNEP?, uma respeitante à visão de ensino do português no 1.º ciclo que
enquadrou este estudo, e a outra aos processos de formação contínua de
professores. Em nosso entender, a visão de ensino que enquadrou este estudo
encontra nestes resultados uma importante validação empírica. É possível
depreender destes resultados que a visão curricular da educação em língua
descrita na secção 2 - e, em particular, o conjunto dos conteúdos
implicados (o que ensinar?) e as opções pedagógicas centrais (como ensinar)
-, é potencialmente muito adequada a este nível de escolaridade. Os
alunos revelaram ter uma perceção da construção de aprendizagens em todos os
conteúdos implicados, com algum destaque para o constituído pela leitura e pelo
conhecimento sobre a língua, o que mostra que o PNEP visibilizou para os alunos
um objeto de aprendizagem para a aula de língua, que foi capaz de
operacionalizar pedagogicamente. Deste modo, estes resultados validam
empiricamente as perceções da primeira autora, coordenadora do núcleo de
formação da Universidade do Minho entre 2008 e 2010, quando afirmou que:
[Nos] momentos de balanço [trimestral], os formadores foram chamados a
partilhar as suas principais reflexões motivadas pelo acompanhamento da
múltipla testagem empírica do plano de formação. (...) Ao partilharem as
reflexões com os colegas e comigo, pude ir recolhendo indícios do grau de
eficácia da filosofia de ensino do portuguêsque fui ajudando a trabalhar em
cada sessão (Pereira, 2010a, p. 28).
Nessa medida, o nosso estudo configura-se como um contributo relevante para
(atuais e futuros) processos de análise e de tomada de decisão curricular, seja
na forma de definição de programas e de metas de aprendizagem para os alunos,
seja na forma de desenho de unidades curriculares de cursos de formação inicial
e contínua de professores, na medida em que fundamenta empiricamente um
entendimento sobre o que ensinar e o como ensinar língua no 1.º ciclo de
escolaridade.
Em nossa opinião, é igualmente possível aferir, a partir destes resultados, a
qualidade do PNEP enquanto formação contínua de professores. Estes resultados
ilustram a eficácia do PNEP junto dos formandos, que Sim-Sim (2011)
extensivamente reporta. Nessa medida, também encontramos nestes resultados
alguma validação do pressuposto de que o desenvolvimento profissional dos
professores afeta a aprendizagem dos alunos, a que se refere Sim-Sim (2011, pp.
12-13). Sendo embora um programa com limitações em termos da conceção como
investigação-ação (cf. secção introdutória), a sua eficácia talvez fique a
dever-se ao sentido de visão teórico que o sustentou em conjugação com toda a
dinâmica formativa desenhada.
Para além destas conclusões tentativas, outras interrogações ficam por
responder, nomeadamente a concernente à avaliação que estes professores fazem
deste processo de formação a médio prazo (que também pode ser informativa do
impacto na aprendizagem dos seus alunos), a que pretendemos dar resposta com
uma investigação em curso. Por outro lado, este estudo permite-nos também
assumir, como se disse, a viabilidade da realização de inquéritos baseados em
questionários com crianças do 1.º ciclo em circunstâncias de amplo apoio e
contextualização apropriada, como foi o do proporcionado pela formação PNEP (de
Leeuw, 2011; Shaw et al., 2011).
Da presente investigação, que será completada com outros estudos qualitativos e
quantitativos que a mesma equipa de investigação atualmente prepara,
depreendem-se possibilidades muito positivas para o desenvolvimento da visão de
ensino de língua e de formação contínua de professores sistematizada e
instituída pelo PNEP nas salas de aula de 1.º ciclo das escolas portuguesas.
Nota
Este texto foi realizado no âmbito de uma licença sabática da primeira autora,
subvencionada pela FCT (SFRH/BSAB/1440/2014).