Urbanismo comercial em Portugal e a revitalização do centro das cidades
URBANISMO COMERCIAL EM PORTUGAL E A REVITALIZAÇÃO DO CENTRO DAS CIDADES
[Carlos José Lopes Balsas (1999), Gabinete de Estudos e Prospectiva Económica,
Ministério da Economia, ISBN: 972-8170-55-6]
Maria Manuel Leitão Marques*
Em Portugal, as empresas do comércio representam 32,2% do total das empresas e
contribuem para 14,2% do PIB e 14,9% do emprego.1O seu estudo presta-se, pelo
menos, a abordagens económica, sociológica, geográfica, arquitectónica ou
jurídica, admitindo assim modos de consideração distintos e abrindo campo ao
trabalho interdisciplinar. Alguns dos projectos de investigação recentemente
encomendados pelo Observatório do Comércio, por exemplo, sobre os horários dos
estabelecimentos comerciais ou sobre o emprego, demonstram, aliás, como a
combinação de diferentes perspectivas se mostra indispensável para a
compreensão dos problemas abordados. No entanto o comércio não tem sido, entre
nós, objecto de muitos trabalhos académicos, teses ou projectos de
investigação, desenvolvidos nas universidades ou em outras instituições. A
maioria dos investigadores que dele se têm ocupado é proveniente da área dos
estudos geográficos.
Não vou aqui desenvolver os argumentos que a meu ver explicam a relativa
desatenção que, entre outras, a investigação económica e sociológica têm
prestado ao comércio, a qual, eventualmente, terá mais a ver com preconceitos
ideológicos do que com uma hierarquia de prioridades dos investigadores. Creio
aliás que essa desatenção começa a ser ultrapassada, em resultado da entrada de
novos, poderosos e muito visíveis actores no comércio (a grande distribuição,
as redes de franquia, os grandes centros comerciais com gestão própria e
planeada), ou por efeito de uma tomada de consciência da referida lacuna. Os
financiamentos comunitários para a modernização do comércio ajudaram também a
aumentar o interesse dos investigadores na medida em que exigiram a elaboração
de estudos de suporte de certas intervenções, mobilizando equipas de académicos
e de outros profissionais para a sua elaboração.
Tornar conhecida e partilhar os resultados da investigação que vem sendo
realizada, com um mínimo de qualidade, sobre o comércio parece-me pois uma
tarefa fundamental. Eis, assim, um primeiro motivo que me levaria a saudar a
publicação deste trabalho pelo Gabinete de Estudos e Prospectiva do Ministério
da Economia, que, aliás, com a publicação de um número da Revista Economia e
Prospectiva intitulado Comércio: um sector chave, se tinha já mostrado atento
à necessidade de aprofundar os estudos desta actividade económica.
Utilizando dois estudos de caso (dois projectos de urbanismo comercial para as
cidades de Coimbra e Aveiro) e tendo em atenção a experiência americana
(Business Improvement District) e, especialmente, a britânica (Town Centre
Management), considerada como mais adequada para ser tida em conta em Portugal,
o autor procura encontrar respostas para a questão do planeamento retalhista e
da habitabilidade dos centros das cidades, satisfazendo os interesses de
comerciantes, trabalhadores, consumidores, visitantes e residentes. Os seus
objectivos ultrapassam, portanto, aquilo a que se poderia propor um simples
trabalho académico, procurando deixar sugestões de medidas concretas ou pelo
menos pontos de reflexão para quem tem de intervir em matéria de planeamento
comercial.
De seguida apresento alguns dos pontos mais relevantes deste estudo. Em
primeiro lugar, a oportunidade da informação nela contida e da análise que é
feita de experiências estrangeiras, considerando as diferentes intervenções em
curso (mais de uma centena) sobre a modernização do comércio nos centros das
cidades, no âmbito do PROCOM. Estou longe de ser partidária da importação pura
e simples de formatos de intervenção, mesmo os bem sucedidos, de países
terceiros. Na área da regulação, que me é mais próxima, conheço alguns
desastres derivados de uma importação desatenta ao contexto de integração, que
tornaram desadequadas e inoperantes medidas bem intencionadas. Mas isso não
significa colocarmo-nos na posição contrária, como também acontece, que é a de
partir às escuras, cometendo erros que o estudo de outros casos poderia evitar.
No domínio que é objecto deste trabalho o planeamento do comércio retalhista
e a revitalização dos centros das cidades essa comparação torna-se ainda mais
importante considerando, como fica demonstrado, a complexidade das medidas a
desenvolver e os obstáculos que se colocam ao seu sucesso a longo prazo. Ao ler
o relato de experiências estrangeiras fica-nos, é certo, o desejo de saber mais
sobre alguns dos casos a que se faz referência. Em nenhum momento, contudo, nos
devemos esquecer que se trata de uma tese de mestrado e não qualquer outro
trabalho a que possa ser exigida maior envergadura. Tomemos por isso as nossas
perguntas como pistas para outros, ou mesmo o próprio, virem a desenvolver; ou
não é essa, também, uma das funções dos trabalhos académicos desta natureza?
Por último, gostaria de destacar algumas das principais conclusões que retirei
da leitura deste trabalho e que entendo merecerem uma atenção especial por
parte de todos que, de um modo ou de outro, se ocupam do comércio e da
modernização do comércio tradicional nos centros das cidades. Em primeiro
lugar, a ideia de que o comércio retalhista é uma componente básica da vida
urbana, mostrando-se necessária a coexistência equilibrada de diferentes
formatos. Depois, a de que é importante uma intervenção planeada e pró-
activa, integrando diferentes perspectivas (económicas, sociais, culturais),
para garantir a vitalidade e a viabilidade dos centros das cidades. Contudo, o
êxito dessa intervenção depende, entre outros factores, da rentabilidade dos
projectos de investimento privado realizados, da capacidade de atrair um
investimento contínuo, enfim, de uma gestão integrada a longo prazo e da
realização de parcerias público-privadas com promotores de negócio e
organizações empresariais. Ou seja, não basta uma intervenção de cima para
baixo, um investimento público, por muito alargado que ele seja. Sem uma
lógica de mercado associada e uma mobilização permanente dos diferentes
actores, este pode ser, a prazo, completamente desperdiçado.
Creio que é cedo para avaliarmos os resultados dos projectos de urbanismo
comercial em Portugal, mas não é tarde para aproveitarmos as experiências de
outros e a nossa própria e introduzir eventuais correcções. Este trabalho dá
alguma contribuição para esse efeito.
Nota
1 Este texto corresponde a uma versão do prefácio ao livro em referência.
* Maria Manuel Leitão Marques, Professora na Faculdade de Economia da
Universidade de Coimbra e Presidente do Observatório do Comércio, Lisboa.