Muçulmanos na margem: a nova presença islâmica em Portugal
A primeira questão que surge de uma perspectiva de comparação com os europeus
é: quais são as especificidades da nova presença islâmica (NPI)1 em Portugal?2
O número comparativamente mais alto de ismaelitas é um dos vários pontos que
transformam o bastante marginal caso português num caso muito interessante.
Outro aspecto de interesse é a herança histórica de Al-Andaluz e da
reconquista. Ela sugere a riqueza de uma comparação entre a actual situação de
Portugal e a de Espanha. Os dois países partilham experiências históricas muito
semelhantes com o Islão mas as consequências nos dias de hoje são diferentes.
Na verdade, ambos os temas mereciam uma apresentação distinta e doravante só
serão mencionados em alguns aspectos cruciais. Esta comunicação concentra-se
nos fenómenos mais patentes sobre os muçulmanos em Portugal: a composição,
estrutura e papel extraordinários da comunidade sunita em Lisboa chamam a
atenção para a NPI em Portugal, a qual tem sido praticamente ignorada nos
recentes estudos comparativos sobre muçulmanos na Europa.
Este é realmente o aspecto que confere especificidade ao caso português.
À semelhança do que acontece noutros países da Europa, os muçulmanos em
Portugal apresentam-se activos em questões sociais, culturais e religiosas, mas
contrariamente à situação noutros países europeus, aqui a nova constelação
sociocultural não deixa ver aquilo com que a investigação social tem que se
defrontar: os campos nevrálgicos comuns que se evidenciaram no novo encontro
entre muçulmanos e não muçulmanos nas seculares e cristãs sociedades
capitalistas europeias. Em Portugal, este encontro parece não só não ter
suscitado tensões como não atraiu especial atenção. É difícil encontrar um país
ocidental em que a NPI seja qual for o seu tamanho seja tão
consistentemente ignorada pela imprensa, investigação social, negociações
políticas ou diálogos interculturais/religiosos. Ao analisar o fenómeno do
Islão na actualidade portuguesa, perante aquilo que vemos, a nossa curiosidade
vai para o que não se vê: a ausência de manifestações contra a abertura de
mesquitas, de temas controversos no parlamento, na administração local ou na
imprensa, de oposição aos lenços na cabeça, de debates relativamente ao
reconhecimento oficial ou padrões de secularismo, de discursos académicos sobre
"anti muçulmanismo", "islamofobia", ou o papel do Islão nos processos de
marginalização social e minorias étnicas. Há que perguntar porquê.
À primeira vista, a resposta radica no número de imigrantes e cidadãos
muçulmanos em Portugal, que é realmente muito pequeno comparado com outras NPI.
Isto explica que não haja um parlamento ou conselho muçulmano, como em
Inglaterra, nem organizações estudantis muçulmanas, grupos femininos muçulmanos
e nenhuma negociação sobre educação islâmica em escolas públicas, como existe
na Alemanha, Áustria, Espanha, Inglaterra, etc. Mas eu contesto que o pequeno
número de muçulmanos, que representam aqui a maior minoria não cristã, seja a
única explicação para esta tão encorajadora situação portuguesa de coexistência
socioreligiosa. Penso que a verdadeira razão pode ser encontrada tanto no
desenvolvimento específico português sociocultural do qual a NPI foi uma
parte integrante e uma consequência como nas condições e capacidades
específicas da própria presença muçulmana em Portugal. Para evitar mal-
entendidos é preciso notar que o silêncio que rodeia a minoria muçulmana em
Portugal não significa que ela seja ignorada ou privilegiada. A minha tese é
que ela foi negligenciada em vários contextos e por várias razões.
Quais foram as circunstâncias que provocaram esta marginalização pública? Qual
o papel que desempenharam as principais partes envolvidas, nomeadamente os
grupos muçulmanos, a imprensa, as políticas de minorias, as dinâmicas na esfera
política e os outros grupos minoritários? Trabalhando alguns dos factores que
afectaram a relação entre a minoria muçulmana e a sociedade dominante, tentarei
desenhar uma imagem mais pormenorizada da NPI em Portugal.
O caso português numa perspectiva comparativa europeia
Só em meados dos anos 80 os académicos começaram a ver possibilidades válidas
de pesquisar as questões levantadas pela presença muçulmana na Europa. A
princípio, os estudos eram principalmente empreendidos por países com maior
densidade de população imigrante, tal como a França, a Inglaterra, a Alemanha,
os Países Baixos, a Bélgica e, por vezes, a Suécia.3 Em 1992, quando Nielsen
apresentou o primeiro estudo comparativo completo sobre muçulmanos na Europa
Ocidental, queixou-se da existência de pouca investigação relativa à presença
muçulmana no sul da Europa (Espanha, Itália, Portugal, Áustria e Suíça).4
Durante a década de noventa, esta ausência de investigação básica5 foi
certamente colmatada relativamente à NPI em todos estes países: mas NIP mais
pequenas, tais como as da Irlanda, Luxemburgo e Portugal, ainda não foram
incluídas nos estudos comparativos.6
Uma primeira aproximação
A razão principal para esta falta substancial de investigação relativamente à
NPI em Portugal é seguramente o pequeno número de muçulmanos. Existem hoje em
França entre 3 e 4 milhões de muçulmanos, quase 7% da população total. Entre 2
e 2,5 milhões de muçulmanos vivem na Alemanha (2,5% a 3%) e aproximadamente 1,5
milhões na Grã-Bretanha (2,6%). Mesmo os países que têm uma população muçulmana
mais pequena, como a Irlanda que tem 20 mil e o Luxemburgo que tem 10 mil,
mostram uma percentagem mais alta de muçulmanos relativamente ao total da
população (para comparar: Irlanda 0,6%; Luxemburgo 2,6%; e Portugal, no máximo
0,3% (Kettani, 1996: 15).
Outra razão tem que ver com a agenda académica de Portugal. Cerca de 10 anos
após a revolução e o processo de descolonização, a partir de meados dos anos
80, a investigação social em Portugal começou progressivamente a concentrar-se
em novos temas de pesquisa provenientes do enorme fluxo imigratório. Havia
outras coisas mais urgentes que a NPI. Embora a presença de grupos religiosos
não cristãos tivesse sido um fenómeno totalmente novo, desempenhava no máximo
um papel secundário nos estudos sobre grupos imigrantes etnicamente definidos,
que eram inseridos em projectos académicos por urgência de razões
socioeconómicas. E assim, a maioria dos estudos focou primeiro, e acima de
tudo, os cabo-verdianos, correspondentes ao maior grupo de imigração, e outros
grupos africanos, tais como os refugiados da guerra civil de Angola.
O primeiro e de longe o maior grupo de imigrantes muçulmanos vem de Moçambique
(a maioria de origem indiana) e da Guiné-Bissau. Na sua maioria, os muçulmanos
de origem indiana tinham sido comerciantes bem estabelecidos ou tinham
pertencido a sectores laborais favorecidos em Moçambique. Vieram para Portugal
graças à africanização e mais tarde devido à guerra civil. As condições de
integração profissional eram melhores do que, por exemplo, as da maioria dos
imigrantes económicos de Cabo Verde. Obviamente os comerciantes resolveram
muito bem os obstáculos que tiveram de ultrapassar para se restabelecerem na
sua profissão. O perfil de imigrantes chegados posteriormente da Guiné-Bissau
mostra de novo uma percentagem notável de estudantes (Saint-Maurice e Pena
Pires, 1989), os quais em geral têm melhores capacidades económicas e de
integração do que os refugiados da guerra civil de Angola, trabalhadores
indiferenciados.7
Tanto quanto pude verificar, a maioria desses muçulmanos em Portugal, vindos da
Índia e de Moçambique, são oriundos da classe média (devido às habilitações e
qualificações laborais) e trabalham em actividades tradicionais e terciárias
modernas (principalmente comércio e banca). Comparados com os imigrantes dos
PALOP na perspectiva da ocupação e emprego, os nacionais de Moçambique eram uma
excepção (Baganha, 1999). Aproximadamente um terço dos muçulmanos em Portugal,
principalmente as minorias africanas e recém-chegados, vivem em pobreza
económica.8 É visível que menos muçulmanos de ascendência indiana do que hindus
vivem em bairros muito pobres de Lisboa. Enquanto as condições de vida dos
imigrantes económicos de países muçulmanos, especialmente em fluxos de
imigração recentes para Espanha e Itália, parecem muitas vezes problemáticas e
provocam tensões, os grupos heterogéneos de muçulmanos, em Portugal, não
puseram problemas do ponto de vista socioeconómico. Até hoje os grupos
muçulmanos foram secundarizados em relação a outras minorias, no domínio da
pesquisa social.9 Por razões compreensíveis, a actual situação em Portugal
chama mais a atenção, por exemplo, para os ciganos e timorenses.
Mesmo assim, se se contarem todos os muçulmanos em Portugal, incluindo a
heterogénea comunidade sunita e os ismaelitas, tem-se no máximo cerca de 38 mil
(em comparação, por exemplo, com 12 mil hindus).10 Além disso, a grande maioria
deles vive em Lisboa e respectivos subúrbios, principalmente em certos bairros
da periferia e na Baixa. Assim, é certamente verdade que os muçulmanos e o seu
modo de vida são visíveis em Lisboa, tal como o são noutras metrópoles
europeias.11 Aparte a zona da Grande Lisboa, podemos também estudar com êxito a
vida muçulmana portuguesa em Loures, Vila Franca, Coimbra, Porto, Almada,
Portimão e Faro.
Como noutros países da Europa Ocidental, a NPI em Portugal é um fenómeno
recente de imigração. De acordo com o seu tamanho, as comunidades islâmicas
portuguesas têm sido tão bem sucedidas como as suas congéneres no resto da
Europa em estabelecerem a sua rede de relações e em se institucionalizarem.
Que mais paralelos, diferenças e questões sobre a NPI portuguesa se retiram
de uma perspectiva comparativa europeia?
No discurso sobre muçulmanos na Europa, usamos o conceito nova presença
islâmica para abranger o fenómeno histórico recente de uma população muçulmana
em constante crescimento e as suas expressões culturais multifacetadas nos
países que, durante a guerra fria, compunham a "Europa livre". Este conceito
aponta para o facto de não estarmos a tratar de uma primeira e única presença
islâmica na Europa. Pelo contrário, ajuda a distinguir as novas culturas
muçulmanas nas sociedades europeias da presença tradicional islâmicana Europa
Oriental e do Sul(por exemplo, nos Balcãs), por um lado, e da presença islâmica
históricana Península Ibérica, por outro. Esta última, os oito séculos de Al-
Andaluz, pertence à história medieval e deixou uma rica herança cultural mas
nenhuma população muçulmana. Em meados do curto século XX (short twentieth
century) (1914-1989), a imigração intensificou-se por razões diplomáticas e
objectivos educacionais, bem como devido aos processos de descolonização e às
migrações económicas dos países muçulmanos. Estes processos iniciaram o que se
tornou uma presença muçulmana vasta em toda a Europa de hoje.
Além disso, o termo tem algumas conotações reveladoras, que apontam para
características básicas do nosso tema. Falamos numa presença islâmica, porque
os muçulmanos e o seu modo de vida se tornaram visíveis e representam uma
dinâmica sociopolítica e um factor cultural nas sociedades europeias. O que
está actualmente presente na Europa são formas divergentes do quotidiano
muçulmano e os processos de desenvolvimento em curso de culturas islâmicas em
diferentes ambientes novos. Razão porque mal se pode falar de "o Islão na
Europa", porque nem Islão nem Europa podem ser vistos como corpos monolíticos.
O outro aspecto novo das culturas islâmicas na Europa moderna tem o seu exemplo
vivo na NPI portuguesa. A herança cultural árabe da presença islâmica histórica
é bastante visível na arquitectura e na linguagem, por exemplo, mas a presença
muçulmana no Portugal de hoje não tem qualquer ligação sociodemográfica com a
anterior população muçulmana.
Finalmente chamamos-lhe nova pela razão válida de que as actuais organizações
islâmicas e grupos muçulmanos aqui se constituíram apenas em resultado da
imigração. Isto é crucial, porque aparte muito poucas excepções, a imigração
para a Europa resultou de decisões individuais, que não foram tomadas por
razões religiosas, por exemplo, por objectivos missionários. Imigrantes
muçulmanos conheceram-se pela primeira vez nos seus novos ambientes. Nos seus
esforços para estabelecer, pelo menos, um mínimo de infra-estruturas culturais/
religiosas, tiveram que escolher formas europeias de organização da comunidade
(tais como "associações"), que são, dada a sua estrutura hierárquica, muitos
estranhas aos contextos tradicionais islâmicos.
Os factores que facilitaram a integração
Os muçulmanos em Portugal adaptaram-se facilmente. Tais como outras NPI (da
Grã-Bretanha, França e Holanda) que imigraram para a metrópole na sequência da
descolonização, poucos problemas de língua tiveram que enfrentar. Também não
lhes faltaram pelo menos alguns irmãos de fé, já anteriormente estabelecidos na
metrópole por razões educativas ou diplomáticas. Esses imigrantes muçulmanos
iniciais eram normalmente da classe média (educada) e assim pertencentes à
elite com capacidades económicas, sociais e intelectuais para remover
obstáculos burocráticos, no início dos processos de institucionalização. Os
muçulmanos que vieram para Portugal depois de Abril de 1974 encontraram alguns
imigrantes muçulmanos anteriores que já tinham vindo no final dos anos 50,
princípios dos anos 60, para obter uma educação universitária.
Um dos principais problemas com que as NPI multifacetadas doutros países têm
que se debater actualmente é a eleição de uma pessoa ou o estabelecimento de
uma organização que represente e sirva como eixo principal das comunidades
muçulmanas a nível nacional. Este é um requisito prévio para as negociações dos
grupos muçulmanos com instituições governamentais, sobre questões como o
desenvolvimento de infra-estruturas culturais, religiosas, islâmicas e para a
conquista do reconhecimento pela própria comunidade. Estas questões incluem,
por exemplo, o seu reconhecimento oficial como comunidade religiosa, a
concessão de direitos fúnebres, de feriados islâmicos, de prescrições
dietéticas em locais de emprego, escolas, hospitais e prisões e a introdução de
educação religiosa islâmica nas escolas públicas. Dado que diferentes grupos de
vários países de origem, frequentemente, representam variações religiosas e
culturais divergentes do Islão, o desenvolvimento de organizações coordenadoras
representativas constitui obviamente um processo demorado e complicado.
Os países, tais como Portugal, onde a maioria da NPI provem da mesma origem (o
caso dos turcos na Alemanha, dos indo-paquistaneses na Grã-Bretanha e dos
magrebinos em França, por exemplo), também não são excepcionais neste aspecto.
Nestes contextos, os variados grupos, principalmente organizados em comunidades
locais de origem homogénea, lutam frequentemente com as mesmas questões
controversas com que lutavam ou com que os seus parentes ainda lutam, nos
países que deixaram para trás.
Devido à sua pequena população, a NPI portuguesa não revela o padrão das
comunidades locais. Além do grupo maioritário de origem indiana, a Comunidade
Islâmica de Lisboa (CIL) parece hoje ser quase um microcosmo do chamado mundo
islâmico. Fluxos mais pequenos e movimentos migratórios individuais, durante os
finais dos anos 80 e nos anos 90, incluindo migrações secundárias oriundas de
França e de Espanha, levaram à reunião de muçulmanos de vários países
subsarianos, norte-africanos, árabes e alguns sul-asiáticos, na mesquita
central. Embora as comunidades fora de Lisboa estejam organizadas
independentemente e tenham edificado as suas próprias associações, a CIL,
graças ao seu tamanho, e por causa da elite muçulmana portuguesa que nela
participa, desempenha um papel central. Embora este papel representativo não
esteja formalmente registado, é principalmente a CIL que gere as relações com
não muçulmanos, independentemente das preocupações que jornalistas, políticos e
quaisquer organizações religiosas e seculares lhe trazem. A política da auto-
estimada comunidade (representada pelos muçulmanos portugueses de origem indo-
paquistanesa) não é de nenhuma forma hostil, perante o seu meio ambiente. Dão
entrevistas pacientemente sempre que lhes pedem comentários sobre
acontecimentos e crises internacionais, de alguma forma ligados ao mundo
islâmico. Utilizam esta atenção para explicar a sua religião e acentuar a sua
negação e demarcação de movimentos políticos extremistas. Embora seja
necessário assumir que dentro da comunidade os desacordos sobre várias questões
pertencem à rotina diária, a elite de "figuras-de-integração" trata,
geralmente, de evitar que as lutas internas se tornem públicas. Uma luta
fratricida intensa sobre a eleição para a presidência da CIL, em meados dos
anos 80, foi uma excepção. Foi a única vez que a comunidade muçulmana realmente
atraiu publicidade negativa sobre si própria.
O número de muçulmanos em crescimento constante é visto como um dos fenómenos
mais significativos da Europa moderna (Antes, 1994: 46), especialmente num
período em que a Europa procura definir o que é conhecido como a sua
"identidade cultural". Infelizmente, as razões para uma maior atenção derivam
frequentemente de meandros lamentáveis da política e da religião e de uma
equalização indiferenciada dos chamados fundamentalistas, movimentos políticos
com culturas islâmicas multifacetadas per se.Os cidadãos locais são incitados
por extremistas a resistir à crescente presença cultural do Islão no seu seio.
Percepções generalizadas de "o outro/o estranho" e historiografias tendenciosas
perpetuam estes preconceitos. Acima de tudo os media desempenham um papel
importante. E assim, em seguida apresentaremos uma avaliação da presença
muçulmana nos media portugueses e a função destes últimos.
Muçulmanos e sociedade portuguesa: chegada, formação, integração e sua presença
nos media
O fenómeno ainda muito recente da nova presença islâmica na costa ocidental da
Península Ibérica foi desencadeado na viragem histórica do Portugal de hoje: a
partir do ano de 1974, quando o regime de Salazar/Caetano finalmente caiu e as
antigas colónias ganharam a sua independência.
A sociedade portuguesa começou a experimentar uma mudança drástica. Esta
mudança fundamental na paisagem política, social e demográfica começou com a
revolução, que desencadeou a transição de um sistema autoritário para a
democracia,12 e com a há muito devida independência das colónias africanas, que
iniciaram o processo de descolonização.13
O contexto histórico-social da chegada de muçumanos
Não foi apenas a rigidez do sistema e do ambiente que começou a mudar
rapidamente. Aproximadamente meio milhão dos chamados retornados regressou ao
seu país natal.14 As consequências das mudanças drásticas em ambas as áreas
(PALOP e metrópole) foi que a nação portuguesa (por um curto período) passou
rapidamente de um país de emigração para um país deimigração.Isto mudou vários
aspectos fundamentais da sua autopercepção. Após ter travado uma batalha
perdida nas colónias africanas, o papel do império colonial perdera-se para
sempre e as palavras programáticas de Salazar, "orgulhosamente sós", tornaram-
se obsoletas. Como se sabe, aquela frase famosa pagou outrora tributo ao
conceito político de Estado Novo, reflectindo o isolamento de Portugal, pelo
menos da Europa, em matéria de assuntos económicos e externos. Aparte os
desenvolvimentos políticos internos, as alterações à autopercepção de Portugal
iniciaram-se na viragem da perspectiva autoformada "pancontinental" para o
desejo de integração na Europa, e de novos conceitos para uma política externa
nova. Post festum,a frase "orgulhosamente sós" tornou-se obsoleta por outra
razão:
Tal como meio milhão dos retornados,cerca de 30 a 45 mil indivíduos não
portugueses abandonaram as ex-colónias, durante os primeiros anos pós-
revolucionários, e instalaram-se nas grandes cidades portuguesas principalmente
nas zonas de Lisboa e Porto.15
A situação e condições de vida eram totalmente intoleráveis nos PALOP e não
apenas para o povo português. Anos de guerra pela independência e a súbita
ausência das antigas estruturas administrativas portuguesas, levaram a uma
acentuada deterioração de um status quo já dificilmente tolerável. Angola e
Moçambique caíram na guerra civil.
Uma nova diversidade religiosa e cultural
Tal como se verificara uns anos antes em França, na Grã-Bretanha, na Holanda e
na Alemanha, a imigração causada pela descolonização e/ou pela migração
económica mudou as constelações religiosoculturais dos países europeus.
Iniciada pelo processo de descolonização, a paisagem religiosa e cultural de um
Portugal muito católico mudou fenómeno mais visível em Lisboa e seus
subúrbios.
Ao mesmo tempo, quando se lançaram as pedras fundadoras do pluralismo político
e da consolidação da democracia, os países da Europa Ocidental de emigração por
excelência "perderam" a sua enorme homogeneidade religiosa e cultural o que
foi mais visível em Lisboa e seus arredores.
A filiação religiosa e o passado cultural dos imigrantes dos PALOP são
diversificados: religiões (locais) africanas, paganismo e cultos sincretistas,
catolicismo de influência romana e formas africanas, uma pequena percentagem de
protestantismo, formas diferentes de Islão afro-cultural (incluindo grupos
sufi), Islão sunita de antiga origem indiana, ismaelismo e hinduísmo.16 Os
muçulmanos sunitas africanos vieram da Guiné-Bissau.17 Outros muçulmanos
africanos emigraram para Portugal vindos de Moçambique.18 Embora haja muitos
muçulmanos sunitas da África Oriental e ismaelitas (um ramo xia), ambos de
origem indiana, Moçambique foi o ponto de partida da maioria dos muçulmanos que
vivem actualmente em Portugal.
Por várias razões, o estudo da nova presença islâmica na Europa debate-se com o
problema geral de reunir dados numéricos fiáveis, o que é verdade tanto para
cidadãos muçulmanos, como para imigrantes que vivem em Portugal.19 Somos
forçados a trabalhar com base em diferentes cálculos de números de casos
desconhecidos de imigrantes e com uma imigração ainda em movimento e fluxos
de emigração. Além disso, a maioria das estatísticas disponíveis sobre
imigração, bem como os resultados das campanhas de legalização, não documentam
dados de filiação religiosa, como o recenseamento nacional português
normalmente faz.20 Contudo, parece que apenas uma percentagem não
representativa de imigrantes participou nesses recenseamentos. Para além de
dados documentados de beneficiários de apoios financeiros, participantes em
programas educacionais, casamentos, funerais e os números de eleitores nas
assembleias gerais, as próprias comunidades muçulmanas apenas podem estimar o
número dos seus membros.21São elas, acima de tudo, quem pode apresentar a visão
geral mais realista, por isso a grande maioria dos artigos de jornal assenta
nessa visão. Dado que as comunidades são do ponto de vista económico
inteiramente autónomas do estado e que nas negociações legais não beneficiarão
de qualquer vantagem pela sua mais elevada representação proporcional, não há
verdadeira razão para que elas declarem o seu número por excesso ou por
defeito.22Além disso, até certo ponto, todos os dados numéricos se baseiam em
cálculos e não contêm informação clara sobre a prática religiosa diária de
indivíduos muçulmanos a viver em Portugal.
Integração da comunidade islâmica em Portugal
O xiismo é quase exclusivamente representado por um ramo especial, chamado Shia
Imami Nizari Muslims (Muçulmanos Xia Imami Nizari), seguidores do seu líder
carismático Aga Khan, que é igualmente uma autoridade em assuntos seculares. A
comunidade ismaelita reúne entre 6 e 8 mil membros,23normalmente de origem
indiana (principalmente do Gujarate), que se fixaram sobretudo em Lisboa e, em
menor parte, no Porto. Estes estão intimamente ligados às suas comunidades
congéneres no Canadá, Grã-Bretanha e Espanha, e parecem integrar-se muito bem.
A maioria dos membros da actual comunidade em Portugal já se conhecia na
comunidade ismaelita em Moçambique. A migração colectiva é uma excepção
extraordinária para grupos muçulmanos na Europa, mas uma característica dos
ismaelitas, com uma comunidade global que ronda os 15 milhões de pessoas. Além
de não terem uma pátria, a sua história, onde a expulsão e a discriminação
ocorreram regularmente, explica a sua familiaridade com a migração. As redes de
Aga Khan funcionam muito bem, como organizações, incluindo serviços de saúde e
de educação na Ásia, África e Médio Oriente, a Universidade Aga Khan e
Faculdades de Ciências de Saúde. A Fundação Aga Khan, que também tem uma
dependência em Lisboa, é igualmente bem conhecida e respeitada pelos seus
êxitos no desenvolvimento de projectos de ajuda e pelo seu apoio à arquitectura
islâmica moderna.
Os dois princípios fundamentais, introduzidos pelo seu líder espiritual e imã,
Aga Khan, que os ismaelitas têm sempre de cumprir, diz muito sobre a sua
capacidade para se integrarem e cooperarem com a migração. A primeira e mais
importante é a obrigação religiosa para com o Islão e para com o imã. A segunda
é a lealdade para com o país onde vivem, e para com qualquer governo
responsável pela segurança e bem-estar da comunidade ismaelita. Os ismaelitas
têm uma relação única com Aga Khan. Seguem as indicações directas que o
príncipe Karim Aga Khan IV forneceu através de discursos e mandamentos. De
acordo com o seu novo meio-ambiente e contextos sociais, os grupos ismaelitas
seguiram os conceitos dos seus líderes de "ocidentalização" (como na Índia sob
domínio britânico e hoje em qualquer sociedade ocidental), de "des-
indianização" (no Uganda, Quénia, Moçambique) e, em termos de espiritualidade,
uma mais recente "re-islamização". Geralmente, praticam uma forma de fé que é
reconhecidamente diferente de outras formas de islamismo. A sua forma de
islamismo busca um equilíbrio entre o espiritual e o material.
A palavra "Islão" significa paz, que para eles quer dizer paz de espírito, mas
também a compreensão entre os homens e o seu bem-estar material. A educação e o
acesso a bons empregos também desempenham um papel fundamental. Nos anos 80 e
no princípio dos anos 90, a maioria das lojas de fotocópias em Lisboa pertencia
a famílias ismaelitas. A ideia de várias famílias com quem falei em Lisboa era
integrar os seus filhos rapidamente em qualquer forma possível de emprego
(comerciante, empregado) e criar os recursos financeiros necessárias para dar
uma educação superior às suas filhas. Escolher uma profissão respeitada foi
considerado mais importante para as mulheres. Em finais dos anos 90, foi
construído em Lisboa o imponente Centro Ismaeli (na Rua Abranches Ferrão,
desenhado pelo arquitecto Raj Rewal, em cooperação com o arquitecto português
Frederico Valsassina). Espelhando o conceito de integração ismaelita, o centro
assimila em si próprio estilos arquitectónicos e influências do Mosteiro dos
Jerónimos de Lisboa, do Fatehpur Sikri da Índia e do Alhambra em Espanha.
Sempre que o príncipe Aga Khan visita Portugal, como já fez duas vezes desde
que os ismaelitas aqui vivem, as autoridades portuguesas tratam o acontecimento
como uma espécie de recepção estatal. Tal como outros muçulmanos sunitas e, por
vezes, os xia, a imprensa portuguesa distingue sempre o extraordinário grupo
xia de outros seguidores da fé islâmica.
Integração através da acção das elites locais: a CIL
Os primeiros muçulmanos que se fixaram em Portugal nos anos 50 eram sunitas de
Moçambique: estudantes solteiros de famílias de origem indiana, que só se
conheceram em Lisboa. Os muçulmanos mais conhecidos, que dominam as comissões
avançadas da CIL até aos dias de hoje, têm sido esses primeiros imigrantes.
Suleyman Valy Mamede, que chegou a Lisboa em 1953, tornou-se o fundador da
comunidade e a figura-de-integração mais importante. Este escritor erudito, com
diversas obras sobre assuntos islâmicos e professor universitário, é conhecido
como "O Pai da Mesquita". Foi presidente da CIL durante dezassete anos. Também
dirigiu a importante agência portuguesa de notícias, ANOP, que foi igualmente
encerrada no final da sua direcção. Além disso, Mamede foi membro activo do
PSD.24 Houve quem dissesse que, graças ao seu envolvimento, o PSD tinha sido o
mediador privilegiado na iniciação de contactos diplomáticos sobre assuntos
externos com os países árabes, após 1974. De facto, em 1979, por ocasião do
lançamento da primeira pedra da mesquita central, o Expresso titulava o
respectivo artigo: "Construção da mesquita de Lisboa poderá estimular
aproximação entre Portugal e o mundo árabe" (Expresso, 03-02-1979). Este foi o
primeiro artigo de jornal sobre a comunidade islâmica portuguesa, depois de
Abril de 1974, que consegui encontrar nos arquivos de Lisboa. E considero
notável que descreva, acima de tudo, as vantagens presumíveis para Portugal
(muito dependente do petróleo) derivadas da presença islâmica. Valy Mamede,
presidente da CIL nessa altura, foi o protagonista da luta (acima referida)
sobre as eleições presidenciais de 1985 na CIL. As principais pessoas
envolvidas estavam ligadas a um pequeno grupo de primeiros imigrantes
muçulmanos. Mussa Omar, um cirurgião, começou por ter uma acção decisiva no
apoio ao opositor de Mamede (Isaac Cassimo Semá) e finalmente tornou-se ele
próprio candidato. Como compromisso, que se tornara urgente para acalmar a
situação, um dos outros "pioneiros", Abdool Karim Vakil, director de um banco,
passou a candidato principal e presidente.25 Vakil guardou algumas fotografias
dos primeiros tempos da vida islâmica em Portugal, nos anos 60, quando 15 ou 20
muçulmanos se juntavam em sua casa para rezar em conjunto: "Quando era ocasião
de festas, o Ramadão por exemplo, andávamos à procura de outros muçulmanos para
fazerem connosco as orações" (Expresso Revista, 11-03-1989). Em 1968, quando a
Comunidade Islâmica de Lisboa (sunita) foi fundada, tinha apenas 25 ou 30
membros.26 Aparte a falta de locais de oração (pelo menos provisórios), a elite
islâmica teve de enfrentar outros problemas, no tempo do Estado Novo.27 Valy
Mamede foi chamado à PIDE 19 vezes. O Governo Civil de Lisboa pediu-lhe umas 18
vezes para entregar certos documentos legais, relativos aos tratados
relacionados com a fundação da CIL. Como nessa altura Portugal ainda tinha um
império colonial, o estabelecimento de uma comunidade islâmica na metrópole era
obviamente considerado problemático pelo governo, numa altura em que o
colonialismo tinha um carácter duvidoso para a maioria dos países muçulmanos
afectados.
A partir de Abril de 1974, o número calculado de muçulmanos sunitas a viver em
Portugal situava-se entre os 4 e os 6 mil.28 O embaixador do Egipto convidou os
seus irmãos de fé a usar as caves das suas residências como local de oração. Em
1979, o governo de Mota Pinto ofereceu uma parte do palácio do Príncipe Real à
comunidade, para instalar uma mesquita provisória. Os muçulmanos que não viviam
perto destes locais continuaram a reunir-se em pensões e casas privadas. Embora
a primeira petição para o terreno (perto da Praça de Espanha, no Bairro Azul)
para a construção da mesquita central estivesse pronta em 1966, os planos
concretos de construção só puderam começar em 1978, quando a licença de
construção foi finalmente concedida. Os construtores e empreiteiros portugueses
e o arquitecto Ilídio Monteiro, também português, receberam a encomenda do
ambicioso empreendimento, que só pôde ser concretizado com o apoio financeiro
de países islâmicos. O Centro Islâmico de Portugal, criado pelo embaixador de
Marrocos, era uma cooperação de todos os representantes diplomáticos dos países
islâmicos em Portugal. Foi fundado em 1976 para apoiar a CIL no processo de
institucionalização. Tal como noutros países europeus, onde se construíram
mesquitas, a Arábia Saudita, com a sua contribuição de um milhão de dólares,
foi o principal financiador. Segundo uma lista publicada no diário A Capital
(28-03-1985), com base numa declaração de Mamede, o Kuwait fez a segunda maior
doação com 550 mil dólares, seguido da Líbia (200 mil dólares), dos Emiratos
Árabes Unidos e do Sultanato de Oman (ambos com 100 mil dólares), do Irão ($50
mil) e do Iraque ($40 mil). Diversos outros países, como o Paquistão, o Egipto,
a Jordânia e o Líbano, doaram quantias mais pequenas. Uma consequência
existencial da luta publicamente fratricida para a presidência da comunidade
foi que os principais investidores pararam com as suas contribuições. Mesmo
hoje, sectores da mesquita central estão ainda por terminar segundo o projecto
inicial. A situação económica da CIL deteriorou-se, mas agora é independente.
Durante os anos 80, o número de muçulmanos em Portugal aumentou para 15 mil,29
e nos anos 90 aumentou para 20 a 30 mil (Kettani, 1996: 15).30
A primeira mesquita foi construída em 1982 no Laranjeiro (Comunidade Islâmica
do Sul do Tejo), seguida, um ano depois, pela pequena mas impressionante
mesquita Aicha Siddika, em Odivelas. Geralmente, as reacções de curiosidade de
ocasionais não muçulmanos, habitantes das zonas junto aos locais de culto,
foram bastante descontraídas. A excepção a esta regra ocorreu durante a
inauguração em Odivelas. Um grupo de jovens manifestou violentamente a sua
intolerância, o que levou os muçulmanos a convidá-los imediatamente para a
mesquita, para um debate educativo. Isto resolveu o problema. Hoje, os
muçulmanos dizem que são respeitados pela comunidade circundante e que às vezes
até recebem apoios dos seus vizinhos.
Em 1985, a grande mesquita central de Lisboa abriu finalmente as portas. Em
1991, foi inaugurada uma mesquita em Coimbra, no bairro de Santa Apolónia, onde
cerca de 15 famílias e uma centena de estudantes muçulmanos se juntam para
orar. Representantes das instituições governamentais portuguesas sempre
aceitaram os convites para participar nas cerimónias. Mais de 10 mesquitas
provisórias31 e locais de culto estão espalhados por Lisboa e pelo país.32 Três
casas para a cultura e educação islâmicas são bem frequentadas por muçulmanos
adultos e especialmente por crianças.33 A (conservadora) "voz islâmica em
Portugal", o jornal Al-Furqán, editado desde 1981, também publica monografias e
panfletos sobre assuntos islâmicos e, mais recentemente, organizou feiras de
livros. Em 1989, Valy Mamede fundou o Centro Português de Estudos Islâmicos,
independente, em Lisboa, e existe ainda uma associação para a educação
islâmica.
Pode encontrar-se o Corão na tradução portuguesa,34 bem como cassetes de vídeo
sobre a história, a cultura e o culto do islamismo. Animadas discussões sobre
tópicos, como as relações cristãs-muçulmanas no presente e na história, a
educação das crianças no novo milénio e as mulheres no Islão, efectuam-se entre
muçulmanos (e não muçulmanos) no
Fórum Islâmico
da internet.35 Uma portuguesa convertida ao islamismo decidiu conceber uma
bela página para as suas irmãs de fé. Chama-se Jardim de Aisha e pretende ser
um local de discussão de questões islâmicas e femininas. No local de perguntas
sobre a conversão ao islamismo, as histórias pessoais e experiências
individuais da maioria dos jovens portugueses convertidos estão sempre abertas
a discussão. A conversão é também um tópico na secção "Perguntas ao imã", onde
o já referido teólogo da CIL responde principalmente a muçulmanos de língua
portuguesa, que lhe enviam as perguntas de Portugal, Brasil e por vezes mesmo
da Grã Bretanha, e que gostam de fazer contactos aqui com os seus irmãos e
irmãs de fé. Graças à língua portuguesa partilhada e às novas tecnologias,
aumentou nos últimos anos a ligação entre muçulmanos portugueses e brasileiros.
O que é interessante, pois aqueles não partilham nem uma experiência histórica
semelhante, nem os mesmos costumes tradicionais regionais, ou descendentes. Ao
contrário da portuguesa NPI, a maioria dos muçulmanos brasileiros de hoje é do
Médio Oriente (al-Ahari, 1999).36 Os chats da internet, bem como a visita de um
imã brasileiro a Lisboa, em 1995, que também participou num talk-show
televisivo (Público, 09-02-1995), fornecem as provas desta nova interacção.
As crianças muçulmanas frequentam aulas islâmicas depois da escola.
Comerciantes muçulmanos reúnem-se durante o dia nas traseiras das suas lojas,
para realizar as suas orações. O sonho e orgulho das famílias e comunidades
muçulmanas é enviar ao estrangeiro pelo menos um dos seus filhos com um curso,
para receber uma boa educação em estudos islâmicos. No caso de, devido a uma
melhor situação económica, os pais muçulmanos terem a possibilidade de enviar
os seus filhos para estudar no estrangeiro, a Grã-Bretanha parece ser o local
preferido (ver Expresso Revista, 11-03-1989).37 Além do facto de, na Europa, a
Grã-Bretanha oferecer a mais vasta escala de objectivos educacionais islâmicos,
uma explicação deste fenómeno pode ser que a NPI na Grã Bretanha, bem como em
Portugal, é principalmente representada por muçulmanos de origem indo-
paquistanesa. Mesmo assim, é interessante observar que uma minoria muçulmana a
viver em países europeus prefere outro país europeu ao mundo árabe, para uma
educação islâmica de alto nível um facto que levanta outra questão
relativamente à autopercepção da minoria islâmica europeia e à sua fixação num
novo ambiente. Os laços com a Grã-Bretanha, que se notam no caso dos sunitas
portugueses de origem indiana, são ainda maiores entre os ismaelitas
portugueses e as suas comunidades irmãs britânicas. Os estudos ismaelitas estão
bem enraizados na Grã-Bretanha, mas aqui a ligação não é apenas uma ponte para
uma educação islâmica mais elevada, mas também um elo directo entre as próprias
comunidades. Entre a classe média ismaelita portuguesa, os casamentos com
ismaelitas britânicos não são invulgares.38
A comunidade islâmica portuguesa e os media
As comunidades islâmicas parecem funcionar como uma âncora para os imigrantes
de ascendência muçulmana. Seguindo a escala de deveres e a experiência diária
do imã (teólogo) da mesquita central de Lisboa, Sheik Munir, este
desenvolvimento já afectou a prática das instituições governamentais
portuguesas, relacionadas com os imigrantes.39 Tal como é do conhecimento do
teólogo (de origem indiana e erudito da escola hanafi), os muçulmanos que
acabam de chegar são normalmente enviados à mesquita. A situação económica e
social de muitos imigrantes muçulmanos, especialmente das minorias africanas e
recém-chegados, é muitas vezes alarmante. Para estas pessoas, tornou-se
elementar a integração nas suas comunidades islâmicas, devido às capacidades
sociais destas, embora através de modestos apoios financeiros proporcionados
pelo sistema de caridade islâmico zakat, oferecido às famílias em situação
crítica.
No que diz respeito ao apoio financeiro e social, o maior desafio para as
comunidades islâmicas em Portugal foi, sem dúvida, o enorme esforço que estas
fizeram para ajudar os refugiados muçulmanos da Bósnia, que chegaram a Portugal
em 1992. Apoiada inicialmente pela Liga Islâmica Mundial, a CIL tomou a seu
cargo a responsabilidade de acolher aproximadamente trinta famílias (incluindo
o pagamento de rendas). Tendo em conta a fraca atenção que a NPI recebera até
então da imprensa, o caso dos muçulmanos da Bósnia representava algo de novo e
excepcional. Isto foi deixado bem claro num artigo publicado pelo Público (10-
12-1992), com o título: "A hora da Comunidade Islâmica". Os refugiados foram
trazidos para Portugal no decurso de uma acção de auxílio de uma organização
não governamental de estudantes, que teve inicialmente de contar com apoios
privados. Devido a problemas que surgiram entre as famílias bósnias após alguns
meses de apoio privado, a acção de auxílio dos estudantes foi mais tarde
criticada pela falta de perspectivação do problema a longo prazo. Ninguém sabia
por quanto tempo as famílias teriam de ficar ou por quanto tempo necessitariam
do apoio compreensivo. Tanto quanto sei, o governo não lhes deu autorização
para trabalhar. Em Outubro de 1993, a CIL teve de admitir que os seus recursos
se tinham esgotado. Em meados de Novembro do mesmo ano, teve de cancelar o
apoio financeiro a 47 dos 107 refugiados bósnios. Contudo, continuava a ter a
atenção da imprensa devido aos refugiados, mas os artigos amigáveis sobre a
acção da CIL mudavam agora de tom: "Muçulmanos de Lisboa retiram apoio aos
Bósnios" (Público, 16-10-1993). A extraordinária atenção dada à NPI durante
este período, bem como a conclusão bastante injusta do caso, podem ser vistas
como excepcionais.
Entre Fevereiro de 1991 e Agosto de 1996, o Público, por exemplo, publicou
vinte e seis artigos que mencionavam as comunidades islâmicas locais, onze dos
quais abordando exclusivamente questões relacionadas com as comunidades
islâmicas portuguesas.40 Como regra geral, nos últimos dez anos, pelo menos
dois dos jornais portugueses publicaram artigos sobre a NPI, por ocasião do
início (ou do final) do Ramadão. Normalmente, apresentavam uma análise breve da
presença muçulmana (o número e origem dos muçulmanos, as suas instituições,
etc.) e uma explicação sobre a festa islâmica, baseada numa declaração de um
imã português, normalmente o Xeque Munir.41
Quando certos acontecimentos políticos, considerados como questões islâmicas,
colocavam o "Islão" no topo das agendas públicas internacionais, a imprensa
pedia aos principais representantes da comunidade islâmica portuguesa que
comentassem e explicassem a complexa relação entre questões políticas e
religiosas e o respectivo ponto de vista dos muçulmanos portugueses.42
Como em outros países europeus, os muçulmanos religiosamente activos em
Portugal não abandonam nem fazem qualquer tentativa para ocultar os costumes
culturais que os afastam da sociedade dominante. Não obstante, a característica
mais notável da NPI em Portugal é o seu silêncio e o silêncio em torno dela.
Mas isto não significa que a presença muçulmana tenha sido ignorada pela
imprensa nem que os muçulmanos tenham sido conscientemente excluídos de
actividades sociais e debates públicos, nem tão-pouco que as autoridades
islâmicas portuguesas não tenham sido respeitadas pelos representantes do
estado português.
A presença muçulmana na arena pública portuguesa
Durante anos, alguns professores pediram regularmente aos imãs das mesquitas
locais que dessem aulas sobre o Islão. Os alunos foram sempre bem-vindos. Em
várias ocasiões, por exemplo, na abertura de cerimónias ou aniversários de
instituições islâmicas, os (principais) representantes do estado (como Mário
Soares, durante a sua presidência) tomaram parte nas festividades.43
Juntamente com outras minorias religiosas, ainda que em segundo plano, os
muçulmanos portugueses participaram em debates sobre liberdade religiosa e
tópicos com ela relacionados. Em todas as negociações legais ou debates sobre
os direitos das minorias religiosas em Portugal, os grupos protestantes e as
organizações de apoio desempenharam o papel principal. A partir do início dos
anos 90, os debates sobre a reforma da lei de liberdade religiosa, que em
aspectos cruciais provém da era do Estado Novo, tornaram-se questões focadas
pela imprensa. Em 1996, a Comissão de Reforma da Lei de Liberdade Religiosa do
governo (CRLLR) convidou todas as profissões de fé e associações religiosas
registadas na lista do Ministério da Justiça, para apresentar propostas e
declarações para a reforma da lei (Público, 21-07-1996).44 Com a excepção da
igreja católica romana, que não demonstrou grande interesse, os que responderam
puderam ser divididos em três grupos principais: igrejas protestantes e
pentecostais (tais como a Assembleia de Deus, de origem brasileira), religiões
não cristãs tradicionais (Islão, Budismo, Hinduísmo e Judaísmo) e novos
movimentos religiosos (NMR). Segundo a classificação da perspectiva portuguesa,
a maioria destes últimos são denominações protestantes e/ou proclamam raízes
cristãs, tais como as TestemunhasdeJeová, a Igreja Maná ou a Igreja Universal
do Reino de Deus (IURD). Juntamente com a comunidade judaica,45 os muçulmanos
portugueses organizaram a aliança das religiões não cristãs.46 Devido à grande
convergência das suas solicitações, os judeus e os muçulmanos portugueses
tiveram novamente a ocasião de demonstrar a sua prontidão para trabalharem
juntos.47 Embora as minorias protestantes tenham, aparentemente, sido a razão
para a renovação deste debate em Portugal, o tema tornou-se mais complexo com o
aparecimento dos NMR.48
Devido ao seu enorme crescimento depois de 1974, as igrejas evangélicas,
denominações de protestantismo e NMR em Portugal, atraíram muito mais a atenção
do que os grupos minoritários não cristãos, como os hindus, os ismaelitas e os
muçulmanos sunitas. O facto de estas minorias religiosas cristãs (mas não
católicas) terem atraído um número significativo de adeptos portugueses,
tornou-os muito presentes na esfera pública portuguesa. Foram também objecto de
estudos conduzidos por eruditos e institutos de pesquisa, de alguma forma
ligados à igreja católica romana dominante ou às próprias instituições
protestantes.49 Se examinarmos os artigos de jornais portugueses publicados
durante os últimos vinte anos, podemos afirmar que as minorias religiosas não
cristãs (sobretudo os muçulmanos e os hindus) não produziram, em geral, temas
controversos na imprensa. Além disso, penso que é seguro presumir que não
tiveram qualquer impacte significativo na sociedade portuguesa, exceptuando o
facto de estarem representados na "população imigrante". Com efeito, entre as
minorias religiosas, (apenas) a IURD provocou aquilo a que se pode chamar um
verdadeiro escândalo na esfera pública, no início dos anos 90.50
Conclusão: a marginalização pública inconsciente da presença muçulmana
portuguesa
Quando falo do silêncio que rodeia as NPI em Portugalcomo a característica que
as define, a observação é feita através de uma perspectiva comparativa
europeia. Nos países europeus em que a percentagem de muçulmanos que se tornam
cidadãos é mais elevada, os partidos políticos começaram a interessar-se pelo
voto muçulmano.51 Durante as campanhas eleitorais em Portugal não é invulgar os
candidatos e a imprensa focarem-se num certo "grupo" de eleitores. Antes do
início das eleições legislativas de 1995, decorreu um debate sobre "Os cristãos
na actual situação sociopolítica portuguesa", no Centro Cultural de Belém. O
Público (20-09-1995) publicou um artigo sobre "O Voto esbatido dos católicos" e
outro, "O partido do cigano" (Público, 22-09-1995). Embora cerca de 70% dos
muçulmanos em Portugal sejam cidadãos portugueses, capazes de influenciar
potencialmente as eleições autárquicas no distrito da Grande Lisboa, não
consegui encontrar um único artigo que abordasse o eleitorado muçulmano
português.52
Como referi acima, a NPI iniciou recentemente debates em vários outros países
europeus sobre a educação religiosa islâmica em escolas públicas. Entre Outubro
e Dezembro de 1999, uma série controversa de debates no Público, sobre o tema
da educação religiosa em escolas primárias e secundárias portuguesas, suscitou
um número surpreendente de cartas ao director. A questão era se o monopólio
tradicional da igreja católica Romana na instrução de temas religiosos e morais
seria ainda uma solução apropriada e razoável, numa era secular em que a
percentagem de alunos católicos decresce constantemente. Os opositores
propuseram aulas "seculares" sobre ética e história da religião. Estes
reformadores defenderam que a solução actual estava a criar diversas formas de
discriminação contra crianças e jovens sem convicções religiosas (Público, 06-
12-1999). O facto de esta discriminação afectar também alunos com convicções
religiosas não cristãs, como as segundas gerações de muçulmanos e hindus, não
foi de todo mencionado.
Durante os últimos vinte e cinco anos, a NPI portuguesa, visível e geralmente
respeitada, foi, na sua maioria, ignorada em questões sociopolíticas
portuguesas. Embora a presença islâmica histórica da época medieval tenha
ocasionalmente sido mencionada por representantes governamentais, tanto
muçulmanos como portugueses, a actual invenção de uma tradição (invention of
tradition, como diz Eric Hobsbawm) luso-islâmica nunca foi tão longe como em
Espanha, durante a última década. Em 1992, num tratado entre muçulmanos e o
Ministério da Justiça espanhol, islâmicos e muçulmanos foram descritos como uma
parte crucial do desenvolvimento histórico da "identidade nacional"
espanhola.53 De forma oposta, o imã da CIL tinha constantemente de acalmar
alunos muçulmanos confusos (que tinham nascido em Portugal e eram portugueses),
quando lhes ensinavam na escola que os muçulmanos era os inimigos do povo
português.
Em 1996, quando a comemoração oficial das cerimónias do 500.º aniversário da
expulsão dos judeus foi celebrada em diversas instituições (governamentais)
portuguesas, a expulsão dos muçulmanos em 1496 não foi mencionada. Os
muçulmanos não foram convidados. Significativamente, aqueles que acusavam o
estado português de "discriminação contra os muçulmanos" não eram os próprios
muçulmanos, mas aAcademia de Altos Estudos Ibero-Árabes (Público, 10-12-1996).
Enquanto as agências de turismo espanholas promovem actualmente visitas ao "Al-
Andaluz" e convidam os turistas a "descobrir a Espanha islâmica", os postais
portugueses (do sul), que mostram "chaminés típicas portuguesas", ignoram o
facto de que estas chaminés em forma de minarete reproduzem aspectos típicos da
arquitectura islâmica.
O último exemplo que aqui deixo sobre aquilo a que se poderia chamar a
marginalização pública da NPI em Portugal, demonstra que este fenómeno provém
mais de uma consciência selectiva sociohistórica do que de uma discriminação
consciente. Com isto está relacionada uma série documental, transmitida pelo
canal de televisão pública, RTP 1. Por ocasião do final do século XX, vários
autores co-produziram a "Crónica do Século" portuguesa. Não foi surpreendente
verificar a inexistência de referências à recente presença histórica de novas
minorias não católicas e de novos grupos muçulmanos.
Uma vez que apresentei já os argumentos que defendem a tese principal deste
artigo, nomeadamente que a minoria muçulmana em Portugal foi simplesmente
ignorada, concluirei agora com algumas observações sobre as diversas razões que
a isto levaram e o contexto em que ocorreram.
Focarei, em primeiro lugar, os desenvolvimentos sociohistóricos específicos de
Portugal e, em segundo lugar, as aptidões e condições específicas da própria
comunidade muçulmana portuguesa.
A falta de atenção dada aos muçulmanos que chegaram a Portugal deve-se em parte
à turbulência geral dos anos pós-revolucionários. Fazendo parte do enorme fluxo
de imigração dos PALOP, os muçulmanos (e hindus), maioritariamente de
ascendência indiana, que vieram de Moçambique, ficaram em segundo lugar, atrás
do número muito mais elevado de imigrantes africanos. No grupo multifacetado de
imigrantes africanos negros, a percentagem de muçulmanos era muito baixa. Como
minoria dentro de uma comunidade minoritária maior, a NPI multiétnica foi
ignorada quando a pesquisa política e social de minorias se centrou
primariamente nos imigrantes cabo-verdianos ou, como é agora o caso, se
concentra na presença bastante tradicional dos ciganos.
Como mencionou o jornal islâmico português, Al Furqán, num artigo de 1998, a
taxa de crimes (e suicídio) entre muçulmanos portugueses era mínima.54
Com a nova diversidade de religiões e de minorias religiosas, que aumentou
enormemente e de forma súbita depois de Abril de 1974, foi dada muito mais
atenção (e verificaram-se mais conversões) às denominações protestantes (tais
como as igrejas pentecostais brasileiras), aos novos movimentos religiosos (por
exemplo, a scientology), aos cultos esotéricos e às escolas de pensamento
asiáticas. Em contraste com a situação noutros países europeus, os
protagonistas principais da emancipação das minorias religiosas no contexto
português não são os muçulmanos, mas os protestantes.
A pesquisa académica em outros países europeus dá agora com frequência
demasiada ênfase ao alegado "factor religioso", sobretudo no que diz respeito a
grupos imigrantes com passado muçulmano. Mas na maioria dos estudos portugueses
sobre grupos de imigrantes, a preferência vai para a perspectiva de
"etnicidade". Exceptuando algumas excepções, a forma como a imprensa portuguesa
tratou a "questão islâmica" durante os últimos vinte anos foi delicada e justa.
Além disso, a própria NPI demonstrou um potencial e uma capacidade notáveis, o
que, numa perspectiva comparativa europeia sobre minorias muçulmanas,
desempenhou um papel importante nos processos de integração.
Devido à principal causa da migração, o processo de descolonização, a
esmagadora maioria de imigrantes muçulmanos estava já familiarizada com a
língua portuguesa ao chegar. Uma vez que este é um factor crucial para a
integração, eles não tiveram de enfrentar o problema fundamental de obter a
cidadania ou um estatuto legal temporário e renovável. O facto de terem
imigrado de uma antiga colónia foi outra razão que fez com que os muçulmanos
que chegaram a Portugal, como parte dos enormes fluxos de imigração pós-
revolucionários, tenham tido a vantagem de encontrar muçulmanos que se haviam
instalado anteriormente na metrópole por razões educacionais. Esta elite de
primeiros imigrantes possuía as capacidades intelectuais e sociais, bem como as
relações diplomáticas, necessárias à construção de uma infra-estrutura
religiosa e cultural. Desde o início, os primeiros a chegar tomaram parte nas
comissões dirigentes das comunidades islâmicas, enquanto, ao mesmo tempo, se
integravam com êxito em profissões de alto nível e faziam amigos íntimos entre
a elite política portuguesa.
A maioria dos muçulmanos em Portugal, nomeadamente os de origem indiana, estava
estabelecida em profissões do sector terciário em Moçambique. Tiveram bastante
facilidade em voltar a estabelecer-se nas suas profissões (comerciantes, na sua
maioria) em Portugal.
Quando consideramos a situação de vários novos grupos muçulmanos em outros
países da Europa, é imediatamente visível que muitos dos problemas que os
muçulmanos tiveram de enfrentar no seu novo meio ambiente derivavam do facto de
lhes faltar a experiência de viver como minoria numa sociedade dominante
culturalmente diferente. Devido ao facto de ser já uma minoria, tanto em
Moçambique como na Guiné-Bissau, a grande maioria da NPI em Portugal tinha já
esta experiência de minoria ao chegar. Devido ao facto de os muçulmanos terem
chegado mais de dez anos mais tarde a Portugal do que a outros países europeus,
tiveram oportunidade de aprender com as experiências de outros muçulmanos, que
haviam chegado mais cedo à Europa.
Até aos nossos dias, a política da comunidade islâmica tem sido
maioritariamente não política e a sua atitude muito amigável para com o meio em
que está inserida. Embora tenham tido (e continuem a ter) de lidar com lutas
internas, as figuras de integração das comunidades em geral puderam garantir
que a sua imagem na esfera pública portuguesa permanecesse positiva. Alguns
membros especulam que isto possa vir a mudar, se os árabes politicamente
activos se unissem à (pequena minoria árabe da) CIL. Em todo o caso, esta é uma
questão que fica definitivamente em aberto.
Notas
1 Desde que Tomas Gerholm e Ingve Lithman (orgs.) (1998) publicaram o seu
volume The New Islamic Presence in Western Europe, Londres/Nova Iorque, a noção
"nova presença islâmica" é frequentemente usada nos discursos sobre os
muçulmanos da Europa.
2 Este texto corresponde a uma versão da comunicação com o mesmo título
apresentada ao IV Congresso Português de Sociologia, em Coimbra, em 17-19 de
Abril. Aqui cumpro a agradável tarefa de exprimir os meus agradecimentos aos
que me ajudaram de várias formas durante o trabalho de campo e na preparação e
finalização desta apresentação: Margarida Silva Dias, Cláudia Brito, Sara David
Lopes, Luís Rosa, Franz-Wilhelm Heimer, Armando Marques Guedes, John Abromeit e
a Fundação Heinrich Böll (Berlim).
3 Ver por ex.: Gerholm e Lithman, 1988; Shadid e van Koningsveld, 1991.
4 "Foi necessário omitir Espanha e Portugal, ambos pela mesma razão"
(Nielsen, 1992: 87).
5 Deparei com alguns estudos de casos sobre assuntos relacionados directa ou
indirectamente com muçulmanos em Portugal, realizados por académicos e
estudantes portugueses segundo diferentes abordagens. Relativamente aos
muçulmanos sunitas e à Comunidade Islâmica ver: Francisco, 1991; Pedroso, 1991;
Pimentel, 1993; Frias, 1995; Gadit, 1996. Concentrados na comunidade ismaelita:
Lopes, 1988 e Coxilha, 1995.
6 Ver por ex.: Abulmaham, 1995; Nonnemann, Niblock e Szajkowski, 1996;
Shadid e van Koningsveld, 1996a e 1996b; Vertovec e Peach 1997.
7 Para informação mais pormenorizada sobre imigrantes da Guiné-Bissau veja-
se, por exemplo, Machado, 1998.
8 Embora não possa citá-lo, é necessário mencionar que os observadores do
mercado laboral (informal) notaram que recentemente trabalham mais homens
paquistaneses na construção civil, independentemente das suas habilitações
literárias. Para informação mais pormenorizada sobre os perfis dos imigrantes
dos PALOP, ver Malheiros, 1996.
9 Pode também ter tido o seu papel o facto de a paisagem académica
portuguesa dificilmente incluir disciplinas cuja abordagem se concentra intensa
ou exclusivamente em religiões não cristãs (a Antropologia das Religiões é uma
excepção). As cadeiras académicas que naturalmente tinham um interesse especial
pelos assuntos muçulmanos, tais como Estudos Islâmicos não existiam.
10 Em 1991 o líder da comunidade hindu, Kantilal Jamnadas Saujani, calcula
em 8 mil o número de membros da comunidade (Diário de Notícias, 24-08-1991).
Oito anos mais tarde o número aumentou para 12 mil (Bastos e Bastos, 1999a). A
vasta maioria dos hindus a viver em Portugal veio de Moçambique na sequência da
descolonização e pressionados pela guerra civil. Tendo a maioria a cidadania
moçambicana, viveram lá três ou quatro gerações. Os principais pontos de
partida de gerações anteriores tinham sido Gujarate (Porbander, Rajkot e Surat)
e Diu. Para informação pormenorizada sobre os hindus em Portugal ver a
bibliografia em Bastos e Bastos, 1999b.
11 A presença muçulmana, por exemplo, em Berlim, Paris e Marselha, Londres e
Bradford, excede evidentemente em muito aquela que é visível em Lisboa.
12 Até ao momento, a transição de um regime autoritário para a democracia é
uma controvérsia discutida. Manuel von Rahden (Rahden, 1997: 213) indica que os
livros portugueses de história só começaram a tratar o tema há poucos anos, em
suplemento assim da vasta variedade de literatura revolucionária (que apresenta
principalmente abordagens políticas e não académicas) e de memórias subjectivas
com sondagens orientadas para os factos. Ver Ferreira (1994), Medina (1990) e
Reis (1992). Embora a historiografia alemã não trate deste assunto, toda uma
série de investigações sobre história portuguesa contemporânea existe na área
anglo-saxónica. O Bibliographical Essay feito por Maxwell (1995: 201-217)
apresenta uma investigação completa.
13 Este processo foi mais tarde seriamente descrito com a noção do "desastre
da descolonização" (Bornhorst, 1997: 261) e as primeiras fases da transição
política, os anos revolucionários de 1974-76, como um caos político.
14 Nos actuais estudos académicos realizados em Portugal, já não se aplica o
termo "retornado". Porque não é considerado como uma categoria e isso torna-
o problemático. Este termo apareceu pela primeira vez em Abril de 1974 com o
auge do fluxo emigratório dos PALOP. No seu significado inicial o termo
"retornado" foi utilizado para designar os reemigrantes portugueses dos PALOP,
não se aplicando aos portugueses que regressavam doutras origens. O seu
significado literal é "regressado a casa", repatriado, e assim a noção
inevitavelmente acarreta a conotação do "regresso" excluindo uma experiência
crucial da emigração: apenas 60% dos "retornados" nasceram em Portugal (Pena
Pires, e Maranhão e outros, 1984, 1987: 38). A noção também tem uma conotação
ideológica. Como usualmente se refere, devido à perda de privilégios os
retornados parecem não ter nenhum interesse no processo de descolonização.
Deste modo, são vistos como "conservadores". Para além disto, a noção também
não inclui nenhuma informação específica sobre a nacionalidade de origem.
Apesar de tudo a expressão difundiu-se rapidamente no discurso corrente do
quotidiano.
15 Segundo o Recenseamento Geral da População de 1981, residiriam em
Portugal 45.222 indivíduos com nacionalidade angolana (19.567), caboverdiana
(18.557), guineense (1126), moçambicana (4425) e sãotomense (1547). No mesmo
ano, porém, apenas 27287 estrangeiros com aquelas nacionalidades tinham a sua
residência legalizada, segundo as estatísticas do Serviço de Estrangeiros do
Ministério da Administração Interna (Esteves, 1991: 38). Uma vez ultrapassado o
período crítico da descolonização, surge um novo padrão de migrações
internacionais entre os PALOP e Portugal. Para encontrar mais informações sobre
a imigração dos PALOP nesta altura, veja-se Saint-Maurice e Pena Pires, 1989:
"Em primeiro lugar, no campo das migrações laborais não só se intensificam as
correntes já existentes, nomeadamente a partir de Cabo Verde, como se
constituem progressivamente fluxos com origem noutros países, em especial a
Guiné-Bissau e São Tomé. Em segundo lugar, cristalizam-se fluxos migratórios de
menor amplitude, envolvendo refugiados políticos que procuravam escapar aos
efeitos das situações de guerra civil em Angola e Moçambique. Finalmente,
institucionaliza-se progressivamente um fluxo de estudantes dos PALOP, que vêm
frequentar o ensino secundário e superior em Portugal, com uma dimensão
particularmente significativa no caso da Guiné-Bissau. "
16 Os recenseamentos nacionais nos PALOP, realizados em 1980 e 1981, deram
uma pista sobre as constelações religiosas nos países de partida, após os
enormes fluxos migratórios para Portugal. Graças ao facto de a vasta maioria de
emigrantes em 1974 ter sido de reemigrantes portugueses (incluindo segundas
gerações), pode presumir-se que a proporção de filiações religiosas da
população africana não mudou significativamente entre 1974 e 1981. A
percentagem que falta para os 100 indica a de diversos cultos religiosos
africanos. O tamanho numérico da população total e o ano do recenseamento
segue-se ao nome do país respectivo: Guiné-Bissau (793.000; 1980): 35%
muçulmanos (13% dos quais mandingo), 5% católicos; Cabo Verde (296.000; 1980):
98% católicos, 2% protestantes; São Tomé e Príncipe (95.000; 1981): 55%
católicos, 3% protestantes; Angola (7.078.000; 1980): 35% católicos, 12%
protestantes; Moçambique (12.130.000; 1980): 12-15% muçulmanos, 12-15%
cristãos, predominantemente católicos. (Hofmeister e Schönborn, 1985)
17 Mais de um terço da actual população total da Guiné-Bissau é muçulmana
sunita, com ligações à escola da lei islâmica Maliki, a maioria de origem
fulani e mandingo (Heine, 1996: 137).
18 Em Moçambique, 14% da actual população é sunita da escola da lei islâmica
ShafiiIn, principalmente pertencente ao grupo bantu central Yao (Heine, 1996:
138).
19 Nielsen acrescentou, no seu estudo, uma "nota sobre as estatísticas" de
quase duas páginas, discutindo as razões de e os obstáculos criados por este
problema. Ele sublinha que é óbvio, para os observadores de alguma forma
familiarizados com o assunto, que um dos aspectos mais incertos neste estudo
dos muçulmanos na Europa é a natureza dos dados estatísticos (Nielsen, 1992:
167).
20 O recenseamento de 1981 continha uma pergunta sobre religião. As
categorias possíveis eram: católicos, ortodoxos, protestantes, outros cristãos,
judeus, muçulmanos, outros não cristãos, sem religião. Devido à prática secular
noutros países europeus, apenas em poucos casos os recenseamentos
governamentais incluem uma pergunta sobre religião: na República Federal da
Alemanha, nos Países Baixos, na Suíça e na Irlanda do Norte. Como o intervalo
mínimo entre recenseamentos tem tendência a ser de 10 anos, Nielsen salienta
que a sua utilidade é mínima (Nielsen, 1992: 167). Em 1998, associações
britânicas de muçulmanos, sikhs e hindus negociavam a documentação de filiação
religiosa para o próximo recenseamento nacional (The Muslim News,10/98).
21 Embora a forma organizativa das comunidades islâmicas siga o padrão de
associações, com a sua hierarquia democraticamente eleita, ninguém tem de
assinar a sua filiação. Do ponto de vista muçulmano (e não só português), todos
são vistos como membros da comunidade islâmica desde que tenham uma origem
muçulmana e/ou se declarem como tal. Hoje, em Portugal, a proporção de
participantes activos, calculada segundo a participação nas orações de sexta-
feira e em celebrações religiosas especiais (por exemplo, o fim do Ramadão), é
aproximadamente de 10%, o que corresponde à respectiva média europeia.
22 O oposto ocorre, até certo ponto, na Noruega e, claramente, na Suécia: a
igreja protestante é parte estabelecida do estado sueco. Contudo, Sander
salienta que a legislação permite que os fundos estatais sejam atribuídos para
reconhecimento de religiões não estatais, basicamente em proporção dos números
de fiéis que servem. A quantidade de dinheiro a ser atribuída é fixada de forma
a que o aumento de atribuição a uma religião seja à custa de todos os outros
participantes. Nestas circunstâncias, o tamanho da população muçulmana é tema
de contestação (Sander, 1997).
23 Expresso Revista, 05-03-1983
24 Durante o período de Sá Carneiro, Mamede foi vice-presidente do Gabinete
de Relações Internacionais do PSD
25 Num comunicado, a lista de oposição acusou Mamede de pretender ser
"presidente vitalício" da Comunidade Islâmica, classificando-o de "ditador".
Por outro lado, a construção da mesquita de Lisboa e as suas obras são alvo de
insinuações que associam o nome do actual presidente a alegadas ilegalidades.
Para o próprio, entretanto, o grupo que se lhe opõe "não passa de um grupo de
miúdos que decidiu, depois de ver alguns telejornais, imitar os senhores e
brincar aos políticos". Mamede considerou o seu detractor "totalmente desligado
da vida activa da Comunidade" (O Jornal, 28-04-1984). Esta era a primeira vez
(e quase única em público) que a acção de Valy Mamede à frente da CIL era
contestada deste modo e, igualmente, a primeira vez que durante a sua
presidência se apresentava uma lista opositora. Durante vinte anos, a
realização de uma mesquita representativa no coração de Lisboa foi obra de
Mamede. Em Janeiro de 1985, ele garantiu que se demitiria do seu cargo, logo
após inaugurar, em 29 de Março seguinte, a mesquita de Lisboa (Expresso, 26-01-
1985).
26 Expresso Revista, 11-03-1989.
27 Os que participam nas comissões dirigentes da CIL estão quase
exclusivamente muito bem posicionados nos sectores profissionais portugueses e
a sua maioria tem algumas relações internacionais. Mussa Omar, por exemplo, é
bem conhecido pela assistência normalmente prestada em várias embaixadas de
países islâmicos. O presidente da assembleia geral da CIL, Karim Bouabdellah, é
também presidente da assembleia geral da Câmara de Comércio e Indústria Árabe
Portuguesa (Expresso, 27-04-1985).
28 Expresso, 03-02-1979: 6000. Instituto Nacional de Estatística:
Recenseamento Geral da População, Census 1981: 4335; Census 1991: 9134.
29 A Capital, 28-03-1985: 15.000. Expresso Revista, 11-03-1989: 15.000.
30 Kettani, 1996: Table 1.1. Muslims in the EEC in 1991, (Portugal: 20.000).
Público, 08-12-1999: 25 a 30.000.
31 Baseado em data de 1991, Kettani (1996: 19) comparação do número de
mesquitas em países da CEE. Há nove anos, o número total de mesquitas
(edifícios representativos, mesquitas provisórias e locais de culto) nestes 15
países europeus era de 4845. Por exemplo: França 1500, Alemanha 1000,
Inglaterra 600, Irlanda 5, Luxemburgo 10, Portugal 20.
32 Os locais de culto situam-se em Portela, Póvoa de St. Adrião, Forte da
Casa, Colina do Sol, St. António de Cavaleiros, Vialonga, Carnaxide, Sacavém,
Évora, Porto, Palmela. As moradas e contactos constam de uma lista em: http:_//
www.alfurqan.pt/mesq.htm
33 São concretamente, o Darul Ulum Al Islamiyat de Palmela, o Madressa Ahle
Sunny Jamat do Laranjeiro e o Darul Ulum Kadria-Ashrafia de Odivelas.
34 O Alcorão (1980), tradução directa do árabe e anotações de José Pedro
Machado, Lisboa, Junta de Investigações Científicas do Ultramar.
35 http://www.aliasoft.com/forumislam
36 A maioria dos primeiros muçulmanos no Brasil era de origem africana,
concentrada principalmente na área do estado da Baía. Com os Yoruba e os Hausa,
os muçulmanos formavam a maioria dos escravos do Brasil.
37 Muitos muçulmanos britânicos (bem como muitas das comunidades de minorias
sunitas que vivem fora do mundo árabe) escolhem ir para a famosa Universidade
de Al-Azhar, no Cairo, tida como uma grande universidade islâmica e, na
verdade, uma autoridade religiosa para os sunitas. Mesmo assim, a tendência
óbvia dos grupos muçulmanos europeus, quanto à educação islâmica, é estabelecer
e elevar as respectivas instituições na Europa, por duas razões: primeiro, a
experiência da emigração demonstrou que os próprios teólogos responsáveis
necessitam de ser experientes na vida quotidiana e nas suas complicações
específicas perante o novo ambiente, para poderem responder às novas perguntas
que surgem; em segundo lugar, a educação profissional de professores muçulmanos
torna-se crucial para o objectivo de criar uma educação islâmica nas escolas
primárias e secundárias europeias. Curiosamente, e por razões sociohistóricas
diferentes, o elo entre muçulmanos luso-britânicos para fins educacionais
decorre em paralelo com o seu secular e mais tradicional equivalente luso-
britânico. Tanto quanto sei, a Grã-Bretanha é um local de educação superior
muito popular na escolha dos portugueses (não muçulmanos).
38 O mesmo se aplica, obviamente, no caso dos hindus portugueses (ver
publicações recentes de Susana Bastos).
39 O órgão administrativo do Alto Comissário para as Migrações e Minorias
Étnicas informa sobre moradas onde os imigrantes se podem dirigir.
40 Pouco tempo antes, a frequência havia sido um pouco maior, no decurso da
Segunda Guerra do Golfo. Entre 1979 e 1991, o semanário Expresso e a respectiva
Revista dirigiram a atenção para a NIP, pelo menos dez vezes, dedicando-lhe
vários artigos de fundo. Outros jornais diários, como o Diário de Notícias e A
Capital, mostravam uma frequência de artigos ligeiramente menor sobre
muçulmanos em Portugal do que o Público. (Esta é uma boa ocasião para
apresentar com agrado os meus agradecimentos ao pessoal da secção editorial e
dos arquivos do Diário de Notícias e do Público, pelo acesso e pela ajuda. Um
agradecimento especial para António Marujo e João Tã.)
41 Ver, por exemplo, A Capital, 20-03-1991 e o Público, 08-12-1999.
42 A imprensa portuguesa, que tinha como alvo uma clientela de classe média
(instruída), convidava ocasionalmente as principais "figuras de integração" das
comunidades islâmicas portuguesas, para escrever sobre questões relacionadas
com o Islão. Ver, por exemplo, Expresso Revista, 05-01-1980, "O Islão de
Komeini não é o da maioria. Suleiman Valy Mamede, presidente da comunidade
islâmica de Lisboa, traça a génese do Islão e a sua influência futura", ou
Diário de Notícias, 22-06-1990, "O Islão e a Europa", escrito também por
Suleiman Valy Mamede. Outros jornais, que têm como alvo leitores da classe
trabalhadora, citam também os representantes muçulmanos e, ocasionalmente,
convidam-nos para entrevistas. Isto aconteceu sobretudo durante a Segunda
Guerra do Golfo. Como exemplo, ver a entrevista de o Correio da Manhã (CM), 09-
02-1991, "Suleiman Valy Mamede (islâmico): Guerras santas' estão
ultrapassadas". (Em 1995, quando Mamede morreu, com 59 anos, vários jornais
dedicaram-lhe um obituário. Ver, por exemplo, O Independente, 31-03-1995 e a
Capital, 29-03-1995).
43 No dia 11 de Novembro de 1995, a mesquita de Lisboa comemorou o seu 10.º
aniversário. Na celebração encontraram-se representantes das comunidades
islâmica, judaica, católica, hindu e ismaelita. O Presidente da República,
partidos políticos, embaixadores e câmaras municipais, todos estiveram
presentes. (Público, 12-11-1995).
44 210 de 399 organizações responderam e apresentaram as suas propostas à
comissão.
45 A comunidade judaica de Portugal é pequena mas influente (Briesemeister,
1997: 291). A população judaica portuguesa constitui uma das mais pequenas
comunidades judaicas da Europa. Ronda, hoje em dia, aproximadamente os 400
membros, e está organizada em quatro comunidades: Lisboa (a Sinagoga foi
inaugurada em 1902), Porto, Belmonte e Portimão (Studemund-Halévy, 1997: 299).
Devido ao facto de existir uma vasta literatura académica sobre Judeus em
Portugal (tanto no passado como no presente), fácil de encontrar em inglês,
francês, espanhol e português, decidi aqui não fazer mais apreciações.
46 Além da amizade pessoal entre os presidentes das comunidades islâmica e
judaica, Joshua Rua e Abdool Karim Vakil, estas comunidades portuguesas haviam
já demonstrado a sua solidariedade em outras questões. Por exemplo, numa altura
em que os muçulmanos não tinham ainda a possibilidade de praticar abates
rituais, a comunidade judaica ofereceu-se para os deixar usar as suas
instalações (O Semanário, 28-10-1989). Até 1982, era o rabi judeu Abraão Assor
quem realizava os abates rituais para as comunidades islâmicas (A Capital, 11-
03-1992b). Em 1992, três talhos islâmicos no distrito da Grande Lisboa
começaram a oferecer a carne halal(termo arábico para: puro e correcto) em
Alvalade, Odivelas e Laranjeiro (A Capital, 11-03-1992a).
47 As solicitações formuladas nas suas propostas incluíam, por exemplo, os
tópicos dos feriados religiosos (sexta-feira para os muçulmanos, sábado para os
judeus), a aceitação formal do ritual do abate (que, na prática, já existe) e a
respectiva alimentação em hospitais, escolas, etc.
48 No que respeita aos NMR, nos anos 80 e 90 o mesmo também aconteceu em
alguns outros países da Europa.
49 O Centro de Estudos Sócio-Pastorais (CESP) (Lisboa, Universidade
Católica), por exemplo, foi fundado no final dos anos 80, para instaurar a
pesquisa no campo da Sociologia da Religião, concentrando-se maioritariamente
em minorias cristãs e no fenómeno da conversão.
50 Em 1991, quando assisti a algumas sessões de sexta-feira da IURD, no
antigo cinema Alvalade (em Lisboa), as orações e os discursos centravam-se
maioritariamente na cura de doenças alegadamente causadas pelo demónio daí os
cânticos e as orações para o "exorcismo" serem realizadas primeiro. A grande
maioria da audiência parecia ser constituída por pessoas da classe baixa
trabalhadora, de diferentes origens étnicas. No final da sessão, os
participantes fizeram fila para fazer donativos. Numa altura em que a Igreja
era já vista como uma seita criminosa, as notícias sobre a detenção do
dirigente da IURD no Brasil afectaram de tal forma o público português, que se
verificaram motins à porta de alguns edifícios da IURD, em várias cidades.
51 Isto acontece sobretudo nos países europeus onde a NPI resultou
maioritariamente de processos de descolonização, tais como o Reino Unido
(66,7%) e a França (62,5%). Contrariamente, em outros países onde a NPI é o
resultado da migração laboral, a percentagem de muçulmanos que possui a
respectiva cidadania nacional é geralmente muito mais baixa: Áustria 25,0%,
Espanha 22,9%, Suécia 20,0%, Dinamarca 20,0%, Irlanda 20,0%, Países Baixos
13,3%, Itália 12,5%, Noruega 10,0%, Luxemburgo 10,0%, Bélgica 6,7%, Alemanha
4,0% (Kettani 1996: 15).
52 Enquanto Kettani (1996: 15) estimava a percentagem de cidadãos muçulmanos
em Portugal em 1991 em 50%, um artigo do Público de 1992 mencionava que esta
rondava os 70% (Público, 29-02-1992).
53 É um facto que a presença histórica islâmica tenha influenciado de forma
crucial as culturas espanholas, e, como Garaudy (1981) fez notar, o Islão devia
ser considerado como um dos três pilares da cultura europeia. Não obstante,
esta proclamação no tratado hispano-muçulmano pode ser interpretada como uma
invenção da tradição, pois só surgiu por ocasião da nova constelação
sociodemográfica, no decurso do estabelecimento da NPI espanhola. No período do
processo moderno espanhol de formação de nação, a percepção de experiências
históricas com o Islão foi bastante negativa.
54 http://www.alfurqan.pt/art1998/artigo2.htm