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EuPTHUHu0873-65292001000100003

EuPTHUHu0873-65292001000100003

National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolHumanities
Great areaHuman Sciences
ISSN0873-6529
Year2001
Issue0001
Article number00003

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Solidão, a busca do outro na era do eu: estudo sobre sociabilidades na modernidade tardia

Que significados encerra a expressão desencontros e ambiguidadesnuma investigação de âmbito sociológico sobre a solidão? É possível estudar sociologicamente algo de carácter tão subjectivo? A linha de raciocínio comum no estudo deste fenómeno social consiste, não raras vezes, em traçar a sua diacronia de forma a que a questão de partida seja colocada nos seguintes termos: mais solidão nos nossos dias ou, pelo contrário, nunca estivemos tão próximos? De início também não soubemos escapar a essa sede do rótulo e da classificação criada pelo pensamento dicotómico que se tornou fonte de múltiplos desencontros com a realidade e de uma grande perplexidade.

À medida que aprofundávamos os conhecimentos era a própria pergunta de partida que se transformava em pergunta de chegada de novas preocupações mais refinadas: somos cada vez mais ilhas isoladas, oásis de afectos num deserto de anonimato ou arranjamos formas válidas de encontros virtuais? Que novas formas de afectos conhecemos? A argumentação principal deste estudo é simples: as pessoas aparentam ter saudades do modelo que ajudaram a destruir. Mas atenção: os que recusam algumas características das diferentes tribos que temos no presente não querem voltar ao passado da vizinhança indiscreta, do mundo sem comunicação à escala global, da forte dependência de alguns grupos sociais relativamente a outros, como é o caso das mulheres e dos jovens.

Por outro lado, foram estudados os desencontros daqueles que buscam a alma gémea ou alguém com quem partilhar a vida, mas que, até hoje, não foram bem sucedidos. Por isso mesmo o nosso objecto de estudo foi a análise de uma iniciativa da Notícias Magazine intitulada "Quem quer casar com a carochinha?" que, durante sensivelmente um ano, publicou anúncios de pessoas que, estando sós ou sentindo-se sozinhas, procuravam companhia. Para além disso, estudou-se uma associação promotora de encontros entre pessoas livres e as linhas telefónicas de ajuda. O nosso objectivo ao conhecer estas realidades foi o de apreender diferentes formas de combate à solidão.

Entretanto, paralelamente a essas questões, tentámos verificar o peso das expectativas familiares e do grupo de amigos no estabelecimento de relações "normais", o desfasamento entre a vida real e os desejos e esperanças criados pelos média, as diferenças de género existentes relativamente às representações de solidão, de viver , e de homem/mulher ideal.

Como se apreendeu a ambiguidade nos encontros com a realidade A população escolhida para análise foram os participantes da iniciativa da Notícias Magazine, "Quem quer casar com a carochinha?" (que teve o seu início a 23 de Novembro de 1997 e terminou a 28 de Dezembro de 1998). Assim, foram contactados por carta 311 indivíduos, responderam 79, dos quais foram apenas aproveitadas 73 respostas.

Os textos da iniciativa (considerámos apenas 542) foram alvo de uma análise de conteúdo quantitativa no programa informático SPSS(Statistical Package for Social Sciences).

A escolha do inquérito por questionário fundamentou-se em questões práticas de deslocação e também de segurança para o investigador (e não em motivos principais de quantificação), por isso mesmo colocámos um número razoável de questões abertas no inquérito.

Recebemos 59 inquéritos-resposta, dos quais considerámos válidos 56.

Para o tratamento estatístico da informação dos inquéritos utilizou-se o SPSS, e realizou-se uma análise de conteúdo quantitativa das respostas às questões abertas do inquérito.

Realizámos duas entrevistas directivas com voluntárias da linha SOS: Voz Amiga e uma entrevista com uma voluntária da linha SOS: Estudante em Coimbra.

Entretanto, tomámos conhecimento, no decorrer do trabalho, da existência da Associação Promotora da Comunicação entre Pessoas Livres: O Solum, onde realizámos cinco entrevistas directivas.

Após termos recebido os inquéritos, decidimos realizar entrevistas semidirectivas de aprofundamento da problemática de Giddens sobre a modernidade e a identidade pessoal aos participantes da iniciativa. A análise de conteúdo destas entrevistas foi de tipo qualitativo.

Encontros e desencontros teóricos O paradigma científico-epistemológico orientador desta pesquisa foi o construtivista, i. e., partiu-se do pressuposto da leitura do mundo social como construído quer por aqueles que o estudam, quer por aqueles que o produzem, tendo presente que os primeiros também fazem parte dos segundos. É neste quadro que Giddens se torna um autor fulcral.

Desta forma, as três sensibilidades por ele teorizadas (histórica, crítica e antropológica) prendem-se com a ideia, que adoptamos totalmente, de que na modernidade tardia nenhum tipo de saber equivale a certeza ou dogma; antes prevalecem a instabilidade e a reflexividade contínuas sobre as práticas sociais, mas também, e sobretudo, sobre as teorias e metodologias sociológicas que tantas vezes têm influenciado o desenrolar das primeiras.

Assim, afirmamos que não concebemos visões unilineares ou catastróficas acerca da solidão, das sociabilidades e das suas estratégias no quotidiano da modernidade.

Poder-se-á pensar: na história da humanidade sempre houve mudanças, então o que distingue as da modernidade tardia em particular? O seu ritmo - rapidez extrema; o seu alcance - global; e a própria natureza das instituições modernas, ou seja, o facto de algumas formas sociais modernas nunca terem existido em períodos anteriores.

A mais importante dimensão da modernidade seria a penetração da reflexividade na vida pessoal e institucional, aliada ao distanciamento espácio-temporal, que acarreta consigo os fenómenos da descontextualização/deslocalização.

Mas a modernidade é um fenómeno com duas faces: a diurna, a das oportunidades, e a das sombras. Veja-se o exemplo da solidão: conquistou-se um espaço longe do forte controlo ecológico dos vizinhos e da parentela, o indivíduo encontra-se livre daqueles constrangimentos, com possibilidade de contactos a qualquer hora e para virtualmente qualquer lugar à face do globo e, todavia, continuam a existir solidão e isolamento.

A ideia comum, veiculada até mesmo por alguns teóricos, é a de que hoje o Homem está como nunca antes na sua história. A época presente é associada à perda de algo e ao saudosismo desse algo que se perdeu e que a maior parte não consegue definir de forma clara. A este propósito afirma Zeldin (1994: 63): A história que em geral nos contaram foi esta: no princípio, toda a gente vivia confortavelmente numa família ou tribo, as pessoas nem sequer sabiam o que era a solidão e não se concebiam a si mesmas como sendo indivíduos separados.

Depois, de repente e pouco tempo, essa "unidade" desfez-se. Agora temos não uma epidemia de solidão a varrer o mundo, lado a lado com a prosperidade, como também, quanto maior for o nosso êxito, maior é a probabilidade de virmos a sofrer desse mal Que o dinheiro não consegue resolver.

A história está repleta de exemplos em que o fenómeno da solidão se fez sentir de forma mais ou menos acentuada. Assim sendo, a abordagem histórica permite- nos pôr em causa visões lineares acerca da evolução do fenómeno, uma vez que este foi assumindo características diferentes conforme o seu enquadramento social e temporal.

Outra questão pertinente para a análise do fenómeno da solidão é o confronto do conceito de comunidade versus o conceito de sociedade, que tem feito correr muita tinta desde os primórdios da sociologia: a distinção de Tönnies (1926), as dicotomias que têm pautado a discussão sobre o desenvolvimento dos colectivos industrializados e urbanizados, de acordo com a definição de Norbert Elias (1993).

Para Giddens, o debate nos moldes anteriores não é fecundo, pois as diversas correntes confundem as diferentes acepções de comunidade, e reage aos autores que defendem a tese da impessoalidade da modernidade, afirmando que, em cenários pré-modernos, os contactos sociais eram baseados numa familiaridade relacionada com a limitação ao local de residência que raramente proporcionava o grau de intimidade pessoal e sexual que hoje é possível.

A este propósito, Lipovetsky (1989: 73) exprime-se da seguinte forma: ( ) é menos a fuga perante o sentimento que caracteriza o nosso tempo do que a fuga perante os signos da sentimentalidade. Não é verdade que os indivíduos procurem um desprendimento emocional e se protejam contra a irrupção do sentimento; a esse inferno povoado de mónadas insensíveis e independentes devemos opor os clubes de encontros, os pequenos anúncios, a "rede", todos esses milhões e milhões de esperanças de encontros, de ligações, de amor, que precisamente se realizam com cada vez mais dificuldade ( ). Homens e mulheres continuam a aspirar tanto como antes (ou talvez nunca tenha havido até tanta "procura" afectiva como nesta época de deserção generalizada) à intensidade emocional de relações privilegiadas, mas quanto mais forte mais raro parece tornar-se o milagre fusional, ou, em todo o caso, mais breve.

Do argumento deste autor surgiu a nossa hipótese de que a procura de uma relação pessoal e íntima, e até de uma relação que toque o idealizado (relações privilegiadas), esteja relacionada com o que ele chama época de deserção generalizada, ou seja, a busca do outro como um oásis numa era dos "poucos mas bons amigos". O outro refúgio é alguém com quem se pode contar e partilhar numa sociedade por vezes pautada pelo stress e pela competição.

Como hipótese, pretendeu-se demonstrar que, se existe essa sede de contacto, então o problema está no ritmo avassalador das transformações, a que Giddens faz referência, e que ainda não permitiram ao indivíduo libertar-se de uma certa nostalgia (e por vezes o passado é mais idílico no presente)e ganhar consciência do leque de novas possibilidades que o rodeiam.

Em conclusão, a maior parte das comunidades tradicionais baseadas no forte controlo ecológico, nas relações de proximidade física, de parentesco e em valores que fomentam a dependência do indivíduo ao invés da sua autonomia, estão a desaparecer. Nas sociedades industrializadas e urbanizadas tem-se vindo a assistir a uma progressiva emancipação e libertação da rede de parentes e vizinhos que controlavam e, tantas vezes, reprimiam o indivíduo. Para os defensores dos "bons velhos tempos" é, muitas vezes, necessário lembrar que o carácter romanceado da vida de outrora não passa disso mesmo, e que todas as épocas e, agora, todos os locais têm tonalidades negativas e positivas.

É claro que não pretendemos, nem o poderíamos fazer, negar as manchas de individualismo egocêntrico e o esvaziamento da subjectividade.

Todavia, a busca do outro começou. Embora em moldes mais liberais essencialmente fundamentados no respeito pelo espaço próprio e alheio.

Na sequência do que dissemos anteriormente, é imperativo discutir as diferentes noções de individualismo.

Um dos nossos objectivos é distinguir alguns dos seus significados e, ao fazê- lo, explicar de forma diferente os fenómenos sociais, não negando o que Michel Wieviorka (1988) chama sobre-exposições causadas pela competitividade da vida económica moderna que gera ansiedade, o culto da performancepara Alain Ehrenberg (1995), ou quando a patologia emerge da rejeição e da exclusão de promessas da sociedade não realizadas, como é o exemplo de produtos ou serviços da sociedade de consumo.

Embora fale em privatismo (consequente da dissolução do lugar e da crescente mobilidade), Giddens refere-se ao cosmopolitismo e carácter público das áreas urbanas modernas, impossível nas comunidades tradicionais, chamando a atenção para a abertura do leque de possíveis e para a diversidade de oportunidades, contrariando as posições teóricas de autores como Lasch (1984) e Sennett (1977).1 Ora, segundo Giddens, é errado supor que a auto-identidade se torna cada vez mais narcisista, sendo o narcisismo um mecanismo psicológico, e nalguns casos patológico, resultante das conexões entre identidade, vergonha e projecto reflexivo do self. Giddens critica Sennett e Lasch, pois considera que o crescimento das grandes organizações burocráticas, e dos seus poderes arbitrários, e a influência da produção de mercadorias, que retiraria o controlo individual sobre a vida quotidiana, não se desenvolvem sem resistência e são mais problemáticos do que estes autores pressupõem.

Assim, a vida social na modernidade apresenta alguns paradoxos: empobrece a acção individual mas permite a apropriação de novas possibilidades, é alienadora mas os seres humanos reagem às circunstâncias opressivas. E, em muitos aspectos, os sistemas abstractos fornecem possibilidades de reapropriação maiores do que as disponíveis nas culturas tradicionais. Exemplos disso são as relações puras nas quais os indivíduos estão a construir formas inovadoras de relação familiar em que por vezes podem eclodir ocasiões de instabilidade.

A este propósito, Lipovetsky refere-se a uma nova lógica nas sociedades democráticas: o processo de personalização, um novo modo de socialização e individualização inédito e em ruptura com o dos séculos XVII e XVIII, e que ele considera como uma segunda revolução individualista.

A base desta nova individualidade encontrar-se-ia na revolução das necessidades e na explosão da produção e do consumo de massa, assim como na melhoria do nível de vida, no desenvolvimento dos lazeres, no crédito e na publicidade.

Todos estes factores terão promovido um hedonismo de massa e a busca incessante de prazer.

Quanto às críticas acerca do consumismo, Lipovetsky contrapõe a acentuação das singularidades; a multiplicação de possibilidades "destrói fórmulas imperativas", diversifica comportamentos e gostos.

No entanto, não deixa de referir os males da autonomia, ou seja, o declínio dos laços sociais, das estruturas familiares e das referências religiosas, favorecendo não raro todo o tipo de seitas, marginalidades sociais, comportamentos descontrolados e irracionais e a indefinição das opiniões.

Em relação à solidão, afirma que "o tempo em que a solidão designava as almas poéticas e de excepção passou" e que esse sentimento se generalizou (Lipovetsky, 1989: 41). Fruto do processo de personalização, o indivíduo pede para o deixarem mas depois não o suporta.

Por seu lado, Michel Maffesoli também critica os mais pessimistas em relação à época que atravessamos: o individualismo, quer em si mesmo quer na sua forma derivada de narcisismo, é central em muitos livros, artigos e teses ( ). Os chamados peritos, imperturbáveis pela cautela ( ) disseminam uma sabedoria convencional e algo desastrosa sobre o retiro para o "eu", o fim dos ideais colectivos ou da esfera pública. uma tendência para nos encontrarmos face a um tipo de doxa, que talvez não se venha a manter mas que é, apesar de tudo, amplamente aceite, e que, no mínimo, tem o potencial de mascarar ou negar as formas sociais que se estão a desenvolver nos nossos dias (Maffesoli, 1996: 9).

E acrescenta: ( ) tantas vezes insistimos na desumanização e no desencanto em relação ao mundo moderno e na solidão a que aquele conduz, que não somos capazes de vislumbrar as redes de solidariedade que existem nele (idem: 72).

Ao individualismo egoísta e narcisista devemos opor algo aparentemente paradoxal: um individualismo assente na necessidade do Outro, baseado na recusa do isolamento (no qual muitos se abrigam sob o pretexto da falta de privacidade), devido ao falhanço para muitas pessoas da superficialidade que pautava as suas vidas, tanto ao nível das relações de vizinhança como das de trabalho, e até mesmo nas relações de amizade e de convivialidade mais gerais como, por exemplo, assistir a eventos culturais ou tomar um café com amigos.

Uma das dimensões mais importantes da era em que vivemos é, sem dúvida, o poder de escolha do indivíduo e a sua capacidade e, em grande medida, a sua obrigação, de tomar decisões: o declínio das autoridades tradicionais a isso obriga.

Lipovetsky refere mesmo a omnipresença da escolha nos nossos dias: ( ) o indivíduo é obrigado permanentemente a escolher, a tomar iniciativas, a informar-se, a criticar a qualidade dos produtos, a auscultar-se e a testar-se, a manter-se jovem, a deliberar acerca dos actos mais simples (Lipovetsky, 1989: 102).

Elias (1993) diz a esse respeito que os indivíduos são confrontados com o ritmo crescente de alternativas, e dispõem de um leque mais variado de escolhas, mas o corolário de tal possibilidade é que esta se transforma em obrigação e, paradoxalmente, nesse sentido não têm escolha.

Nestas situações de incerteza e variedade de escolha surgem as noções de risco e de confiança. A primeira é central numa sociedade que oscila entre o passado da tradição e o futuro incerto dos especialistas e do conhecimento pericial.

Não que a modernidade seja mais arriscada do que épocas anteriores. O que aparece de verdadeiramente novo é a inevitabilidade do raciocínio em termos de avaliação dos riscos.

Outros teóricos, como Ulrich Beck (1992), e Scott Lash (1992) debruçaram-se sobre a modernização reflexiva,que definem como a capacidade crescente de indivíduos e os grupos aplicarem o seu conhecimento de uma forma crítica a eles próprios e às circunstâncias que os rodeiam.

As formas e laços sociais de outrora (classe social, família) foram substituídas por instituições como a moda, as políticas sociais e o mercado - institucionalização dos padrões biográficos, trazendo graves riscos.

Ora, à medida que ocorre o processo de individualização, ocorre simultaneamente um duplo efeito: por um lado, as formas de percepção tornam-se privadas e a- históricas, no limite, como refere Beck (1992: 135), "tudo gira à volta do eixo do ego pessoal e da vida pessoal". Por outro lado, a quantidade de oportunidades abertas à decisão do indivíduo está a aumentar: aparece a biografia auto-reflexiva, o do-it-yourself. Ao indivíduo é pedido um "modelo vigoroso de acção na vida de todos os dias" (idem: 136).

A concepção deste autor tem muitos pontos em comum com a teoria de Giddens, autor que argumenta que nas circunstâncias da modernidade tardia o futuro é colonizado,ou seja, o planeamento estratégico da vida permite simular as possibilidades e os riscos que o indivíduo enfrentará posteriormente ao tomar determinadas decisões no presente.

O tipo-ideal de relação pura caracteriza-se pela dissolução dos critérios externos sociais e económicos e pela sua existência apenas por aquilo que a relação em si poderá oferecer, pelo prazer da relação em si, o que provoca, na grande maioria das vezes, ansiedades e insegurança no indivíduo, paralelamente a um sentimento de nunca estar totalmente satisfeito: No passado, o que os amantes mais recearam foi provavelmente a solidão. Porém, agora, a prisão no interior de uma relação estática tornou-se ainda mais preocupante. A sede por novas experiências, pelo desconhecido, pelos estranhos, é maior do que nunca (Zeldin, 1994: 85).

Por outro lado, é uma relação organizada reflexivamente, baseada num questionamento contínuo para o qual contribuem artigos de jornais e revistas, especialistas, programas de televisão e rádio.

Para além disso, pressupõe um compromisso, que não significa co-dependência,mas sim, que cada pessoa esteja na relação autónoma e segura do seu próprio valor e que aceite o facto de as únicas recompensas da relação serem inerentes a ela própria.2 Naturalmente, este tipo de relações tem inerentes stress e tensões, pois está sempre presente a possibilidade de dissolução.

Este novo tipo de relação envolve uma nova versão de amor, o amor confluente (Giddens, 1995: 41). Este caracteriza-se principalmente pela substituição do desequilíbrio de género, presente no amor romântico. No mesmo sentido, Bourdieu refere que, no amor puro,o sujeito "entrega livremente a sua liberdade a um senhor que lhe entrega a sua própria, coincidindo com ele num acto de livre alienação ( )" (Bourdieu, 1999: 95).

Desencontros e ambiguidades: a busca do outro na era do eu Por vezes parece que a modernidade é uma loja de conveniência. Porque parece ser esse mesmo o conceito. Cada vez mais, a tendência é a da satisfação das necessidades imediatas do indivíduo. A qualquer hora. A qualquer preço. O reino das possibilidades está aberto toda a noite.

Que pode o aprendiz de sociólogo concluir desta época de privatização do público e publicitação do privado? Tudo acontece sob a égide da dúvida e da escolha - a reflexividade da modernidade -, e dos grandes movimentos do capitalismo e da globalização, mas a emancipação da mulher tem um papel fundamental nas múltiplas transformações ocorridas, não ao nível do relacionamento entre os géneros como ao nível do novo modelo de vida privada a solo.

As práticas subjectivas dos actores conjugam-se com as dimensões globais da modernidade. Sujeito e estrutura combinam-se na explicação destes fenómenos.

Neste estudo, relativamente aos factores da sociedade moderna que propiciam a solidão, os indivíduos demonstraram grande preocupação relativamente à dissolução da família/divórcio, ao egoísmo, aos estilos de vida nos grandes centros urbanos, à falta de tempo para estar com os filhos, à falta de diálogo e à competitividade na vida económica moderna, a qual aparentemente é um grande factor de ansiedade para os indivíduos. De facto, esta última, juntamente com o consumismo, referido sobretudo nas entrevistas, as sobre-exposições, de que fala Wieviorka (1988), são conotadas pelos indivíduos que participaram no estudo de forma bastante negativa.

Todavia, as pessoas têm consciência que as circunstâncias na modernidade tardia mudaram. Reconhece-se o isolamento mas também o que mudou para melhor e as novas oportunidades que vão surgindo. um acordo relativamente à maior possibilidade de escolha nos relacionamentos nos dias de hoje. Paradoxalmente, essa abertura do leque das possibilidades não tem feito diminuir a solidão dos indivíduos. É precisamente aqui que parece residir o núcleo da discussão. Como conceber que naquela que é por excelência a era das comunicações continue a existir solidão? No mesmo sentido, relativamente às oportunidades de comunicação oferecidas pela modernidade, parece haver um consenso relativamente ao facto de elas serem positivas para os contactos sociais - a esmagadora maioria dos inquiridos concorda com a afirmação de que "a época em que vivemos tem a vantagem de permitir uma maior possibilidade de escolha dos relacionamentos que seria inimaginável umas décadas atrás", quer em absoluto (42,9%), quer relativamente, (46,4%) -, mas fica também claro que ainda não se traduziram numa melhoria qualitativa da aproximação entre as pessoas.

A dúvida e a incerteza pautam o dia-a-dia. "À medida que vou caminhando cada vez tenho menos certezas", referiu uma entrevistada. Confirma-se o argumento de Norbert Elias (1993): num certo sentido o indivíduo não pode optar entre escolher ou não escolher - essa é única escolha que lhe está vedada.

De uma forma geral pode-se concluir que as pessoas têm noção das potencialidades da modernidade, das possibilidades que esta oferece e também dos seus riscos. Todavia, ainda é ambígua a forma como são aproveitadas em favor do indivíduo e o discurso mais frequente - o mais negativo - prende-se com a competitividade, o egoísmo e o consumo exagerado.

A ambiguidade relativa à procura do homem/mulher ideal é representada pelo desejo que alguém venha ao encontro do indivíduo que espera passivamente esse dia. A busca do ideal, do ser perfeito continua a ser para muitos um objectivo.

No entanto, o ser ideal é mais visionado em termos físicos para os homens. As mulheres dedicam mais a sua atenção a características como a cultura, a inteligência e a ternura e carinho.

Para os homens, os dois factores mais importantes na pessoa ideal são a atracção física (32,5%) e a voluptuosidade e sensualidade (22,5%). Para as mulheres são a cultura média (46,2%), a inteligência e o carinho/ a doçura/ a ternura e a bondade (todos com 38,5%).

Sobre este assunto é interessante analisar a seguinte constatação de Machado Pais (1994: 364): "Os tipos ideais de homem e mulher parecem corresponder a um binómio tradicional - que é ainda dominante - sintetizável no par ‘homem culto e poderoso/mulher bela e expressiva'". É curioso que se verifique neste estudo o mesmo tipo de resultados, excepção feita à característica "poderoso" ou a um dos seus sinónimos no caso dos homens, que poderá estar relacionado com a especificidade do universo de mulheres do nosso estudo - um elevado número de mulheres divorciadas e de mulheres solteiras que buscam o seu "príncipe encantado", muitas delas referindo o seu desencanto face a relações anteriores, recusando determinadas características da imagem de dominância/autoritarismo do homem nas relações homem/mulher, colocando a sua atenção em características tão diferentes daquele protótipo como a confiança (46,2%) (e refira-se que nenhum dos homens mencionou esta característica como algo a encontrar na pessoa ideal), ou a honestidade e sinceridade (38,5%), mas também a importância da estabilidade económica (15,4%).

Por outro lado, os homens parecem estar a ter alguns problemas relativamente à emancipação feminina e, curiosamente, reagem de forma muito crítica ao imediatismo das relações sexuais, ao passo que as mulheres parecem estar mais orientadas para o tipo de relação pura.

A grande maioria dos inquiridos (72,2%) concorda com esta afirmação, estando de acordo a totalidade das mulheres, contra 62,5% dos homens.

Parece inegável, através da análise deste quadro, que a emancipação da mulher ainda é algo que assusta os homens: a igualdade é um elemento intrínseco na transformação da intimidade, como o é a possibilidade de comunicação. A raiva masculina contra as mulheres é hoje, numa medida substancial, uma reacção contra a auto-afirmação feminina em casa, no trabalho e noutros lugares. As mulheres zangam-se, por sua vez, com os homens devido aos subtis e não tão subtis modos através dos quais eles lhes negam os privilégios materiais que reclamam para si próprias. Pobreza económica para as mulheres, pobreza emocional para os homens: é este o estado do jogo da relação entre os sexos? (Giddens, 1995: 103).

Relativamente à maior liberdade, sobretudo ao nível sexual, hoje existente, algum acordo, de tom negativo, mas este acordo parece ter uma maioria masculina. É referida pelos homens a diminuição do lapso de tempo em que se conhece uma pessoa e se inicia uma relação sexual com ela.

A este propósito refere José Pacheco (1998: 217): O homem moderno acaba por ser prisioneiro de todas as ambiguidades que o relacionamento com o outro género pode comportar. Não deixa de ter um enorme potencial, enquanto fonte de angústia, tomar consciência de que tanto pode conhecer uma mulher para quem o sexo não tem qualquer significado ou vir a relacionar-se com uma parceira, sexualmente agressiva, para quem o sexo é fonte de todos os prazeres ( ).

Aparentemente, os homens não estão a reagir muito bem às novas formas de relacionamento entre os géneros: "para os homens é mais difícil inventarem outras formas identitárias pois, seguindo o pensamento dicotómico, a alternativa que resta é ‘inferior', feminina. São como aristocratas que depois de ‘perderem tudo' não sabem o que são" (Almeida, 1995: 243).

Por tudo aquilo que foi referido, parece que as mulheres, num primeiro momento, vêem mais vantagens na relação pura: elas "foram pioneiras de mudanças de grande e generalizável importância" que "dizem essencialmente respeito a uma exploração das potencialidades da ‘relação pura', uma relação de igualdade sexual e emocional ( )" (Giddens, 1995: 1), enquanto os homens aparentam estar confusos e inadaptados às mudanças: "os homens são retardatários nas transições actualmente em curso - e têm-no sido em certa medida desde o século XVIII" (idem: 39).

Analisemos de seguida qual dos dois sexos mais está disposto a viver sozinho e até onde era capaz de ir para que isso não acontecesse: os homens inquiridos admitem de uma forma bastante expressiva (e superior às mulheres) que preferiam qualquer tipo de relação a estarem sozinhos (24,3%), que se deve manter uma relação a todo o custo (11,4%) e, de uma forma mais equilibrada com a opinião das mulheres, o facto de se terem envolvido em relações insatisfatórias na esperança que essa pessoa mudasse - 76% dos homens e 60% das mulheres.

Provavelmente, com este comportamento estará relacionado o mesmo fenómeno do menor grau de sobrevivência do homem viúvo, a solidão brutaa que Kaufmann (1999) se refere a propósito do sexo masculino. A questão fundamental parece ser se se trata de uma ausência mais sentida em termos práticos (vida do dia-a- dia) ou sobretudo em termos emocionais.

A maior parte das pessoas que participou nesta investigação relacionava a sua solidão mais com a ausência de uma relação pessoal íntima, originada, não raras vezes, em situações de divórcio/rompimento de relações ou mesmo pela ausência temporal destas.

Nesta situação, a mulher a solo ainda é alvo de muitos preconceitos, não dos homens como das outras mulheres. Ela é considerada por muitos como mais perigosa e frustrada que os homens na mesma situação. Analisem-se as respostas à questão relacionada com as características da mulher/homem solteiros: para a mulher solteira as características mais referidas foram independente (77,8%), frustrada (40,7%) e excitante (37%).

Em relação ao total do sexo feminino que respondeu, a "frustração" foi a segunda característica mais importante, com 60%, enquanto que para os homens essa característica foi a terceira mais importante (33,3%).

Os homens referiram ainda outras características da mulher solteira que não foram indicadas pelas mulheres: o facto de ser perigosa (7,7%), a ser evitada (7,7%) e infeliz (apenas um homem o mencionou).

Em relação ao homem solteiro, as categorias mais referidas foram: independente (77,8%) - igual à percentagem em relação à mulher solteira -, frustrado (37%) - percentagem ligeiramente inferior à feminina - e experiente (31,5%), contra 25,9% em relação à mulher solteira. Verifica-se, portanto, que apesar de a independência ter sido referida para ambos os sexos em primeiro lugar, e com a mesma percentagem, a característica "frustração" apareceu com valores diferentes em função do género. Assim, a percentagem de frustração atribuída à mulher é maior do que a atribuída ao sexo masculino. Para além disso, são as próprias mulheres a colocar essa característica em segundo lugar, o que pode significar uma convicção extremamente enraizada relativamente à mulher .

Outra diferença flagrante em relação aos dois géneros está relacionada, como vimos anteriormente, com a percepção da sexualidade. Assim, quando foi pedido aos inquiridos para apontarem as consequências mais importantes de não ter um companheiro, 90,9% respondeu não partilhar a vida com alguém, 58,2% não ter relações sexuais e 52,7% ver toda a gente com alguém e estar sozinho.

Ora, em relação ao género dos indivíduos, a consequência mais importante para as mulheres é o facto de não partilharem a vida com alguém (92,9%), assim como para os homens (90,2%), mas estes últimos sentem-se mais preocupados relativamente ao facto de não terem relações sexuais (65,9%), contra 35,7% das mulheres, que colocam como segunda preocupação principal o facto de irem a lugares públicos sozinhas.

Por outro lado, não é de estranhar que a segunda consequência mais importante de não ter um companheiro, para as mulheres, se prenda com o facto de irem a lugares públicos sozinhas, devido ao stressque esse simples acto acarreta. Com efeito, o "dedo acusador da sociedade"é particularmente mais perturbador nessas situações, fazendo uma distinção clara entre as que pertencem ao modelo de vida privadae as que de alguma forma são percepcionadas como excluídas desse mesmo modelo. Dizemos excluídas porque, não raras vezes, a não pertença a esse modelo é considerada não como uma opção, mas sim como algo que não se escolheu e que por fatalidade aconteceu. Também acontece que o estilo de vida dessas mulheres seja associado a uma espécie de libertinagem que põe em causa o casamento alheio. Assim surge a distinção da autonomia masculina em qualquer situação e da dependência feminina (quanto mais não seja, simbólica): Da multiplicidade de competências e de esferas de intervenção, incluídas no estereótipo masculino, resulta um modelo subjectivo de pessoa autónoma e internamente determinada, porque independentemente de qualquer função ou contextos específicos, enquanto que o estereótipo feminino traduz um modelo de pessoa condicionada às fronteiras de uma função social específica e orientada para contextos de interdependência afectiva ou sexual (Amâncio, 1994: 68).

Enquanto as mulheres tendem a desvalorizar discursivamente a importância da(s) sua(s) experiência(s) sexual(ais), os homens tendem a fazer o contrário - parece comprovar-se a existência de um duplo padrão de sexualidade para homens e mulheres.

Esta tendência foi também constatada através da análise das respostas relativas ao principal sentido para a vida: o amor pelos outros é o mais referido (76,1%), o segundo mais importante o amor dos outros (69,6%). Em terceiro lugar aparece a referência a uma vida sexual satisfatória (47,8%).

Para os homens, as principais fontes de sentido da vida parecem ser o amor pelos outros (72,2%), o amor dos outros (66,7%) e uma vida sexual satisfatória (55,6%). Para as mulheres aparece em terceiro lugar a carreira (50%) e apenas em quarto uma vida sexual satisfatória (apenas com 20%).

Estas percentagens podem ser comparadas com os resultados obtidos no Relatório Situação Actual da Família Portuguesa(Nazareth, 1993), relativamente às representações sobre os factores mais importantes para um bom entendimento do casal: enquanto a satisfação sexual é colocada pelas mulheres em quarto lugar (86,2%), os homens consideram-na como o segundo factor mais importante (91%).

Assim, aparentemente, para os homens, uma vida sexual satisfatória é mais importante do que para as mulheres. Este resultado pode ser problematizado de várias formas, tendo em conta que: "as respostas a perguntas sobre práticas sexuais são muitas vezes projecções do que é representado como desejável e próprio, e não correspondem, de facto, às vivências. São, em suma, respostas muito marcadas pela construção social ( )" (Vicente, 1998: 120).

Assim: · as mulheres poderão ter vergonha em admitir a importância de uma vida sexual satisfatória; · os homens poderão sentir-se na obrigação de referir e exagerar essa importância, pelas mesmas razões sociais e culturais que estão na base da atitude oposta nas mulheres.

Ou seja, trata-se do duplo-padrão de sexualidade para os homens e para as mulheres, que se caracteriza por uma sobrevalorização discursiva da vida sexual nos homens, protótipo da virilidade masculina, e nas mulheres por uma imagem de recato e castidade, minimizando a sua experiência sexual.

Notas finais A análise do fenómeno da solidão na modernidade tardia em termos de desencontros implica ter em consideração o ritmo alucinante das transformações e o aproveitamento das oportunidades que têm surgido.

Desta forma, assiste-se hoje a desencontros entre as expectativas criadas pelas novas possibilidades tecnológicas e a crescente mobilidade, por um lado, e o limitado aproveitamento efectivo de todo o potencial oferecido. A questão da mobilidade e das inúmeras possibilidades coloca-se, a grande maioria das vezes, nos termos "para onde ir?" e "com quem?". Desta forma, como refere Zeldin (1994: 145): "o presente século, ao proclamar o advento de uma nova era de comunicação e informação, ao inventar máquinas gravadoras capazes de concederem imortalidade à fala, esqueceu-se de lidar com o seu maior problema, que é encontrar quem queira escutar".

Por outro lado, assiste-se também a desencontros ao nível das relações entre os géneros: o homem tende a mostrar-se retardatário, confuso e reticente às mudanças e a mulher apresenta cada vez mais uma trajectória de vida baseada na autonomia e, nessa sua emancipação, tem criado um novo modelo de vida privada, democratizando as relações entre os sexos, modelo esse que se tornou um poderoso motor de mudança social.

Todas estas transformações têm como consequência um desfasamento entre o que se procura e o que efectivamente se possui ao nível das relações amorosas, causando no indivíduo sentimentos de dúvida e incerteza, presentes no tipo de relação pura, baseada na autenticidade, no respeito pela identidade e independência do outro. Assiste-se, desta forma, a uma "recomposição dos laços afectivos à volta de um indivíduo dono do seu estudo" (Kaufmann, 1999: 164), através do que Bourdieu apelida de "reconhecimento mútuo" que transporta "para além da alternativa do egoísmo e do altruísmo e até mesmo da distinção do sujeito e do objecto, até ao estado de fusão e de comunhão, muitas vezes evocado em metáforas próximas das da mística, em que dois seres podem ‘perder- se um no outro' sem se perderem" (Bourdieu, 1999: 95).

Notas 1    As posições destes autores não serão aqui expostas. Sobre este assunto conferir Anthony Giddens, 1997: 156-164.

2    Co-dependente é o parceiro que, por mais que se sinta insatisfeito numa determinada relação, é psicologicamente incapaz de sair dela.


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