Padrões de vida dos estudantes universitários nos processos de transição para a
vida adulta
Introdução
O presente artigo tem como objecto um dos segmentos com maior protagonismo face
aos processos de mudança em curso na sociedade portuguesa: os estudantes que
frequentam o ensino superior universitário de licenciatura.
Ao longo da última década, o crescimento muito acentuado do ensino superior em
Portugal potenciou a diversificação do perfil social dos indivíduos que acedem
a este nível de escolaridade. Este crescimento envolve uma proporção cada vez
mais expressiva da população juvenil, projectando na instituição universitária
um importante papel na qualificação destes jovens, e, por esta via, também, na
recomposição socioprofissional e na modernização das estruturas sociais, bem
como dos contextos económicos abrangentes. A melhoria dos níveis educacionais e
qualificacionais da população activa portuguesa, em parte consubstanciada na
evolução positiva da oferta de ensino superior, constitui de resto um dos
primeiros desafios que se colocam ao país, na procura activa de melhoria da
competitividade e promoção da convergência real em relação aos restantes
membros da União Europeia.
Neste artigo pretende-se caracterizar de forma teórica e empiricamente
fundamentada os processos de transição para a vida adulta destes estudantes.1 A
abordagem adoptada assenta numa visão multidimensional de tais processos, e
procurará uma caracterização de três momentos cruciais nas trajectórias sociais
que protagonizam:
* o recrutamento social, incluindo aqui a análise de dimensões relativas ao
passado, designadamente às condições sociais de existência das famílias de
origem;
* a situação social actual nas suas várias componentes, familiar, profissional
e escolar;
* as suas orientações em termos de aspirações e expectativas futuras em relação
à sociedade e ao trabalho.
O suporte empírico desta análise foi conseguido através da realização de um
inquérito extensivo à escala nacional a uma amostra de 2000 indivíduos,
representativa dos estudantes do ensino de licenciatura do país.2
O questionário aplicado retoma, agora a uma escala alargada, um instrumento de
pesquisa autonomamente tratado num número reduzido de cursos, instrumento de
pesquisa desenvolvido por João Ferreira de Almeida, António Firmino da Costa e
Fernando Luís Machado, no âmbito da disciplina de sociologia das classes
sociais e da estratificação, da licenciatura em sociologia do ISCTE, em meados
da década de 80. Desta fase inicial resultaram três publicações: Almeida, Costa
e Machado, 1988; Machado, Costa e Almeida, 1989; Costa, Machado e Almeida,
1990.
Numa fase posterior é de salientar ainda o trabalho desenvolvido por José Luís
Casanova no âmbito da preparação da dissertação da tese de mestrado em
sociologia (Casanova, 1993a) e de uma colaboração com o Instituto de Ciências
Sociais da Universidade de Lisboa (Casanova, 1993b).
Mudança e diversidade nos processos de transição para a vida adulta
Nas sociedades contemporâneas os processos que acompanham a transição para a
vida adulta têm vindo a sofrer grandes variações, não apenas em função dos
contextos socioeconómicos, políticos e culturais específicos de cada país ou
região, mas também nas formas como são vivenciados pelos próprios jovens. Por
exemplo, pode acontecer os jovens trabalharem antes de terem concluído os seus
estudos,3 ou regressarem ao sistema de ensino após um período mais ou menos
longo na actividade, assim como a permanência em casa dos pais pode não ser um
impeditivo para a constituição de uma nova família, nomeadamente através da
coabitação. Tais variações não são alheias a condicionantes estruturais, como
as que descrevem os posicionamentos relativos das diferentes categorias
sociais. No contexto actual tendem ainda a ter origem num conjunto heterogéneo
de situações, do tipo microeconómico ou intracategorial (Fitoussi e
Rosavallon, 1997), associadas nomeadamente a novas conjugações nas modalidades
também elas renovadas de inserção escolar, profissional e conjugal.
Na passagem para a vida adulta pode-se identificar esquematicamente quatro
grandes acontecimentos: a conclusão dos estudos, o acesso ao emprego, a saída
de casa dos pais e a formação de uma nova família (Comissão Europeia, 1997: 4).
A forma como estas várias etapas se sucedem nos percursos biográficos juvenis
tende, no entanto, a complexificar-se e a assumir diversas variações. Sendo
que, do ponto de vista sociológico, não se pode falar numa idade precisa de
transição. Segundo José Machado Pais (1997: 17), a tendência actual é para uma
certa desritualização ou reversibilidade dos modelos tradicionais de
passagem para a vida adulta, a qual pode estar na origem de novas culturas
juvenis, novos modos de vida e correntes socioculturais.
Em Portugal, nas gerações anteriores, nomeadamente as gerações dos pais dos
actuais estudantes, antes de atingirem a idade adulta a maioria dos jovens já
tinha concluído os seus estudos (normalmente o ensino básico primário) e
iniciado a sua vida profissional (o que podia ter lugar aos 12 anos ou mesmo
antes). Para a generalidade dos jovens o acesso ao emprego era a primeira etapa
a conquistar na passagem para a vida adulta (para muitos, sobretudo para os
homens, esse emprego correspondia ao início de uma longa carreira profissional,
a qual só abandonariam na velhice), enquanto o casamento ou a coabitação e a
saída de casa dos pais estavam intimamente associados e antecediam o nascimento
dos filhos. Estas eram as fases normais da transição para a vida adulta. O
tempo de juventude correspondia assim a um período relativamente curto e
fácil de identificar, compreendido entre a infância e a idade adulta. Era
também, frequentemente, um tempo já marcado pelo exercício de uma actividade
remunerada, com peso na economia familiar e, muitas vezes, já sem qualquer
ligação ao sistema escolar mas, eventualmente, associado a uma formação no
local de trabalho. O que mudou entretanto na condição juvenil portuguesa?
A extensão da escolaridade obrigatória para 9 anos (básico 3) e o
estabelecimento de uma idade mínima legal para o início da vida activa,
presentemente os 15 anos, são dois factores de peso nestas transformações.
Porém, não permitem explicar tudo. Desde logo a natureza das actividades que os
jovens de hoje tendem a exercer é substancialmente diferente daquelas que se
ofereciam aos seus pais. Parafraseando Fernando Luís Machado e António Firmino
da Costa (1998: 31) Passou-se de uma sociedade onde, à saída dos anos 50,
prevaleciam as actividades ligadas ao sector primário, sobretudo a agricultura,
para uma outra que se pode considerar terciária' na medida em que o sector dos
serviços ocupa hoje mais de metade da população activa. Neste período, notável
também foi o crescimento da actividade profissional feminina, como referem os
autores citados, nesse espaço de trinta anos entre os anos 60 e 90 a taxa
de actividade feminina salta praticamente para o triplo ( ) e coloca Portugal
entre os países com os mais altos indicadores actuais da União Europeia (idem:
29).
Do ponto de vista da actividade empresarial, as novas oportunidades que se
desenham, num contexto mais recente, com as transformações políticas de 1974 e
a adesão à Comunidade Europeia em 1986, contribuem para a viragem para a
construção de modelos de competitividade organizacional de maior investimento
na procura de inovação tecnológica (Freire, 1998: 285-287). Uma tendência que
contribui para o crescimento quantitativo e diversificação interna dos grupos
profissionais mais qualificados, assim como para a relativa desvalorização dos
níveis de ensino no mercado de emprego (Kovács, Cerdeira, Bairrada e Moniz,
1994; Rodrigues, 1995). Neste contexto, no sentido de prevenir o risco
crescente de desemprego e outras formas extensas de exclusão social e, também,
para alargar as oportunidades de acesso às profissões melhor remuneradas e mais
qualificadas, os jovens (elas mais do que eles) tendem, pois, a investir com
maior incidência na escolarização inicial, atrasando a idade de entrada na
actividade profissional.4
Estas transformações em curso na sociedade portuguesa têm repercussões claras
também nas relações familiares (Almeida, Guerreiro, Lobo, Torres e Wall, 1998:
45-48). Com especial destaque nos centros urbanos do litoral, os jovens casam
mais tarde e cada vez com menor frequência, preferindo formas alternativas, não
institucionalizadas, de viver a conjugalidade.5 Quanto aos filhos, tendem a ser
em menor número e nascem mais frequentemente numa idade em que as mães já têm
uma inserção socioprofissional prolongada. A constituição de uma nova família
representa, aliás, o principal marco de finalização do período de passagem para
a vida adulta: entre nós, pelo menos nos contextos marcadamente urbanos, como
refere José Machado Pais (1996: 173), deixa-se mais facilmente de ser jovem
quando se casa do que quando se obtém trabalho, quando se abandona a escola, ou
quando se deixa de viver em casa dos pais.
Na convergência destes processos de mudança social da condição juvenil
portuguesa, os quais em muitos aspectos têm paralelo com grandes tendências de
modernização e recomposição social que atravessam as sociedades actuais,
sublinhe-se ainda, como Clarissa Kugelberg (1998: 43), os impactos da
globalização e do advento da sociedade de informação. Como refere a autora,
actualmente (por via dos meios de comunicação) os jovens adquirem experiência
indirecta sobre uma grande variedade de estilos de vida, valores, ideias,
oportunidades e saberes com os quais não podem evitar confrontar-se ( ) e
citando Ziehe, (1986: 349), continua Defrontar-se com tal oportunidade'
cultural conduz a um alargamento das possibilidades de vida, mas também implica
a complexa obrigatoriedade de tomar decisões. A origem social, familiar e
geográfica já não dá ao indivíduo a mesma estruturação e ajuda' selectiva de
outrora, e o passado da família já não é o guia seguro para o futuro do
próprio".
Origens sociais dos estudantes universitários
O processo de alargamento progressivo do acesso ao ensino superior, em
particular no que diz respeito aos cursos de licenciatura, recoloca, pois, o
problema das origens sociais destes estudantes, da maior ou menor selectividade
social no respectivo recrutamento. Neste sentido questiona-se: qual a origem
social dos estudantes? Que recursos socioeducacionais detêm os seus pais? Como
se qualificam em termos de classe social e fracção de classe? Serão
equivalentes, deste ponto de vista, os diferentes cursos, ou, pelo menos, as
grandes áreas de conhecimento em que eles se inscrevem e os subsistemas de
ensino, público e privado?
Nesta análise privilegia-se a exploração dos indicadores que melhor condensam
dimensões fundamentais de estruturação do espaço das condições sociais de
existência nas sociedades contemporâneas, e a diferenciação dos posicionamentos
relativos (materiais e simbólicos) que os protagonistas sociais nele ocupam: os
indicadores socioeducacionais e os indicadores socioprofissionais (Bourdieu,
1979: 109-144; Costa, 1999: 224-225; Costa, Mauritti, Martins, Machado e
Almeida, 2000: 9-46).
A unidade de análise privilegiada é o grupo doméstico de origem dos estudantes
(pai e mãe), o qual, desta forma, é perspectivado como uma unidade familiar,
onde a partilha de recursos e estilos de vida pode assumir configurações
diferenciadas e diferenciadoras nas posições relativas que os seus membros
ocupam no espaço estrutural das classes sociais (Almeida, 1986).
No quadro_1 apresentam-se, simultaneamente, as distribuições dos níveis de
escolaridade dos pais dos estudantes (valores totais) e da população portuguesa
em geral. A partir desta comparação pretende-se avaliar até que ponto se estará
a evidenciar um alargamento da base social de recrutamento da população
estudantil que acede ao nível superior de escolarização e, portanto, em parte,
a democratização do ensino.
Os valores percentuais que mais se aproximam correspondem aos níveis básicos 2
e 3, evidenciando-se uma sobre-representação nos níveis seguintes, na amostra,
a qual é particularmente incidente no superior. Pelo contrário, nos graus mais
desprovidos de recursos escolares sucede precisamente o inverso.6 Neste âmbito
são de sublinhar os valores percentuais relativos à população que atingiu no
máximo o ensino primário (£ básico 1) (62,5%), valores bastante significativos,
sobretudo se se tiver em conta que os segmentos aqui considerados correspondem
aos subconjuntos mais escolarizados da população em idade activa (Costa,
Mauritti, Martins, Machado e Almeida, 2000: 30-34). Já no caso dos valores
obtidos na amostra, estão aqui localizados cerca de 1/4 dos grupos domésticos
de origem dos estudantes universitários. Uma proporção que não deixa de
evidenciar um alargamento na base de recrutamento dos jovens que acedem ao mais
alto nível de escolarização.
Para tornar mais visível o contraste entre as duas distribuições (família de
origem dos estudantes e população nacional) construiu-se um índice de
recrutamento escolar, o qual traduz a probabilidade relativa de indivíduos
oriundos de grupos domésticos com recursos educacionais específicos acederem à
universidade. Convencionalmente, atribuiu-se o índice 1 aos valores mais
baixos, neste caso, os grupos domésticos desprovidos de recursos escolares, o
qual se verificou corresponder aos grupos domésticos que não ultrapassaram o
básico 1 (daí que se tenha optado por apresentar estes valores de forma
agregada).
Chegou-se assim à conclusão de que os indivíduos oriundos destas famílias,
apesar de deterem um peso significativo no conjunto da amostra, têm 9 a 20
vezes menos probabilidade de acederem à universidade do que os que são
provenientes de grupos domésticos que atingiram o mais alto nível de
escolaridade.
A introdução nesta análise das variáveis área científica e tipo de ensino
permite-nos afinar um pouco estas constatações, já que revela algumas
variações, por vezes, bastante significativas.
Nesta óptica, o primeiro aspecto a salientar, na análise das distribuições dos
níveis de escolaridade do grupo doméstico de origem por área científica, é a
clara diferenciação dos estudantes das áreas de ciências médicas e, também, das
engenharias, ambos os casos com um volume global de recursos educacionais
bastante mais elevado, designadamente do que o que encontramos na distribuição
sem ter em conta a variável área científica. Nas restantes áreas a percentagem
de grupos domésticos localizados no nível superior de escolaridade é sempre
inferior à que encontramos no conjunto. É pois, sobretudo, nestas outras áreas
científicas que se encontram os estudantes provenientes de famílias com
recursos educacionais mais baixos.
Quanto à análise das distribuições tendo em conta o tipo de ensino, o principal
aspecto a sublinhar é o reforço da incidência dos níveis mais altos de
escolarização no caso dos pais dos estudantes que frequentam o ensino superior
público (42,1%, contra 31,6% no caso do superior privado). Isto muito embora
sejam ainda significativos, também aqui, os núcleos em que ambos os
progenitores não ultrapassaram os 4 anos de escolaridade (22,8% no público e
26,3% privado).
Se o volume de capital escolar do núcleo familiar de origem fornece indicações
importantes sobre as condições sociais de existência da população estudantil e
respectivas trajectórias de vida, mais informativo ainda será analisar de que
forma esses recursos integram a estrutura das diferentes formas de capital
mobilizadas pelas famílias e, desta forma, captar a pluridimensionalidade das
hierarquias sociais. Nesta perspectiva propomo-nos então prosseguir a análise
recorrendo a indicadores particularmente decisivos na apreensão da estruturação
das relações de classe nas sociedades contemporâneas: os indicadores de
categorias socioprofissionais.
Esta abordagem procura equacionar simultaneamente dois ângulos de análise: o
indicador socioprofissional de classe do pai e da mãe individualmente
considerados, e do grupo doméstico familiar. Pretende-se através da análise
destes indicadores desenvolver, ainda que de forma aproximada, uma
caracterização das origens sociais de classe dos estudantes.
No quadro_2 esta aproximação toma então por referência as localizações
socioprofissionais individuais dos pais, comparando-as com a distribuição
respectiva da população portuguesa.
Quadro 2Classes sociais do grupo doméstico (indicador socioprofissional
individual), por comparação com a população portuguesa (em percentagem) e
índice de recrutamento de classe
Notas: a tipologia classificatória proposta neste quadro foi retirada do trabalho
de António Firmino da Costa, 1999 (ver sobretudo pp. 235-245). Corresponde à
última actualização da matriz de determinação dos lugares de classe sugerido pela
equipa que o autor integra com João Ferreira de Almeida e Fernando Luís Machado.
As categorias socioprofissionais aqui contempladas sintetizam diversas combinações
entre indicadores como a condição perante o trabalho, a profissão, a situação na
profissão e a escolaridade. Neste âmbito, ver também: Almeida, 1986; Almeida,
Costa e Machado, 1988. Os dados sobre a estrutura de classes em Portugal relativos
a 1981 resultam de uma construção que tem por base informações apuradas no
recenseamento da população de 1981 (INE). Quanto aos dados respeitantes a 1998,
obtidos através do inquérito ao emprego (resultados anuais), têm na base uma
amostra construída a partir das estimativas da população, também no INE. Para a
construção do índice de recrutamento de classe seguimos as orientações de Almeida,
Costa e Machado, 1988: 142-143 e Machado, Ávila e Costa, 1995: 112.
Na continuidade das tendências evidenciadas na análise da hierarquia dos níveis
de educação do grupo doméstico familiar, também aqui se verifica uma relativa
polarização dessa população: de um lado situam-se os estudantes oriundos das
categorias de empresários, dirigentes e profissionais liberais e de
profissionais técnicos e de enquadramento (que concentram 53,9% das origens de
classe dos estudantes); no outro os que, do ponto de vista das origens sociais,
provêm de categorias mais desprovidas de recursos, como os empregados
executantes e o operariado industrial (com 36,4% das frequências).
A categoria com maior representatividade nas origens sociais dos estudantes
corresponde à que tende a mobilizar mais recursos educacionais: a nova classe
média assalariada, onde se inserem os profissionais técnicos e de
enquadramento, aquela que integrará muito provavelmente uma boa parte dos
futuros licenciados.
Quanto à categoria dos empresários, dirigentes e profissionais liberais, onde
estão agregadas as várias fracções de classe da burguesia, tem também um peso
percentual importante nas origens sociais dos estudantes (com 20,2%). Pode ver-
se nesta presença duas tendências quanto ao tipo de trajectórias
intergeracionais subjacentes, mediante as quais os futuros licenciados, ora se
mantêm na mesma localização de classe que a família de origem, reforçando,
eventualmente, a detenção da propriedade e de bens económicos com a acumulação
de competências qualificacionais e organizacionais próprias da sociedade do
conhecimento e da informação, ora tendem a posicionar-se na categoria de
trabalhadores por conta de outrem melhor provida de recursos profissionais
(traduzíveis em posição de autoridade/autonomia, nível de rendimento, prestígio
social, etc.).
Igualmente significativa, mas com sentidos inversos, é a presença de estudantes
oriundos das categorias de trabalhadores independentes, de empregados
executantes e do operariado industrial, cujo peso percentual na distribuição de
frequências parece ilustrar a referida tendência de alargamento da base social
de recrutamento da população estudantil. O significado destas presenças, como
das restantes, carece, no entanto, de uma avaliação que tome em consideração o
peso das respectivas categorias sociais no conjunto da população portuguesa.
No quadro_2 esta análise é desenvolvida por referência aos anos de 1981 e 1998.
Uma vez que, neste caso, a informação disponível não está desagregada por
escalões etários, a análise toma por referência a população no seu conjunto. A
opção por reportar a comparação simultaneamente aos dois anos, prende-se com a
possibilidade de entretanto os pais terem alterado as suas posições relativas
na estrutura de classes sociais.
Se se tomar o índice de recrutamento de classe relativo a 1981, observa-se que
os indivíduos com origem de classe na burguesia têm uma probabilidade de acesso
à universidade 16 vezes superior à dos seus colegas que provêm do operariado.
Esta probabilidade passa a ser de 5 para 1 quando se toma por referência o
índice que tem subjacentes os dados de 1998. Nos dois períodos, as diferenças
nos índices de recrutamento de classe imputados às categorias de empresários,
dirigentes e profissionais liberais e dos profissionais técnicos e de
enquadramento parecem pois sugerir que, ao longo da trajectória de vida dos
estudantes, se terão vindo a atenuar as clivagens sociais que opunham as
categorias situadas nos extremos da tabela e, como tal, houve uma melhoria
relativa das oportunidades de acesso à universidade de indivíduos oriundos de
categorias sociais mais desprovidas de recursos. Entre 1981 e 1998 os
estudantes provenientes das fracções de classe da burguesia e da nova classe
média assalariada vêem diminuir, embora de maneira nenhuma anular, a sua
vantagem relativa nas probabilidades de acesso à universidade, por referência
aos seus colegas oriundos das outras classes sociais. De resto, entre as
fracções mais desprovidas de recursos, a classe dos empregados executantes
destaca-se pela positiva (mesmo em relação aos trabalhadores independentes),
correspondendo à fracção que mobiliza uma maior presença de trajectórias de
mobilidade social ascendente.
Os indicadores socioprofissionais de classe até agora analisados consideram
apenas as posições individuais ocupadas pelo pai e pela mãe. No entanto, a
distribuição desigual de recursos socioprofissionais reflecte a existência de
famílias de classe que conjugam diferentes posicionamentos a este nível. Um
cenário que aconselha complementar esta abordagem tomando, também, o grupo
doméstico familiar como unidade de análise. O quadro_3 formula a aproximação a
esta perspectiva analítica, articulando já com a distribuição dos estudantes
por área científica e tipo de ensino.
Com a introdução deste indicador socioprofissional familiar de classe o peso
percentual das diferentes categorias altera-se um pouco.
Nesta perspectiva, um aspecto a sublinhar é a acentuação da sobre-representação
das classes sociais mais elevadas na origem social dos estudantes. A qual se
deve, por um lado, ao reforço da categoria de empresários, dirigentes e
profissionais liberais e, por outro lado, à quebra das categorias que reúnem os
assalariados dos escritórios, comércio e serviços e da indústria. Se a subida
dos primeiros decorre do facto de os grupos domésticos assumirem esta classe
social sempre que um dos seus elementos nela se situe, já no caso dos
empregados executantes e dos operários industriais, a diminuição dos
respectivos pesos percentuais na distribuição de frequências tanto pode
decorrer da inserção das famílias nas categorias dominantes, quando um dos
elementos do grupo doméstico aí se localiza, como em categorias que conjugam
diferentes posicionamentos de classe dos respectivos membros, ditas
pluriactivas (as quais abrangem, no conjunto, 13,8% das famílias de classe).
Quanto às restantes localizações sociais, a análise do indicador
socioprofissional de classe vem ainda reforçar a importância detida pelas
categorias de trabalhadores independentes. As quais, entre as situações de
homogeneidade social dos elementos do núcleo principal e as situações que
conjugam o trabalho independente com o assalariamento, detêm 13,5%.
Em que medida estas distribuições sofrem, ou não, variações significativas
quando se consideram as variáveis área científica e tipo de ensino? Chegou
agora o momento de explorar esta vertente analítica.
Em convergência com os resultados apresentados no quadro_1, também aqui, os
estudantes que frequentam a área de ciências médicas correspondem claramente ao
segmento da população estudantil com origens sociais melhor providas de
recursos. Dos alunos que frequentam esta área científica, 85,5% são
provenientes das classes sociais dos empresários, dirigentes e profissionais
liberais e dos profissionais técnicos e de enquadramento. O que significa que o
acesso a esta área, praticamente, só está aberto às elites. Há aqui uma forte
componente de reprodução social e fechamento social. Nesta óptica, a área que
se posiciona imediatamente a seguir, com uma estrutura de distribuição do
capital cultural e económico semelhante, corresponde às engenharias (na qual
68,5% dos estudantes são oriundos das posições dominantes da estrutura de
classes sociais).
Estas são as duas áreas que integram a maior componente tecnológica e de
investimento em equipamentos e manutenção, estando concentradas no ensino
superior público. Correspondem aos segmentos de formação menos permeáveis ao
risco de não conversão do capital escolar em recursos profissionais e
qualificacionais. Os mercados respectivos estão ainda longe da saturação, pelo
que as saídas profissionais têm uma probabilidade de sucesso muitíssimo
elevada, nomeadamente devido à raridade do tipo de saberes e de prestações
técnicas detidos por estes profissionais.
Os alunos inseridos nestas duas áreas estão pois dominantemente integrados em
trajectórias estacionárias dirigidas a lugares da estrutura de classes
homólogos aos dos respectivos grupos domésticos familiares (situação mais
incidente nos estudantes de medicina) ou de mobilidade social ascendente (estes
trajectos representam potencialmente cerca de 1/3 dos estudantes que frequentam
as engenharias).
Quanto às origens de classe dos alunos que frequentam as restantes áreas
científicas, destaca-se ainda em direito e em economia e gestão uma sobre-
representação das classes sociais que detêm um maior volume de capital
económico e social. Nestas áreas as origens sociais dos estudantes evidenciam
assim uma inversão do peso percentual entre as duas categorias dominantes,
prevalecendo as fracções de classe da burguesia (as quais apresentam valores
percentuais superiores aos evidenciados nas distribuições analisadas
anteriormente).
Estas são duas das áreas científicas privilegiadas pelo ensino superior privado
(sobretudo a área de economia e gestão, que concentra cerca de 1/3 dos alunos
matriculados neste tipo de ensino). Parece que se pode ver aqui a procura de
conjugação do capital económico, dominante no grupo doméstico de origem, com o
capital escolar e simbólico. A imagem de prestígio social associada ao direito,
e também cada vez mais à economia (que recentemente instituiu uma ordem
profissional), é certamente um factor que pesa nas estratégias individuais e
familiares que conduzem os estudantes à frequência deste tipo de licenciatura.
Na área de economia e gestão, evidencia-se ainda uma forte correspondência
entre a formação académica e os lugares de classe prevalecentes nos grupos
domésticos de origem onde, para além das fracções de classe da burguesia, se
observa ainda alguma incidência de estudantes oriundos de grupos domésticos de
trabalhadores independentes.
Esta última posição social tende a representar uma boa parte das origens
sociais de classe dos estudantes que frequentam a área de letras e artes. É
nesta área de formação, na de ciências sociais e, também, na de ciências
naturais e matemática que se localizam uma boa parte dos estudantes que, do
ponto de vista das origens sociais de classe, são provenientes das fracções
mais desprovidas de recursos (para além dos trabalhadores independentes, uma
classe que pode envolver situações mais heterogéneas, as categorias de
assalariados dos serviços e da indústria, as quais no conjunto representam
46,6%, 44,7% e 42,0% das origens de classe dos estudantes que as frequentam,
respectivamente).
Estarão aqui, pois, predominantemente localizados os estudantes que seguem
trajectórias de mobilidade ascendente de maior alcance social, isto pressupondo
que com alguma probabilidade integrarão no futuro a categoria socioprofissional
de trabalhadores por conta de outrem correspondente aos profissionais técnicos
e de enquadramento.
A análise por tipo de ensino revela que o peso relativo destas categorias
sociais, menos providas de recursos, no ensino público e privado não apresenta
diferenças muito acentuadas. Assim, e contrariamente ao que poderia sugerir a
leitura dos resultados obtidos no cruzamento do tipo de ensino com o nível de
escolaridade do pai e da mãe, constata-se que as principais diferenças entres
os dois subsistemas de ensino não radicam tanto numa maior propensão do
superior privado para o recrutamento de estudantes com origens sociais mais
baixas. Significa isto que, a ter havido alguma mudança social com o
alargamento da iniciativa privada neste nível de formação superior, esta
reflecte apenas a maior oportunidade de acesso aos segmentos que, embora com
uma inserção privilegiada do ponto de vista económico e social, não detinham um
nível de escolaridade correspondente.
Os protagonismos sociais contrastantes entre as duas localizações de classe
que usufruem de maiores recursos e influência colectiva na sociedade
portuguesa actual (Machado e Costa, 1998: 38), têm assim continuidade nas
diferentes propensões de uma e outra em acederem aos dois subsistemas de ensino
público e privado.
Situação social actual
Neste capítulo, para uma melhor padronização dos processos que caracterizam a
transição para a vida adulta dos estudantes universitários, a análise
desenvolve-se através da exploração de um conjunto diversificado de indicadores
básicos, estruturantes das suas condições sociais de existência na fase actual
das trajectórias que protagonizam, como a situação conjugal, o meio de vida
principal, a condição principal perante o trabalho, a profissão actual e a
situação nessa profissão. Para aferir sobre algumas das especificidades dos
padrões que a este respeito caracterizam os estudantes universitários, a
análise será desenvolvida tomando sempre por comparação indicadores
equivalentes reportados aos jovens portugueses em geral.
De acordo com os resultados apurados no inquérito aos estudantes de
licenciatura, para uma boa parte da população que frequenta presentemente o
ensino superior em Portugal, o início da vida adulta está fortemente
associado ao termo da escolarização, ou antes, ao culminar da fase do trajecto
de vida marcada predominantemente pela condição estudantil. A maioria destes
jovens só nessa altura desempenhará uma primeira experiência profissional (a
proporção de estudantes que nunca exerceu qualquer actividade remunerada é de
86,8%), e daí até à autonomia financeira ou independência económica em relação
à família de origem poderão passar-se ainda alguns anos. Vai neste sentido o
facto de uma proporção significativa de estudantes referir como principal meio
de vida estar a cargo da família (90,9% dos inquiridos), muito embora alguns
possam acumular outras fontes de rendimento como bolsas, subsídios, etc. Por
outro lado, do ponto de vista das relações conjugais/familiares, a grande
maioria (94,9%) declara nunca ter vivido em situação conjugal (casado ou união
de facto).
Perfil sociodemográfico dos estudantes casados ou em união de facto
Sendo o objectivo desta reflexão analisar os padrões de vida dos estudantes
universitários nos processos de transição para a vida adulta, parece, ainda
assim, pertinente dar alguma atenção ao segmento que, embora minoritário, vive
já pelo menos numa situação intermédia de transição. É o caso dos estudantes
casados ou em união de facto e, eventualmente, também, o caso dos estudantes
que exercem ou já exerceram uma actividade remunerada.
Começa-se então por traçar o perfil sociodemográfico dos estudantes que vivem
em situação conjugal, para passar depois à análise da sua situação familiar
actual. No conjunto estes estudantes representam apenas 5,1% da amostra de
inquiridos.
Se, como foi referido atrás, o casamento constitui o principal marco de
passagem para a vida adulta, esta proporção de estudantes que já constituiu uma
nova família não deixa de ser afectada por um efeito de idade. Este subconjunto
da população inquirida caracteriza-se por uma estrutura etária bastante mais
envelhecida do que a relativa ao total de estudantes incluídos na amostra: a
média de idades situa-se nos 31 anos (contra um média de idade de 22 anos no
caso do conjunto de estudantes), enquanto a idade modal se localiza no escalão
etário de 30 e mais anos. Significa isto que propriamente os escalões mais
jovens da população estudantil estão aqui muito pouco representados (cf. quadro
4).
Consequência do prolongamento da escolaridade para o nível superior, nos grupos
etários dos mais novos (sobretudo no escalão 25-29 anos) é notável a
discrepância relativamente à situação conjugal entre as duas distribuições:
estudantes de licenciatura e jovens portugueses no seu conjunto.
No conjunto da população portuguesa, em 1991: é no escalão etário mais novo
(15-19 anos) que encontramos a mais alta proporção de solteiros (rondando a
casa dos 95%), sendo esta situação ainda maioritária na faixa etária
imediatamente a seguir (20-24 anos), com cerca de 70% dos casos ( ). Já em
relação ao último grupo convencionado, a situação inverte-se
significativamente, verificando-se que a situação maioritária dos jovens
portugueses depois dos 25 anos é a de casados (60,7%) (Ferreira, 1999: 53).
A população estudantil que vive em situação conjugal é ainda marcada pela forte
incidência do sexo feminino. Se no conjunto da amostra as estudantes
representam 61,9% dos inquiridos, no subconjunto dos casados o seu peso acresce
em 7 pontos percentuais (passando para 69,3%). Pode-se ver neste predomínio das
estudantes casadas algum reflexo de dinâmicas inigualitárias nas trajectórias
de transição para a vida adulta segundo o género, no âmbito das quais as
raparigas tenderiam a estabelecer relações conjugais em etapas mais precoces,
nomeadamente para se libertarem de normas mais condicionantes da autonomia
impostas pelos respectivos progenitores. A idade média destas estudantes
casadas que, como foi salientado, são um pouco mais velhas que a generalidade
dos seus colegas, pode também indicar a importância que atribuem à educação
como forma de colmatar as dificuldades, acrescidas neste sexo, no acesso a
níveis de remuneração e a posições mais qualificadas no mercado laboral
(Grácio, 1997: 107).
As diferenças entre as condições sociais de existência actuais dos estudantes
casados relativamente às dos seus colegas acentuam-se claramente quando se
reporta a análise quer à fonte de rendimento principal, quer à condição
principal perante o trabalho (cf. quadro_5).
Os resultados obtidos nesta análise parecem ser bastante ilustrativos da
hipótese que vê no casamento um dos mais importantes acontecimentos de passagem
para a vida adulta. É a partir deste que o trabalho se constitui quer como
fonte de rendimentos prioritária, quer como principal condição perante a
actividade. O prosseguimento dos estudos não deixa também de jogar aqui um
papel apreciável, nomeadamente ao adiar a entrada na vida activa para lá da
própria constituição de uma nova família.
Neste sentido, são notáveis as diferenças entre a distribuição dos estudantes
de licenciatura como um todo e a do subconjunto dos que vivem em situação
conjugal, os quais apresentam uma distribuição que tende a aproximar-se da
relativa aos jovens portugueses localizados no grupo etário dos 25-34 anos (a
maioria dos quais são casados). As diferenciações entre os estudantes casados e
este segmento da juventude portuguesa incidem na importância que, uns e outros,
dão ao trabalho e à família como principais meios de vida.
Estas dissemelhanças são, no entanto, bastante mais atenuadas do que as que
opõem os estudantes em geral aos que vivem em situação conjugal. Neste segmento
de estudantes o trabalho representa claramente o principal meio de vida
(56,9%). O papel da família como fonte de financiamento prioritária atenuou-se
aqui significativamente, embora de maneira nenhuma se tenha anulado (passa de
90,9% para 38,2%). Num e noutro conjunto de estudantes o núcleo familiar de
referência é também diferente; enquanto a maioria dos estudantes se reporta ao
quadro familiar dos respectivos pais, os casados tenderão a tomar por
referência a sua nova família.
Quanto à condição perante o trabalho, na distribuição relativa aos estudantes
que vivem em situação conjugal, os activos (55,9%) predominam claramente sobre
os inactivos (43,1%). Uma situação que se acentua quando tomamos o grupo
doméstico familiar, já que a larga maioria dos cônjuges integra a população
activa (89,5%).
A análise da inactividade neste segmento dos estudantes casados realça a
importância da condição estudantil, a qual para 42,2% representa a condição
principal perante o trabalho. Esta é uma situação que acompanha, aliás, uma
tendência genérica na sociedade portuguesa onde, mesmo no sexo feminino, a
inactividade, anteriormente mais associada à condição de doméstica, tende a
estar cada vez mais ligada ao estatuto de estudante, como nos dá conta Vítor
Sérgio Ferreira (1999: 127-128):
Com efeito, se analisarmos a composição da inactividade entre a população jovem
portuguesa, nota-se um forte crescimento da condição de estudante em ambos os
sexos, um pouco mais acentuada no sexo feminino (mais 21 pontos percentuais no
sector masculino e mais 27 no feminino, entre 75 e 97), assim como uma notável
diminuição, entre as mulheres, da condição de doméstica ( ). Entre os homens,
em meados de 70 existiam cerca de 14% de estudantes, percentagem essa que subiu
recentemente para 33,6%; entre as mulheres, a proporção de estudantes situava-
se, em 75, nos 13,4%, aumentando para 38,4% em 97, enquanto a proporção de
domésticas era de 23,4%, tendo descido para 6,6%.
Nas gerações mais jovens a análise da escolaridade constitui-se assim como uma
dimensão-chave para a compreensão das diferentes modalidades de inserção na
actividade. Isto quer a montante, ao promover um prolongamento das idades de
transição nos dois sexos e portanto a desactivação dos jovens em relação ao
trabalho, quer a jusante, ao condicionar os trajectos de inserção
socioprofissional (em termos de qualidade/oportunidade e de tempo de
transição).
Por definição todos os estudantes inseridos na amostra atingiram já o nível de
escolaridade superior. Quais os recursos socioeducacionais dos seus cônjuges?
Como se pode observar no quadro_6, a larga maioria dos cônjuges atingiu pelo
menos o ensino secundário (87,3%), numa proporção claramente superior à da
população portuguesa em geral, sobretudo quando se reporta a análise ao mais
alto nível de escolaridade: 49,4% dos cônjuges atingiu o ensino superior,
situação que envolve apenas 11,1% dos jovens com idades compreendidas entre os
25-34 anos. Estes dados parecem assim confirmar uma tendente homogamia
educacional nas estratégias matrimoniais implícitas dos (futuros) licenciados.
Uma situação que, uma vez mais, reforça a ideia de que uma forte proporção de
estudantes de licenciatura poderá estar integrada em trajectórias
intergeracionais ascendentes, ou fortemente ascendentes.
Quadro 6Níveis de escolaridade dos cônjuges e dos jovens portugueses com 25-34
anos (em percentagem)
Fontes: CIES, Inquérito aos Estudantes, 1999, e INE, Inquérito ao Emprego,
1998.
As modalidades de inserção na vida activa
A análise das modalidades de inserção na vida activa toma por referência todos
os estudantes que trabalham ou já trabalharam, os quais no conjunto representam
14,2% da amostra de inquiridos.
Para a maioria dos estudantes trabalhadores o início da vida activa teve lugar
aos 18 anos, situando-se a idade média de inserção um ano acima, nos 19 anos,
para um desvio padrão de 2,83.
Do ponto de vista da distribuição sexual, neste subconjunto de estudantes, o
predomínio do sexo feminino está bastante atenuado relativamente ao seu peso no
conjunto da amostra (passa de 61,9% para 54,3%). Acresce que as estudantes
trabalhadoras, mais frequentemente do que os seus colegas trabalhadores do sexo
oposto, tendem a secundarizar a importância do trabalho face à família, quer
como meio de financiamento, quer como condição perante a actividade.
A análise das composições socioprofissionais na primeira actividade revela uma
distribuição relativamente concentrada nos grupos profissionais mais ligados ao
sector dos serviços, entre os quais se destacam o pessoal administrativo e
similares, bem como o pessoal dos serviços e vendedores (respectivamente, com
27,0% e 22,0% das frequências) (cf. quadro_7).
Os técnicos e profissionais de nível intermédio, assim como os profissionais
intelectuais e científicos, já nesta fase inicial das trajectórias de inserção
na vida activa dos estudantes, têm uma expressão numérica significativa (20,6%
e 17,4%, respectivamente). Logo nesta etapa, é notória a distância que separa
os estudantes-trabalhadores dos jovens portugueses em geral, sobretudo nos
escalões dos mais novos. Reflexo da extensão para os nossos dias dos modelos
competitivos tradicionais, fundados na actividade industrial e na abundância de
uma mão-de-obra com níveis limitados de qualificação e baixas expectativas
remuneratórias, 53,4% do segmento mais jovem da população activa está envolvido
num dos grandes grupos profissionais associados à indústria: o grupo dos
operários e artífices. Numa perspectiva convergente, as baixas taxas de
qualificação destes jovens trabalhadores revelam-se ainda na baixíssima
percentagem dos que estão inseridos no grande grupo das profissões intelectuais
e científicas (apenas com 0,3%).
Quanto aos estudantes de licenciatura, o predomínio de profissões mais
qualificadas do sector dos serviços tende ainda a acentuar-se na profissão que
exercem actualmente. Facto que sugere uma relativa mobilidade ocupacional
qualificante nos percursos biográficos de inserção profissional da maioria
destes protagonistas sociais.
Com efeito, na profissão actual regista-se um reforço do peso numérico dos três
primeiros grandes grupos (dirigentes e quadros superiores, profissões
intelectuais e científicas, técnicos e profissionais de nível intermédio), ao
mesmo tempo que todos os outros diminuem. Estas trajectórias são também
notórias na população juvenil em geral: à medida que as idades de referência
são mais avançadas, diminui o peso relativo das profissões associadas à
indústria e à agricultura (exceptuam-se as profissões integradas no grande
grupo dos operários e artífices na passagem do grupo etário 20-24 anos para os
25-29 anos). De resto, tal como nas distribuições dos estudantes, é notável o
aumento do peso relativo das actividades mais qualificadas à medida que se
avança na estrutura etária.
A importância da escolaridade no acesso à profissão está ainda bem patente nas
diferenças marcantes dos perfis socioprofissionais que predominam entre os
estudantes de licenciatura que presentemente exercem uma profissão e entre o
segmento da juventude portuguesa com 25-29 anos dos três escalões etários
considerados o que apresenta uma distribuição por grupos profissionais mais
qualificada. Neste subconjunto, a tendência mais marcante liga-se com o forte
acentuamento do peso relativo dos três primeiros grandes grupos ocupacionais:
os dirigentes e quadros superiores (com um crescimento de 4,2% face ao escalão
dos mais jovens), as profissões intelectuais e científicas (+ 10,5%) e os
técnicos e profissionais de nível intermédio (+ 6,7%). O crescimento global
destas ocupações não evita, no entanto, que a maioria dos jovens esteja
inserida no grande grupo dos operários e artífices (23,5%), o qual é logo
seguido pelos grupos que englobam o pessoal do comércio e serviços e o pessoal
administrativo (com 15,9% e 14,6%, respectivamente).
A análise da situação na profissão destes diversos subconjuntos, relativos aos
estudantes de licenciatura na primeira profissão e na actual, por um lado, e ao
conjunto dos jovens portugueses nos três escalões etários considerados, por
outro lado, põe em relevo a forte incidência do assalariamento, o qual detém um
peso relativo que se situa entre os 72,9% (situação na profissão actual dos
estudantes) e os 89,7% (situação dos jovens de 15 a 19 anos).
Não obstante, é também notável que este predomínio do trabalho por conta de
outrem tenda a atenuar-se à medida que as trajectórias de inserção são mais
prolongadas. De facto, entre os dois momentos considerados nas inserções
profissionais dos estudantes, o peso do trabalho assalariado diminui cerca de
10 pontos percentuais, ao mesmo tempo que o trabalho por conta própria acresce
em 8,4%. Esta é uma tendência que caracteriza a situação na profissão dos
jovens portugueses em geral, embora no conjunto dos jovens as transferências do
trabalho assalariado se distribuam de forma mais equitativa num acréscimo quer
da situação de patrão com trabalhadores ao serviço, quer da situação de
trabalho isolado.
Considerando o conjunto dos estudantes trabalhadores parece claro que nem todos
se encontram na mesma fase do ciclo de vida relativamente à profissão.
Nomeadamente, se para uns o exercício de uma profissão constitui declaradamente
um condicionante primordial na forma como configuram (no plano material e ao
nível das representações) as suas posições relativas no espaço das condições de
existência, para outros, sobretudo os que só agora iniciam a sua actividade, o
trabalho poderá ser encarado apenas como uma forma de maior autonomização face
à família, um meio complementar de acesso a rendimentos, uma forma de dar
cobertura a necessidades de lazer e outras que eventualmente os pais não podem
ou não querem custear.
Estas diferentes relações que os estudantes trabalhadores estabelecem com a
actividade estão bem evidenciadas na análise do regime de emprego.
No conjunto, representam 37,2% os estudantes trabalhadores que declaram exercer
a sua actividade em regime de emprego estável, estando a larga maioria (62,8%)
em situação de trabalho precário ou irregular na profissão que exerce
actualmente. Se se perspectivar esta análise por grandes grupos profissionais
verifica-se, além disso, que nem todas as profissões apresentam as mesmas taxas
de precariedade no emprego: por exemplo, no caso dos profissionais técnicos de
nível intermédio representa 49,0%, contra os 73,7% de trabalho precário/
irregular nas profissões intelectuais e científicas.
A maior ou menor estabilidade associada ao regime de emprego está
significativamente relacionada quer com os escalões etários, quer com a
situação conjugal destes estudantes (cf. quadro_8). Designadamente verifica-se
que os estudantes enquadrados por um regime de maior estabilidade são mais
velhos e vivem ou já viveram com maior frequência em situação conjugal.
Do ponto de vista das inserções sócio-organizacionais, os estudantes que
conhecem uma maior estabilidade no emprego, embora como os seus colegas com uma
situação de trabalho precária/irregular estejam predominantemente inseridos em
empresas privadas ou do sector cooperativo, marcam uma maior presença na
administração pública central, regional ou local. Além disso, ocupam com maior
incidência cargos de direcção/gestão e de chefia, bem como as posições de maior
autonomia na organização.
É provável que nos processos de inserção profissional destes estudantes as
condicionantes associadas aos seus percursos biográficos se intercalem com
outras de natureza diversa, ligadas às próprias dinâmicas institucionais do
sistema de emprego. Ou seja, se por um lado, as orientações de procura (de
trabalho) dos vários segmentos, dirigindo-se à resposta de urgências
diferentes, são bastante distintas, por outro lado, também as condições que
hoje se oferecem aos (futuros) licenciados que só recentemente tiveram a sua
primeira experiência profissional não são iguais às que se impuseram aos seus
colegas mais velhos, cuja entrada na universidade passou previamente por uma
consolidação da sua actividade profissional.
Nas orientações de procura de emprego, entre estes segmentos de estudantes
trabalhadores encontramos certamente níveis diferentes de expectativas e de
recursos de empregabilidade. Pelo que a centralidade do trabalho, a forma como
aquele se articula também no plano dos valores e das representações com
outras esferas da vida social, as percepções sobre os sistemas de oportunidades
e recompensas serão, pois, perspectivados de forma diferenciada.
Pelo lado propriamente da oferta de trabalho, os contextos laborais que
enquadram o funcionamento do sistema de emprego e, como tal, os mecanismos de
utilização e circulação da mão-de-obra tendem, também, a acentuar as clivagens
que se interpõem entre aqueles segmentos de estudantes. São múltiplas as
alterações que se vêm registando nos diversos vectores que influenciam a
estruturação do emprego.
7 Ao longo do presente artigo designaram-se já, ainda que de forma genérica,
algumas dessas transformações: como o aprofundamento da terciarização, o
crescimento da actividade profissional feminina, a proliferação de formas de
trabalho ditas periféricas como, no caso do trabalho por conta de outrem, o
aumento de contratos a termo certo. Estas transformações são ainda acompanhadas
por alterações profundas nas formas de conceber a organização do trabalho e os
exercícios profissionais, as quais estão associadas à emergência de conceitos
como a polivalência, a empregabilidade e a flexi-segurança (flexicurity ou
secured flexible employment),8 entre outros.
Aspirações e expectativas de inserção profissional
Uma larga maioria dos estudantes tende a atribuir à passagem pela universidade
o alargamento virtual das oportunidades futuras de inserção na actividade
profissional. Eventualmente, esta percepção que têm da educação como direito de
entrada em ocupações profissionais de reconhecida importância, bem como a um
estatuto social compatível, poderá radicar na sua relativa escassez no mercado
ou, mais especificamente, nas características ligadas ao baixo nível de
instrução e formação da população activa portuguesa (veja-se Costa, Mauritti,
Martins, Machado e Almeida, 2000: 29-34).
É provável também que, nas projecções que fazem sobre as suas próprias
trajectórias, a maior ou menor confiança que exprimem reflicta ainda o facto de
estarem, ou não, a frequentar o curso que elegeram como primeira opção, quando
se candidataram à universidade (o que acontece em 80,4% dos casos).
Referiu-se antes que apenas uma minoria dos estudantes inquiridos exerce ou já
exerceu actividades profissionais remuneradas. Deste modo, as percepções que
têm do mundo laboral decorrem essencialmente dos dados de que dispõem a partir
da diversidade de experiências vivenciadas pelos seus familiares e amigos mais
próximos e pelo que genericamente lhes é transmitido nos meios de comunicação
social, bem como, talvez de forma mais saliente nomeadamente quando as
referenciações tomam as posições de destino , nos contextos de socialização
mais directamente associados ao ensino superior e ao domínio de formação que
frequentam; o qual tenderá a proporcionar uma aquisição diferenciada de meios e
atributos objectivados que podem convocar.
Os recursos educacionais e, de forma mais precisa, a forma como são mobilizados
nas aspirações e expectativas de inserção profissional dos (futuros)
licenciados são, assim, elementos centrais para a compreensão dos mecanismos
que, do ponto de vista da procura de trabalho, pautam os processos de transição
para a vida profissional activa deste segmento da população juvenil altamente
escolarizado. Mas a educação pode não constituir um investimento dirigido
exclusivamente, pelo menos de forma prioritária, ao alargamento de
oportunidades profissionais que esperam vir a concretizar em termos
individuais. Ela pode abranger, nas suas várias vertentes, orientações para a
realização de acções mais sociocentradas, dirigidas a vários domínios da vida
social. Como vem sugerido num relatório da OCDE (1998; 39):
O bem-estar social e a prosperidade de um país estão ligados à instrução e à
formação da população activa. A educação contribui para a transmissão de
conhecimentos, de aptidões e de competências necessárias para permitir a cada
indivíduo desempenhar um papel activo na sociedade. Ela contribui também para o
progresso dos conhecimentos científicos e culturais.
Na conjugação destas diversas dimensões, para além das repercussões que tem,
tanto na estruturação das trajectórias sociais que cada um tende a realizar,
como no tipo de recompensas que espera alcançar, a educação surge assim como um
elemento estruturante das próprias condições de desenvolvimento socioeconómico
e enriquecimento cultural da vida social. Em que medida é que estes vários
aspectos são valorizados nas representações dos estudantes (futuros
licenciados), protagonistas centrais nos processos de mudança social e
económica, como razões de escolha da licenciatura ou para terem decidido
completá-la no caso da sua preferência inicial ter sido outra? Esta é uma das
questões abordadas no inquérito que agora se analisa, a partir da ilustração de
resultados proposta nafigura_1.
Nesta vertente de exploração dos dados pretende-se detectar as predisposições
que presidiram à escolha do curso ou, dito de outro modo, pretende-se uma
aproximação às configurações dos valores e aos significados que os estudantes
de licenciatura atribuem à aprendizagem enquanto veículo de inserção social e
profissional. Para operacionalização deste objectivo, num primeiro plano,
procura-se apurar as orientações valorativas egocentradas/sociocentradas
subjacentes à avaliação das diversas motivações de escolha e, num segundo
plano, analisar a importância relativa de diversos tipos de recompensa
intrínsecas, extrínsecas e morais que prevêm e/ou desejam realizar.9 Nestes
dois eixos analíticos, tal como na abordagem desenvolvida anteriormente,
procura-se ainda verificar, para lá das tendências transversais relativas ao
conjunto de estudantes, se é possível estabelecer padrões diferenciados nos
perfis ligados às razões de escolha da licenciatura, designadamente em função
da inserção escolar.
Esta análise, embora partindo de um facto amplamente partilhado de que mais
educação aumenta as oportunidades de ganhos económicos (bem como, simbólicos e
culturais) durante a vida profissional de cada um (Grácio, 1997: 15), não
pretende propriamente equacionar qual o perfil de procura subjacente ao
investimento em educação, nem apurar a importância de factores objectivos
condicionadores da escolha, associados a características sociais e
institucionais ou a condicionalismos decorrentes, designadamente, do
aproveitamento escolar nas etapas de escolarização que precederam o acesso à
universidade. A partir da questão enunciada, pretende-se, sim, uma primeira
aproximação aos sistemas de orientações simbólico-culturais que enquadram os
comportamentos e as atitudes destes estudantes em relação à sociedade e, mais
especificamente, ao trabalho e à profissão.
Genericamente, o que de mais significativo resulta do apuramento de resultados
ilustrados na figura_1 é o facto de todas as dimensões consideradas como razões
eventuais para a escolha da licenciatura serem assumidas pela maioria dos
estudantes como importantes. Isto embora seja notória a maior valorização dos
elementos mais ligados às suas trajectórias individuais, como o vir a ter
prazer na actividade profissional, desenvolver potencialidades pessoais e
aceder a um trabalho qualificado e bem remunerado (aspectos que para,
respectivamente, 95,5%, 95,7% e 88,3% dos estudantes são percepcionados como
importantes na opção de formação que fizeram quando da candidatura à
universidade).
Por forma a distinguir nestas atribuições aquelas que são mais valorizadas
pelos estudantes, numa abordagem complementar, manteve-se na ilustração a
categoria original correspondente ao extremo máximo da escala: Muita
importância.
No extremo oposto, mas ainda com uma valorização de importância claramente
positiva, localizam-se os vectores mais abstractos ou mais incidentemente
voltados para a sociedade: contribuir para o avanço científico, contribuir
para o desenvolvimento socioeconómico do país e contribuir para o
enriquecimento cultural da sociedade (aos quais atribuem importância 54,0%,
64,1% e 66,7% dos estudantes, respectivamente). Nesta dimensão sociocentrada
das razões que presidiram à escolha da licenciatura constitui, declaradamente,
uma motivação para a aquisição de conhecimentos a possibilidade de virem a
desenvolver uma intervenção mais informada na vida social (reconhecida como
importante por 81,6% dos estudantes).
É quando se consideram, nas atribuições de importância positiva dos vários
vectores, as diferenças entre os dois primeiros graus de importância (muita e
alguma) que as orientações de escolha egocentradasadquirem um peso mais
acentuado, enquanto motivação de frequência da licenciatura.
Numa leitura complementar dos resultados, ligada ao tipo de recompensas que
esperam alcançar com a passagem pela universidade, a diferenciação dos dois
graus de importância permite ainda observar que, nas orientações mais voltadas
para o próprio indivíduo, a frequência do ensino superior reflecte em primeiro
lugar a procura de recompensas intrínsecas, como a realização vocacional (ter
um trabalho que dê prazer, ajustado à vocação, aspecto a que 80,9% dos
estudantes de licenciatura atribuem muita importância) e o desenvolvimento de
potencialidades pessoais (64,4%). Nestas orientações, as recompensas
extrínsecas, traduzidas no acesso a uma profissão qualificada e pelo menos
razoavelmente remunerada não deixam de ser reconhecidas, também, como muito
importantes (nomeadamente por 41,9% dos estudantes).
Já no que se refere aos valores de recompensa moral que relevam dos
contributos que poderão vir a dar, uma vez concluída a licenciatura, na
promoção do desenvolvimento socioeconómico, no enriquecimento cultural e avanço
científico, sensivelmente 1/5 dos estudantes também atribuem muita importância
a estes vectores como razões de escolha do curso. Neste tipo de recompensas,
predominantemente orientadas para a sociedade, a possibilidade de adquirir
conhecimento e preparação para uma intervenção mais informada na vida social
corresponde ao aspecto que, ainda nas atribuições de muita importância, mais
sobressai nas motivações de escolha (com 39,1% de frequências).
Se a análise destas tendências por tipo de ensino não introduz variações
estatisticamente significativas, já quando se equacionam as relações entre os
perfis de razões de escolha e os domínios de formação são evidentes algumas
flutuações, por vezes, bastante expressivas. É esta abordagem que se desenvolve
a partir do quadro_9.
Em todos as áreas científicas as razões de escolha mais salientadas pelos
estudantes associam a frequência universitária a um acréscimo das oportunidades
profissionais e, dentro destas, aos aspectos mais ligados às articulações entre
a actividade profissional e o prazer, o gosto pelo que se faz. A educação
como um fim em si, como uma forma de adquirir conhecimentos, completar a
formação e desenvolver as potencialidades pessoais tem atribuições de
importância igualmente relevantes (em direito e ciências sociais) ou muito
próximas sendo mesmo o aspecto mais valorizado pelos estudantes que
frequentam a área de letras e artes. No conjunto, a valorização destes
factores, intrínsecos à aprendizagem e às características da futura actividade
profissional, confirmam, uma vez mais, o claro predomínio, entre os estudantes
de licenciatura, de orientações motivadas pelo desejo ou aspiração de
realização vocacional.
Ainda nestas duas vertentes de realização e desenvolvimento pessoal, quando se
distingue nas atribuições de importância o extremo mais elevado da escala,
constata-se que os segmentos de estudantes que, significativamente, mais se
opõem entre si são, por um lado, os estudantes de ciências médicas (com
atribuições de muita importância bastante expressivas nas duas dimensões) e,
por outro lado, os estudantes de economia e gestão (com frequências neste grau
sempre abaixo das encontradas no conjunto).
Quanto aos aspectos mais ligados a valores de recompensa extrínseca (prestígio
da qualificação e boa remuneração), que no futuro esperam retirar da opção de
formação, os estudantes de direito, economia e gestão e, também, engenharias,
são os que mais se destacam pela importância que atribuem a este vector.
Enquanto no extremo oposto, nas atribuições de não importância, encontramos
com especial incidência os estudantes de ciências sociais, bem como os de
ciências naturais e matemática e de letras e artes. Sublinhe-se, contudo, que
tais oscilações poderão, em grande medida, estar ligadas ao peso relativo dos
dois sexos nas diversas áreas.
Em termos globais, no confronto dos resultados apurados nos três aspectos mais
ligados às orientações individuais, embora se evidencie um ligeiro predomínio
valorativo da procura de realização e de desenvolvimento pessoal (predomínio
bastante acentuado quando tomamos apenas as atribuições de muita importância),
não deixa de ser expressiva, simultaneamente, a importância atribuída, na
escolha do curso, às recompensas remuneratórias e qualificacionais a que
esperam aceder na futura actividade profissional. O caso talvez mais
ilustrativo desta conjugação de valores de recompensa intrínseca e
instrumental,
10nas representações das razões de escolha da licenciatura, liga-se com as
atribuições dos estudantes de economia e gestão, para quem a importância
relativa dos três vectores apresenta entre si frequências bastante próximas
(97,2% na primeira motivação, associada à possibilidade de ter um trabalho que
dê prazer, e 95,6% na segunda e terceira, ligadas a razões de desenvolvimento
pessoal, ao prestígio da qualificação e a uma remuneração razoável).
Passando para a análise das orientações de escolha voltadas com maior
incidência para a sociedade, mais estruturadas por valores de recompensa moral,
embora não se evidenciem variações muito expressivas nas tendências mais
salientes, não deixam de se notar algumas regularidades, estatisticamente
significativas, entre a frequência de uma área de formação específica e a
valorização dos vários aspectos. Designadamente, é nos segmentos de estudantes
que frequentam as áreas de direito e ciências sociais que encontramos a maior
saliência do vector que relaciona as razões de escolha com a possibilidade de
vir a desenvolver uma intervenção mais informada na vida social (destes
estudantes 92,8% e 89,0% percepcionam esta possibilidade como importante). Já
entre os estudantes de ciências médicas o aspecto mais sublinhado nas
orientações societais, ligadas à escolha da licenciatura, prende-se com a
motivação de virem a contribuir para o avanço científico (77,2% destes
estudantes reconhecem esta expectativa como importante, numa proporção
claramente acima do conjunto). Contribuir para o enriquecimento cultural da
sociedade corresponde, por outro lado, à dimensão societal mais valorizada
pelos estudantes de letras e artes e, também, ciências sociais (80,3% e 77,7%).
Finalmente, a possibilidade de virem a contribuir para o desenvolvimento
socioeconómico corresponde, nestas orientações, ao aspecto mais salientado,
sobretudo, pelos estudantes de economia e gestão e também, ainda numa proporção
ligeiramente acima da do conjunto, pelos de engenharias e direito (79,8%, 68,0%
e 66,5% destes estudantes, respectivamente).
Nesta análise das orientações valorativas associadas a vectores de escolha mais
dirigidos para o indivíduo versus sociedade e, num outro eixo analítico,
referente ao tipo de recompensas intrínsecas, extrínsecas e morais que os
estudantes esperam e/ou desejam realizar com a frequência da licenciatura,
contrariamente ao que poderiamos conjecturar, não se assinalam variações entre
os estudantes integrais, que nunca desenvolveram uma actividade profissional,
e os estudantes trabalhadores. Eventualmente porque, neste subconjunto dos que
exercem actualmente uma profissão, têm ainda um peso significativo aqueles que
a perspectivam num processo de transição, subordinado a aspirações de expressão
individual em grande medida dependentes da conclusão do processo formativo em
que estão envolvidos.
Notas finais
Contrariamente à experiência vivida pelos jovens de outros países da União
Europeia, cujas experiências de formação e inserção social e profissional
muitas vezes se intersectam num mesmo contínuo temporal, para a larga maioria
dos estudantes portugueses que frequentam o ensino de licenciatura o início da
vida adulta (pelo menos nas suas dimensões familiar e profissional) é um
projecto adiado, condicionado pelo termo da própria escolarização.
Para a maioria destes jovens estudantes a tempo inteiro o período de formação
é vivenciado num tempo e num espaço separado das outras esferas da vida social,
nomeadamente as que se relacionam com o mundo laboral. O entendimento que fazem
do processo de educação/formação parece estar ainda longe da perspectiva
enquadrada pelo modelo da lifelong learnig(educação ao longo da vida). Para uma
boa parte, a passagem pela universidade é encarada como um período de
preparação que antecede o processo propriamente de transição para a vida
adulta. Tanto mais porque, enquanto estudantes, continuam sob a protecção das
respectivas famílias, as quais constituem as suas principais fontes de provento
financeiro. Daí que interiorizem o atributo de inactivos' que socialmente
lhes é dirigido (a começar pelas estatísticas oficiais) e dêem largas ao culto
de comportamentos hedonísticos conformes com esse estatuto, com a escola como
epicentro (Pais, 1998: 203).
A instituição de ensino que frequentam surge desta forma, a par da família,
como um dos principais contextos de socialização e aprendizagem social.
Sobretudo para aqueles que nunca trabalharam e são oriundos de meios sociais
com recursos mais limitados, os projectos futuros, as representações sobre o
status social e profissional que virão a assumir partem em grande medida da sua
experiência escolar e da estrutura de oportunidades criadas ou projectadas nos
contextos alargados de sociabilidade que a escola num sentido global ajuda
a fomentar.
Mas como procurou demonstrar Sérgio Grácio (1997: 104-124), embora para muitos
destes jovens o título escolar venha a funcionar, de facto, como um direito de
entrada a posições sociais, sabemos que, nomeadamente no actual contexto
nacional, nas empresas o crescimento das funções de quadros e de profissionais
altamente qualificados segue tendencialmente um ritmo mais lento do que aquele
a que se vem assistindo ao nível da educação. Estas disparidades entre
educação/qualificações são particularmente acentuadas no género feminino (onde
estão representados 2/3 dos estudantes de licenciatura). Isto significa que
para uma boa parte destes protagonistas sociais o investimento na educação só
começará a dar os seus frutos após alguns anos de aprendizagem e de
reconhecimento no próprio quadro das organizações empregadoras. Estarão estes
estudantes, apesar de serem ainda bastante jovens, dispostos a limitar as suas
expectativas futuras relativas ao trabalho e à inserção/estatuto social, mesmo
que apenas num período de transição? Além disso, como se coadunam os conceitos
de empregabilidade, da responsabilização-profissionalização e da flexi-
segurança, associados aos exercícios profissionais que virão a desempenhar, com
experiências predominantemente marcadas por processos de inserção social
protegida-dependente-desresponsabilizada (pelo menos no plano material ou
financeiro), alimentados pelas redes familiares?
Notas
1 Este artigo retoma de forma abreviada a análise desenvolvida na tese de
mestrado intitulada Estudantes Universitários: Trajectórias Sociais e
Expectativas de Inserção Profissional, realizada no âmbito do mestrado em
políticas de desenvolvimento de recursos humanos do ISCTE e defendida em
Janeiro de 2001.
2 Para a aplicação do questionário procedeu-se à construção, em várias etapas,
de uma amostra por quotas, tendo em vista garantir a representação da
diversidade social que caracteriza actualmente a população estudantil e
assegurar a utilização de critérios de selecção objectivos ao longo de todas as
fases do processo. Para o efeito tomaram-se como referência os últimos dados do
Ministério da Educação relativos ao universo de estudantes a frequentar o nível
de licenciatura no ensino superior universitário em Portugal, os quais, em
Janeiro de 1999, se reportavam ao ano lectivo 1995/96. A partir da informação
disponível foi determinado, numa primeira fase, o número total de alunos nesse
universo, segundo três estratos fundamentais: o tipo de ensino (público e
privado, incluindo nesta categoria o concordatário), a região (norte, centro,
Lisboa e vale do Tejo e sul e ilhas) e a área científica (Letras e Artes,
Direito, Ciências Sociais, Economia e Gestão, Ciências Médicas, Ciências
Naturais e Matemática, e Engenharias). Na combinação destas variáveis, e uma
vez determinado, numa segunda fase, o número de estudantes a inquirir em cada
área científica, região e tipo de ensino, seleccionaram-se as licenciaturas
mais representativas de cada área, procurando-se assegurar que o número de
questionários a realizar em cada curso fosse proporcional ao peso detido em
cada estracto. O trabalho de campo contou com a preciosa colaboração de uma
equipa de investigadores do CIES e teve lugar durante os meses de Março a Junho
de 1999. A sua realização envolveu ainda um conjunto diversificado de apoios
inter-institucionais, entre os quais se destaca o apoio financeiro prestado
pela Secretaria de Estado da Juventude, veiculado através do Observatório de
Juventude sedeado no ICS, e de forma genérica, a colaboração de diversas
escolas incluídas no estudo. Deste trabalho resultou a publicação subscrita por
toda a equipa actual: Almeida, Ávila, Casanova, Costa, Machado, Martins e
Mauritti (no prelo).
3 Uma situação frequente em países como a Dinamarca e a Holanda, onde o emprego
a tempo parcial é mesmo assumido como uma estratégia para garantir a extensão
da escolaridade. Veja-se a este propósito a publicação da Comissão Europeia
intitulada Les Jeunes de l' Union Européenne. Ou les Âges de Transition, op.
cit., pp. 41-43.
4 Como teremos oportunidade de analisar adiante, este tipo de preocupações
poderão conjugar-se com a projecção na esfera do trabalho de níveis mais
elevados de exigência de realização vocacional e desenvolvimento da identidade
pessoal. Ver a este propósito, João Ferreira de Almeida, 1990: 74-94.
5 No contexto dos países membros da União os comportamentos dos jovens
portugueses nesta matéria têm, no entanto, uma expressão bastante minoritária,
muito inferior à que se pode observar em países como a Dinamarca, a Finlândia,
o Reino Unido ou o Luxemburgo (veja-se Comissão Europeia, 1997: 70, e Ferreira,
1999: 53).
6 A distribuição dos níveis de escolaridade dos pais dos estudantes quando
considerados individualmente apresenta uma estrutura de distribuição das
frequências semelhante às obtidas quer no estudo de Manuel Braga da Cruz e de
Maria Eduarda Cruzeiro, desenvolvido no início da década (com publicação de
1995), quer num estudo desenvolvido pelo CNASES, tendo em vista a
caracterização do perfil socioeconómico dos estudantes do ensino superior
(Balsa, Simões, Nunes, Carmo e Campos, 1997). Isto embora nestes estudos se
registe um maior peso numérico de pais no nível básico 1 e uma menor
representação no superior, características que não serão alheias ao facto de as
respectivas amostras contemplarem também o ensino superior não universitário
(veja-se a este propósito Mauritti, 2000: 26).
7 Maria João Rodrigues (1996: 60) identifica a este propósito sete vectores
fundamentais: os modos de gestão da mão-de-obra, as estruturas de qualificação,
os modelos organizacionais, os processos de produção, os tipos de empresa, as
categorias produtivas e as componentes de procura final.
8 Maurizio Ferrera, Anton Hemerijck e Martin Rhodes (2000), sobretudo, pp. 59 a
64. Segundo os autores, a noção de flexi-segurança pretende conciliar a
flexibilidade laboral vista como condição para a manutenção do crescimento
económico sustentado com os objectivos de criação de emprego e de preservação
de níveis aceitáveis de protecção social. Este novo modelo de afectação ao
trabalho está particularmente desenvolvido na Holanda, sobretudo junto da
população feminina, a qual embora detenha altas taxas de participação no
mercado de trabalho, exerce a sua actividade preferencialmente a tempo parcial.
9 João Ferreira de Almeida (1990), no livro Valores e Representações,
sistematiza um conjunto diversificado de enunciados teóricos sobre esta
problemática, ilustrando-os, do ponto de vista empírico, com os resultados de
diversos estudos, realizados ao longo da década de 80, especificamente
dirigidos à juventude portuguesa, incluindo informações apuradas em anteriores
aplicações do inquérito aos estudantes universitários. Outras referências mais
recentes com resultados de pesquisas desenvolvidas em Portugal: Maria de Lurdes
Rodrigues (1995); Carlos Manuel Gonçalves, Cristina Parente e Luísa Veloso
(1996).
10 A bipolarização dos factores de motivação no trabalho entre aspectos de
carácter extrínseco ou intrumental (como o salário, a segurança e o prestígio
da qualificação) e intrínseco (a realização vocacional, o gosto pelo que se faz
e o desenvolvimento pessoal) foi sugerida inicialmente por Herzberg, Mausner e
Synderman, 1959, autores citados por João Ferreira de Almeida, 1990: 85-90. De
acordo com esta formulação não basta ter trabalho, mesmo que razoavelmente
remunerado, para garantir uma integração profissional ou uma implicação activa
e motivada nos exercícios profissionais. Eventualmente a percepção positiva de
recompensas extrínsecas poderá evitar a insatisfação e desmotivação, mas para
que haja motivação e empenhamento, ou para que se ultrapasse uma situação de
mera ausência de insatisfação, é fundamental a presença/percepção de factores
positivos de naturesa intrínseca, ligados à realização pessoal.