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EuPTHUHu0873-65612006000100013

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National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolHumanities
Great areaHuman Sciences
ISSN0873-6561
Year2006
Issue0001
Article number00013

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A arte xávega na Praia da Vieira: Histórias e imagens FRANCISCO ONETO NUNES A ARTE XÁVEGA NA PRAIA DA VIEIRA. HISTÓRIAS E IMAGENS Vieira de Leiria, Junta de Freguesia de Vieira de Leiria, 2004.

Este livro de Francisco Oneto Nunes é como que um voo de baixa altitude sobre a Praia da Vieira, que nos possibilita ver, simultaneamente, detalhes e momentos pretéritos (as fotografias que os fixaram) e o seu enquadramento num todo maior (os textos que agora as situam). Isto, através duma janela temporal que à cronologia e à sucessão dos factos sobrepõe a percepção do devir da arte xávega.

Em 1993, Francisco Oneto Nunes publicava uma extensa monografia de Vieira de Leiria (Vieira de Leiria, a História, o Trabalho, a Cultura ). A praia não era o seu objecto central, no entanto a arte xávega e as suas gentes assumiam posições que, no texto, denunciavam o interesse do autor agora evidenciado neste volume de grande beleza estética e síntese rigorosa.

O autor sugere quatro momentos para uma leitura histórica da Praia da Vieira e da arte: Antecedentes, a colonização dos areais da praia que não terá começado muito antes dos finais do século XVIII (pp. 19-35); O Tempo dos Senhorios, a lógica capitalista que concentrava a propriedade das companhas nas mãos de alguns senhorios e reproduzia a pobreza (pp. 36-53); O Tempo das Sociedades, o corporativismo do Estado Novo e a distribuição do risco económico por um colectivo de sócios (pp. 54-153); O Tempo da Resistência, a progressiva desintegração das grandes companhas e a persistência de alguns homens no uso da arte (pp. 154-163).

As fotografias de Vergílio Guerra Pedrosa, advogado, pedagogo e fotógrafo amador vieirense nascido em 1895, ilustram o tempo dos senhorios que o autor situa, sensivelmente, no período que se estende de 1880 a 1940. Nesta época, à semelhança de outras povoações piscatórias, a Praia da Vieira o seu contingente crescer rapidamente graças aos movimentos migratórios dos mais pobres que fugiam de lugares onde não tinham nem habitação nem trabalho para outros onde a posse da terra era desconhecida ou incerta e a exploração dos recursos era livre, i.e. os areais e o mar, respectivamente. Contudo, é também neste período que se ( ) o apogeu do capitalismo na indústria da pesca e a concomitante proletarização da população vieirense. (...) [Desenhando-se], assim, os contornos dos insidiosos mecanismos produtores de pobreza que estão na origem da criação de um verdadeiro exército de reserva capaz de encher os bolsos a alguns particulares temporariamente bem sucedidos ( ) e pagar impostos ao Estado ( ) (p. 38).

Dora Landau, professora de língua e literatura alemãs nascida em Viena em 1898 e refugiada em Portugal a partir de 1934, fixou os momentos que nos permitem visualizar o tempo das sociedades. São fotografias de inegável beleza estética e valor etnográfico que contribuem para o conhecimento de ( ) uma nova fase ao nível da organização do trabalho [arte xávega], no que se afigura como um notável testemunho sociológico da plasticidade adaptativa das companhas de pesca e das relações laborais que as constituem ( ) (p. 58), bem como doutras actividades de que se ocupavam as gentes da praia. São fotografias que nos mostram também as duas últimas grandes companhas da praia, a alvorada do turismo e a ocupação gradual das dunas com construções mais resistentes às condições naturais adversas que muito se procuravam controlar (cf. pp. 20- 35). As fotografias de Dora Landau constituem o núcleo do conjunto reunido por Francisco O. Nunes. Parafraseando o autor do texto, são testemunho ( ) [dum] modo de vida moldado pelo mar, pelas dunas e pelos pinhais ( ) (p. 12).

O tempo da resistência é ilustrado com fotografias do próprio Francisco O.

Nunes, de Ana Cláudia Filipe e do Arquivo da Câmara Municipal da Marinha Grande. Falam-nos de um tempo contemporâneo (a partir de 1980), para o qual concorrem, simultaneamente, directivas estatais que dificultam enormemente a pesca artesanal, a escassez de peixe e onde ( ) pequenos barquitos das companhas da Praia da Vieira, com uma tripulação de apenas três homens, teimam ainda em enfrentar as ondas e, assim, safra após safra, vão resistindo à morte anunciada da arte xávega, mantendo viva nesta terra uma tradição haliêutica com cerca de dois séculos (p. 159). Afinal, e ainda nas palavras de Francisco O.

Nunes, ( ) a atracção e o fascínio pelo mar e pela pesca ultrapassam largamente a esfera das necessidades básicas da sobrevivência, ainda que nelas mergulhem dura e dolorosamente as suas raízes (p. 16).

O uso da fotografia em ciências sociais traz consigo questões que, não sendo objecto procurado por Francisco Oneto para este seu livro, merecem aqui alguma reflexão. Assim, se podemos reconhecer validade histórica, etnográfica, documental e até estética às fotos seleccionadas para esta obra, não podemos deixar de questionar os atributos para essa mesma validação e/ou, por outro lado e porventura, encontrar outros textos que contribuam para este mesmo objectivo.

A referida monografia de Francisco Oneto sobre Vieira de Leiria (cap. VI, em particular) será o texto escrito no qual podemos encontrar outras legendas para os i nstantâneos do livro em recensão. Legendas essas que contribuem significativamente para uma reconsideração do uso da fotografia enquanto documento cultural. É bom recordar que esta última obra de Francisco Oneto, em jeito de álbum fotográfico, é rara na antropologia portuguesa. Ao olhar do fotógrafo que cristaliza, objectifica e isola um momento; ao olhar do leitor que centrado no momento esquece a vastidão daquilo ficou fora do enquadramento, justapõe-se um outro texto que, simultaneamente, amplia e abre o que o fotógrafo quis retratar. Deste modo, podemos acrescentar à classificação de, por exemplo, Sarah Pink para os elementos intervenientes no momento fotografado a subjectividade do fotógrafo; a câmara; o fotografado (cf. Pink Excursiones Socio-visuales en el Mundo del Toreo, em García Alonso et al.

(eds.), Antropologíade los Sentidos, 1996: 125-138) este outro, o enquadramento, a reflexão proposta ao leitor por um autor que não o das fotografias. Será neste cruzamento de olhares, nesta sobreposição de textos que mais facilmente poderemos encontrar justificação para o uso da fotografia enquanto forma de representação /tradução /interpretação cultural. Dito doutro modo, se, por um lado, muito sabemos que a fixação de um momento num instantâneo fotográfico diz quase sempre mais sobre o fotógrafo do que sobre o fotografado e que a sua neutralidade é aparente, por outro, também muito sabemos que a justaposição de diferentes métodos de tradução cultural (para a fotografia, o texto escrito em especial, ainda que também ele sempre reflexivo e não neutro) é a melhor resposta aos problemas colocados pela não neutralidade do olhar. Principalmente, porque esta justaposição permite ao leitor diferentes formas de incursão, logo diferentes perspectivas e abordagens, na representação de dada realidade.

Contudo, na leitura de um livro como este carregado de fotografias sobre um tempo passado, a fruição estética e até o espanto parecem sobrepor-se a qualquer outra tentativa de abordagem. Não somente por causa da eventual qualidade técnica e estética das fotografias, mas também como resultado da inevitável comparação entre o como imaginamos ou conhecemos a ocupação daquele espaço hoje e o como ele (a)parece ocupado tão diferentemente nas fotografias.

Se o preto e branco das mesmas contribui para esta comparação (outro elemento que podemos acrescentar à classificação de S. Pink, a técnica aplicada na fotografia), muito do que nelas figura a indumentária dos sujeitos retratados, as casas, as ruas, etc. remete-nos imediatamente para um outro tempo. Tempo esse que parece ser, afinal, o objecto deste livro de Francisco Oneto. As fotografias de Dora Landau, Vergílio G. Pedroso e outros parecem ser mais o motivo desta obra do que o seu objecto. Afinal, o subtítulo da obra é História e Imagens .

Paulo Mendes Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro Miranda do Douro


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