Made To Be Seen: Perspectives on the History of Visual Anthropology
Marcus Banks e Jay Ruby (orgs.), Made To Be Seen: Perspectives on the History
of Visual Anthropology, Chicago e Londres, University of Chicago Press, 2011,
419 páginas, ISBN: 9780226036625.
Humberto Martins
Centro em Rede de Investigação em Antropologia, ISCTE ' Instituto Universitário
de Lisboa, Portugal, humbmsm@yahoo.com
Made to be Seen, organizado por Marcus Banks e Jay Ruby, aparece-nos como a
mais recente tentativa de contar (um)a história da antropologia visual. É de
registar e louvar, neste sentido, que vários dos autores convidados tenham o
cuidado de referir que a antropologia visual tem uma vida que extravasa a das
suas geografias académicas mais conhecidas, isto é, britânica, americana e
francesa. A anotação é bem necessária, não só como forma de fazer emergir
espólios escondidos nas várias histórias nacionais e regionais da
antropologia, que ainda estão por contar, bem como para afirmar as
interdisciplinaridades da mesma (não falando só da antropologia visual) que,
como é amplamente referido, não se esgotam apenas noutras ciências, mas
estendem os seus territórios às artes, à intervenção social e ao ativismo
político. Ginsburg, por exemplo, acentua a importante dimensão política da
autorrepresentação propiciada pelos média indígenas num capítulo cujo título é
bem desafiador, Native intelligence. O artigo de Faye Ginsburg é revelador de
como produtos imagéticos enquadrados antropologicamente têm vindo a ser
produzidos nas mais variadas latitudes existenciais do mundo (e não só
recentemente), com fins que vão muito para além da produção, através das
imagens, de conhecimento sobre o Outro. As imagens (sua produção e difusão) são
vistas como recursos de poder e como discurso, ajudando à afirmação dos Outros
e às suas reivindicações de se mostrarem e contarem através de processos
editoriais por si (também) geridos. Este é, igualmente, um dos temas centrais
do artigo de Elizabeth Edwards, abordado através de várias estórias e histórias
da fotografia, num argumento alargado que faz equacionar a produção de
conhecimento antropológico (visual) num quadro de colaborações e partilhas
entre investigadores e sujeitos estudados.
A coletânea de textos, com a participação de alguns consagrados da
disciplina, não repete ideias passadas. São dadas novas perspetivas que fazem
situar algumas das preocupações e temas mais prementes da disciplina, a nível
teórico, epistemológico e metodológico, abrindo linhas para o futuro da
antropologia visual. Diria que a obra, em todos os seus contributos, não se
apresentando como um manifesto, reivindica uma maior centralidade da disciplina
no seio da antropologia social (e cultural). A referência ao esquecimento (ou
será evitamento?) das suas virtudes epistemológicas, teóricas e metodológicas
por parte dos antropólogos não visuais contribui, num certo sentido e contra
a intenção original da obra (que é a de reforçar pontes e colaborações), para o
reforço da autonomia (ou será isolamento?) dos antropólogos visuais. O capítulo
final de síntese por Michael Herzfeld é crítico deste ponto, afirmando-se
contra mais uma especialização da antropologia e propondo, talvez muito
justamente, a aceção multissensorial de todo o projeto antropológico, num
continuado desafio ao enunciado ocularcentrismo ou visualismo da disciplina.
Como refere Herzfeld, fazendo-se situar na ambiguidade da sua própria
desconfiança original face à utilização de imagens e à sua posterior adoção
(com trabalhos audiovisuais já realizados), a antropologia implica-nos na
utilização dos vários sentidos. Apesar de os formatos de apresentação dos
resultados ainda não nos permitirem apelar ao multissensorialismo total
(cheiros, toques ), não deixamos de nos envolver, em especial durante o
trabalho de campo, através de várias experiências sensoriais que vão muito além
da audição e da visão.
O livro reabre o debate sobre o que tem sido a antropologia visual nos últimos
trinta anos e reconhece que, se a sua consolidação disciplinar acontece a
partir do fim dos anos 70, com a crise da representação e do paradigma
positivista nas ciências sociais, a sua história é muito mais longa e acompanha
a da própria antropologia como um todo. Neste sentido, Banks e Ruby desafiam um
lugar-comum discutido noutras obras de referência: o de que a história da
antropologia visual se confunde com a história do filme etnográfico. Apesar de
o capítulo de Jay Ruby e Matthew Durington voltar ao assunto (filme
etnográfico), o livro propõe outras reflexões e âmbitos de estudo ' fotografia
(Elizabeth Edwards), produção e difusão dos média indígenas (Faye Ginsburg),
teorização do corpo (Brenda Farnell), digital e hipermédia (Sarah Pink), arte e
antropologia (Arnd Schneider), construção social do olhar e da visão (Cristina
Grasseni, Sandra Dudley e Roxana Waterson), audiência e receção das imagens
(Stephen Hughes) ', numa renovada tentativa de, de facto, não fechar e reduzir
a antropologia visual ao âmbito de uma produção, receção e crítica do filme
etnográfico ou documentário. E, na verdade, as referências de Ruby e Durington
ao filme etnográfico são feitas no sentido de encontrar novos limites à sua
definição, sem esquecer a importância das ligações teóricas e metodológicas à
antropologia.
Um dos temas ou perguntas clássicas permanece subjacente aos diferentes
escritos ' o que fazer com o visual na antropologia social (e cultural)? A
dificuldade na resposta ou nas respostas tem eco numa presença marginal das
imagens (do audiovisual) no seio da antropologia social. Ainda que nas últimas
décadas (desde os anos 80, principalmente) novos usos, por maior facilidade de
acesso e menor custo de meios, tenham sido dados aos produtos audiovisuais, os
autores fazem notar as insuficiências na presença do visual no seio da
antropologia e a dificuldade de penetração dos seus produtos nas obras dos seus
colegas antropólogos convencionais(itálico meu). Talvez, por isso, muitos dos
diálogos sugeridos apontem a outras fronteiras, mais externas (ou não?) da
antropologia (visual), apelando ao sensorial, às colaborações, aos aspetos
materiais ou menos abstratos dos estudos das culturas e dos indivíduos, e à
própria redefinição da relação entre sujeito e objeto, que passa, recuperando a
aceção de Farnell com base na denominada segunda revolução somática, pelo
reconhecimento de um sujeito com uma agencialidade em constante movimento,
sujeita a circunstâncias em permanente mudança.
Igualmente não menos importante parece-me o reconhecimento das novas
possibilidades técnicas com linguagens específicas, em particular de uma
antropologia visual digital (Sarah Pink). Não dizendo nada de novo
relativamente a textos recentes da autora, a verdade é que o facto de hoje ser
mais fácil produzir e difundir imagens (com um mínimo de configuração
antropológica), isto é, de existirem mais indivíduos a criar representações
sobre culturas e indivíduos através de meios (computadores, Internet) e
suportes (DVD) altamente acessíveis e acedidos é muito desafiador para todo o
projeto antropológico, especialmente no sentido de implicar muito mais os
auditores / leitores / espetadores na coautoria das interpretações ou análises
produzidas. No entanto, se é verdade que o acesso a estas possibilidades
técnicas se vê alargado, Pink salienta como deficitário o espetro dos trabalhos
que, efetivamente, tiram proveito de todas as virtudes hipermédia disponíveis.
Finalmente, uma referência ao capítulo de Kathryn Ramey. A autora aborda vários
filmes etnográficos experimentais, permitindo-nos reavaliar as fronteiras entre
antropologia e arte e as relações entre antropólogos e outros profissionais do
audiovisual. Salientando a incorporação da teoria antropológica em filmes não
antropológicos, Ramey faz referência às contribuições metodológicas, teóricas
e epistemológicas desses filmes para a antropologia.
Em suma, a obra apresenta treze contributos que fazem alargar as perspetivas
sobre a disciplina e relembram a necessidade de criticamente equacionar o
ocularcentrismo predominante na ciência antropológica, ao mesmo tempo que
clamam a favor de novas utilidades e praticalidades no uso do visual na
antropologia. De referir, ainda, três outros recursos muito interessantes
disponibilizados nesta publicação: primeiro, a sua extensa bibliografia de
referência; segundo, a filmografia com indicação de distribuidor; terceiro, a
clareza da escrita e do argumento ao longo das trezes participações, tornando o
livro uma mui prática e útil ferramenta a ter em conta, não só pelos
antropólogos (visuais), mas por qualquer cientista social.