Identity Processes and Dynamics in Multi-Ethnic Europe
Charles Westin, José Bastos, Janine Dahinden e Pedro Góis (orgs.), Identity
Processes and Dynamics in Multi-Ethnic Europe, IMISCOE Research series,
Amesterdão, Amsterdam University Press, 2010, 375 páginas, ISBN: 978-90-8964-
046-8.
Joana Azevedo
CIES-IUL, ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, Portugal,
joana.azevedo@iscte.pt
Pensar a(s) diversidade(s) na Europa contemporânea é o objetivo genérico desta
coletânea. De que modo se podem estudar e comparar as relações interétnicas em
países europeus com experiências históricas e atuais de diversidade tão
distintas? De que modos a Europa tem vindo a governar as diversidades? O que se
entende por identidade na atual Europa multiétnica? Como se constroem as
identidades e as relações interétnicas? Como desenvolver novas estratégias
metodológicas para estudar as identidades?
A coletânea reúne um amplo conjunto de estudos que partem de perspetivas
disciplinares tão diversificadas como a da antropologia, sociologia, história,
estudos migratórios ou estudos culturais, e que têm como desafio comum refletir
sobre as relações interétnicas na Europa, e sobre as dinâmicas e os processos
identitários em curso nas sociedades contemporâneas.
A ideia de organizar este volume nasce no seio dos encontros científicos
organizados pela rede internacional de pesquisa IMISCOE, iniciados em 2005 por
um núcleo que reuniu investigadores a desenvolver trabalho empírico no Reino
Unido, em Portugal, na Holanda, na Suíça ou no País Basco. Os treze textos aqui
coligidos resultam desse trabalho coletivo de debate sistemático das diferentes
pesquisas individuais em relação a temas transversais, como as relações
interétnicas, a identidade, as representações ou a discriminação. Essa
metodologia de trabalho, que tem caracterizado o modo de trabalho da rede
IMISCOE, traduz-se numa conseguida articulação entre os debates teóricos
presentes nos diferentes capítulos e numa coerência de fundo da obra.
Um aspeto particularmente bem conseguido é a complementaridade e diversidade
das estratégias metodológicas convocadas pelos autores: da análise de redes
etnicossociais de albaneses na Suíça desenvolvida por Janine Dahinden, à
investigação-ação que Flip Lindo conduziu durante um ano num autocarro
frequentado por jovens no bairro de Pendrecht em Roterdão, ou ainda ao desenho
pelo antropólogo José Bastos de uma complexa metodologia mista para analisar
comparativamente as estratégias de auto-organização religiosa e familiar que
determinam identidades e modos de inserção diferenciados em seis grupos étnicos
em Portugal.
Sendo uma coletânea muito baseada em estudos empíricos, há uma atenção à
discussão teórica sempre presente em cada texto, e em particular no primeiro e
último capítulos. No capítulo introdutório, Charles Westin desenvolve uma
extensa contextualização histórica das concetualizações em torno da identidade
e uma síntese dos atuais debates e tendências de pesquisa neste campo, ainda
com uma incursão pelo modo como cada disciplina tem abordado teórica e
metodologicamente estes debates. A encerrar a obra, José Bastos e Susana Bastos
exploram o conceito de identidade a partir das perspetivas da antropologia, da
psicologia, da sociologia e da filosofia.
A questão da construção das identidades é analisada de forma particularmente
interessante por Marlene de Vries. A socióloga estuda os laços étnicos dos
judeus na Holanda, grupo etnicorreligioso fortemente assimilado e secularizado,
mostrando que os laços face ao judaísmo são bastante diversificados segundo a
geração, o nível de educação ou a origem da família. A autora mostra como neste
grupo está em curso uma transição para uma identificação étnica de tipo
opcional e intermitente, onde uma dada herança étnica é permanentemente
adaptada e seletivamente usada na significação do quotidiano. No final, o
estudo coloca uma interrogação: como é que os judeus imaginam a sua
continuidade como grupo agindo segundo formas tão fortemente individualizadas?
Aitor Ibarrola-Armendariz lança um desafio semelhante, mas neste caso a partir
das representações da população basca acerca da imigração na região. O autor
evidencia uma contradição que o velho provérbio espanhol “Del dicho al hecho
hay un gran trecho” resume: um evidente desfasamento entre a autorrepresentação
da população basca como sociedade idealmente aberta e culturalmente diversa e a
sua efetiva atitude face aos imigrantes, em questões como a saúde, a educação
ou o mercado de trabalho.
A coletânea reúne também um conjunto de estudos que são um inequívoco
contributo para as pesquisas sobre o(s) transnacionalismo(s). Desde logo, o
estudo de caso de Janine Dahinden sobre os migrantes albaneses oriundos da ex-
Jugoslávia em dois momentos do seu processo migratório: por um lado, na Suíça,
a autora observa em que medida o género, cruzado com outras categorias sociais
como a etnicidade, o estatuto legal ou a educação, estrutura as redes sociais
destes migrantes, mostrando como a estrutura dessas redes está relacionada com
a sua posição específica na sociedade suíça; por outro, no Kosovo, estuda as
redes sociais de migrantes retornados ao país em finais dos anos 1990, após uma
experiência migratória na Suíça, Alemanha ou Holanda. Neste olhar
transnacional, Dahinden analisa de que forma as migrações transformam as
perceções sobre o género, mostrando que no caso das mulheres albanesas
retornadas a experiência migratória tornou muito mais difícil o seu processo de
reintegração.
Numa perspetiva comparativa entre Portugal e a Rússia, o capítulo de Mário
Artur Machaqueiro reflete sobre os efeitos das experiências colonialistas e
pós-colonialistas, explorando as noções de “fronteira” e o seu significado no
espaço europeu: a experiência colonialista portuguesa estendeu as fronteiras da
Europa a África e à América do Sul, e no sentido inverso estas regiões são mais
tarde trazidas de volta à Europa. De modo similar, também a Rússia é aqui
pensada como região de fronteira com a Ásia.
As dinâmicas de poder pós-coloniais e as diferentes reinterpretações do sistema
colonial são o enfoque do texto de Susana Bastos. A antropóloga analisa a
dimensão política das identidades individuais de portugueses muçulmanos
comparativamente a britânicos muçulmanos de origem gujarate residentes em
Leicester, no Reino Unido. Os debates identitários entre os dois grupos
remetem, em grande medida, para as diferenças da sua experiência colonial e
para uma identificação ambivalente com os respetivos colonizadores.
Um outro texto fundamental para discutir o transnacionalismo é o de Pedro Góis,
sobre a forma específica de transnacionalismo que se desenvolveu na migração de
Cabo Verde para a Europa e Estados Unidos, e os seus efeitos na expressão da
identidade dos cabo-verdianos. O caso dos cabo-verdianos é também objeto de
análise por parte de João Sardinha, que procura compreender o papel das
associações de imigrantes na identidade e modos de integração dos cabo-
verdianos na área metropolitana de Lisboa.
Situando-se igualmente no conjunto de estudos fundamentais para discutir
migrações e transnacionalismos, salientaria o capítulo de Nuno Dias, sobretudo
pela sua sólida análise das expressões contemporâneas dos racismos, da
discriminação e da exclusão social em dois contextos comparados: Portugal e
Reino Unido. Em análise, o caso dos hindus de famílias com origem em Gujarate,
cujos percursos de mobilidade determinaram em gerações anteriores uma etapa
migratória na África de Leste, e a emigração, após as independências africanas,
para Portugal e para o Reino Unido. Grupos com diferentes trajetórias
históricas são objeto de padrões de discriminação semelhantes nos dois países.
Consolidando a relevante expressão que os estudos portugueses assumem nesta
coletânea internacional, é de destacar por fim o capítulo de Marta Vilar
Rosales sobre as elites goesas católicas e o período colonial português em
Moçambique. Com base em histórias de vida, a antropóloga reconstrói as
trajetórias, posições e estratégias de integração adotadas por famílias goesas
que vivem atualmente em Portugal.
Reunindo um conjunto fundamental de perspetivas críticas face às abordagens
correntes, os estudos coligidos nesta coletânea alargam assim o debate sobre os
processos identitários e as relações interétnicas, apontando caminhos às
ciências sociais para ensaiar outros contextos, teorias, questões de pesquisa e
metodologias que se afiguram como essenciais.