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EuPTHUHu0873-65612014000200005

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National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolHumanities
Great areaHuman Sciences
ISSN0873-6561
Year2014
Issue0002
Article number00005

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Antropologia em Portugal nos últimos 50 anos: introdução

Como Janus, deus romano dos inícios, das passagens e das transições, com uma face voltada para o passado e outra virada para o futuro, podemos olhar para a forma como se tem feito a investigação e o ensino da antropologia em Portugal.

Iniciadas mais de um século, ambas têm sido desenvolvidas ao sabor dos diversos contextos históricos, com enorme empenho por parte de inúmeros pesquisadores nacionais e estrangeiros que escolheram este país para iniciar ou dar continuidade aos seus estudos. Uns fizeram-no pontualmente, como uma fase transitória das suas vidas. Outros devotaram e continuam a dedicar ainda à pesquisa antropológica, a par da docência ou não, toda a sua vida profissional.

Os frutos dos seus trabalhos, no conjunto, formam um indiscutível contributo para o corpo de conhecimentos empíricos, teóricos e metodológicos sobre as diversas realidades abordadas, favorecendo o enriquecimento do saber sobre os mais variados aspetos das diferentes culturas, tanto em Portugal como noutros terrenos mais distantes.

Em abril de 2012 realizou-se o Congresso Evocativo do Cinquentenário da Criação do Centro de Estudos de Antropologia Cultural (1962-2012), que pretendeu não apenas celebrar a génese daquele centro, como se propôs, através do alinhamento cronológico das sessões por décadas até ao presente, fazer um importante e necessário balanço através da apresentação e debate sobre o trabalho que tem sido desenvolvido na antropologia portuguesa, nos últimos 50 anos. naqueles anos, a legislação era clara:

Tem-se procurado desenvolver e sistematizar uma atividade intensa e útil no domínio da antropologia cultural, de modo a recuperar o atraso em que nos encontramos nesta matéria. [Por esse motivo] Manda o Governo da República Portuguesa, pelo Ministro do Ultramar, o seguinte: 1.º É criado na Junta de Investigações do Ultramar, para funcionar junto do Instituto Superior de Estudos Ultramarinos, o Centro de Estudos de Antropologia Cultural.[1]

Este Centro foi dirigido por António Jorge Dias que, com Ernesto Veiga de Oliveira, Benjamim Pereira e Fernando Galhano, igualmente assegurava o funcionamento do Centro de Estudos de Etnologia Peninsular (CEEP). Este e o Centro de Estudos de Antropologia Cultural (CEAC) foram o embrião do Museu de Etnologia do Ultramar, inaugurado em 1965, e que promoveu ainda a criação do primeiro curso universitário de antropologia do país, no final dessa década (Leal 2006: 177). O CEAC surge como o primeiro da lista de inventário dos 52 organismos e instituições que se ocupavam do estudo dos problemas sociais em Portugal (cf. Pereira 1965), dedicando-se à investigação no âmbito das recolhas da Missão de Estudos de Minorias Étnicas do Ultramar Português da Junta de Investigações do Ultramar (JIU), sendo também pioneiro, numa época que Jorge Dias tinha designado como período antropológico-cultural e social (cf. Areia 1986).

A preocupação destes centros, da formação ministrada e do museu era sobretudo a de dinamizar a investigação antropológica, quer em terras lusas, através dos estudos etnográficos dentro, assim dando continuidade ao ideal de construção da nação, quer simultaneamente noutras geografias, designadamente nas províncias ultramarinas, com a face voltada para a construção do império (cf. Stocking Jr. 1982). Quintino havia notado como

em Portugal, a organização da agenda etnográfica é também tardia e permite demonstrar de que modo as tradições da construção do império e da construção da nação [ ] se articulam e tornam possível a participação no centro, através da etnografia fora de casa, e na periferia, através da etnografia das tradições populares em casa [ ] (Quintino 2004: 40).

A equipa de Jorge Dias empenhava-se nas duas frentes, mesmo que as vontades das tutelas nisto parecessem por vezes menos óbvias.

O conjunto de textos que a seguir se apresentam reflete bem esses tempos e os que se seguiram. São uma mostra das dezenas de testemunhos na primeira pessoa, de acordo com o período em que cada investigador desenvolveu o seu trabalho de campo mais representativo para o contributo da antropologia portuguesa. A pertinência e qualidade dos trabalhos apresentados no congresso levou a que os participantes fossem convidados a redigir livremente sobre as suas experiências, de forma que fosse possível documentar a expressão e registo dos seus contributos e reflexões. Os autores apenas estavam balizados pela década em que cada um desenvolveu pesquisa antropológica de modo mais intenso. Por isso, o leitor irá notar no conjunto a diversidade de estilos, dimensão e conteúdos, uns apresentando-se como artigos mais longos que, a partir de uma experiência pessoal de ensino ou investigação, dão conta de um período ou tendência da antropologia em Portugal (Xerardo Pereiro, Jorge Freitas Branco, José Gabriel Pereira Bastos, Cristiana Bastos); e outros, sendo artigos mais curtos, em jeito de depoimentos, são focados num tema de investigação (Manuela Ivone Cunha, Maria de Fátima Amante) ou em interconexões de pesquisa, ensino, tempo e lugar (Brian O'Neill, Miguel Vale de Almeida).

Ainda tendo trabalhado no CEAC com Jorge Dias, Carlos Ramos Oliveira oferece- nos umas linhas dessa Memória do Centro de Estudos de ­Antropologia Cultural, onde refere o entusiasmo e dedicação com que era desenvolvida a atividade deste centro, o espírito de equipa e de entreajuda entre os seus colaboradores, porque eram tão poucos, com tão parcos recursos e tanto por pesquisar. Susana de Matos Viegas e João de Pina-Cabral dão-nos uma visão global de um período conturbado e de renovação da disciplina, em Na encruzilhada portuguesa: a antropologia contemporânea e a sua história. Com uma experiência de pertenças multiculturais e sendo ele próprio um cocktailde identidades, Juan Brian O'Neill regista Os anos 70 em 3D: reflexões pessoais. Recorrendo à metáfora do corpo humano, descreve o seu percurso com um sentido crítico herdado das influências que recebeu, desde a sua socialização primária, com os pais, aos grandes mestres que o inspiraram, quer por leituras quer por ouvi-los em sala de aula, até às próprias pesquisas feitas em diferentes latitudes. Também em tom de nota pessoal, José Gabriel Pereira Bastos apresenta o seu percurso científico híbrido, assente na psicologia/psicanálise tanto quanto na antropologia ' uma interconexão que fala do percurso Da investigação por objetivos a uma antropologia dos processos identitários: um ponto de vista transdisciplinar e integrativo. Ainda referindo-se ao mesmo período, que qualifica como sendo de luto intelectual, Jorge Freitas Branco busca os Sentidos da antropologia em Portugal na década de 1970 e dá-nos conta de uma alteração do paradigma focado na harmonia para um novo, centrado nas desigualdades e conflitos, e das conturbadas vicissitudes da disciplina naqueles anos igualmente conturbados, com uma experimentada visão por dentro tão típica dos antropólogos. Sobre a pulverização dos anos 80, temos o testemunho de Miguel Vale de Almeida, Com um dentro e outro fora: reflexões pessoais sobre a geração dos eighties.Eram tempos de ressurgimento da antropologia, de busca de novos rumos alternativos e de uma consolidação equilibrada e isenta da disciplina. Questionando e desbravando o próprio país como o banal da vida corrente, ao mesmo tempo iniciava-se o tecer das teias da antropologia portuguesa com redes mais vastas, nomeadamente a europeia e a lusófona. A almejada consolidação da antropologia é-nos explicada por Cristiana Bastos. O seu contributo sobre A década de 1990: os anos da internacionalização elucida-nos relativamente ao esforço que foi feito pelos antropólogos portugueses da sua geração no sentido de fortalecer os caminhos traçados sobretudo no rumo continental, marcado pela fundação da European Association of Social Anthropologists (EASA), e no transcontinental, repensando criticamente e numa perspetiva pós-colonial os sentidos do império e da lusofonia como contraponto de afirmação face à Europa e ao mundo e face ao predomínio anglófono que se instalou nas academias. Reportando-se à mesma altura, Manuela Ivone Cunha elabora uma análise das Linhas de redefinição de um objeto: entre transformações no terreno e transformações na antropologia, relativa à historicidade do etnógrafo e do etnografado, à qual acrescenta o contexto teórico em que ambos se enquadram, e usando os espaços de reclusão feminina como locusde investigação. Finalmente, a entrada no novo milénio coloca os antropólogos em busca de novos rumos, procurando responder aos desafios e tendências do século XXI e abrindo a investigação não às áreas temáticas centrais da antropologia, mas renovando-as com os debates contemporâneos marcados pelo eixo tradição-modernidade em contextos culturais e sociais diversos. Assim, Maria de Fátima Amante fala Das fronteiras como espaço de construção e contestação identitária às questões da segurança e Xerardo Pereiro Da antropologia à antropologia aplicada ou a afirmação da disciplina no Norte de Portugal, o primeiro dedicado a um olhar crítico sobre os condicionalismos em que as fronteiras nacionais são mantidas ou suprimidas pelo Estado, através de uma experiência de terreno cunhada pela proximidade, na raia luso-espanhola, e o segundo ilustrando os modos como se expande e afirma a antropologia aplicada e implicada no Norte do país.

Foram deste modo compiladas todas as contribuições e alinhadas pelas diferentes gerações de antropólogos, permitindo criar um dossiê emblemático da antropologia portuguesa nos últimos 50 anos, cuja importância justificou que fosse proposta a sua publicação à revista Etnográfica e que se espera venha a contribuir, de algum modo, para o conhecimento da história da antropologia em Portugal e permita uma reflexão centrada no futuro. Numa altura em que o país atravessa crises profundas e se uma espécie de destruição criativa [ ], esperando que, das cinzas, nasça algo de novo, como afirmou Manuel Sobrinho Simões, parece ser oportuna tal reflexão, que Na ciência, não nasce, diz o mesmo investigador, nem nada se produz sem um esforço concertado.[2]


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