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EuPTHUHu0874-20492011000100002

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National varietyEu
Year2011
SourceScielo

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O Serviço de Psicoterapia e Aconselhamento (Adultos) Aberto à Comunidade da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa (12 anos de serviço): Caracterização, Perfis de Utentes e Resultados

Introdução Os serviços de psicoterapia e aconselhamento das Faculdades de Psicologia, abertos à comunidade, têm como finalidade básica possibilitar o treino prático e supervisionado dos alunos finalistas mediante a aplicação dos conhecimentos teóricos adquiridos em sala de aula, o que contribui para a formação de profissionais adequadamente habilitados e capazes de expandir as práticas psicológicas em consonância com novas realidades e exigências sociais, políticas e culturais.

Além disso, estes serviços também exercem um papel social de extrema importância, uma vez que oferecem à população economicamente desfavorecida uma possibilidade de acesso a serviços psicológicos gratuitos ou de baixo custo financeiro (Herzberg, 1996).

Devido à sua relevância, os serviços de psicoterapia e aconselhamento têm sido, sobretudo além fronteiras, objecto de vários estudos que se focalizam, em linhas gerais, na caracterização dos utentes (Enéas, Faleiros & , 2000; Peres & Coelho, 2001; Santos, Moura, Pasian & Ribeiro, 1993), na descrição dos serviços oferecidos (Mito, 2001; Santos, 1987; Silvares, 2000; Yamamoto, 1997), na problematização das dificuldades inerentes ao trabalho clínico-institucional (Ropa & Duarte, 1985; Silvares, 1996; Silvestre, 1987; Tozoni-Reis, 1994) e na elaboração de novas propostas de intervenção que se diferenciam das modalidades de atendimento tradicionalmente oferecidas (Barros, Corrêa & Germano Jr., 2001; Peres, 1997; Peres, 2001; Salinas & Santos, 2002; Simon, 1989; Vaisberg & Machado, 1999). Com base na avaliação dos níveis de eficácia das estratégias oferecidas e da identificação das necessidades reais da população, tais estudos mostraram-se imprescindíveis, tanto para o refinamento das práticas clínicas existentes, como para a criação de novos serviços ou modalidades de atendimento.

O presente estudo, insere-se nesta temática e tem como objectivo traçar o perfil dos utentes adultos do Serviço de Psicoterapia e Aconselhamento Aberto à Comunidade, pesquisando mais especificamente alguns dados sócio-demográficos (número de acompanhamentos iniciados por ano, género, faixa etária, estado civil, nacionalidade, escolaridade/curso universitário) e clínicos (referências, queixas iniciais, patologia de personalidade e/ou sintomatologia, número médio de sessões, drop-out's e os resultados percepcionados das intervenções), relativamente ao período compreendido entre 1990 e 2002.

Características Gerais Do Serviço Inserido na Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa (FP-UL), o Serviço de Psicoterapia e Aconselhamento Aberto à Comunidade foi criado em 1982 com o intuito de proporcionar prática supervisionada a estagiários do ano de Psicologia do Núcleo de Psicoterapia e Aconselhamento, e de oferecer à comunidade uma possibilidade de consulta psicológica gratuita. As intervenções são efectuadas numa perspectiva terapêutica integrativa de base Cognitivo- Comportamental.

Características Gerais Das Sessões A primeira sessão consiste numa triagem/avaliação de características, funcionamento geral e problemáticas dos utentes. Inclui-se a entrevista clínica e a aplicação de questionários de avaliação da personalidade (e.g., MCMI-II, Inventário Clínico Multiaxial de Millon II, Millon, 1987) e da sintomatologia (e.g., BSI, Inventário Breve de Sintomas, Derogatis, 1992). As sessões seguintes iniciam-se pela construção de uma relação terapêutica que se caracterize por confiança e segurança, tomando em consideração o grau de motivação do paciente (Vasco, 2005) e que funciona como suporte para a intervenção, possibilitando a exploração e potencial alívio das queixas do utente. Estas sessões têm habitualmente a duração de cerca de cinquenta minutos.

Metodologia Tendo em vista o objectivo proposto, adoptou-se o referencial metodológico de pesquisa documental, enfatizando o carácter descritivo, retrospectivo e com uma abordagem quantitativa e qualitativa. Desta forma, a presente investigação consiste numa pesquisa naturalística, uma vez que procura descrever um fenómeno (as características dos utentes que procuram o serviço psicológico e resultados da intervenção), tal como ele ocorre num ambiente natural (Selltiz, Wrightsman & Cook, 1987).

Para cada utente que contacta o serviço é preenchida uma ficha contendo os seus dados pessoais, sendo posteriormente contactados para iniciarem o processo psicoterapêutico. No final do ano lectivo, os estagiários elaboram um relatório com a informação clínica do utente, contendo a descrição do desenrolar do processo terapêutico e respectivos resultados. Os dados da presente pesquisa foram extraídos destas duas fontes e basearam-se numa amostra de 251 utentes.

Resultados e Discussão Os dados obtidos são apresentados de acordo com as variáveis propostas anteriormente, em figuras com as respectivas frequências e percentagens.

1) Atendimentos Quanto ao número de atendimentos realizados (Figura_1), observou-se uma menor incidência de acompanhamentos nos anos de 1990 (n=6, 2,4%) e de 1991 (n=2, 0,8%) e uma certa estabilidade, em torno dos anos de 1992 a 2001, com excepção de 1993 (n=32, 12,7%), 1996 (n=26, 10,4%) e 1998 (n=26, 10,0%). Em 2002, observou-se uma maior incidência do número de acompanhamentos (n=48, 19,1%). As variações encontradas ao longo dos anos reflectem a disponibilidade do Serviço, particularmente o número de estagiários e a duração dos processos psicoterapêuticos, que ao serem mais breves permitem um maior número de casos atendidos.

2) Género A maioria dos utentes do Serviço é do género feminino (n=192, 76,5%), como pode ser visto na Figura_2a. O facto de haver uma notável predominância de mulheres na composição da amostra seria previsível, pois os estudos existentes que exploram a caracterização dos utentes deste tipo de serviços, patenteiam uma maior procura de apoio psicológico por parte das mulheres (Enéas etal., 2000; Santos etal.,1993). Um outro estudo efectuado por Vasco, Santos & Silva (2004) na população portuguesa aponta também para uma maior frequência do género feminino na procura de apoio psicológico (56,7%). Estes dados correspondem à proporção habitual no recurso a serviços de saúde mental.

Pode pensar-se que tais evidências reflectem os condicionamentos socioculturais moldados pelas relações de género, uma vez que durante o processo de socialização uma construção de género que molda características, atitudes e valores mais associados a cada sexo e determina, por exemplo, que as mulheres devem exteriorizar as suas emoções e solicitar ajuda sempre que necessário, ao passo que os homens, pelo contrário, devem desde cedo ocultar os sentimentos e cultivar a coragem heróica, a bravura e a resistência à manifestação emocional diante das adversidades que enfrentam no quotidiano (Peres, Santos, & Coelho, 2004). Contudo, como é visível na Figura_2b, tem aumentado nos últimos anos a procura do Serviço por parte dos homens, facto este que pode representar mudanças socioculturais associadas às dimensões de masculinidade e feminilidade dos papéis psicossexuais (Nelson-Jones, 2004).

3) Idade No que respeita à faixa etária, os registos indicam que a maioria dos utentes que recorreram à consulta psicológica oferecido pelo Serviço tinham entre 20 a 25 anos de idade (n=75, 29,6%), 51% (n= 128) entre 25 e 50 anos de idade, e 6,4% (n=16) com mais de 50 anos, como pode ser visto na Figura_3. A procura do Serviço primordialmente por jovens adultos pode dever-se, em parte, ao facto de a adultidade jovem ser o período de transição entre o final da adolescência e o início da vida adulta, uma fase habitualmente marcada por incertezas e crises existenciais que podem culminar com a eclosão e/ou acentuação de conflitos psicológicos (Yamamoto, 1997). Por outro lado, estes dados eram esperados na medida em que o Serviço se encontra no campus da Universidade, encontrando-se, por esta razão, particularmente acessível aos estudantes.

4) Estado Civil No que diz respeito ao estado civil (Figura_4), os utentes solteiros representam a maioria (n=142, 56,6%), seguidos pelos casados (n=65, 25,9%), e pelos divorciados (n=19, 7,6%), sendo que os demais (ou vivem em regime de união de facto ou são viúvos ou encontram-se separados, ainda e sem dados) representam apenas 10% da amostra. Estes dados são facilmente explicados se tomarmos em consideração, uma vez mais, o facto de que a maioria dos utentes é composta por jovens adultos, e como tal, previsivelmente solteira.

5) Nacionalidade Em relação à nacionalidade dos utentes (Figura_5), verifica-se sem surpresa uma predominância de Portugueses (n=220, 87,6%), seguidos pelos países de língua oficial portuguesa (n=21, 8%).

6) Escolaridade Quanto ao nível de escolaridade constata-se que o estatuto de frequência universitária ocupa a maior fatia (n=93, 37,1%), como é visível na Figura_6. É de notar que, como é habitual neste tipo de estudos, se verificou um número superior ao conhecido pelas estatísticas oficiais no que se refere ao nível educacional: 82,0% têm habilitações literárias superiores ao ano completo.

Vasco, Santos & Silva (2004) no seu estudo, chegaram a uma percentagem semelhante: 70%. O aspecto da escolaridade, como apontado por Enéas etal.

(2000) reflecte o local em que ocorre a prestação do serviço; no nosso caso, o Campus da Universidade. Esse universo e o facto de se tratar, uma vez mais, de um serviço inserido numa Universidade, ajuda a explicar a alta escolaridade da população adulta quando comparada com estudos que focam outros serviços de saúde mental.

Analisando os utentes por licenciatura (Figura_6.1), verifica-se uma maior frequência dos alunos de Psicologia (n=24, 32,4%), seguindo-se as Letras e as Engenharias com 12,2% e 8,1%, respectivamente. A maior predominância de estudantes de Psicologia era também um resultado esperado. Peres etal.

(2004) apontam como motivos para tal facto estes utentes possuírem uma visão mais realista ou menos preconceituosa acerca dos objectivos de um processo psicoterapêutico. De notar ainda a divulgação informal do Serviço entre os discentes de Psicologia, uma vez que os estagiários do serviço geralmente mantêm uma proximidade maior com os companheiros de curso do que com alunos de outras licenciaturas. Refira-se também a diversidade de licenciaturas que estão representadas.

7) Fontes de Referência Quanto às fontes de referência (Figura_7), os dados desta pesquisa revelaram que a maioria dos utentes chega ao Serviço por indicação de funcionários, alunos, familiares ou utentes (n=145, 57,9%) . Em segundo lugar, aparecem os encaminhamentos formais de profissionais de saúde, nomeadamente psicólogos, psiquiatras e médicos de família (32,4%).

8) Queixas e Perturbações Na amostra constituída pelos utentes do Serviço (Figura_8a), a Depressão revelou-se a queixa mais frequente (n=78, 31,3%), seguida da Ansiedade ( n=45, 18,1%), dos Problemas com Familiares/Colegas (n=36, 14,5%) e de Problemas Conjugais (n=24, 9,6%).

Os estudos de Vasco, Santos & Silva (2004) e de Welling & Vasconcelos (em preparação) obtiveram dados relativos à população portuguesa relativos às queixas que levam as pessoas a procurar ajuda psicológica. No primeiro estudo 17,5% das pessoas referiram depressão e 15,5% referiram ansiedade. No segundo estudo verificou-se também que a depressão (59%) era a queixa mais frequente.

A categorização das queixas no presente estudo compreendeu 13 categorias: nervosismo/ansiedade/dificuldades de concentração, depressão/sentimento de solidão/perda/esgotamento/tentativas de suicídio, fobias/ataques de pânico, problemas conjugais, dificuldades no relacionamento com familiares/colegas, auto-conhecimento, problemas no desempenho académico/profissional, timidez/ dificuldades no relacionamento com o sexo oposto, comportamento alimentar, problemas sexuais/identidade sexual, questões vocacionais, consumos, alucinações/perda do contacto com a realidade.

Com base nas perturbações identificadas pelos instrumentos clínicos utilizados na primeira sessão (MCMI-II e BSI) e na avaliação clínica feita pelos estagiários ao longo das sessões, foi possível categorizar as perturbações evidenciadas pelos utentes do Serviço de acordo com a classificação do DSM-IV (1994). Deste modo, as perturbações podem pertencer ao Eixo I (perturbações sintomáticas, como a ansiedade e a depressão) ou ao Eixo II (perturbações de personalidade). De um modo geral, esta distribuição segue uma curva normal com os casos puros de perturbação de personalidade raramente a existirem isolados, existindo na maioria dos casos situações de comorbilidade ao nível dos eixos.

Como pode ser visto na Figura_8b, deparamo-nos com um predomínio da comorbilidade entre eixos (n=144, 57,2%), seguido das perturbações exclusivamente de Eixo I (n=100, 40%) e de Eixo II (n=7, 2,8%).

9) Número de Sessões Efectuadas Quanto ao número de sessões efectuadas, os utentes tiveram em média 12,7 sessões. Na Figura_9 pode observar-se que a maioria (n=63, 25,1%) teve entre 6 a 10 sessões, seguidos por aqueles que tiveram entre 1 a 5 sessões (n=57, 22,7%). Isto significa que cerca de metade dos utentes teve até 10 sessões. Se atendermos ao facto de a investigação (Howard etal., 1986; Pereira, Welling & Gonçalves, 2004) mostrar que se podem verificar melhoras significativas ao nível da sintomatologia e algumas melhoras ao nível da personalidade até à oitava sessão, e se pensarmos que em 40% dos utentes apenas foram identificadas perturbações no Eixo I (sintomatologia), estes resultados podem ser melhor compreendidos.

10) Drop-out's Ao nível dos drop-out's, ou desistências do processo psicoterapêutico, os dados apontam para 24,3% dos processos iniciados, ou seja, 61 utentes abandonaram o processo precocemente, sem o acordo do terapeuta estagiário. Na Figura_10 podemos observar essa distribuição em função do número de sessões. Deste modo, 57,4% dos drop-out's ocorreram até à sessão. Este dado pode ser atribuído quer a uma insatisfação inicial do utente em relação ao terapeuta ou ao modelo de avaliação/intervenção, quer ao facto de os objectivos inicialmente acordados entre utente e terapeuta terem sido alcançados. Ou seja, muitos utentes podem ter ficado satisfeitos com um número reduzido de sessões, abandonando precocemente o processo psicoterapêutico, mas tendo uma opinião favorável em relação ao terapeuta estagiário e/ou modelo de avaliação/intervenção.

11) Resultados Percepcionados da Intervenção Relativamente aos resultados da intervenção, inferidos com base na percepção dos utentes e do terapeuta, da comparação entre os pontos de entrada e de saída do processo terapêutico (Figura_11), em 16,9% (n=42) dos utentes não se verificou qualquer alteração no seu estado geral, em 0,5% (n=2) dos casos registou-se alguma deterioração, 73,8% (n=135) apresentaram algumas melhoras com o processo psicoterapêutico e 8,7% (n=22) apresentaram bastantes melhorias.

Os valores de deterioração são, para todos os efeitos, inferiores aos apontados em estudos de eficácia da psicoterapia por Lambert & Ogles (2004), que os situam entre 5% e 10%. Por sua vez, o valor relativo às melhoras é semelhante ao valor global geralmente apontado para a eficácia da psicoterapia, cerca de 80%. Estes valores são também muito semelhantes aos encontrados por Vasco, Santos & Silva (2004): em 22,7% dos indivíduos que recorreram a psicólogos não se verificou qualquer alteração no estado emocional geral e em 1,0% dos casos registou-se deterioração (76,3% melhoraram com a terapia). Parece pois, que a intervenção dos terapeutas estagiários, em regime de supervisão semanal, é percepcionada com níveis elevados de efectividade.

Conclusões A pesquisa documental dos utentes acompanhados entre 1990 e 2002 no Serviço de Psicoterapia e Aconselhamento Aberto à Comunidade da FPCE permitiu constituir um retrato robot do utente: cidadão de nacionalidade portuguesa (87,3%), do género feminino (76,5%), com idade compreendida entre os 20 e os 25 anos (29,6%), solteiro (56,6%), com frequência num curso universitário (37,1%), referenciado por um funcionário ou aluno da Faculdade (30,7%), com uma queixa inicial de sintomas depressivos (31,3%), com comorbilidade de perturbações sintomáticas e de personalidade (57,2%), que teve entre 6 a 10 sessões de terapia (25,1%), e que no final do processo psicoterapêutico percepcionava melhorias no seu estado geral de satisfação e funcionamento (82,5%).

Parece-nos ainda importante salientar alguns dos resultados mais significativos. Em primeiro lugar, o aumento do número de casos acompanhados que se tem verificado nos últimos anos, que pensamos poder ser atribuído, tanto a uma maior procura do Serviço por parte de potenciais utentes, como a uma maior disponibilidade em termos de número de estagiários.

Igualmente relevante parece ser o aumento da procura do Serviço por parte de utentes do sexo masculino que pensamos poder ser atribuído a uma diminuição do preconceito estereotípico masculino relativamente à procura de apoio psicológico.

Também nos parece importante salientar a diversificação das fontes que referenciam os utentes, que vão desde funcionários, alunos e antigos ou presentes utentes, até instituições, passando pelos diversos profissionais de saúde.

Por último, o leque amplo das queixas/perturbações que surgem nas consultas, bem como, particularmente, o nível de eficácia do atendimento prestado.

De facto, o aumento da procura de apoio psicológico nos últimos anos parece apontar para a importância e reconhecimento do Serviço na comunidade no qual se insere e reflectir a eficácia dos acompanhamentos efectuados pelos alunos estagiários.

Terminaremos, sublinhando que os resultados do estudo parecem apontar, não para o facto de o Serviço ter vindo a cumprir o objectivo de contribuir para a formação de psicólogos clínicos competentes, como também a realizar a função social de providenciar aconselhamento e psicoterapia com qualidade a quem não possui recursos financeiros para os obter em contexto de prática clínica privada.


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