Atitudes relativamente à homoparentalidade de futuros/as intervenientes da rede
social
Atitudes Relativamente à Homoparentalidade de Futuros/as Intervenientes da Rede
Social
Muitas lésbicas e gays são mães e pais ou exercem funções parentais, pelo que,
desde os anos 1970, esta configuração familiar tem sido objeto de investigação
psicológica. Sendo esta ainda uma temática pouco estudada em Portugal (enquanto
exceções, em termos de publicações, ver os trabalhos de Almeida, 2009; Ferreira
2006; Leal, 2004; Moz, 2006), propomo‑nos neste trabalho analisar as atitudes
relativamente a estas famílias.
Apesar de existirem também mães e pais que se identificam como bissexuais,
transgénero ou queer, a investigação tem‑se focado, principalmente, nas
famílias encabeçadas por lésbicas e gays, casados/as ou celibatários/as. Numa
primeira fase, os estudos pretenderam dar resposta às objeções levantadas por
tribunais ingleses e americanos, relativamente à custódia legal de crianças
cujas mães adotaram uma identidade lésbica. Patterson (2002) sistematizou os
argumentos contra a homoparentalidade da seguinte forma: i) por estas famílias
não disporem de uma figura materna e paterna, rapazes e raparigas não se iriam
desenvolver de forma harmoniosa e saudável, apresentando dificuldades em termos
do seu desenvolvimento psicológico; ii) o facto de se ser educado por gays ou
lésbicas poderia comprometer o desenvolvimento da identidade sexual e de género
das crianças, propiciando a homossexualidade; iii) as crianças seriam vítimas
de discriminação, dada a homofobia que ainda caracteriza a sociedade; e iv) as
crianças correriam maior risco de ser vítimas de abuso sexual, particularmente
por parte dos progenitores do sexo masculino.
De forma a responder às objeções referidas, a investigação tem incidido, quer
na análise das práticas parentais de lésbicas e gays, quer no desenvolvimento
psicossocial de crianças educadas em contexto homoparental (para revisões
destes estudos ver, por exemplo, Biblarz & Stacey, 2010; Patterson, 2002;
Tasker, 2005; Vecho & Schneider, 2005; para uma revisão, em língua
portuguesa, ver Gato & Fontaine, 2011a). Apesar de terem sido objeto de
algumas críticas, nomeadamente, a utilização da heteroparentalidade como
referência normativa2, estas investigações permitiram acumular um corpo de
resultados consistente, concluindo, de uma forma genérica, que as competências
parentais não diferem em função da orientação sexual das pessoas e que as
crianças educadas por lésbicas e gays apresentam um desenvolvimento
psicossocial semelhante ao dos filhos de pais heterossexuais.
Como salientou Alarcão (2000, p. 230), o maior risco para estas famílias está
na atitude segregadora da sociedade heterossexual. Assim, um outro conjunto de
estudos tem destacado a influência do contexto social no qual as famílias
homoparentais estão inseridas e sublinhado o papel negativo da estigmatização
social, geradora de stresse familiar (Vecho & Schneider, 2005). Em
Portugal, as atitudes negativas relativamente à homoparentalidade estão
particularmente patentes na proibição da adoção por casais do mesmo sexo (Lei
da adoção n.º 31, Diário da República, 2003; Lei das uniões de facto n.º 7,
Diário da República, 2001; Lei do casamento n.º 9, Diário da República, 2010) e
percetíveis, em termos sociais, no facto de apenas 19% de uma amostra
representativa da população portuguesa concordar com a mesma (Comissão
Europeia, 2007).
O preconceito poderá ainda constituir‑se como um fator de stresse adicional se
for manifestado no relacionamento com as pessoas cujo papel é o de prestar
assistência às necessidades educacionais, de saúde e sociais das famílias. Por
exemplo, Bos, van Balen, van den Boom e Sandfort (2004) constataram que mães
lésbicas com mais experiências de rejeição institucional apresentavam níveis
mais elevados de stresse parental. Em Portugal, uma análise do discurso de
técnicos/as de saúde mental evidenciou uma visão da homossexualidade como uma
orientação não natural, resultado de um défice ou uma falha desenvolvimental
(Moita, 2006). O mesmo estudo permitiu ainda constatar uma tendência das
pessoas ouvidas para avaliar os/as clientes não heterossexuais como mais
individualistas, agressivos/as ou com mais dificuldades de relacionamento do
que os/as clientes heterossexuais, e para ignorar dimensões mais positivas ou
contextuais que poderiam estar associadas às orientações não heterossexuais.
Como referiu Patterson (2002), as atitudes negativas relativamente à
homoparentalidade estão provavelmente associadas à convicção de que a presença
de dois progenitores de sexo diferente é indispensável para o bom exercício da
parentalidade e para o desenvolvimento saudável da criança. Esta convicção não
deixa, no entanto, de ser contraditória com o facto de pessoas solteiras
poderem ser candidatas a adotantes em Portugal, independentemente da sua
orientação sexual. Assim, torna‑se também relevante investigar em que medida
as atitudes relativamente à homoparentalidade variam em função do estatuto
conjugal dos/as progenitores/as.
Pretendemos assim neste trabalho responder às seguintes perguntas: como é que
um conjunto de futuros/as profissionais da rede social avalia a competência
parental de candidatos/as a adotantes, em função da orientação sexual desses/as
candidatos/as? Adicionalmente, em que medida é que as avaliações da competência
parental dos/as candidatos/as são influenciadas pelo seu estatuto conjugal?
Antes de respondermos a estas questões, apresentamos uma breve revisão dos
estudos no domínio que pretendemos investigar, isto é, as atitudes perante a
parentalidade em função da orientação sexual e estatuto conjugal dos/as
progenitores/as.
Atitudes relativamente à homoparentalidade
As investigações que abordaram as atitudes relativamente à homoparentalidade
não são numerosas (Vecho & Schneider, 2005). Muitas destas investigações
recorreram a uma metodologia semiexperimental, na qual são utilizadas vinhetas
que retratam uma candidatura a adoção, um processo judicial de atribuição de
custódia ou a descrição de uma cena familiar, com manipulação da orientação
sexual dos/as progenitores/as. Posteriormente, os/as participantes são
questionados sobre a competência das figuras parentais em questão ou sobre
aspetos do desenvolvimento da criança. Desta forma, é possível comparar‑se as
respostas que dizem respeito a situações de parentalidade normativa com as
respostas que se referem a núcleos homoparentais. Frequentemente, estes
resultados são também relacionados com outras características dos/as
respondentes (e.g., sexo, grau de preconceito relativamente a lésbicas e gays,
nível de religiosidade). Uma síntese dos estudos sobre as atitudes
relativamente à homoparentalidade pode ser encontrada no Quadro_1.
Como se pode constatar através da análise do Quadro_1, os estudos são, na sua
totalidade, provenientes de países anglo‑saxónicos e, com a exceção de
Crawford, McLeod, Zamboni e Jordan (1999), foram realizados junto de amostras
de estudantes. Globalmente, evidenciam uma perspetiva heteronormativa da
parentalidade, isto é, embora a homoparentalidade não seja derrogada, as
situações de parentalidade heterossexual são geralmente favorecidas, quer no
que diz respeito à competência do sistema parental, quer no que se refere ao
desenvolvimento da criança. As investigações recenseadas não identificaram
diferenças entre as atitudes perante famílias homoparentais femininas e
masculinas (Camilleri & Ryan, 2006; Crawford et al., 1999; Fraser, Fish,
& Mackenzie, 1995). É também visível uma associação entre atitudes mais
negativas relativamente à homoparentalidade e (i) atitudes negativas
relativamente às pessoas homossexuais (Fraser et al., 1995); (ii) adesão a
representações estereotipadas da homossexualidade masculina (McLeod, Crawford,
& Zechmeister, 1999); (iii) nível mais elevado de religiosidade (Crawford
& Solliday, 1996; Crawford et al., 1999); (iv) crença no facto de a
homossexualidade ser uma opção (Crawford et al., 1999); e (v) pertença do
participante ao sexo masculino (King & Black, 1999).
Apenas uma das investigações recenseadas (King & Black, 1999) considerou o
papel desempenhado pelo estatuto conjugal dos progenitores nas atitudes
relativamente à homoparentalidade. Os autores verificaram que uma situação de
conjugalidade lésbica não era considerada mais nociva para o desenvolvimento da
criança, do que uma situação de celibato. Um estudo paralelo comparando casais
de gays e gays celibatários não foi ainda realizado. No entanto, como se verá
de seguida, o estatuto conjugal dos progenitores é uma variável que poderá
interagir de forma significativa com a sua orientação sexual, particularmente
no contexto português.
Atitudes relativamente à monoparentalidade
Não obstante a maior frequência e consequente normalização do fenómeno, a
monoparentalidade continua a ser olhada com alguma apreensão. Subjacente a esta
situação está a perceção da elevada carga financeira associada à educação de
uma criança ou a valorização da família nuclear tradicional (Usdanksy, 2009).
Efetivamente, nos EUA, onde a ideologia do casamento e da família parecem
particularmente salientes, as pessoas solteiras encontram maiores barreiras na
candidatura a processos de adoção ou de procriação medicamente assistida
(Millbank, 1997, in DePaulo & Morris, 2005) e parecem sujeitas a maior
discriminação (DePaulo & Morris, 2005; Morris, Sinclair, & DePaulo,
2007). Nesta medida, alguns estudos constataram que as pessoas solteiras eram
descritas predominantemente como solitárias, infelizes, inseguras e teimosas,
sendo também consideradas menos responsáveis, maduras ou bem‑ajustadas, do que
as suas congéneres casadas (e.g., Etaught & Birdoes, 1991, in Morris et
al., 2007). No que diz respeito à adoção singular, dois tipos de estigma
parecem estar presentes. Por um lado, o estigma já associado à adoção no geral,
frequentemente vista como uma via de recurso para a formação de uma família,
devido à putativa incapacidade dos/as candidatos/as gerarem um filho biológico
(Pavao, 1998, in Boyer, 2005). Por outro lado, o facto de se poder considerar
que o/a candidato/a solteiro/a não cumpriu tarefas sociais altamente
valorizadas, tais como casar e ter filhos (Morris et al., 2007; Pakizegi,
2007). Se, tal como os estudos citados sugerem, as pessoas solteiras forem
menos socialmente aceites do que as pessoas casadas, a sua competência parental
também poderá ser mais posta em causa. No entanto, não se sabe se este
raciocínio é universal ou se se aplica apenas às pessoas heterossexuais. Como
já referimos, em Portugal a monoparentalidade não constitui um impedimento
legal para candidatura a adoção, mas sim a biparentalidade lésbica ou gay.
Assim, à apreensão patente na sociedade e lei portuguesas acerca da adoção por
casais do mesmo sexo, pode acrescer ou não uma avaliação menos positiva do
estatuto conjugal celibatário.
O objetivo principal do estudo empírico que apresentamos em seguida é o de
responder à seguinte questão: como varia a avaliação da competência parental de
candidatos/as a adotantes, em função da sua orientação sexual e do seu estatuto
conjugal? Para operacionalizar este propósito, utilizou‑se uma metodologia
semiexperimental semelhante à utilizada noutros estudos (ver Quadro_1), nos
quais os/as participantes se pronunciaram sobre uma situação de candidatura a
adoção, respondendo posteriormente a um conjunto de itens relativos à perceção
que têm das competências parentais dos/as candidatos/as a adotantes.
Método
Participantes
A amostra, de tipo não probabilístico, é constituída por um conjunto de
pessoas, que, pelas circunstâncias associadas à sua futura profissão, terão
probabilidade de estabelecer relacionamentos profissionais com as famílias
homoparentais. Foram selecionados indivíduos que estão prestes a iniciar a sua
prática profissional, isto é, a frequentar os últimos anos (3º, 4º, 5º ou 6º)
das respetivas licenciaturas. Assim, participaram neste estudo 1288 estudantes,
provenientes de 12 instituições de ensino superior de diversas regiões do país,
frequentando nove cursos, distribuídos por quatro áreas curriculares: (i)
psicossocial (Psicologia, Sociologia, Serviço Social e Educação Social), (ii)
saúde (Medicina e Enfermagem), (iii) educação (Ensino Básico e Educação de
Infância) e (iv) jurídica (Direito), com uma idade compreendida entre os 21 e
os 56 anos (M = 23.10; DP = 4.25). A caracterização pormenorizada da amostra
pode ser consultada na Tabela_1.
Desenho
Recorreu‑se a um desenho semiexperimental interparticipantes, em que a
orientação sexual e o estatuto conjugal dos/as candidatos/as a adotantes,
retratados numa vinheta, foram manipulados. Assim, cada participante foi
confrontado/a com uma única descrição de uma situação de adoção. Deste modo, as
situações apresentadas variam segundo um desenho fatorial, cruzando a
orientação sexual do/s e da/s adotante/s (Lésbica vs. Gay vs. Heterossexual), o
seu estatuto conjugal (Casado vs. Solteiro) e o sexo da criança (Rapariga vs.
Rapaz), obtendo‑se, na totalidade 14 situações diferentes.3 O efeito do sexo
da criança foi controlado equilibrando os grupos. Após a leitura da descrição,
os/as participantes foram solicitados/as a antecipar alguns aspetos da
competência parental dos/as candidatos/as.
Instrumentos
Questionário sociodemográfico. Para efeitos de caracterização da amostra,
recolheu‑se informação relativa às variáveis que podem ser observadas na
Tabela_1.
Vinheta. Por se adequar aos objetivos do presente estudo, isto é, avaliar a
competência parental de candidatos/as a adotantes em função da sua orientação
sexual e estatuto conjugal, foi utilizada uma adaptação da situação‑estímulo
criada por Camilleri e Ryan (2006), a partir do trabalho de Crawford e Solliday
(1996). Trata‑se de uma situação de adoção na qual os/as candidatos/as são
descritos/as como aptos/as para adotar uma criança de seis anos, variando a sua
orientação sexual e estatuto conjugal e também o sexo da criança (uma das
versões das 14 vinhetas pode ser consultada no Anexo_1). Esta situação tem a
vantagem de uniformizar as condições de partida para exercer um papel parental,
independentemente da orientação sexual e estatuto conjugal das pessoas
retratadas. No entanto, trata‑se de uma descrição necessariamente fictícia, na
medida em que não tem em conta os limites estabelecidos pela Lei Portuguesa,
nomeadamente no que se refere à impossibilidade de casais do mesmo sexo se
apresentarem como candidatos à adoção. Após autorização dos autores, a vinheta
original em língua inglesa foi sujeita a um processo de tradução‑retroversão
para o português. Posteriormente, a validade facial desta versão foi assegurada
a partir de uma reflexão falada com um grupo de quatro jovens adultos/as
portugueses/as.
Escala de Avaliação das Competências Parentais (adaptado de Crawford, McLeod,
Zamboni, & Jordan, 1999). O instrumento original avalia a perceção que os
participantes têm de diversos aspetos da competência parental de um casal
candidato à adoção de uma criança. A adaptação do instrumento para a língua
portuguesa incluiu um processo de tradução/retroversão e reflexão falada. Dado
que no presente estudo se manipulou o estatuto conjugal dos/as candidatos/as a
adotantes, foram efetuadas as alterações gramaticais necessárias nos itens (a
escala pode ser consultada no Anexo_2).
Selecionaram‑se como variáveis dependentes seis itens indicativos dos
preconceitos mais comuns relativamente à homoparentalidade (Patterson, 2002). O
item 3 diz respeito ao nível de apoio da comunidade aos futuros pais, o item 4
à sua capacidade de transmitir valores, o item 7 à probabilidade de a criança
ser vítima de abuso sexual, o item 8 à estabilidade emocional do/s candidato/
s ou da/s candidata/s a adotante/s, o item 10 à preocupação dos/as
participantes com as competências parentais e o item 11 à decisão de atribuição
de custódia ao/s candidato/s ou à/s candidata/s em questão. Os/as participantes
responderam utilizando uma escala tipo Likert de 1 a 6, variando as âncoras de
resposta consoante o item. Por exemplo, para o item Em que medida está
preocupado/a com as competências parentais deste casal/desta pessoa?, os/as
participantes exprimiam a sua opinião, desde Nada preocupado/a(1) até
Completamente preocupado/a (6).
Procedimento
Após permissão das respetivas instituições de ensino superior, os questionários
foram coletivamente administrados pelo primeiro autor do estudo, no período
disponibilizado para o efeito. Antes do preenchimento, os/as participantes
foram esclarecidos acerca da natureza voluntária da participação e do propósito
genérico do estudo (avaliar atitudes sociais), tendo sido também assegurados o
direito à confidencialidade e o anonimato das respostas. Tratando‑se de uma
manipulação de caráter experimental, o objetivo do estudo só foi divulgado após
o preenchimento dos questionários, de forma a não influenciar as respostas dos/
as participantes. Neste estudo respeitaram‑se os princípios de ação em
investigação apresentados no Código Deontológico da Ordem dos Psicólogos
Portugueses (OPP, 2011).
Resultados
Em primeiro lugar, com o objetivo de controlar o possível efeito de algumas
variáveis, que poderiam influenciar as respostas dos/as participantes
relativamente à homoparentalidade, realizou‑se uma análise preliminar na qual
se procurou verificar se os/as participantes estavam equitativamente
distribuídos nas condições experimentais definidas em função da orientação
sexual. Não se observaram diferenças significativas nas frequências de resposta
(teste do qui‑quadrado), no que diz respeito às seguintes variáveis
sociodemográficas: sexo [χ2 (2, 1272) = 2.05, p = .359], área curricular [χ2
(6, 1272) = 4.54, p = .605], nível de educação dos pais [χ2(4, 1252) = 6.74, p
= .150], contacto com informação científica relativamente à homossexualidade e
à homoparentalidade [χ2 (2, 1266) = 2.80 p = .247], contacto interpessoal com
lésbicas e gays [χ2 (2, 1262) = 0.48, p = .785], e importância atribuída aos
valores religiosos [χ2 (4, 1263) = 9.76, p = .0450].
Em segundo lugar, para averiguar as tendências de resposta dos/as
participantes, comparou‑se a média das variáveis dependentes com o ponto médio
da escala de Likert (3.5), recorrendo ao testet de student para uma amostra.
Como se pode observar na Tabela_2, os/as participantes manifestaram, em geral,
atitudes globalmente favoráveis, quer à hetero, quer à homoparentalidade. Mais
especificamente, os valores médios das respostas aos itens 4 (capacidade de
transmitir valores), 8 (estabilidade emocional) e 11 (atribuição de custódia)
foram, para todas as orientações sexuais, significativamente superiores ao
ponto médio da escala de resposta. No que diz respeito ao item 7 (probabilidade
de abuso sexual), observou‑se a tendência contrária, isto é, o valor médio das
respostas foi significativamente inferior a 3.5. As exceções dizem respeito ao
item 3 (nível de apoio da comunidade) em que se observaram valores inferiores
ao ponto médio da escala de resposta, no caso dos/as adotantes homossexuais
(lésbicas e gays) e superiores, no caso dos/as adotantes heterossexuais; e ao
item 10 (preocupação com competências parentais), em que se observaram valores
significativamente inferiores ao valor 3.5, no caso da homoparentalidade e
iguais no caso da heteroparentalidade.
Em terceiro lugar, para verificar o efeito principal da orientação sexual
(Lésbica vs. Gay vs. Heterossexual) e da sua interação com o estatuto conjugal
(Casais vs. Solteiros/as) sobre as variáveis dependentes, efetuou‑se uma
Análise Multivariada de Variância (MANOVA). Antes de se realizar esta análise
foram removidos 17 casos.4 Embora não se verifique a homogeneidade da matriz de
variância‑covariância (teste de Box significativo), a dimensão da amostra
pareceu ser suficiente para garantir a robustez das análises. Além disso,
recorreu‑se à medida mais conservadora (critério de Pillai) para considerar
significativos os efeitos principais ou de interação (Tabachnik & Fidell,
2001). Sempre que se verificaram efeitos significativos, foram realizadas
ANOVAS subsequentes para identificar diferenças nas variáveis dependentes em
questão.
Foi detetado um efeito significativo principal da orientação sexual dos
candidatos/as a adotantes, [Critério de Pillai = .19, F (12, 2504) = 21.35, p <
.001, ηp2= .09] para todos os itens, exceto para o item 8 (estabilidade
emocional dos/as adotantes). As análises post‑hocrevelaram diferenças
significativas em função da orientação sexual (Lésbica vs. Gay vs.
Heterossexual), não se tendo verificado diferenças entre as duas primeiras.5
Assim, os/as participantes consideraram que, relativamente aos/às candidatos/as
homossexuais, os/as candidatos/as heterossexuais teriam maior probabilidade de
receber apoio da comunidade, [F (2, 1256) = 73.03, MSE = 1.93, p < .001, ηp2=
.10] e teriam maior capacidade de transmitir valores, [F (2, 1256) = 7.14, MSE
= 0.97, p = .001, ηp2= .01]. No entanto, uma criança adotada por heterossexuais
teria maior probabilidade de ser abusada sexualmente, do que se fosse adotada
por pessoas homossexuais, [F (2, 1256) = 11.70, MSE = 0.62, p < .001, ηp2=
.02]; os/as participantes manifestaram‑se também mais preocupados com as
competências parentais dos primeiros do que dos segundos, [F (2, 1256) = 7.37,
MSE = 2.48, p = .001, ηp2= .01]. Não obstante os dois últimos resultados, a
probabilidade de atribuição de custódia era maior se a criança fosse adotada
por pessoas heterossexuais do que por pessoas homossexuais, [F (2, 1256) =
27.42, MSE = 1.32, p = 0.000, ηp2= .042] (ver Tabela_3).
Embora não se tivesse verificado um efeito principal do estatuto conjugal, a
interação da orientação sexual com o estatuto conjugal foi significativa,
[Critério de Pillai = .04, F (18, 3759) = 2.55, p < 0.001, ηp2= .01] para os
itens 3 e 11, referentes respetivamente ao apoio da comunidade, [F (3, 1256) =
4.88, MSE = 1.93, p = .002, ηp2= .012] e à atribuição de custódia, [F (3, 1256)
= 3.36, MSE = 1.32, p = .018, ηp2= .01].
Como se pode observar na Tabela_4, ANOVAS subsequentes revelaram diferenças
significativas entre casais e candidatos/as solteiros/as, apenas nas
orientações homossexuais, nos itens respeitantes ao apoio da comunidade e
atribuição de custódia. Assim, os/as participantes consideraram que os/as
candidatos/as solteiros/as receberiam mais apoio da comunidade do que os
casais, quer no caso dos gays, [F (1, 358) = 7.36, p = .007], quer no caso das
lésbicas, [F (1, 366) = 6.84, p = .009]. Apenas no caso das lésbicas os/as
participantes atribuíram com maior probabilidade a custódia da criança às
candidatas solteiras, do que às candidatas casadas, [F (1, 367) = 7.66,
p = .006].
Discussão
Este estudo analisou as atitudes relativamente à homoparentalidade de um
conjunto de futuros intervenientes da rede social. Para tal, procurou‑se
verificar em que medida variavam as avaliações que os/as participantes faziam
da competência parental de candidatos/as a adotantes, em função da sua
orientação sexual e do seu estatuto conjugal.
Como esperado, verificou‑se que os julgamentos que os/as participantes fazem
da competência parental dos/as candidatos/as são influenciados pela orientação
sexual e estatuto conjugal dos/as mesmos/as. Mais detalhadamente, os resultados
autorizam, pelo menos, duas abordagens interpretativas.
Uma primeira abordagem decorre da análise dos valores médios nas variáveis
estudadas. Efetivamente, quando se trata de outcomes positivos (capacidade de
transmissão de valores, estabilidade emocional do/s candidato/s e da/
s candidata/s, decisão de atribuição de custódia), os valores médios das
respostas dos/as participantes situaram‑se, para todas as orientações sexuais,
do lado positivo da escala de resposta (i.e., médias significativamente
superiores ao ponto médio da escala tipo Likert utilizada). No que diz respeito
ao outcome mais negativo, isto é, a probabilidade de a criança ser abusada
sexualmente, sucedeu o oposto (i.e., médias significativamente inferiores a
3.5). As diferenças entre as atitudes relativamente à homo versus
heteroparentalidade relacionaram‑se com a perceção do nível de apoio da
comunidade, tendo os/as participantes avaliado positivamente os/as candidatos/
as heterossexuais e negativamente as lésbicas e os gays.
Esta avaliação, globalmente positiva, nomeadamente no que diz respeito à
decisão de atribuição de custódia, não reflete a opinião da população geral
portuguesa face à adoção por casais do mesmo sexo (Comissão Europeia, 2007). No
entanto, a idade dos/as participantes (jovens adultos/as), a sua elevada
formação académica e o seu sexo (maioritariamente mulheres), poderão explicar
parcialmente tais resultados (Gato & Fontaine, 2011c).
Uma segunda abordagem interpretativa parece particularmente útil para enquadrar
o efeito significativo da orientação sexual dos/as candidatos/as na avaliação
da sua competência parental. A homoparentalidade foi avaliada mais
positivamente do que a heteroparentalidade em dois casos, sucedendo o inverso
em três outros. Por um lado, os/as respondentes percecionaram que uma criança
teria maior probabilidade de ser abusada sexualmente se fosse adotada por
pessoas heterossexuais, o que poderá refletir uma perceção fidedigna da
realidade, sabendo‑se que, de facto, as situações de abuso sexual são
geralmente perpetradas em contexto heteroparental (Maria & Ornelas, 2010).
Os/as participantes manifestaram também maior preocupação com as competências
parentais das pessoas heterossexuais, do que com as das lésbicas e dos gays.
Este resultado poderá indiciar a consciência de que, por enfrentarem mais
obstáculos do que as famílias heteroparentais para ter filhos, as lésbicas e os
gays estarão mais motivados/as para a parentalidade, investindo mais na mesma.
Por outro lado, os/as participantes consideraram que os/as candidatos/as
heterossexuais receberiam mais apoio da comunidade do que os/as candidatos/as
homossexuais e teriam maior capacidade de transmitir valores, atribuindo com
maior probabilidade a custódia aos/às primeiros/as do que aos/às segundos/as. O
facto de os/as participantes terem percecionado que as famílias homoparentais
beneficiariam de menos apoio social não indica, por si só, a existência de
preconceito, podendo refletir, simplesmente, a consciência dos índices de
preconceito que ainda se verificam na sociedade portuguesa (Gato &
Fontaine, 2011c). Já no que diz respeito à diferença na capacidade de
transmitir valores, esta indicia uma apreciação mais preconceituosa das pessoas
com orientação sexual gay e lésbica (Patterson, 2002), que se refletiria assim
na sua capacidade parental, uma vez a custódia é atribuída com maior
probabilidade a pessoas heterossexuais; isto, apesar de os/as candidatos/as
heterossexuais serem avaliados/as menos positivamente em duas outras variáveis
' abuso sexual e preocupação com as competências parentais. Maximiza‑se assim
a discriminação, acrescentando uma outra, baseada na maior probabilidade da
pessoa ser discriminada, fenómeno que configura uma culpabilização da vítima ou
blame the victim (Ryan, 1971, in Waller, 2001). Esta atitude é também
protetora da identidade dos/as futuros/as profissionais da rede social, que se
quer não preconceituosa: os/as candidatos/as não heterossexuais não são
genericamente vistos/as como incompetentes, residindo o problema numa sociedade
que ainda discrimina, facto que poderá ter sido decisivo na atribuição de
custódia. Em suma, embora a homoparentalidade não seja vista negativamente, a
custódia da criança é atribuída com maior probabilidade às famílias
heteroparentais, resultado consistente com os encontrados em estudos
anteriores, quer no que diz respeito ao maior favorecimento da parentalidade
heterossexual, quer no que se refere à não identificação de diferenças, em
termos de efeito principal, entre a homoparentalidade feminina e masculina
(Camilleri & Ryan, 2006; Crawford et al., 1999; Fraser et al., 1995).
A apreensão relativamente às situações de monoparentalidade (DePaulo &
Morris, 2005; Morris, Sinclair, & DePaulo, 2007; Usdanksy, 2009) não
encontrou eco neste estudo uma vez que não se verificaram diferenças
significativas entre candidatos/as celibatários/as e casados/as, na maior parte
das variáveis estudadas. No entanto, verificou‑se uma interação significativa
entre a orientação sexual e o estatuto conjugal, na antecipação do nível de
apoio da comunidade e na decisão de atribuição de custódia. Assim, os/as
participantes consideraram que as lésbicas ou os gays celibatários receberiam
mais apoio da comunidade do que os casais do mesmo sexo (femininos ou
masculinos). Sem afastar a possibilidade de este resultado estar associado à
perceção de uma maior necessidade de apoio social por parte das famílias
monoparentais, o facto de tal se verificar apenas no caso das lésbicas e dos
gays poderá refletir também a apreensão no que diz respeito à adoção por casais
do mesmo sexo (Comissão Europeia, 2007), que seriam assim mais discriminados e
menos apoiados pela comunidade. No caso das lésbicas, verificou‑se ainda uma
maior probabilidade de atribuição da custódia da criança a uma pessoa solteira
do que a um casal. Diversas hipóteses concorrentes surgem para explicar este
resultado. Primeiro, as lésbicas casadas poderão ter sido desfavorecidas
relativamente às suas congéneres celibatárias por veicularem, de forma visível,
a mensagem de que um homem não é imprescindível para exercer a parentalidade.
Nesta medida, as lésbicas casadas representariam uma maior ameaça a uma
sociedade patriarcal, dominada pelos homens. Este tipo de discriminação
configuraria o que se designa por lesbofobia, preconceito que recrimina os
sujeitos percecionados como lésbicos por, ao não cumprirem a compulsão
heterossexual natural e não estarem ao dispor sexual dos sujeitos masculinos,
não serem verdadeiras mulheres, estatuto que só merecem os sujeitos femininos
heterossexuais e/ou maternais, e domésticos (Rocha, 2010, p. 10). Segundo,
este resultado poderá estar associado a uma perceção de maior controlabilidade
da orientação sexual no caso das lésbicas, do que no caso dos gays. Não estando
dispostas a controlar a sua orientação, pelo menos de uma forma socialmente
mais visível do que as suas congéneres celibatárias, as lésbicas casadas
seriam, por isso, mais sancionadas. Neste sentido, no estudo de Crawford e
colaboradores (1999), os/as participantes expressavam maior preocupação com a
adoção por um casal lésbico, do que por um casal gay ou heterossexual, quando
eram da opinião que a orientação sexual era uma questão de escolha. Terceiro,
tendo em conta que a amostra é maioritariamente feminina, os resultados podem
ser interpretados como uma resposta a uma perceção de ameaça a dois aspetos
presumivelmente nucleares da identidade social das participantes, isto é, a
conjugalidade e a maternidade (Tajfel & Turner, 1986). Por outras palavras,
podemos estar perante um mecanismo de proteção da identidade heterossexual
feminina através da derrogação daquelas que não a aceitam de forma visível e
pública, isto é, as lésbicas casadas.
Globalmente, os resultados apresentados permitem observar uma avaliação mais
negativa da homoparentalidade do que da heteroparentalidade. Se tal se
verificou numa situação em que os/as candidatos/as reúnem as condições ideais
para a parentalidade, perante realidades familiares necessariamente imperfeitas
é possível que estes preconceitos possam vir a assumir um papel mais
proeminente.
Os resultados desta investigação devem, no entanto, ser lidos com alguma
cautela. Desde logo, porque a pequena magnitude dos efeitos impõe os
necessários limites à generalização dos resultados para a situação natural. De
salientar ainda que as avaliações feitas neste estudo se podem generalizar mais
às famílias homoparentais adotivas do que a outras configurações homoparentais.
Provavelmente, situações de homoparentalidade na sequência de maternidade de
substituição ou de inseminação/procriação medicamente assistida suscitariam
diferentes atitudes. Finalmente, mesmo a utilização de um desenho
semiexperimental, no qual os/as participantes foram confrontados/as apenas com
uma situação, pode não ter impedido a manifestação da desejabilidade social.
Dado que a homoparentalidade diz respeito não só aos pais e às mães, mas também
à criança, estudos futuros deverão incluir, além de uma avaliação da
competência parental, uma medida de antecipação do desenvolvimento da criança.
Adicionalmente, as atitudes relativamente à homoparentalidade poderão ser
relacionadas com outras variáveis, cujo impacto será tido em conta em estudos
futuros, tais como o sexo dos/as participantes, o contacto interpessoal com
lésbicas e gays, as atitudes face a lésbicas e a gays ou a adesão a papéis de
género tradicionais. O impacto da variável independente sexo da criança poderá
também ser verificado em investigações subsequentes.
Não obstante as limitações apontadas, do presente trabalho decorrem algumas
implicações. Dada a complexidade de temáticas que afetam a vida das famílias
homoparentais (e. g., consequências de se pertencer a um grupo estigmatizado,
falta de reconhecimento legal, receio de que os direitos parentais sejam
usurpados, entre outras), o conhecimento dos desafios e especificidades desta
configuração familiar é um elemento essencial para conhecer e lidar eficazmente
com as necessidades de mães lésbicas, pais gays e seus filhos. Moleiro e Pinto
(2009) salientam, no âmbito da Psicologia, a urgente necessidade [em Portugal]
da introdução das temáticas LGBT nos curricula académicos das formações
graduadas e pós‑graduadas (p. 170). Também Oliveira, Pereira, Costa e
Nogueira (2010) propõem, a criação de currículos onde a orientação sexual e a
identidade de género sejam discutidas de forma não preconceituosa ' em todos os
níveis escolares e académicos (p. 210). Os resultados do presente estudo
chamam sobretudo a atenção para as atitudes dos/as futuros/as profissionais da
rede social e para a necessidade da abordagem desta temática em diversas áreas
de formação, em particular naquelas que preparam pessoas que possam vir a
trabalhar diretamente com famílias homoparentais, como é o caso da amostra
selecionada. Neste sentido, várias associações profissionais americanas já se
pronunciaram e emitiram diretrizes de caráter ético para os seus membros, no
que diz respeito à defesa dos direitos e não discriminação das famílias
homoparentais. Destacam‑se, nomeadamente, as tomadas de posição de médicos,
psicólogos, psicanalistas, juristas ou assistentes sociais (APA, 2005).
Finalmente, uma abordagem, originalmente no domínio da psicoterapia, que se
mostrou útil para ajudar as pessoas LGB a lidar com a discriminação de que são
objeto, é o chamado Modelo Afirmativo Gay (Carneiro, 2009; Davies & Neal,
2000). Este consiste num conjunto de princípios que orientam a intervenção
psicológica junto de pessoas LGB, redirecionando o foco de atenção da pessoa e,
acrescentamos nós, da família homoparental, para o contexto homofóbico em que
se inserem. Carneiro (2009) salienta a importância desta abordagem se estender
a outros domínios da Psicologia que não apenas o da psicoterapia, propondo que
se fale antes de uma Psicologia Afirmativa Gay. Permitimo‑nos ir um pouco mais
longe, sublinhando a necessidade de alargar o compromisso com estes propósitos
afirmativos a todos os cursos que preparam pessoas para lidar com pessoas.
Seria, assim, mais adequado falar de uma Intervenção Social Afirmativa Gay.
Criar uma sociedade mais justa e inclusiva, com implicações para o bem‑estar
das famílias homoparentais, é um desafio que se coloca a todos/as os/as
intervenientes da rede social.