Teste de cancelamento em pacientes com AVC ou TCE: uma revisão da literatura
Introdução
O acidente vascular cerebral (AVC) e o traumatismo cranioencefálico (TCE) estão
entre as doenças neurológicas que mais causam incapacidade física e disfunção
cognitiva em diversos países, dentre eles o Brasil (Feijó & Portela, 2001;
Hoffmann, Schmitt & Bromley, 2009; Piras et al., 2004). Dentre as funções
cognitivas comumente alteradas no AVC destacam‑se a memória, atenção,
linguagem e orientação, enquanto que pacientes com TCE têm usualmente déficits
em funções executivas, assim como atenção, memória e velocidade de
processamento (Larson, Demery, Cole & Perlstein, 2005; Draper &
Ponsford, 2008; Mathias & Wheaton, 2007; Tatemichi et al., 1994). Associado
a essas disfunções, os pacientes que sofreram AVC e TCE em geral apresentam
sequelas neurocomportamentais tais como dificuldade em se manter empregado e
preservar relações sociais (Fann, Hart & Schomer, 2009), além de
transtornos psiquiátricos, estando entre os mais comuns depressão e ansiedade.
Mais especificamente, como resultado de um AVC, devido à complexidade das redes
neurais envolvidas nos diferentes processamentos cognitivos, eventos
hemorrágicos ou isquêmicos que ocorrem em uma distribuição vascular específica
podem afetar mais de uma função cognitiva, por envolver complexas conexões
corticais e subcorticais (Ferro, 2001; Rovira, Grive, Rovira &
Alvarez‑Sabin, 2005). De acordo com Tatemichi et al. (1994) e Donovan et al.
(2008), os infartos de hemisfério esquerdo da artéria cerebral média (ACM)
podem resultar principalmente nos seguintes déficits: afasia, mutismo, apraxia
bucofacial, agrafia, acalculia, apraxia, e desorientação direita/esquerda.
Infartos de hemisfério direito da ACM podem resultar, por sua vez, em
heminegligência (HN), déficit visuoespacial e visuoconstrutivo, aprosódia,
alterações comunicativas, prosopagnosia e anosognosia. Já as lesões pós TCE,
resultam em danos difusos, predominantemente afetando as regiões frontal e
temporal, produzindo um modelo distinto de déficits cognitivos e
comportamentais, que varia de acordo com a localização e a severidade da lesão
(National Institute of Health, 1998). Na maioria dos pacientes (90%) ocorre TCE
fechado em que o crânio não é penetrado, e tais danos normalmente são focais,
sobrepostos em difusão da substância branca e dano no tronco cerebral (Henry
& Crawford, 2004). Dentre os déficits já apresentados, os danos associados
aos aspectos atencionais e perceptivos serão o enfoque nesse trabalho.
A atenção seletiva ou atenção concentrada pode ser definida como habilidade de
processar informação selecionada ou relevante sem interferência de informação
irrelevante, déficits marcantes nos quadros de AVC e TCE (Schmitter‑Edgecombe
& Kibby, 1998). Para avaliar esta função neuropsicológica são utilizados
testes de cancelamento visual, os quais envolvem busca e escaneamento visual de
letras ou símbolos, concomitantemente ou não a demais distratores, que estão
organizados em colunas ou linhas ou de forma pseudoaleatória. Tarefas de
cancelamento que usam disposição pseudoaleatória de símbolos complexos são mais
difíceis de serem realizados do que os testes nos quais os estímulos‑alvo
estão organizados em linhas ou colunas (Lowery, Ragland, Gur, Gur & Moberg,
2004). Alguns dos instrumentos amplamente utilizados na avaliação de ambos os
quadros é o teste de cancelamento de linhas (Leibovitch et al.,1998; Maeshima
et al., 1997; Mark & Heilman, 1998; Vanier et al.,1990) e Letter
Cancellation (Hallingan & Marshall, 1998; Marshall, Grinnell, Heisel,
Newall & Hunt, 1997). Como o desempenho em tarefas que avaliem atenção
seletiva é fundamental para o funcionamento do indivíduo em uma variedade de
situações do dia a dia, uma compreensão da relação desta com o AVC e TCE
torna‑se necessária.
Outro aspecto importante está relacionado com indivíduos que sofreram em sua
maioria e com mais frequência AVC ou TCE de hemisfério direito, em que ocorre
um quadro complexo denominado HN unilateral ou hemi‑atenção (Beis et al.,
2004; Gianotti, Messerli & Tissot, 1972). Nesses casos, o paciente ignora,
ou não responde a estímulos contralaterais ao lado em que ocorreu a lesão
cerebral (Azouvi et al., 2006; Vossel et al., 2011). Esta predominância é
baseada na concepção de que o hemisfério direito (HD) distribui a atenção
uniformemente e dirige o foco para ambos os lados do espaço extrapessoal,
enquanto o hemisfério esquerdo (HE), dirige predominantemente para o lado
contralateral (Mesulam, 1999). Portanto, os testes de cancelamento também podem
ser utilizados para avaliar heminegligência visual. Esses pacientes tipicamente
mostram dificuldades em orientação espacial ou atenção seletiva em direção ao
hemiespaço contralesional (Siéroff, Decaix, Chokron & Bartolomeo, 2007). Em
estudos que investigam as variáveis que influenciam na evolução do tratamento
pós‑lesão neurológica, a heminegligência, quando presente, ocasiona um pior
prognóstico (Fordell, Bodin, Bucht & Malm, 2011), sendo essencial sua
identificação para estimativas de intervenção.
Uma vez que os testes de cancelamento são utilizados para avaliar aspectos
atencionais e perceptivos, sendo especialmente úteis para a acurácia
diagnóstica da síndrome de heminegligência, entende‑se que é necessário
realizar um levantamento dos testes de cancelamento que vem sendo mais
frequentemente escolhidos nas pesquisas com pacientes com lesão cerebral
adquirida. Assim, os achados do presente estudo poderão auxiliar clínicos a
selecionarem de modo crítico suas tarefas avaliativas para estes fins. Mais
especificamente, uma vez que alterações atencionais e perceptivas têm sido
amplamente relatadas nos quadros de AVC e TCE e essas lesões são as que ocorrem
com mais frequência na população em geral, acredita‑se que é necessário
caracterizar esses instrumentos de forma que o clínico possa fazer escolhas
baseadas em evidências.
Desta forma, esta revisão teve por objetivo caracterizar quantos e quais os
paradigmas de cancelamento visual têm sido utilizados em estudos
neuropsicológicos com amostras de pacientes com AVC e TCE. A partir dos
resultados espera‑se compreender para que fim tais testes de cancelamento têm
sido utilizados em ambas as populações neurológicas, os aspectos que envolvem
essa avaliação; bem como um entendimento quanto as características atencionais
e perceptivas dessas lesões adquiridas.
Método
A revisão sistemática da literatura foi realizada no mês de janeiro de 2011.
Foram encontrados 216 resumos (Figura_1) nas fontes PUBMED, LILACS e PSYCinfo.
Essas bases foram utilizadas por abrangerem pesquisas nacionais (Brasil) e
internacionais. Nas bases de dados foram realizadas duas buscas, uma com as
palavras‑chave referentes aos construtos teste de cancelamento e AVC e
outra com os construtos teste de cancelamento e TCE. Os construtos
utilizados abrangem os aspectos principais da avaliação por testes de
cancelamento em duas populações neurológicas. As palavras foram escolhidas por
serem frequentemente utilizadas em artigos sobre a temática e/ou serem
descritores nos sites PubMed e LILACS. Não se delimitou a data de publicação
dos artigos com o intuito de englobar as pesquisas precursoras na área. A
sintaxe utilizada encontra‑se na Tabela_1.
Os critérios de seleção final desses resumos para sua inclusão na revisão
sistemática foram os seguintes: 1) abordar estudos com indivíduos com TCE ou
AVC; 2) utilizar instrumentos ou tarefas que avaliassem atenção por testes de
cancelamento visual. A partir desses critérios, foram excluídos três artigos
que não descreviam o instrumento utilizado e um que não era identificada a
população estudada. Além disso, os artigos completos dos resumos selecionados
após exclusão dos repetidos e dos não localizados (por serem artigos muito
antigos e não estarem disponíveis pelo Portal CAPES) foram analisados com
ênfase nas seções Objetivo, Método e Resultados e as informações destes
tabelados.
Resultados
A seguir serão apresentados os resultados por meio de quatro tabelas. A Tabela
1 apresenta a sintaxe utilizada nas buscas realizadas nas bases de dados, bem
como a quantidade de resumos identificados na primeira busca e de resumos
selecionados após a primeira análise de critérios de exclusão. Em um primeiro
momento, tais dados são apresentados para a amostra de AVC. Na segunda parte da
Tabela_1, estudos com amostras com TCE foram quantificados. Ambas foram
avaliadas com paradigmas de cancelamento.
O número total de artigos completos analisados nessa revisão sistemática foi de
86. Na Tabela_1 observa‑se que o número mais expressivo de publicações sobre
avaliação com instrumentos de cancelamento em pacientes com AVC foi na base de
dados PubMed. Em contrapartida, na segunda parte da tabela, nota‑se que o
número mais expressivo de publicações sobre exame com tais paradigmas em
indivíduos pós‑TCE, foi tanto na base de dados PubMed e PsycINFO. É também
importante ressaltar a discrepância entre o número de artigos encontrados com
pacientes com AVC daqueles com TCE, sendo a frequência de estudos com a
primeira amostra muito maior do que com a última.
A análise dos textos completos foi subdividida em duas tabelas, sendo que a
Tabela_2 descreve os paradigmas de cancelamento utilizados na avaliação das
populações neurológicas enfocadas. Quantificou‑se o número de estudos por
instrumento utilizado, especificando‑se a quantidade de investigações para
cada amostra clínica, AVC e/ou TCE. Em complementaridade, na Tabela_3, as
investigações são agrupadas por seu objeto de estudo: função ou síndrome
neuropsicológica avaliada pelos paradigmas de cancelamento.
Tabela_2
Tabela_3
De acordo com a apresentação dos dados na Tabela_2, foram identificados 26
paradigmas de cancelamento. Observa‑se que o teste mais amplamente utilizado
nas pesquisas é o Star Cancellation seguido do Line Bissection, Line Crossing e
Letter Cancellation. O instrumento que foi utilizado para avaliar o maior
número de participantes com AVC foi o Line Crossing,pois segundo Ferber e
Karnath (2001) é um teste tradicional na avaliação de heminegligência sendo
rápido e fácil de administrar já com TCE, foi o Teddy Bear Cancellation Taskque
consiste em um teste de cancelamento com distratores desenvolvido para crianças
baseado noBells Testpara adultos, foi escolhido porque os testes de
cancelamento são fáceis de administrar e identificam heminegligência
(Laurent‑Vannier, Chevignard, Pradat‑Diehl, Abada & De Agostini, 2006).
Ressalta‑se, ainda, que grande parte das pesquisas encontradas com AVC (97.6%)
incluíam participantes adultos e apenas duas com crianças (n=6). No entanto,
das investigações com pacientes com TCE, duas (40%) envolviam crianças. Na
Tabela_3 os estudos incluídos foram agrupados de acordo com seu foco de
interesse de investigação a partir de um ou mais paradigmas de cancelamento
visual.
Na Tabela_3 observa‑se que o grande enfoque dos autores ao usar testes ou
tarefas de cancelamento é identificar heminegligência. Em geral, tal
diagnóstico é baseado na análise do número de omissões do campo visual
contralateral ao da lesão na folha de resposta. Há também artigos que discutem
a velocidade de processamento e o papel da mensuração do tempo na identificação
de heminegligência.
Na Tabela_4 pode‑se observar as estratégias utilizadas pelo paciente durante a
busca pelos alvos, tais como, coluna ou direção utilizada para o início da
busca, distância medida inter alvo e quantificação das intersecções realizadas.
Alguns autores também utilizam essas tarefas para avaliar componentes das
funções executivas, mais precisamente, organização, planejamento e inibição de
estímulos visuais. Portanto, nota‑se que apesar do enfoque ser na avaliação da
ocorrência de heminegligência, existe uma vasta gama de avaliações qualitativas
complementares e mais específicas decorrentes da análise de estratégias e de
tipos de erros.
Tabela_4
Discussão
A partir dessa revisão, encontrou‑se uma quantidade e variedade importante de
paradigmas de cancelamento visual utilizados na avaliação de pacientes com os
quadros neurológicos súbitos AVC e/ou TCE. Fez‑se um levantamento de 26
instrumentos que vem sendo utilizados para identificar heminegligência, e/ou
caracterizar o processamento de atenção visual concentrada associada ou não ao
processamento perceptivo. Os instrumentos utilizados tanto pós‑TCE quanto
pós‑AVC foram, Line Bissection, Star Cancellation, Letter Cancellation, Random
Letter Cancellation, Shape Cancellation, Random Shape Cancellation eTeddy Bear
Cancellation Task. Nota‑se, então, que todos são paradigmas específicos de
cancelamento de alvos, exceto o Line Bisection. Embora desde o início da década
de 1990 não venha mais sendo considerado uma tarefa de cancelamento
propriamente dita (Friedman, 1990; Lee et al., 2004), segue sendo incluído em
baterias de avaliação da atenção concentrada visual e de heminegligência. O
Line Bissection requer que o paciente seccione uma linha em duas de igual
tamanho, sendo cada vez mais sensível para o diagnóstico de hemianopsia, em
contrapartida, os testes de cancelamento dependem de uma busca visual acurada
de alvos dentre vários estímulos, distratores ou não, sem requerer
especificamente percepção de tamanho (Ferber & Karnath, 2001).
O paradigma mais utilizado na avaliação de AVC foi o Star Cancellationque
consiste de uma página com 52 grandes estrelas, 10 palavras curtas e 13 letras
posicionados de forma aleatória entre 56 pequenas estrelas. O instrumento está
incluído em uma das mais conhecidas baterias para avaliação de heminegligência
(Behavioural Inattention Test ou BIT) sendo considerado dentre todos os
subtestes incluídos na bateria, o mais sensível (Bailey, Riddoch & Crome,
2002). Já nos quadros de TCE, o paradigma encontrado com mais frequência foi o
Teddy Bear Cancellation Task que é uma tarefa com estímulos distribuídos de
forma pseudoaleatória e com distratores, sendo bastante sensível na
identificação de heminegligência em criança com lesão cerebral adquirida.
Outras informações como escores de omissão e estratégias de busca também podem
ser calculados (Laurent‑Vannier et al., 2006).
Dos instrumentos elencados na Tabela_2, muitos fazem parte de baterias
exclusivas para avaliação de heminegligência o que faz com que alguns testes
sejam mais conhecidos e aplicados. Podem‑se identificar quatro, sendo elas:
Sunnybrook Neglect Battery (SNB) que contêm os subtestes: bateria de desenhos
(desenho espontâneo, cópia de um relógio e margarida), Line Cancellation, Line
Bisectione Shape Cancellation (Leibovitch et al.,1998); Behavioral Inattention
Test (BIT), consiste de seis testes com lápis e papel (Line Crossing,
LettereStar Cancellation,cópia de figura e forma, Line Bisectionedesenho
representacional), e nove testes comportamentais (escaneamento de figura,
ligação de telefone, leitura de um menu, falar e marcar o tempo, classificação
de moedas, cópia de sentença e endereço, navegação por mapa e classificação de
cartas). A bateria pode levar até 45 minutos. Uma bateria breve foi
desenvolvida a partir da original sendo mais apropriada para pacientes idosos.
Dos testes utilizados nessa bateria, o Star Cancellation Testusado na versão
modificada foi o teste mais sensível (Bailey, Riddoch & Crome, 2000);
Batterie d'´evaluation de la n´egligence spatiale (BEM): Essa bateria foi
desenvolvida para facilitar a avaliação em pessoas com o Francês como idioma.
Dessa bateria fazem parte os seguintes testes: The Bells Test, Figure Copying,
Clock Drawing, Line Bisection, sobreposição de figuras, leitura e escrita e uma
escala de avaliação comportamental de heminegligência (Catherine Bergego Scale
' CBS). Essa bateria foi sensível para avaliar pacientes com AVC de hemisfério
direito, sendo que 85% dos pacientes apresentaram heminegligência em pelo menos
um teste. Os testes mais sensíveis foram o Bells Test e leitura. A VR
Diagnostic test battery (VR‑DiSTRO) é uma bateria de realidade virtual em que
o computador simula o ambiente que foi desenvolvida para avaliar
heminegligência com mais acurácia e rapidez. Essa bateria possui quatro testes:
VR‑Star Cancellation Test (VR‑SCT), VR‑Line Bisection (VR‑LB), VR‑Visual
Extinction (VR‑EXT), VRBaking Tray Task (VR‑BTT). Também possui um módulo de
reabilitação, como um jogo de computador (Fordell et al., 2011).
Nos artigos em que essas baterias foram utilizadas a única população estudada
foi AVC. Mesmo nas baterias que envolvem outras tarefas na avaliação de
heminegligência, os testes de cancelamento são os que mais identificam a
síndrome em decorrência da busca/escaneamento que deve ser realizado pelo
paciente. No que tange à análise comparativa entre estudos com pacientes
pós‑AVC e pós‑TCE, de modo surpreendente, apenas uma parcela mínima dos
estudos analisados, dois artigos, avaliava exclusivamente pacientes com o
segundo quadro. Na medida em que a prevalência pode ser observada nos estudo de
Mckenna, Cooke, Fleming, Jefferson e Ogden (2006), em que se verificou que a
incidência de heminegligência em quadros de TCE é de 45,2%, já Laurent‑Vannier
et al. (2006) identificaram 30% de heminegligência em crianças com lesão de
hemisfério direito, em que 32 de 41 crianças sofreram TCE, tal discrepância de
quantidade de estudos por amostra era inesperada. Uma das possíveis explicações
para este achado é que parece haver uma tendência de se examinar processos
cognitivos específicos em pacientes pós‑TCE a partir de testes de
cancelamento, sem um interesse focado na possível identificação de uma
determinada síndrome como a heminegligência. Por exemplo, na meta‑análise de
Mathias e Wheaton (2007), em que a autora pesquisou os instrumentos para
avaliar processamento da atenção em amostras com TCE, e foram identificados 10
estudos que selecionaram tarefas de cancelamento com o intuito específico de
avaliar acurácia, velocidade de processamento e busca visual. Além disso, tais
estudos foram publicados entre 1992 e 2000, ou seja, há mais de uma década.
Por outro lado, em pesquisas com pacientes pós‑AVC a investigação da atenção
está frequentemente associada ao interesse em se diagnosticar heminegligência.
Considerando‑se que a frequência de heminegligência em AVC pode ser ao redor
de 20% maior que no TCE, isto é, variando de 10% a 68,8% (Azouvi et al., 2006;
Bailey, Riddoch & Crome, 2004; Halligan, Marshall & Wade, 1990; Lee et
al., 2004; Linden, Samuelsson, Skoog & Blomstrand, 2005; Lopes, Ferreira,
Carvalho, Cardoso & André, 2007; Vanier et al., 1990), dessa forma não
parece ser coerente a diferença de percentual de artigos encontrados
significativamente maior de estudos envolvendo populações com doenças
cerebrovasculares e somente dois estudos com TCE, já que em ambos os quadros a
prevalência de heminegligência é alta. Dessa realidade sugere‑se algumas
hipóteses: talvez o TCE por ser uma lesão mais difusa e com lateralização menos
evidente, a presença de heminegligência não fique tão exacerbada; os estudos
podem estar mais preocupados com síndromes gerais como alterações perceptivas
e/ou atencionais e menos com síndromes mais específica como heminegligência,
mesmo que esta seja altamente prevalente em pacientes com TCE. Dessa forma,
parece que avaliação da atenção concentrada visual em pacientes com TCE não
está baseada no paradigma do cancelamento o que pode ocasionar uma reabilitação
incompleta não levando em consideração essa possível disfunção.
Portanto, com base no levantamento dos artigos completos, observa‑se que os
testes de cancelamento com distratores são os mais sensíveis na identificação
de heminegligência, tais como Bells Test eStar Cancellation. Podendo também ser
usados na identificação de desatenção quando as omissões ocorrem no lado
contralateral e ipsilesional à lesão, na identificação de estratégias, como
identificar a coluna em que o paciente inicia, sendo que a busca que inicia
pela direita é indício de heminegligência. E até como um teste para avaliar
funções executivas, como organização e planejamento. Portanto, o uso de testes
de cancelamento tanto lápis e papel quanto testes de cancelamento
computadorizados, que parecem ser tão específicos e sensíveis e mais rápidos
que os primeiros, demonstraram ser importantes para identificação de quadros de
heminegligência e serem essenciais na avaliação neuropsicológica e para ter
indícios de prognóstico.
Considerações Finais
Essa revisão sistemática da literatura possibilitou identificar 26 dos testes
de cancelamento utilizados para avaliar o processamento atencional perceptivo
em amostras de pacientes com AVC e TCE. Os instrumentos identificados mais
utilizados nos artigos completos foram: Star Cancellationseguido doLine
Bissection, Line CrossingeLetter Cancellation.
Foi possível verificar a escassez de artigos com TCE que enfoquem na avaliação
da atenção com o uso de teste de cancelamento. Além de um pequeno número que
abordam o uso do teste de cancelamento para avaliação de heminegligência. No
entanto, para população com AVC pode‑se observar uma ampla gama de pesquisas
que enfocam tanto na avaliação, quanto nas estratégias utilizadas pelos
pacientes e na reabilitação. Dessa forma, sugere‑se o uso de teste de
cancelamento para avaliação da atenção e heminegligência em ambos quadros
neurológicos. Sabe‑se das limitações desse estudo em especial quanto ao número
de artigos não encontrados, pois buscou‑se fazer um levantamento o mais
abrangente possível, no entanto, foram encontrados artigos muito antigos que
não estavam disponíveis online. De acordo com os resumos desses artigos que não
foram lidos na integra não há informações diferentes daquelas apresentadas nos
resultados do presente estudo. Por outro lado, a busca não foi delimitada por
tempo para permitir que os estudos de referência pudessem ser encontrados.
Desses, apenas três incluíam população com TCE e os outros 22 eram com AVC.
Para próximos estudos e intervenções ressalta‑se a importância de pesquisas
empíricas com instrumentos de cancelamento na avaliação de heminegligência
pós‑TCE, pois parece ser um quadro que está sendo pouco discutido e incluído
nas avaliações neuropsicológicas da atenção e percepção. Por fim, mais estudos
com utilização de paradigmas de cancelamento na avaliação de heminegligência
com outras populações neurológicas e psiquiátricas devem ser conduzidas para
identificação dos instrumentos utilizados nas avaliações cognitivas realizadas.